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terça-feira, 25 de agosto de 2009

JURID - Isenção de IPVA e ICMS. Possibilidade. [25/08/09] - Jurisprudência

Jurisprudência Tributária
Mandado de segurança. Tributário. Aquisição de veículo automotor para transporte de deficiente físico não habilitado a dirigir. Isenção de IPVA e ICMS. Possibilidade.
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Tribunal de Justiça de Goiás - TJGO.

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 18026-1/101 (200901614950)

COMARCA DE GOIÂNIA

IMPETRANTE: ZULEIDE DE SOUSA ROMANHOLE

IMPETRADO: SECRETÁRIO DA FAZENDA DO ESTADO DE GOIÁS

RELATOR: DES. LUIZ EDUARDO DE SOUSA

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR PARA TRANSPORTE DE DEFICIENTE FÍSICO NÃO HABILITADO A DIRIGIR. ISENÇÃO DE IPVA E ICMS. POSSIBILIDADE.

I - Em que pese o fato da legislação tributária ser interpretada de forma literal, conforme o disposto no art. 111 do Código Tributário Nacional, de outra senda, calha convir que esta forma de interpretação preconizada pela lei, objetiva evitar interpretações ampliativas ou analógicas, todavia, não retira do intérprete a possibilidade de aferir o alcance e o sentido da norma geral e abstrata que instituiu o benefício fiscal.

II - Destarte, não tem sentido admitir isenção tributária para portadores de deficiência física aptos à condução de veículos automotores e negá-la àqueles que pelo grau de deficiência são incapacitados de fazê-lo, porquanto ambos integram uma mesma categoria modernamente denominada de pessoas portadoras de necessidades especiais (PNE).

III - Neste desiderato, preterir deficientes físicos com maiores limitações, privando-os da isenção fiscal que é concedida aos deficientes físicos, cujas limitações são menos severas, é desrespeitar os princípios basilares da dignidade da pessoa humana e da igualdade ou isonomia albergados pela Constituição Federal.

IV - Assim, sopesando os princípios da ordem tributária e os consagrados constitucionalmente, incontestável o direito líquido e certo da impetrante para aquisição de veículo com isenção dos impostos ICMS e IPVA.

SEGURANÇA CONCEDIDA.

ACÓRDÃO

VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos de MANDADO DE SEGURANÇA Nº 18026-1/101 (200901614950), da Comarca de GOIÂNIA, onde figuram como impetrante ZULEIDE DE SOUSA ROMANHOLE e como impetrado SECRETÁRIO DA FAZENDA DO ESTADO DE GOIÁS.

ACORDAM os integrantes da Quarta Turma Julgadora da 1ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por unanimidade, EM CONCEDER A SEGURANÇA, nos termos do voto do Relator, que a este se incorpora.

VOTARAM, além do RELATOR, o Desembargador LEOBINO VALENTE CHAVES e o Juiz SIVAL GUERRA PIRES (substituto do Desembargador VITOR BARBOZA LENZA).

AUSENTE, ocasionalmente, o Desembargador ABRÃO RODRIGUES DE FARIA.

PRESIDIU o julgamento, o ilustre Desembargador JOÃO UBALDO FERREIRA.

PRESENTE à sessão, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. JOSÉ EURÍPEDES DE JESUS DUTRA.

Custas de lei.

Goiânia, 28 de julho de 2009.

DES. JOÃO UBALDO FERREIRA
PRESIDENTE

DES. LUIZ EDUARDO DE SOUSA
RELATOR

RELATÓRIO E VOTO

ZULEIDE DE SOUSA ROMANHOLE, representada por sua neta Priscilla Romanhole Mariano, impetrou o presente mandado de segurança, com pedido de liminar, contra ato ilegal atribuído ao ilustre SECRETÁRIO DA FAZENDA DO ESTADO DE GOIÁS.

