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terça-feira, 18 de agosto de 2009

JURID - Júri. Decisão contrária à prova dos autos. [18/08/09] - Jurisprudência


Júri. Decisão contrária à prova dos autos. Hipótese de segunda apelação quanto ao mérito.


Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.

JÚRI - Decisão contrária à prova dos autos - Hipótese de segunda apelação quanto ao mérito - Recorrente condenado anteriormente por crime menos grave em razão de desclassificação pelo Júri anterior, objeto de apelo acusatório - Tese que não pode ser apreciada novamente - Recurso conhecido em parte, rejeitada a preliminar e concedida a ordem de "habeas corpus" de ofício para o fim de afastar a qualificadora e reduzir a pena.

JÚRI - Jurados - Impugnação - Pretendida nulidade do julgamento por suspeição - Jurada que já fora vítima de lesão corporal e seu marido de homicídio - Irrelevância - Recurso conhecido em parte, rejeitada a preliminar e concedida a ordem de "habeas corpus" de ofício para o fim de afastar a qualificadora e reduzir a pena.

PENA - Fixação - Circunstâncias judiciais (artigo 59 do CP) - Júri - Recorrente e co-réu acusados da prática de homicídio qualificado tentado - Qualificadora afastada pelo Conselho de Sentença com relação a um dos agentes, sendo este condenado por homicídio simples tentado - Condenação pelo mesmo fato com reprimenda superior a um deles - Inadmissibilidade - Apelante na mesma condição de primário - Idêntica redução pela tentativa - Necessidade - Recurso conhecido em parte, rejeitada a preliminar e concedida a ordem de "habeas corpus" de ofício para o fim de afastar a qualificadora e reduzir a pena.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal Com Revisão nº 990.08.063505-0, da Comarca de Quatá, em que é apelante SIDNEI DIAS DA CUNHA sendo apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 10ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "CONHECERAM O APELO EM PARTE, REJEITARAM A PRELIMINAR E CONCEDERAM HABEAS CORPUS DE OFÍCIO PARA O FIM DE AFASTAR A QUALIFICADORA E REDUZIR A PENA PARA 04 ANOS DE RECLUSÃO. FARÁ DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR O REVISOR. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CIRO CAMPOS (Presidente), CARLOS BUENO E FÁBIO GOUVÊA.

São Paulo, 15 de janeiro de 2009.

CIRO CAMPOS - PRESIDENTE E RELATOR

Voto nº 17.367 (1).

Apelação nº 990.08.063505-0 - Quatá.

Apelante: Sidnei Dias da Cunha.

Apelado: Ministério Público.

SIDNEI DIAS DA CUNHA foi condenado pelo Tribunal do Júri da Comarca de Mauá como incurso no artigo 121, parágrafo segundo, IV, c.c artigo 14, II, ambos do Código Penal, à pena de 08 anos de reclusão em regime inicialmente fechado (fls. 638/641).

Apelou (fls. 643) pleiteando preliminarmente a nulidade do julgamento por suspeição de uma das juradas e no mérito a absolvição. O reconhecimento da desistência voluntária, a redução da pena ou afastamento da qualificadora (fls. 646/657).

Apresentadas as contra-razões de fls. 591/595 (numeração irregular), manifestou-se a Procuradoria Geral de Justiça no sentido do não provimento (fls. 598/606).

É o relatório.

Não há nulidade alguma.

O fato de a jurada Silvia Aparecida Bedin Camponez ter sido vítima de lesão corporal e seu marido de homicídio não a impede de participar do júri em tela.

Ademais a defesa não a recusou teve oportunidade para o fazer.

De outro canto, o restante da apelação não comporta conhecimento por ser a segunda apelação quanto ao mérito, eis que o recorrente já havia sido condenado por crime menos grave graças à desclassificação pelo Júri anterior, objeto de apelo acusatório, acolhido por esta mesma Câmara.

Não pode, assim, ser novamente apreciada a tese de decisão contrária a prova dos autos.

Entretanto, merece o condenado ser beneficiado em um ponto, aqui devendo ser concedido "Habeas-Corpus" de ofício para tal fim.

