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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

JURID - Extravio de bagagem em voo internacional. [26/08/09] - Jurisprudência


Extravio de bagagem em voo internacional. Pedidos de indenizações por danos materiais e morais.


Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJRJ.

DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL

Apelação Cível: 2009.001.22819

Apelantes: BRITISH AIRWAYS PLC e OSKAR FOSSATI METSAVAHT

Apelados: Os mesmos

Direito Civil e do Consumidor.

I - Antinomia normativa entre o CDC e o Tratado de Montreal, sobre aviação civil internacional. Aplicação do primeiro, ante a primazia axiológica conferida pela CRFB à defesa do consumidor, na qualidade de direito fundamental constante do rol do artigo 5º.

II - Extravio de bagagem em vôo internacional. Pedidos de indenizações por danos materiais e morais.

III - Inexistência de danos materiais, ante a devolução intacta da bagagem e inexistência de gastos realizados exclusivamente em função do extravio da bagagem.

IV - Danos morais reconhecidos pela sentença. Compensação fixada em patamar correto, em observância aos princípios da proporcionalidade e da vedação ao enriquecimento sem causa.

V - Ambos os recursos desprovidos; sentença mantida.

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº. 2009.001.22819, em que são apelantes BRITISH AIRWAYS PLC e OSKAR FOSSATI METSAVAHT e, apelados, os mesmos,

ACORDAM os Desembargadores da Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, à unanimidade de votos, em conhecer dos recursos e negar-lhes provimento, nos termos do voto do Exmº. Relator.

RELATÓRIO:

Cuida-se de ação pelo rito ordinário proposta por OSKAR FOSSATI METSAVAHT em face de BRITISH AIRWAYS PLC, em que se pede a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos materiais, no valor de R$ 16.338,72 (dezesseis mil, trezentos e trinta e oito reais e setenta e dois centavos), e de compensação por danos morais, em razão de extravio de sua bagagem em vôo internacional.

Regularmente citada, a parte ré ofereceu contestação, em que requereu a denunciação da lide à Linee Aeree Italiane S.p.A. - Alitalia, por ter sido a última companhia aérea a transportar o passageiro, o que geraria a sua responsabilidade pela bagagem nos termos do artigo 45 da Convenção de Montreal. Aduziu, ademais, que o atraso do vôo destinado a Londres, onde se realizaria conexão para Milão, devera-se a condições climáticas, razão por que teria sido o autor imediatamente acomodado em vôo da Alitalia para a cidade italiana. Alegou, ademais, que o próprio autor demorou dois dias para informar as companhias aéreas acerca do extravia da bagagem, o que gerou a demora em sua localização.

Sustenta, por fim, que a bagagem foi encontrada e entregue na residência do autor, no Rio de Janeiro, razão por que não procedem os pedidos formulados.

Pelo Juízo a quo foi proferida sentença de procedência parcial do pedido, em que se condena a parte ré ao pagamento de compensação por danos morais, no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), acrescidos de correção monetária a partir da data de publicação da sentença e juros de 1% ao mês, a partir da data de prolação da sentença. Por fim, repartiu a sentença entre as partes os ônus sucumbenciais.

Inconformadas, as partes interpuseram apelações, a ré em fls. 141/154 e o autor em fls. 156/163.

A primeira apelante reiterou o requerimento de denúncia da lide à Alitalia, renovou a tese de aplicação ao caso da Convenção de Montreal, relativamente à repartição de responsabilidade entre as companhias aéreas e à limitação de indenizações, e sustentou a inocorrência de dano moral. Pediu, enfim, o provimento do apelo, a fim de ver anulada a sentença e deferida a denunciação da lide, ou sucessivamente, a reforma da sentença, para declaração de inexistência de danos morais ou para a redução da indenização fixada.

O segundo apelante, por sua vez, reafirma a ocorrência de danos materiais, devidamente comprovados nos autos, com base no que pede a reforma da sentença para a condenação da segunda apelada ao pagamento de indenização.

Contra-razões de apelação em fls. 167/178 e 179/185.

É o relatório.

VOTO:

Os recursos interpostos são tempestivos e ostentam os demais requisitos de admissibilidade recursal. Deles conheço, portanto, nos seguintes termos:

A apreciação do primeiro dos apelos requer, de início, o estabelecimento da legislação de regência da matéria, pois, de um lado, a sentença guerreada afastou a incidência da Convenção de Montreal sobre Aviação Internacional para aplicar a Lei 8.078/94 - Código de Defesa do Consumidor (CDC) e, de outro, insiste a primeira apelante na incidência do referido tratado internacional.

Essa antinomia de normas jurídicas não é resolvida pelos critérios tradicionais da hierarquia, cronológico e da especialidade, reconhecidos pela doutrina. De fato, não se aplica o critério da hierarquia, pois o tratado internacional, ao ser regularmente internalizado, passa a ostentar grau hierárquico de lei ordinária. O critério cronológico, igualmente, não se presta a solucionar a antinomia, pois, posto seja a Convenção de Montreal norma posterior ao CDC, este consiste em lei especial, inderrogável, portanto, por norma posterior que não diga respeito à matéria por ele especialmente regulada. Nada obstante, não se pode olvidar que o tratado internacional mencionado, destinado a regular especificamente o setor de aviação internacional, também consiste em norma jurídica marcada pela nota da especialidade.

Assim, há que se recorrer a mecanismo de solução de antinomias mais sofisticado, consistente na ponderação dos interesses tutelados por cada um dos diplomas normativos. Tal proceder, é claro, será empreendido à luz da tábua axiológica estabelecida pela Constituição da República, pressuposto de validade ao qual se reconduzem todas as normas jurídicas do ordenamento.