A impetrante esclarece que possui atualmente 85 (oitenta e cinco) anos de idade e que há 6 (seis) anos teve AVC o qual deixou sérias sequelas, dentre elas a perda dos movimentos motores dos membros do lado esquerdo e sério comprometimento da visão e da fala, sendo que com o falecimento de seu esposo, há pouco mais de um ano, seu estado de saúde se agravou.

Relata que tem hipertensão e que é portadora de sérios problemas depressivos, assim faz uso de medicamentos e precisa se submeter a dolorosas sessões de fisioterapia por no mínimo três vezes durante a semana, pois do contrário não conseguiria mais sair da cama.

Verbera que mesmo com tais dificuldades, tanto pelos problemas de saúde, quanto pelos da idade, ser muito religiosa e que gosta de frequentar a novena na Igreja Matriz de Campinas todas as terças feiras, sendo esta uma de sua maiores alegrias diante das dificuldades e dores que os problemas de saúde lhe impõem.

Aduz, também, ter familiares residentes nas cidades de Trindade, Brasília e mesmo em Goiânia, e que gosta de ir visitá-los a fim de que possam manter um pouco de convivência e relação familiar.

Alega que não dirige veículo automotor pelas dificuldades impostas pelas sequelas do AVC e mesmo pela própria idade, assim para se locomover para seu tratamento quase que diário, ou para qualquer outro lugar, necessita da ajuda de terceiros para transportá-la.

Pondera que objetivando reduzir as dificuldades na sua locomoção, pleiteou junto a Secretaria da Receita Federal a isenção do imposto sobre produtos industrializados - IPI, a fim de reduzir os custos na aquisição de veículo automotor, obtendo êxito na isenção pleiteada.

Assevera que igual sorte não lhe assistiu com relação ao ICMS e IPVA, uma vez que o Estado de Goiás, por meio do Secretário da Fazenda, negou o pedido através do parecer 423/2009, no processo administrativo n° 200900004006892.

Salienta estarem presentes os requisitos para o deferimento da ordem liminarmente, oportunidade em que pugna por sua concessão para que se determine a autoridade acoimada coatora que lhe conceda a autorização para aquisição do veículo com isenção do ICMS e do IPVA.

Com a exordial foram acostados os documentos de fls. 11/31.

Preparo visto às fls. 32/33.

A liminar pleiteada foi deferida às fls. 36/39.

Regularmente intimada, a autoridade acoimada coatora prestou informações às fls. 46/63, pugnando pela denegação da ordem.

Alega que a legislação estadual que regula a matéria é clara ao destinar as isenções de ICMS e IPVA ao motorista portador de deficiência física para aquisição de veículo adaptado.

Sustenta que a regra legal para isenção de IPVA, Lei Estadual n.° 11.651/91 (Código Tributário Estadual) e Decreto Estadual n.° 4.852/97, permitem a isenção somente sobre veículos fabricados especialmente para uso de deficiente físico ou para tal finalidade adaptado.

Aduz que em relação ao ICMS, a previsão do benefício fiscal foi originalmente trazida pelo Convênio ICMS n° 77/2004, que permite a exclusão do crédito tributário tão-somente para os deficientes físicos condutores de veículo, o que não é o caso, eis que a impetrante não é a condutora do veículo automotor.

Assevera também que a isenção é ato administrativo vinculado e para ser concedida o beneficiário deve cumprir todos os requisitos determinados pelo regramento legal.

Pondera que o administrador público não profere decisões discricionárias e sim vinculadas aos estritos lindes demarcados pelo legislador, analisando o preenchimento dos requisitos legais exigidos, assim é que, in casu, não poderia ter deferido o pleito de isenção sob pena de violação ao princípio da legalidade.

Obtempera que a legislação tributária, no que dispõe sobre a outorga de isenção, não comporta qualquer integração ou interpretação, ex vi do artigo 111 do Código Tributário Nacional.

Por fim, pugna pela denegação da segurança pleiteada, haja vista ser legal o ato fustigado, não havendo direito líquido e certo a justificar reparabilidade.