Isso porque ele e o co-réu foram acusados da prática de tentativa de homicídio qualificado pelo uso de recurso que dificultou a defesa da vítima e o Conselho de Sentença do co-réu Vagner Dias da Cunha afastou a qualificadora, seguindo-se sua condenação por homicídio simples tentado à pena de 04 anos de reclusão (fls. 678/687), não podendo prevalecer aqui a condenação pelo mesmo fato a 08 anos de reclusão por tentativa de homicídio qualificado, merecendo a mesma pena do referido co-réu por estar na mesma situação de primário, com idêntica redução pela tentativa.

Pelo exposto, por meu voto, conheço o apelo em parte e rejeito a preliminar e concedo a SIDNEI DIAS DA CUNHA "Habeas-Corpus" de ofício para o fim de afastar a qualificadora e reduzir sua pena para 04 anos de reclusão.

Ciro Campos

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR.

Sidnei Dias da Cunha foi pronunciado como incurso em crime de homicídio qualificado. Submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri de Quatá foi ali condenado a 2 anos de reclusão, já que os jurados desclassificaram o crime de homicídio para o de lesões corporais graves.

A promotoria pública recorreu e esta Câmara deu provimento ao recurso para a realização de novo Júri, já que a desclassificação de crime foi manifestamente contrária à prova dos autos.

No novo Júri Sidnei condenado a 8 anos de reclusão, homicídio qualificado. Recorre a esta Corte, sustentando que não houve dolo de matar, pelo que a condenação foi manifestamente contrária à prova. E quer em tese alternativa afastamento da qualificadora, a única, antes apontando preliminar de nulidade, pois um dos jurados não poderia ter votado.

A Procuradoria-Geral de Justiça salientou no parecer que essa apelação poderia ser conhecida tão-somente no que se refere à preliminar de nulidade, que deve, aliás, ser afastada. Sustenta a procurador que o artigo 593, parágrafo terceiro, última parte, Código de Processo Penal, impede uma segunda apelação pelo mérito ou pelo mesmo motivo.

Pacífica a jurisprudência nesse sentido: somente cabe uma apelação quando se alega decisão manifestamente contrária à prova dos autos. Ainda que o primeiro recurso tenha sido da parte contrária, no caso específico em exame o da promotoria pública, que não se conformou com a desclassificação para crime menos grave. Basta sobre o tema conferir a obra de Júlio Fabbrini Mirabete, "Código de Processo Penal Interpretado" ed. 2006, pg. 1.496-1497.

Vale dizer que não há respaldo fático e jurídico para se decidir se Sidnei Dias da Cunha agiu ou não dolosamente no episódio relacionado com a tentativa de homicídio qualificado.

E para mim também não houve a apontada nulidade, que nesse ponto admite o conhecimento da apelação, tudo nos termos do voto do des. Ciro Campos.

Mas a apelação contém outra tese que me faz expedir habeas corpus de ofício para afastar a qualificadora e definir a pena do homicídio simples em 4 anos de reclusão.

O co-réu Vagner Dias da Cunha foi denunciado junto com seu irmão Sidnei Dias da Cunha, o ora apelante, como autores da tentativa de homicídio contra Adilson Souza Ribeiro. A denúncia descreve que os dois agiram juntos e pegaram a vítima de surpresa, daí então a qualificadora.

Foram os dois pronunciados por homicídio qualificado.

No julgamento pelo Tribunal do Júri, relacionado com Vagner dias da Cunha, os jurados por 5 X 2 votos afastaram a qualificadora. Foi Vagner então condenado por tentativa de homicídio simples, 4 anos de reclusão, regime aberto, decisão que transitou em julgado. Como se viu, Sidnei foi condenado a 8 anos de reclusão por homicídio qualificado, no mesmo e único episódio delituoso que teve a participação de Vagner (um terceiro irmão deles já foi em definitivo absolvido pelo Tribunal do Júri, que entendeu sobre a sua não participação).

Como anota Eduardo Spínola Filho, "se, na apelação, é declarada ineficiente a prova, se dá como inexistente a infração, na sua materialidade, se o crime é desclassificado, se a pena é diminuída atendendo as circunstâncias de caráter geral, há motivos comuns que alcançam a todos os co-réus" ("Código de Processo Penal Brasileiro Anotado", ed. 1965, vol. VI/72).

