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sexta-feira, 7 de agosto de 2009

JURID - Habeas corpus. Prisão civil. Depositário judicial infiel. [07/08/09] - Jurisprudência


Habeas corpus. Prisão civil. Depositário judicial infiel. Jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal. Ilegitimidade jurídica da decretação da prisão civil. Ordem concedida.


Tribunal Regional do Trabalho - TRT3ªR.

Processo: 00742-2009-000-03-00-5 HC

Órgão Julgador: Oitava Turma

Juiz Relator: Des. Marcio Ribeiro do Valle

IMPETRANTE: ANTÔNIO CARLOS DOS SANTOS JORGE

PACIENTE: ERNANI BRAZ MARTINS

IMPETRADO: JUÍZO DA VARA DO TRABALHO DE TRÊS CORAÇÕES

EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO JUDICIAL INFIEL. JURISPRUDÊNCIA CONSTITUCIONAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL. ORDEM CONCEDIDA. Não mais subsiste, no sistema jurídico pátrio, a prisão civil por infidelidade depositária. O Supremo Tribunal Federal vem destacando, nos julgamentos acerca deste tema, o que dispõem a Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de São José da Costa Rica (artigo 7º, parágrafo 7º) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotando entendimento de que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aos quais o Brasil aderiu têm status de norma supralegal. Nesse sentido, a subscrição pelo Brasil aos referidos tratados, limitando a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia, implicou a derrogação das normas estritamente legais referentes à prisão do depositário infiel. Incabível, desse modo, no sistema constitucional vigente no Brasil, a decretação de prisão civil do depositário infiel. Ordem de habeas Corpus deferida.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de HABEAS CORPUS, em que figuram, como Impetrante, ANTÔNIO CARLOS DOS SANTOS JORGE, como Paciente, ERNANI BRAZ MARTINS e, como Impetrado, o JUÍZO DA VARA DO TRABALHO DE TRÊS CORAÇÕES.

RELATÓRIO

Antônio Carlos dos Santos Jorge impetrou a presente ordem de habeas corpus em favor do paciente Ernani Braz Martins, em face do Impetrado, Juízo da Vara do Trabalho de Três Corações, pugnando pela revogação da ordem prisão do paciente, bem como pelo recolhimento definitivo do mandado de prisão expedido.

Com a inicial, vieram os documentos de f. 06/230.

Após a regular distribuição dos autos (f. 230-v), às f. 231/234, deferiu-se o pedido de medida liminar, para suspender, cautelarmente, a eficácia da decisão que decretou a prisão civil do ora paciente, determinando, em conseqüência, o provisório recolhimento do mandado de prisão civil expedido, contra o mencionado paciente, nos autos do processo 00421-2006-147-03-00-0, em tramitação perante o Juízo do Trabalho da Vara de Três Corações, até que se ultime o julgamento do presente Habeas Corpus.

Solicitadas informações ao Juízo impetrado, as mesmas vieram às f. 240/242 (fac símile) e 248/250.

O Ministério Público do Trabalho, mediante parecer da Dra. Júnia Soares Nader, opinou pelo cabimento e pelo provimento do presente habeas corpus (f. 244/247).

É o relatório.

VOTO

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Presentes os pressupostos subjetivos e objetivos de admissibilidade, conheço do habeas corpus, a teor do art. 5º, inciso LXVIII, da CF/88.

JUÍZO DE MÉRITO

HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO JUDICIAL INFIEL. JURISPRUDÊNCIA CONSTITUCIONAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL. ORDEM CONCEDIDA.

Cuida a presente hipótese de habeas corpus, objetivando a revogação da ordem de prisão, bem como o recolhimento definitivo do mandado de cumprimento de prisão expedido nos autos da reclamatória trabalhista 00421-2006-147-03-00-0.

Extrai-se dos autos que o presente pleito foi aviado por Antônio Carlos dos Santos Jorge (impetrante), em nome de Ernani Braz Martins - depositário da penhora efetivada às f. 79/80 - haja vista a determinação do Juízo da Vara do Trabalho de Três Corações, a fim de que o Paciente disponibilizasse, àquele Juízo, os valores penhorados correspondentes a 20% do faturamento mensal do Executado Edson Donizete Leo, alusivos ao período de outubro/2007 a março/2009, sob pena de se caracterizar a infidelidade depositária, com a consequente prisão do mesmo (f. 210/211).

Apura-se, ainda, dos autos que, por diversas vezes, o Paciente procedeu aos depósitos solicitados pelo Juízo Impetrado.