Instada a se manifestar, a douta Procuradoria Geral de Justiça, por intermédio de sua ilustre representante, Dra. Ruth Pereira Gomes, emitiu parecer às fls. 65/71, opinando pela concessão da segurança.

É o sucinto relatório. Passo ao voto.

Tem-se, por cediço, que o mandado de segurança, como a própria Lei n.° 1.533/51 cuida dizer, destina-se a proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus, sempre que alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrêla por parte de autoridade coatora.

Tem-se, outrossim, que esse "direito líquido e certo" deve ser provado de plano pelo impetrante, ou seja, a exordial do mandamus deve vir acompanhada de prova suficiente ao convencimento do julgador.

Pois bem, compulsando os presentes autos, infere-se que o cerne da controvérsia debatida origina-se de atitude apontada como arbitrária, consubstanciada na recusa, vislumbrada nos entraves burocráticos, por parte da autoridade impetrada, em conceder isenção de ICMS e IPVA para aquisição de veículo automotor, ao argumento de que não há previsão legal, entendendo a Administração que tal pretensão somente poderia ser alcançada se a impetrante estivesse apta a dirigir veículo, o que não ocorre no caso, já que depende inteiramente de terceira pessoa para sua locomoção.

Forçoso convir, destarte, ser cabível o mandado de segurança no caso em exame, eis que sopesando os princípios da ordem jurídica tributária e os consagrados constitucionalmente verifica-se clara afronta ao direito líquido e certo da impetrante.

O Código Tributário Estadual (Lei n.° 11.651/91) dispõe sobre a isenção do IPVA aos deficientes físicos:

"Art. 94. É isenta do IPVA a propriedade dos seguintes veículos:

(...)

IV- fabricado especialmente para uso de deficiente físico ou para tal finalidade adaptado, limitada a isenção a 1 (um) veículo por proprietário;"

O regulamento do Código Tributário Estadual, Decreto n.° 4.852/97, art. 401, não traz inovação, tracejando de igual forma, o aventado na Lei n.° 11.651/97.

Sobre a isenção do ICMS aos deficientes físicos o Convênio ICMS n.º 77, assim dispõe:

"Cláusula primeira. Ficam isentas do ICMS as saídas internas e interestaduais de veículo automotor novo com até 127 HP de potência bruta (SAE), especialmente adaptado para ser dirigido por motorista portador de deficiência físcia incapacitado de dirigir veículo convencional (normal), desde que as respectivas operações de saída sejam amparadas por isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, nos termos da legislação federal vigente."

De igual forma, no âmbito do Estado de Goiás, há previsão de isenção nos exatos termos do Convênio ICMS n.° 03/2007:

"Ficam isentas do ICMS as saídas internas e interestaduais de veículo automotor novo com características específicas para ser dirigido por motorista portador de deficiência física, desde que as respectivas operações de saída sejam amparadas por isenção do Imposto Sobre Produtos Industrializados - IPI, nos termos da legislação federal vigente."

Neste desiderato, cotejando o teor dos dispositivos legais acima declinados e as informações prestadas às fls. 46/63, tenho que um dos fundamentos primordiais para o indeferimento da isenção do IPVA e do ICMS não restou evidenciado.

Assevera a autoridade coatora que:

"(....) É evidente que o legislador, ao isentar do pagamento do IPVA e do ICMS os veículos especiais para uso de motoristas deficientes físicos ou adaptados para este fim, o fez com o objetivo único de colocar os preços de veículos normais e adaptados, ou especialmente fabricados, em pé de igualdade com veículos sem qualquer adaptação, no que tange aos custos a serem despendidos pelo adquirente (...)". (sic. fls. 54/55).