Assim resumida a orientação doutrinária a respeito, acrescente-se que a jurisprudência é nesse sentido, existindo inúmeros julgados referendando essa tese: aplicação de extensão de efeitos a co-réu quando ocorrem decisões francamente antagônicas e conflitantes, dizendo respeito a um mesmo episódio delituoso.

A propósito: "No caso de concurso de agentes em que a acusação que se colocou na denúncia foi absolutamente a mesma para ambos os réus, a absolvição em recurso interposto por somente um deles, fundada na atipicidade do fato, aproveitará ao outro, ainda que desmembrado o processo, posto se tratar de motivo de caráter geral e não pessoal" (RT 692/258, rel. o des. Djalma Lofrano).

No âmbito de revisão criminal já decidiu esta Corte que deve ser estendida ao peticionário decisão absolutória reconhecida em favor de co-réu, constando expressamente do acórdão que haveria "gritante injustiça e até mesmo incoerência da seção criminal se indeferisse o presente pedido" (RJTJESP 47/383, rel. o des. Denser de Sá). Tratava-se de caso em que o co-réu da ação penal havia sido absolvido em relação a crime de sequestro, condenado o requerente da revisão criminal. Um só fato criminoso, dois os agentes ativos da infração penal.

Ainda esta Corte Criminal de Justiça salientou em acórdão da lavra do des. Raul Motta que decisões conflitantes do júri podem ser alteradas em benefício do prejudicado: "Em co-autoria, havendo o desmembramento do feito em relação aos co-réus, deve ser afastada a qualificadora do homicídio se um dos agentes foi condenado por homicídio simples, mormente se a única questão não comunicante entre os comparsas é a vida anteacta de cada um, pois o princípio teleológico informativo do artigo 580 do CPP, dentro de uma restrita compreensão, é de ser aplicado, em casos de competência do júri, para que não se tenha decisões conflitantes" (RT 799/576). E consta do acórdão que a interpretação a prevalecer, quando presente a conflitância manifesta, é a que mais favoreça o réu.

A decisão é do Supremo Tribunal Federal: "Tendo sido o autor principal condenado perante o tribunal do júri por homicídio culposo, caracterizado pelo excesso culposo na legítima defesa de terceiro, não poderiam os agentes secundários sofrer condenação por homicídio doloso, em se tratando de atuação conjunta contra a mesma vítima e nas mesmas circunstâncias" (HC nº 76.042-6, Rel. Min. Sidney Sanches, DJU 27.02.1998). Decidiu-se naquele julgamento que houve evidente contradição na votação dos quesitos pelo tribunal do júri. Eram três os réus. O que admitiu a autoria dos golpes que mataram a vítima foi condenado por homicídio culposo. E seus dois irmãos, que participaram do mesmo episódio, como partícipes, foram condenados por homicídio doloso. Observou o relator que a doutrina e a jurisprudência não admitem essa possibilidade, referindo-se à existência de julgamentos antagônicos.

Julgando o HC nº 69.741-1-DF, DJU 19.02.1993, o Pretório Excelso decidiu que se legítima defesa foi reconhecida em favor do autor do homicídio, o partícipe não poderia em outro julgamento do júri ter sido condenado, pois a participação penalmente reprovável há de pressupor a existência de um crime, sem o qual descabe cogitar de punir a conduta acessória. Naquela hipótese houve a separação dos julgamentos, com fundamento no artigo 461 do CPP. O autor da execução foi absolvido. O partícipe condenado. Salientou o relator, Min. Francisco Rezek, que "independentemente da soberania constitucional das decisões do tribunal do júri, a autoridade coatora não poderia ter permitido a absurda contradição entre as duas decisões. Se o autor agiu em legítima defesa, não praticou crime. Logo, a participação do paciente não pode ter relevância penal". E assim, "diante da manifesta ilegalidade do resultado produzido pelo antagonismo das decisões", já transitadas em julgado, não havia outro remédio senão a absolvição do paciente daquele habeas corpus.

