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quarta-feira, 5 de agosto de 2009

JURID - Júri. Homicídio qualificado por motivo fútil. [05/08/09] - Jurisprudência


Apelação criminal. Júri. Homicídio qualificado por motivo fútil, em sua forma tentada. Sentença absolutória embasada na negativa, pelos jurados, da materialidade e autoria delitivas.
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Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Criminal n. 2008.076703-2, de Araquari

Relator: Desembargador Substituto Tulio Pinheiro

APELAÇÃO CRIMINAL. JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO POR MOTIVO FÚTIL, EM SUA FORMA TENTADA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA EMBASADA NA NEGATIVA, PELOS JURADOS, DA MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS. RECURSO MINISTERIAL. ALEGAÇÃO DE MANIFESTA CONTRARIEDADE À PROVA DOS AUTOS. TESE ACOLHIDA. DECISÃO DO CONSELHO POPULAR DESTOANTE DOS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO EXISTENTES NOS AUTOS, EM ESPECIAL A PERÍCIA TÉCNICA E O RECONHECIMENTO, PELO RÉU, DA INVESTIDA CONTRA A VÍTIMA, MALGRADO SOB A JUSTIFICATIVA DA EXCLUDENTE DA LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA. RECURSO PROVIDO PARA ANULAR O JULGAMENTO POPULAR.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2008.076703-2, da Comarca de Araquari (Vara Única), em que é apelante a Justiça, por seu Promotor, e apelado Evaldo Braga da Silva:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por unanimidade de votos, dar provimento ao recurso para anular o julgamento popular. Custas legais.

RELATÓRIO

No Juízo da Vara Única da Comarca de Araquari, Evaldo Braga da Silva foi denunciado como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, II, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, pela prática da seguinte conduta delitiva, assim narrada na exordial acusatória:

No dia 26 de março de 2007, por volta das 19h, no quintal da casa da vítima, situada na Rua Alan Kardeck, 17, Loteamento Cerro Azul, Porto Grande, nesta cidade e Comarca, o denunciado EVALDO BRAGA DA SILVA, em razão de pequeno desacerto acerca do pagamento da prestação de serviços por si realizada, mas que já havia sido resolvido, armou-se de uma foice e, após bradar "vou te rachar no meio", com animus necandi, partiu em direção à vítima João Batista Garcia, desferindo-lhe golpe que atingiu a cabeça e decepou dois dedos da mão, causando os ferimentos descritos no auto de exame de corpo de delito de fls. 56.

Walta Coelho, conhecida de ambos, que se encontrava no local, ao perceber que o denunciado reiteraria nos golpes para dar azo ao seu propósito homicida, interveio para conter a ação, impedindo, assim, que o delito se consumasse por circunstâncias alheias à vontade do agente.

O socorro médico foi acionado, o que também contribuiu para que fosse evitada a morte da vítima, buscada pelo denunciado com sua ação. [...] (fls. II/III - sic).

Suplantada a fase do judicium accusationis, sobreveio a sentença para pronunciar Evaldo Braga da Silva para julgamento perante o Tribunal do Júri (fls. 144/151).

Processado o julgamento pelo Conselho de Sentença, Evaldo Braga da Silva foi absolvido pela decisão soberana dos jurados que, majoritariamente, negaram quesito inerente à materialidade e autoria do crime (fls. 209 e 214/217).

Insatisfeito com a prestação jurisdicional, o representante ministerial interpôs recurso de apelação, insurgindo-se acerca do veredicto dos jurados, sob a alegação de que decidiram contrariamente à prova dos autos, eis que a tentativa de homicídio restou comprovada tanto pelo laudo pericial como pelos depoimentos colhidos durante a instrução (fls. 221-227).

Contra-arrazoado o recurso (fls. 252/253), ascenderam os autos a esta Corte, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento do apelo (fls. 258/262).

VOTO

Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo representante do Ministério Público contra a decisão que absolveu Evaldo Braga da Silva da imputação de ter praticado o ilícito previsto no artigo 121, § 2º, inciso II, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Estatuto Repressivo.