Pois bem. Embora evidente que um dos objetivos da lei, ao isentar os deficientes físicos do pagamento do IPVA e do ICMS, é o de reduzir os custos na aquisição do veículo como forma de compensação pelos gastos com a adaptação dos mesmos, noutro revés, em momento algum é possível aferir que este venha a ser o único objetivo da lei. Isto porque não há qualquer ressalva no sentido de que a isenção seria somente para compensar os custos tidos com a adaptação do veículo. Neste desiderato, ressumbra induvidoso que esta interpretação dada a lei não se coaduna com os preceitos constitucionais.

Ressalte-se por oportuno, que a insurgência da autoridade coatora argumentando afronta ao disposto no artigo 111 do Código Tributário Nacional não merece ser acolhida.

Deflui do art. 111 do Código Tributário Nacional que:

"Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I - suspensão ou exclusão de crédito tributário;

II - outorga de isenção;

III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias."

Com efeito, embora o dispositivo em comento determine a interpretação literal nos casos como o de outorga de isenção, a bem da verdade, o que se desejou foi evitar que interpretações ampliativas ou analógicas viessem a contemplar situações não beneficiadas pela lei. Todavia, tal previsão não impediu o intérprete de mostrar o alcance e o sentido da norma geral e abstrata que instituiu o benefício fiscal.

Destarte, no caso em comento, não se trata de interpretação ampliativa ou analógica, mas da busca do verdadeiro alcance da norma a ser aplicada às pessoas que se encontram em situação idêntica, ou seja, na condição de deficiente físico.

Sobre o tema, trago à colação julgados proferidos pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça:

"EMENTA:TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO. INTERPRETAÇÃO LITERAL. O art. 111, II, do CTN proíbe que o intérprete amplie os casos de isenção, sem impedir, todavia, que ele desvele o real significado da norma. Recurso especial não conhecido". (Resp n. 98.809/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, 2ª Turma, julgado em 23.06.1998, DJ 10.08.1998 p. 49).

"EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - ICM - MAQUINÁRIO AGRÍCOLA - COMPONENTES E PEÇAS - ISENÇÃO - LEI COMPLEMENTAR Nº 04/69 - MATÉRIA NÃO APRECIADA NA INSTÂNCIA "A QUO" - PRECLUSÃO - C.F., ART. 105, III - CTN, ART. 111, II - PRECEDENTES. A isenção concedida pela L.C. nº 04/69 às máquinas agrícolas tem como objetivo primordial o incentivo à agricultura. É impossível dissociar o principal de seus acessórios, razão por que não são tributáveis as peças e as partes que compõem as máquinas e implementos agrícolas. Tema não decidido na instância "a quo", descabe apreciar em sede de recurso especial por expressa determinação da Lei Maior, ocorrendo a preclusão da matéria não ventilada em momento processual anterior. A "interpretação literal" preconizada pela lei tributária objetiva evitar interpretações ampliativas ou analógicas; cabe, entretanto, ao intérprete mostrar o alcance e o sentido da norma geral e abstrata que instituiu o benefício fiscal. Recurso especial não conhecido". (REsp 163.529/MG, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, 2ª Turma, julgado em 04.10.2001, DJ 18.02.2002, p. 283). (grifei).

In casu, é incontroverso que a impetrante tem necessidades especiais, sendo deficiente física, conforme demonstrado nos autos (fls. 23/25), no entanto, é inapta à condução de veículo automotor. Por outro lado, incontroversas também são as imensas dificuldades superadas pela impetrante, posto que necessita de tratamento diário, sendo imprescindível o seu deslocamento.

Convém ressaltar também que com o advento da Lei n.° 10.098, de 19/12/00, as pessoas portadoras de deficiência passaram a ser conceituadas de forma mais abrangente, senão vejamos:

"Art. 2º Para os fins desta Lei são estabelecidas as seguintes definições:

III - pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida: a que temporária ou permanentemente tem limitada sua capacidade de relacionar-se com o meio e de utilizá-lo;

Considerando esta nova tendência, não há pertinência em insistir na aplicação literal da lei, porquanto sabidamente inaceitável.