Nesse aresto do min. Rezek comentou-se a respeito do alcance do artigo 29 do Código Penal, referido na denúncia da promotoria pública apresentada contra o ora peticionário e o co-réu Alan. Sustentou-se então que a participação prevista nesse dispositivo legal é necessariamente acessória, dependendo da existência de um crime ao qual se vinculam duas ou mais pessoas. E citando Heleno Cláudio Fragoso acrescentou o eminente ministro que a participação está em função da conduta típica realizada por outrem, podendo ser tida como contribuição ao crime que outro efetiva. E não havendo crime não há participação a ser punida.

Outra decisão do Supremo Tribunal Federal. Em processo que dizia respeito a crime de homicídio, com a presença de mandante e mandatário, foi este absolvido pela justificativa da legítima defesa. O mandante, todavia, não poderia continuar a responder ação penal pelo homicídio, então impetrando habeas corpus. Obteve êxito na tese acolhida pelos ministros daquela Alta Corte, concedendo-se a ordem para o trancamento da ação penal, constando expressamente do acórdão que a decisão absolutória relacionada apenas com o mandatário deveria aproveitar o mandante, pois não havia crime nenhum a punir (RHC nº 42.319 - GO, relator o min. Gonçalves de Oliveira, RTJ 33/809).

Ainda dentro do tema e também da Excelsa Corte: dois réus foram julgados separadamente, acusados do mesmo homicídio qualificado por motivo fútil e emprego que dificultou a defesa do ofendido. O autor foi absolvido. O co-autor, paciente no habeas corpus, foi condenado pelo homicídio duplamente qualificado, salientando então o relator, Min. Nelson Jobim, que "a incongruência dos julgamentos que envolveram réu e co-réu é evidente", considerando que o paciente do habeas corpus estava condenado por crime que não existiu, segundo a decisão dos jurados. Em sendo assim os efeitos da absolvição foram estendidos ao paciente, elaborando-se a ementa do acórdão: "Processo Penal. Júri. Co-autoria. Reconhecimento da inexistência dos crimes. Absolvição do autor posterior à condenação do co-autor. Extensão dos efeitos da absolvição ao co-autor. Nulidade da condenação. Precedentes" (RHC nº 82.473-1-RS, DJU 13.02.2004).

O extinto Tribunal de Alçada Criminal já decidiu que "na ação delituosa, praticada em co-autoria, seria evidente disparidade, desde que desclassificado o fato, receber o co-autor a pena por um crime diferente e ver o peticionário mantida a condenação com pena maior por outro delito". Tratava-se de julgamento de revisão criminal em que se decidiu pelo deferimento do pedido para desclassificação do delito de roubo para sua forma tentada, exatamente porque o co-réu daquela ação penal havia sido beneficiado com essa desclassificação, ao contrário do peticionário (JUTACrim 84/40, rel. o juiz J.L.Oliveira).

Estou então nessas condições entendendo que pelo princípio da isonomia e da igualdade deve Sidnei receber a mesma pena de Vagner, 4 anos de reclusão, pois no meu entender não há como aplicar a qualificadora para um e deixar de aplicá-la para outro, já que a acusação é relacionada com comportamento dos dois, juntos, agredindo e quase matando a vítima.

Fui relator de uma revisão criminal já neste 5º Grupo de Câmaras: por votação unânime desclassificamos o crime de tentativa de homicídio para o de lesões corporais, porque o co-réu do mesmo processo e com a mesma acusação da promotoria pública recebeu essa desclassificação no Júri, ao contrário daquele peticionário (Revisão Criminal nº 383.726.3/1-000, julgada em 08 de março de 2.006).

Em resumo, e referendando no íntegra do voto do relator: conheço em parte da apelação, afasto a nulidade enfocada pela defesa e concedo habeas corpus de ofício com fundamento no artigo 654, parágrafo segundo, Código de Processo Penal, para definir a pena de Sidnei Dias da Cunha em 4 anos de reclusão, regime aberto (na sentença do Presidente do Júri está expresso que Sidnei não apresenta antecedentes criminais e teve em seu favor reconhecida a atenuante da confissão espontânea prestada por ele em Plenário. A pena de 4 anos, exatamente igual a de Vagner, é decorrência também da redução de 1/3 sobre a pena mínima de 6 anos, exatamente o que aconteceu com Vagner).

São Paulo, 15 de janeiro de 2.009.

CARLOS BUENO - revisor




JURID - Júri. Decisão contrária à prova dos autos. [18/08/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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