Pretende o apelante ver anulado o julgamento perante o Colegiado Popular, sob o fundamento de que a decisão dos jurados, ao negar a autoria do apelado e a materialidade do delito de homicídio qualificado pelo motivo fútil, em sua forma tentada, foi manifestamente contrária à prova dos autos.

O apelo merece acolhida.

É sabido que, em se tratando de decisão soberana do Tribunal do Júri, o recurso eventualmente manejado somente merecerá guarida quando o julgado não encontrar respaldo em nenhuma das teses apresentadas em Plenário. A jurisprudência, inclusive, já se encarregou de esclarecer que a expressão "manifestamente", contida no art. 593, III, alínea "d", do Código de Processo Penal, aplica-se quando a decisão dos jurados tiver sido embasada em tese descabida e sequer articulada nos autos.

A propósito: "É pacífico, hoje, que o advérbio 'manifestamente', usado pelo legislador no art. 593, III, d, do CPP, dá bem a idéia de que só se admite seja o julgamento anulado quando a decisão do Conselho de Sentença for arbitrária, por se dissociar inteiramente da prova dos autos. E não contraria esta a decisão que, com supedâneo nos elementos de convicção deles constantes opte por uma das versões apresentadas" (RT 592/349).

In casu, os senhores jurados negaram, majoritariamente (4 votos a 3), quesito inerente à materialidade e autoria do crime, entendendo que o recorrido não foi autor das lesões que implicaram na tentativa de homicídio contra vítima João Batista Garcia, o que está dissociado da realidade verificada no substrato probante amealhado ao longo da instrução processual, conforme se verá a seguir.

Compulsando-se o caderno processual, observa-se que a materialidade delitiva vem comprovada pelo Boletim de Ocorrência (fls. 32/33), pelo Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02-10), bem como pelo Termo de Exibição e Apreensão de uma foice (instrumento do crime - fl. 46), e, ainda, pelos laudos periciais realizados na vítima (fl. 56 e 77), os quais atestam as lesões sofridas por esta em razão da ação delituosa praticada pelo réu.

A autoria, por seu turno, está positivada, tendo em vista que o próprio apelado, quando interrogado em ambas as fases processuais, confessou ter executado ato, ou seja, o desferimento do golpe de foice contra a vítima.

Durante o Inquérito Policial, narrou que estava na residência da vítima e que, após desavença em virtude de uma dívida referente ao não pagamento por serviços que teria prestado, acabou desferindo o golpe de foice, tendo atingido a vítima no braço. Porém, não permaneceu no local, sendo retirado por populares (fl. 10).

Sem destoar, quando interrogado em juízo, afirmou:

[...] Que prestou alguns serviços para a vítima e no dia dos fatos ficou acertado que buscaria parte do pagamento, consistente em R$ 90,00; que chegou na casa da vítima por volta das 19:00 horas, onde já estavam a vítima, Walta Coelho e um outro rapaz que mora em Barra Sul, não sabendo precisar o nome deste; que estava com pressa porque queria ir até a casa da sua mãe; que então pediu a vítima o dinheiro que ela lhe devia pelos serviços, ocasião em que a mesma respondeu que era para esperar porque estavam todos se confraternizando no local; que ficou chateado com a resposta da vítima, mas permaneceu no local; que todos beberam cachaça, mas não estavam embriagados a ponto de perder a consciência; que em dado momento cobrou novamente da vítima o valor que ela lhe devia, ocasião em que a mesma levantou-se da cadeira com um garfo e uma faca de cozinha nas mãos; que a faca tinha ponta; que a vítima foi ao encontro do interrogando e, ao imaginar que pudesse ser agredido por ela, pegou uma foice que estava encostada na parede e desferiu um golpe contra a vítima; que não visou uma parte do corpo específica do corpo da vítima para acertá-la, pois pretendia apenas se defender; que devido ao golpe a vítima caiu e o interrogando foi andando para trás porque Walta e o outro rapaz já foram ao seu encontro; que não ameaçou acertar a vítima depois que ela caiu; que quando saiu do terreno da residência da vítima, largou a foice e saiu correndo; que nunca teve qualquer desentendimento anterior com a vítima; que não pegou a foice dentro da carroça de Walta; que só veio a saber que a foice pertencia a Walta depois do ocorrido; que depois de ter fugido, ao perceber que estava sendo procurado pela polícia, se escondeu num matagal, mas depois resolveu se entregar, não reagindo a prisão [...] (fls. 72/73 - sic, sem grifo no original).