Deste modo, tenho que a autoridade coatora, sopesando os princípios da ordem tributária e os consagrados constitucionalmente não deveria obstar a pretensão de isentar do IPVA e do ICMS deficientes físicos sem condições de serem condutores de veículos, devendo simplesmente ter agido nos mesmos moldes da Receita Federal, que não hesitou em deferir pedido administrativo formulado com a mesma finalidade.

Com a devida vênia, devemos nos atinar ao fato de que as leis, nas quais se utilizam de linguagem culta, política e carregada de ideologia, muitas vezes não passam de pretensões tecnicistas que mal escondem o desejo das classes dominantes de controlar a sociedade pela utilização do Direito. Assim, não devem ser entendidas de forma estritamente jurídica.

Ademais, o direito está em constante evolução, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, até então inexistentes, quer através de interpretação nas suas diversas modalidades e métodos ou por intermédio da construção de usos e costumes melhor adaptáveis às condições impostas pela nova sistemática trazida com a evolução social.

Nesta ótica, mister se faz a presença de um interprete que não cria e não inova, mas limita-se, tão-somente, a considerar o mandamento legal em toda sua plenitude, declarando-lhe o significado e o alcance. Nesta vertente, observa-se que o intérprete percorre o caminho inverso do legislador, pois enquanto este procura criar um mandamento para regular um fato concreto, aquele busca compreender o sentido pretendido pelo legislador.

Nesta vertente, é a lição do insigne escritor Luciano Amaro:

"Dessa forma, a regra é justamente a submissão do direito tributário ao conjunto de métodos interpretativos fornecidos pela teoria da interpretação jurídica; por exceção, nas situações disciplinadas expressamente, deve-se procurar (na medida em que isso seja possível) dar preferência aos critérios indicados pelo Código Tributário Nacional. Mesmo, porém, nas matérias sobre as quais o código estabelece comandos específicos, veremos que o intérprete não deve esquecer as recomendações da hermenêutica jurídica. Assim, sendo, o intérprete deve partir do exame do texto legal, perquirindo o sentido das palavras utilizadas pelo legislador (na chamada interpretação literal ou gramatical); cumpre-lhe, todavia, buscar uma inteligência do texto que não descambe para o absurdo, ou seja, deve preocupar-se em dar à norma um sentido lógico (interpretação lógica), que harmonize com o sistema normativo em que ela se insere (interpretação sistemática), socorrendo-se da análise das circunstâncias históricas que cercaram a edição da lei (interpretação histórica), sem descurar das finalidades a que a lei visa (interpretação finalística ou teleológica)". (in Direito Tributário Brasileiro, Ed. Saraiva, p. 208/209).

A Constituição foi concebida como um conjunto de normas que se interligam harmoniosamente ao todo, sendo que qualquer análise individualizada de um dispositivo pode fazer pouco sentido ou aparentar ser contraditório.

Nesse sentido, deve-se conhecer os fins, valores ou bens jurídicos visados pelo mandamento constitucional que por diversas vezes possui fundamentos que transcendem ao econômico, objetivando o bem-estar social, proteção dos direitos e liberdades do cidadão, dentre outros valores de substancial importância para a manutenção do Estado Democrático de Direito.

Com efeito, a autoridade coatora, vulnerando o mais basilar dos princípios da hermenêutica, e mais, refutando os fins sociais da lei, assim como as exigências do bem comum, propugnou no sentido de que, as pessoas que têm maiores limitações físicas ou mentais (a recorrida não consegue nem pode sequer dirigir) sejam privadas de benefícios legais concedidos a outras pessoas de um mesmo grupo com limitações menos severas (motoristas com deficiência física).

Portanto, conferir o benefício da isenção à impetrante, portadora de deficiência física, definitivamente inapta para conduzir veículos e dependente do auxílio alheio, não se trata de aplicar interpretação extensiva ao preceito legal, mas, ao revés, atender seu fim essencial de garantir aos portadores de deficiência a integração social que lhes permita o pleno desenvolvimento de suas aptidões e personalidade.