Ocorre que, no mencionado período (outubro/2007 a março/2009), o Paciente não mais efetuou os depósitos judiciais a que se obrigou, o que ensejou o deferimento do decreto de prisão civil em seu desfavor e a expedição do mandado de f. 225, em razão da configuração da infidelidade depositária (f. 223).

Pois bem.

Não se olvida que é temerário, em princípio, o proceder do paciente nos autos principais, quando se absteve de efetuar os depósitos judiciais a que se obrigou, permitindo o decurso in albis do prazo para entrega do bem penhorado (percentual de faturamento).

Porém, cumpre destacar que, no campo das condicionantes jurídicas, em se tratando de penhora sobre coisa futura e incerta, como na hipótese vertente, é preciso considerar a expressa manifestação do Tribunal Superior do Trabalho, na forma da Orientação Jurisprudencial n. 143 da SDI-2:

"HABEAS CORPUS". PENHORA SOBRE COISA FUTURA E INCERTA. PRISÃO. DEPOSITÁRIO INFIEL (alterada) - Res. 151/2008, DJe divulgado em 20, 21 e 24.11.2008. Não se caracteriza a condição de depositário infiel quando a penhora recair sobre coisa futura e incerta, circunstância que, por si só, inviabiliza a materialização do depósito no momento da constituição do paciente em depositário, autorizando-se a concessão de "habeas corpus" diante da prisão ou ameaça de prisão que sofra.".

Aliás, esta Orientação Jurisprudencial é posterior à de n. 93 da mesma Seção, que autorizou definitivamente a penhora sobre renda mensal ou faturamento da empresa, dado o então vacilar da jurisprudência em admiti-la. Verbis:

"MANDADO DE SEGURANÇA. POSSIBILIDADE DA PENHORA SOBRE PARTE DA RENDA DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL (inserida em 27.05.2002) É admissível a penhora sobre a renda mensal ou faturamento de empresa, limitada a determinado percentual, desde que não comprometa o desenvolvimento regular de suas atividades.".

Ora, se numa primeira Orientação Jurisprudencial o TST autorizou a penhora percentual de faturamento e, numa segunda manifestação, tratou de explicitar seus efeitos, sem revogar a orientação anterior, é que aquela Colenda Corte ratifica a convivência harmoniosa de ambas as Orientações.

Logo, depreende-se que está autorizada a penhora de percentual de faturamento, desde que sua viabilidade esteja condicionada ao não comprometimento das atividades regulares da empresa devedora e, por se tratar de evento futuro e incerto, inexiste a figura do depositário infiel.

Tem-se, assim, que é injurídico cercear o direito à liberdade por tese refutada no TST, firme que é no sentido de vedar a caracterização de depositário infiel nos casos de penhora de faturamento futuro.

Ainda que assim não fosse, não mais existe, consoante entendimento já pacificado pelo STF, no ordenamento jurídico nacional, a prisão civil por infidelidade depositária independentemente da modalidade de depósito.

Destaque-se que no julgamento do HC 92.566/SP, em 03 de dezembro de 2008, da relatoria do Ministro Marco Aurélio, o Supremo Tribunal Federal declarou expressamente revogada a Súmula 619 do STF, a qual autorizava a decretação da prisão civil do depositário judicial no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente do prévio ajuizamento da ação de depósito.

Em recente decisão, o Ministro Celso de Mello destacou que todos os julgamentos sobre esse tema devem considerar o que dispõem, na matéria, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de São José da Costa Rica (artigo 7º, parágrafo 7º) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, haja vista que aquela Corte adotou o entendimento de que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aos quais o Brasil aderiu têm status de norma supralegal.

Vale transcrever a ementa proferida nos autos do processo HC 90.450/MG, julgado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal:

"HABEAS CORPUS" - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO JUDICIAL - A QUESTÃO DA INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA - CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, n. 7) - HIERARQUIA CONSTITUCIONAL DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS - PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL.

- Não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário, como o é o depósito judicial. Precedentes.

TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA.

- A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. - Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes.

- Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? - Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos.

A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO.

- A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição.

A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea.

HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.

- Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica.

- O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs.

- Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano". (STF - Segunda Turma - HC 90.450/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, data de publicação DJE 06/02/2009 - ATA Nº 1/2009 - DJE nº 25, divulgado em 05/02/2009).