Pois bem: a defesa do consumidor consiste em direito fundamental constante do rol do artigo 5º, no inciso XXXII, da Constituição. Consiste, igualmente, em princípio norteador da Ordem Econômica e Financeira, previsto no artigo 170, V. Por seu turno, encontra-se igualmente assentado na Constituição, no artigo 178, que a República observará, no tocante à regulação do transporte aéreo internacional, os tratados internacionais de que for signatário.

Cuida-se, como se vê, de preceitos igualmente abrigados pela Constituição.

Em nome do princípio da unidade hierárquico-normativa da Constituição, há que se delimitar o espaço de incidência de cada um, de forma se preservar a harmonia do sistema constitucional e, ao mesmo tempo, solucionar a questão.

A observância de tratados internacionais relativos à aviação civil internacional consiste em regra de cunho estritamente setorial, inspirada, sem dúvida, nas peculiaridades da atividade regulada e na promoção das relações internacionais, não apenas as institucionais entre os países, mas também dos membros das diversas comunidades.

A defesa do consumidor, por sua vez, encontra-se alinhada aos direitos e garantias individuais e, pode-se dizer, é uma das formas de expressão do princípio da isonomia observáveis em sociedades de massa, como a brasileira. Trata-se, portanto, segundo a tipologia utilizada por Luís Roberto Barroso(1), de princípio constitucional geral, que irradia seus efeitos por todos os setores do ordenamento constitucional e integra, ao lado dos princípios fundamentais, dos quais é diretamente decorrente, o núcleo imodificável do sistema. Sua força, ademais, é tamanha, que foi expressamente reconhecido como princípio da Ordem Econômica e Financeira.

Em vista, portanto, das prioridades elencadas pela Constituição, manifestação de vontade mais perene do povo, deve-se priorizar a defesa dos hipossuficientes, efetivada na forma de lei aprovada pelos mais altos dignitários da República, diante de norma meramente setorial, regulamentada por meio de tratado internacional.

A par disso, espera-se que os agentes públicos brasileiros, atuantes tanto nas negociações para a elaboração de ato normativo internacional, como no procedimento para a sua internalização por decreto presidencial, conheçam os valores eleitos como prioritários pela Constituição. Com isso quer-se dizer que, à luz da ponderação acima efetuada, tratado internacional que se disponha a limitar instrumentos de defesa do consumidor - por exemplo, através de tarifação de indenizações ou de divisão prévia de responsabilidades - deve ter sua aplicação filtrada a partir do sistema constitucional vigente. Ressalte-se, por fim, que não existe invalidade ou incongruência do artigo 178 da Constituição, perfeitamente harmônico que é com o princípio da defesa do consumidor e com a ordem constitucional como um todo; insinua-se, porém, certa extrapolação, pelo próprio tratado, do âmbito de regulação que lhe abriu a Carta Política brasileira.

Em assim sendo, é de se perfilhar o mesmo entendimento adotado na sentença de primeiro grau, a fim de que se considere o caso regido pelo CDC.

Assentado isso, a sentença guerreada não merece reparos.

Como amplamente reconhecido pelo Judiciário, a compensação por danos morais deve ser arbitrada em observância aos princípios da proporcionalidade e da vedação ao enriquecimento sem causa. Tais preceitos foram plenamente observados pelo Juízo a quo.

Andou bem, outrossim, a sentença ao considerar como inexistentes os danos materiais alegados. Primeiramente, porque a bagagem do segundo apelante foi encontrada e a ele devolvida, o que demonstra a inexistência de perda patrimonial.

Em segundo lugar, porque a maior parte dos gastos, demonstrados por meio de notas fiscais acostadas aos autos, realizou-se horas antes do embarque no vôo de retorno do segundo apelante e incluiu perfumes e livros. Logo, não foram compras decorrentes de necessidade ocasionada pelo extravio da bagagem.

Não bastasse isso, não é coerente que compras realizadas apenas por necessidade perfaçam valor tão exorbitante quanto o gasto pelo segundo apelante.

Se este comprou bens de consumo caros, que, aliás, permanecerão em seu domínio, o fez porque quis, por sua própria conta e risco.

Por fim, algumas das notas fiscais exibem carimbo em que se lê a expressão inglesa "Tax Free", que significa que, por ter o segundo apelante feito compras acima de determinado valor, a parte do preço correspondente aos tributos lhe seria devolvida quando da passagem pela aduana, na saída do país. Cuida-se de prática comum em países de forte movimento turístico, para o estímulo do consumo pelos visitantes. A conclusão é a de que não é possível ter certeza de que o valor demonstrado nas notas fiscais foi, efetivamente, o gasto pelo segundo apelante.

Diante de tais considerações, os apelos devem ser desprovidos: o pedido da primeira apelante, de redução dos danos morais sofridos, não procede; já o pedido formulado pelo segundo apelante, de condenação da segunda apelada ao pagamento de indenização por danos materiais não tem qualquer respaldo e deve ser indeferido.

Por tais fundamentos, conheço dos recursos, mas nego-lhes provimento.

Rio de Janeiro, 30 de junho de 2009.

CLÁUDIO BRANDÃO DE OLIVEIRA
RELATOR

Certificado por JDS. DES. CLAUDIO BRANDAO

Publicado em 21/08/09



Notas:

1 - Interpretação e Aplicação da Constituição, 4º Ed. - São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 152-154. [Voltar]




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