Manifesta-se claro o desrespeito aos mais singulares princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana fechar os olhos a situação concreta do mundo tratando-se desigualmente os iguais.

Dessa forma, consoante o disposto no artigo 5°, da Lei de Introdução ao Código Civil, reconhecer o benefício da isenção às pessoas portadoras de deficiência em condição de maior gravidade, totalmente inaptas para dirigir e dependentes da colaboração de terceiros, consiste apenas em conferir à norma sua finalidade essencial, estando a autoridade coatora a vulnerar a mais singela regra da hermenêutica.

Por conseguinte, revela-se inaceitável privar a impetrante de um benefício legal que coaduna com as razões finais da lei e com motivos humanitários, posto que os deficientes físicos, enfrentam inúmeras dificuldades, preconceitos, discriminações, dificuldades/impossibilidade de ingresso no mercado de trabalho, enfim, obstáculos físicos e psíquicos dos mais variados.

Neste diapasão não pode a Carta Magna, cujo preâmbulo promete a erradicação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, admitir que os direitos dos portadores de deficiências, sejam eles quais forem, sejam relegados a segundo plano.

Deve preponderar a proteção aos deficientes, ante os desfavores sociais, fazendo prevalecer interesses sociais mais relevantes sobre os econômicos insignificantes, não observando-se, in casu, a legalidade estrita aplicável a isenção no direito tributário.

A Carta de 1988 foi sensível a essa problemática, promovendo diversas formas de inclusão desses cidadãos, conferindo-lhes tratamento especial, com o fim de alcançar a isonomia material. Assim, a Constituição está repleta de normas genéricas e específicas de preceitos relativos à inclusão social do portador de deficiência.

É de fundamental importância os lugares ocupados pelos princípios jurídicos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, cuja solidez é a espinha dorsal de todo o ordenamento jurídico, de forma que qualquer lesão a eles pode comprometer todo o sistema. Não havendo que se cogitar em prevalência do princípio da legalidade estrita, corolário do sistema tributário.

Destarte, condenável a discriminação estampada nos autos em que a autoridade coatora procura induzir o favorecimento dos que estão em melhor situação, preterindo-se os mais necessitados.

Convém ressaltar, ainda, que sequer pode-se falar em inconstitucionalidade quando na verdade o ocorrido foi tão somente inobservância de regra de simples hermenêutica.

Sobre princípios, preleciona Celso Antônio Bandeira de Mello:

"Princípio (...) é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos."

Sobre o tema colaciono a seguinte jurisprudência do egrégio Tribunal do Rio Grande do Sul:

"EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO E FISCAL. ICMS. ISENÇÃO NA COMPRA DE AUTOMÓVEL. DEFICIENTE FÍSICO. VEÍCULO DIRIGIDO POR TERCEIRO. São semelhantes o art. 1º da Lei nº 8.989/95 e o art. 9º do Decreto Estadual nº 37.699/97, podendo a interpretação de um servir para a do outro. Desta forma, a pessoa deficiente pode ser autorizada a adquirir um veículo automotor em seu nome, com o benefício fiscal, a ser utilizado para seu uso próprio, embora dirigido por terceiro. Recurso provido." (Ag. Inst. nº 70012803656, 22ª Câm. Cível, Rel. Rejane Maria Dias de Castro Bins, julgado em 27/10/2005).

No mesmo sentido perfilha a jurisprudência do insigne STJ e desta Corte de Justiça, confira in verbis:

"CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO NA COMPRA DE AUTOMÓVEIS. DEFICIENTE FÍSICO IMPOSSIBILITADO DE DIRIGIR. AÇÃO AFIRMATIVA. LEI 8.989/95 ALTERADA PELA LEI Nº 10.754/2003. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEX MITIOR. 1. A ratio legis do benefício fiscal conferido aos deficientes físicos indicia que indeferir requerimento formulado com o fim de adquirir um veículo para que outrem o dirija, à míngua de condições de adaptálo, afronta ao fim colimado pelo legislador ao aprovar a norma visando facilitar a locomoção de pessoa portadora de deficiência física, possibilitando-lhe a aquisição de veículo para seu uso, independentemente do pagamento do IPI.