Com efeito, por ter havido adesão ao Pacto de São José da Costa Rica, que permite a prisão civil por dívida apenas na hipótese de descumprimento inescusável de prestação alimentícia, realçou o mencionado Ministro que não é cabível a prisão civil do depositário, qualquer que seja a natureza do depósito.

Sabidamente, o ordenamento jurídico pátrio prevê duas formas de prisão civil: a do devedor de alimentos e a do depositário infiel. O depositário infiel é aquele que recebe a incumbência judicial ou contratual de zelar por um bem, mas não cumpre sua obrigação e deixa de entregá-lo em juízo (hipótese versada nos autos), ou de devolvê-lo ao proprietário quando requisitado, ou não apresenta o seu equivalente em dinheiro na impossibilidade de cumprir as referidas determinações.

No julgamento do STF, foi decidido que a lei ordinária não pode sobrepor-se ao disposto em um tratado sobre direitos humanos ao qual o Brasil aderiu.

Tem-se, assim, que a decretação da prisão civil do depositário infiel, inclusive a do depositário judicial, constitui, em princípio, ato que pode ser considerado arbitrário, sem qualquer suporte em nosso ordenamento positivo, porquanto absolutamente incompatível com o sistema de direitos e garantias consagrado na Constituição da República e nos tratados internacionais de direitos humanos.

Corroboram tal entendimento no sentido de admitir a prisão apenas para a hipótese de inadimplemento de pensão alimentícia, os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal:

"DEPOSITÁRIO INFIEL - PRISÃO. A subscrição pelo Brasil do Pacto de São José da Costa Rica, limitando a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia, implicou a derrogação das normas estritamente legais referentes à prisão do depositário infiel". (HC 89634 / SP - São Paulo. Habeas Corpus. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 24/03/2009. Órgão Julgador: Primeira Turma. Divulg 29-04-2009 Public 30-04-2009).

"PRISÃO CIVIL. Inadmissibilidade. Depósito judicial. Depositário infiel. Infidelidade. Ilicitude reconhecida pelo Plenário, que cancelou a súmula 619 (REs nº 349.703 e nº 466.343, e HCs nº 87.585 e nº 92.566). Constrangimento ilegal tipificado. HC concedido de oficio. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito". (STF - HC 94307 / RS - RIO GRANDE DO SUL. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. CEZAR PELUSOJulgamento: 19/02/2009. Órgão Julgador: Tribunal Pleno)

"HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PRISÃO CIVIL. ORDEM DE PRISÃO QUE TEM COMO FUNDAMENTO A CONDIÇÃO DE SER O PACIENTE DEPOSITÁRIO JUDICIAL INFIEL: IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO PLENÁRIO DESTE SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. A jurisprudência predominante deste Supremo Tribunal firmou-se no sentido da inviabilidade da prisão civil do depositário judicial infiel (HC 92.566, Rel. Min. Marco Aurélio). 2. Habeas corpus concedido". (STF - HC 96118 / SP - SÃO PAULO. HABEAS CORPUSRelator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 03/02/2009 Órgão Julgador: Primeira Turma)

Sendo assim, e em face das razões expostas, confirmo liminar deferida, revogando a decisão que decretou a prisão civil do paciente, bem como o mandado de prisão civil expedido, nos autos do processo 00421-2006-147-03-00-0, em tramitação perante o Juízo do Trabalho da Vara de Três Corações.

Julgo procedente o presente pedido de habeas corpus.

CONCLUSÃO

Conheço da impetração e julgo procedente o presente pedido de habeas corpus, confirmando a liminar deferida e revogando a decisão que decretou a prisão civil do paciente, bem como o mandado de prisão civil expedido, nos autos do processo 00421-2006-147-03-00-0, em tramitação perante o Juízo do Trabalho da Vara de Três Corações, o qual, de imediato e independente do trânsito em julgado, deverá ser cientificado desta decisão.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em sessão ordinária da sua Oitava Turma, hoje realizada, julgou o presente processo e, preliminarmente, à unanimidade, conheceu da impetração e julgou procedente o presente pedido de "habeas corpus", confirmando a liminar deferida e revogando a decisão que decretou a prisão civil do paciente, bem como o mandado de prisão civil expedido, nos autos do processo 00421-2006-147-03-00-0, em tramitação perante o Juízo do Trabalho da Vara de Três Corações, o qual, de imediato e independente do trânsito em julgado, deverá ser cientificado desta decisão.

Belo Horizonte, 08 de julho de 2009.

MÁRCIO RIBEIRO DO VALLE
Desembargador Relator

Data de Publicação: 20/07/2009




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