Outrossim, conforme se extrai do interrogatório colhido perante o Tribunal do Júri, o apelado torna a afirmar que:

[...] cobrou a dívida da vítima; que esta não gostou; que passaram a discutir; que a vítima falou palavras agressivas ao interrogando [...] que, ato contínuo, o interrogando disse 'vamos ver se tu é bom'; que nesta ocasião o interrogando desferiu um golpe com o referido instrumento em direção à vítima; que não sabe a região do corpo que a vítima foi atingida; que a vítima caiu e começou a sangrar; que neste momento, Valter Coelho aproximou-se do interrogando e disse para cessar as agressões; que por temer sua integridade física, o interrogando saiu correndo do local [...] (fl. 207 - sic, sem grifo no original).

Vê-se, pois, das próprias palavras proferidas pelo recorrido, que este, em momento algum, negou a autoria do delito, buscando, no entanto, justificar sua conduta sob a assertiva de que teria agido em legítima defesa.

Registre-se, por oportuno, que a confissão acerca da autoria vem respaldada pelas demais provas, como, por exemplo, as declarações judiciais da vítima João Batista Garcia (fl. 99), da testemunha presencial Walta Coelho (fl. 100), além dos testigos Juan Carlo Bitencourt (fl. 101) e Charles Teixeira (fl. 102).

Desta forma, vê-se que o Tribunal Popular, negando a materialidade e autoria do apelado na tentativa de homicídio que vitimou João Batista Garcia, aderiu à preposição descabida e contrária aos elementos de convicção existentes, especialmente aos depoimentos colhidos ao longo da instrução criminal, situação que torna a decisão dos jurados manifestamente contrária às provas constantes no processado.

Em casos semelhantes, em que a decisão do Conselho de Sentença não encontra apoio no substrato probante, a jurisprudência já proclamou:

APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DO DOMINUS LITIS. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO. NEGATIVA DE AUTORIA ACOLHIDA PELO CONSELHO DE SENTENÇA. RECONHECIMENTO QUE NÃO ENCONTRA ECO NO CONJUNTO PROBATÓRIO. CONFISSÃO FEITA PELO RÉU NO TOCANTE À AUTORIA DOS DISPAROS. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. RECURSO PROVIDO PARA ANULAR O JULGAMENTO, RESTANDO PREJUDICADO O INCONFORMISMO DO RÉU.

"É manifestamente contrária à prova dos autos a decisão do Conselho de Sentença que acolhe a tese defensiva da negativa de autoria, a qual não encontra qualquer ressonância nos elementos de convicção coletados, inclusive, tendo o acusado, na polícia e em juízo, admitido a autoria das lesões que levaram à vítima a óbito, ensejando a anulação do julgamento" (APR n. 2003.021143-8, de Balneário Camboriú, rel. Des. Irineu João da Silva). (Apelação Criminal n. 2006.044216-5, rel. Des. Sérgio Paladino).

Desta feita, denotando as provas que o recorrido desferiu o golpe que redundou em lesões na vítima, outra solução não há além de anular o julgado, submetendo o apelado a novo julgamento pelo Tribunal do Júri.

DECISÃO

Ante o exposto, em Segunda Câmara Criminal, por unanimidade de votos, dá-se provimento ao recurso para anular a decisão do Conselho de Sentença.

O julgamento, realizado no dia 16 de junho de 2009, foi presidido pelo Exmo. Des. Irineu João da Silva, com voto, e dele participou a Exma. Desa. Salete Silva Sommariva. Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça lavrou parecer o Exmo. Dr. Paulo Roberto Speck.

Florianópolis, 16 de junho de 2009.

Tulio Pinheiro
RELATOR

Publicado em 29/07/09




JURID - Júri. Homicídio qualificado por motivo fútil. [05/08/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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