Consectariamente, revela-se inaceitável privar a Recorrente de um benefício legal que coadjuva às suas razões finais a motivos humanitários, posto de sabença que os deficientes físicos enfrentam inúmeras dificuldades, tais como o preconceito, a discriminação, a comiseração exagerada, acesso ao mercado de trabalho, os obstáculos físicos, constatações que conduziram à consagração das denominadas ações afirmativas, como esta que se pretende empreender. (...). 11. Deveras, o ordenamento jurídico, principalmente na era do póspositivismo, assenta como técnica de aplicação do direito à luz do contexto social que: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". (Art. 5º LICC) 12. Recurso especial provido para conceder à recorrente a isenção do IPI nos termos do art. 1º, § 1º, da Lei nº 8.989/95, com a novel redação dada pela Lei 10.754, de 31.10.2003, na aquisição de automóvel a ser dirigido, em seu prol, por outrem." (STJ Resp 567.873/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, DJ 25/02/2004 p. 120). Grifei

"EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. PRETENSÃO DE AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR COM ISENÇÃO DE ICMS E IPVA PARA TRANSPORTE DE DEFICIENTE FÍSICO POR TERCEIRA PESSOA. DIREITO LIQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE. MALFERIMENTO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ISONOMIA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. I A legislação referente aos benefícios fiscais tem que ser interpretada em consonância com as disposições da Lei nº 7853/89, que tutela o interesse dos portadores de necessidades especiais ou seja, deve ser interpretada de forma extensiva no sentido de incluir nas isenções nela indicadas o portador de deficiência física que não tenha condições físicas para dirigir pessoalmente veiculo automotor, necessitando da ajuda de terceiro. II A interpretação meramente literal de seu texto malferi os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana. Segurança concedida." (TJ/GO, 1ª Câmara Cível, MS n.° 171693/101, Relº. Dr. Amaral Wilson de Oliveira, Fonte: DJ 291 de 10/03/2009).

"EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DEFICIENTE FÍSICO. PRETENSÃO DE AQUISIÇÃO DE VEÍCULO COM ISENÇÃO DE ICMS E IPVA. DIREITO LIQUIDO E CERTO INQUESTIONÁVEL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ISONOMIA TRIBUTARIA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1 Os princípios da dignidade humana e da isonomia impedem que a administração pública estadual dispense tratamento distinto entre cidadãos que se encontrem em condição jurídica semelhante. 2 O fato de o veiculo não ser adaptado e não vir a ser dirigido pelo impetrante, não obsta a concessão da isenção do beneficio pleiteado, qual seja, não incidência do ICMS para aquisição do bem e de IPVA uma vez que a direção do mesmo estará a cargo dos responsáveis legais do deficiente. Segurança concedida." (TJ/GO, 3ª Câmara Cível, MS n.° 174030/101, Rel°. Des. Walter Carlos Lemes, Fonte: DJ 285 de 02/03/2009).

Na confluência destas explanações, restou demonstrada a ilegalidade do ato praticado pela autoridade coatora que ao desconsiderar o fim perquirido pela lei, colocou em posições distintas aqueles que encontravam nas mesmas condições, ou seja, na condição de portadores de necessidades especiais, afrontando assim, os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana.

Do exposto, acolho o parecer ministerial e CONCEDO A SEGURANÇA PLEITEADA, para, confirmando os efeitos da liminar deferida, determinar ao Secretário da Fazenda do Estado de Goiás, que autorize a isenção dos impostos ICMS e IPVA na aquisição do automóvel pela impetrante.

É o voto.

Goiânia, 28 de julho 2009.

DES. LUIZ EDUARDO DE SOUSA
RELATOR

Publicado em 14/08/09




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