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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

JURID - Direito do consumidor. Responsabilidade civil. [17/08/09] - Jurisprudência


Apelação cível. Direito do consumidor. Responsabilidade civil. Ação de indenização. Realização de baile. Sede social de clube. Liberação da piscina. Afogamento.


Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC

Apelação Cível n. 2004.014509-8, de Joaçaba

Relator: Des. Subst. Jaime Luiz Vicari

APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DO CONSUMIDOR - RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - REALIZAÇÃO DE BAILE - SEDE SOCIAL DE CLUBE - LIBERAÇÃO DA PISCINA - AFOGAMENTO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇO - DEFEITO - OCORRÊNCIA - FATO EXCLUSIVO DA VÍTIMA - INOCORRÊNCIA - DESPESAS COM FUNERAL - RESSARCIMENTO DEVIDO - PENSÃO POR MORTE - 2/3 DO SALÁRIO DA VÍTIMA - LIMITE TEMPORAL - VINTE E CINCO ANOS - DANOS MORAIS - OCORRÊNCIA - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

O clube que realiza festa com grande concentração de pessoas, sem que haja pessoal preparado e em número suficiente para oferecer a segurança esperada, e libera a piscina para uso geral, presta um serviço defeituoso.

Por outro lado, só haveria falar em fato exclusivo da vítima, que morreu afogada, se cabalmente comprovada que a sua embriaguez foi a única causa para o evento morte, o que não ocorreu.

Dessa feita, o clube organizador da festa é responsável pelo ressarcimento dos danos com funeral, pensão por morte no equivalente a 2/3 do salário que a vítima percebia, até o limite em que completaria 25 anos, e, ainda, deve ser condenado ao pagamento de indenização por danos morais.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2004.014509-8, da comarca de Joaçaba (1ª Vara Cível), em que são apelantes Paulo Schaitel e Nair Schaitel e apelado Esporte Clube Vitória:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por maioria de votos, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para condenar o recorrido ao pagamento das despesas com o funeral, pensão por morte, esta no valor de 2/3 do que o de cujus percebia, limitado até a data em que completaria 25 anos, e indenização por danos morais, no valor de R$40.000,00. Outrossim, invertida a sucumbência, arca o vencido com as custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre a condenação, nos termos do artigo 20, §3º, do Código de Processo Civil. Vencido o Excelentíssimo Senhor Desembargador Mazoni Ferreira, que mantinha a sentença. Custas legais.

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação interposta por Paulo Schaitel e Nair Schaitel contra sentença prolatada na "ação de indenização" ajuizada contra Esporte Clube Vitória.

Na inicial (fls. 2-10), os autores alegaram, em síntese, que, no dia 6 de fevereiro de 1999, o réu teria realizado, em sua sede, o "II Baile do Hawaii", do qual Alexandre Schaitel, seu filho, teria participado.

Sustentaram que, por volta das 3:30 h do dia 7, a piscina do clube teria sido liberada para que os convidados lá mergulhassem, e assim teria procedido Alexandre.

Entretanto, momentos depois, ele teria-se afogado, e, mesmo com a tentativa de reanimação, foi a óbito.

Aduziram que a morte só teria ocorrido em razão da culpa do clube em liberar a piscina em uma festa com grande concentração de pessoas, com venda de bebidas alcoólicas e apenas quatro pessoas cuidando da segurança.

Asseveraram que o seu filho tinha apenas 20 anos de idade e que colaborava no sustento da família. Desse modo, pugnaram pela condenação do réu ao pagamento de pensão e indenização por danos morais, além do ressarcimento com as despesas com o funeral.

O réu contestou (fls. 30-38) negando houvesse liberado a piscina para mergulho.

Confirmou que a vítima estava embriagada e que, antes do afogamento, já teria sido retirada duas vezes da piscina. Dessa forma, a culpa pelo ocorrido seria exclusiva do filho dos autores, não havendo falar em danos morais e materiais.

Os autores impugnaram a contestação (fls. 45-50) e foi realizada audiência de conciliação (fl. 56). Após, nove pessoas foram ouvidas na audiência de instrução e julgamento (fl. 79) e as partes apresentaram alegações finais (fls. 80-86 e 104-110).

Sobreveio, então, a sentença (fls. 113-119), que julgou os pedidos improcedentes.

Paulo Schaitel e Nair Schaitel, irresignados, interpuseram recurso de apelação (fls. 120-129) e sustentaram, em suma, que a culpa do apelado teria sido demonstrada.

Disseram que não haveria seguranças suficientes para o número de pessoas na festa, e, ainda, que eles estariam despreparados para ajudar alguém em caso de afogamento, pois os próprios convidados teriam retirado a vítima da água e feito a tentativa de reanimação.

Aduziram que a piscina estaria decorada com um barco de aproximadamente dois metros de comprimento, feito de alumínio, solto na água, e ornamentos fixados por cordas e tijolos.

Fizeram um cotejo dos depoimentos das pessoas ouvidas e reforçaram a ideia de que a culpa do clube teria sido comprovada.

O apelado apresentou contrarrazões (fls. 131-138) e os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça.

VOTO

Inicialmente, deve-se sublinhar que se trata, aqui, de acidente ocorrido durante uma festa promovida pelo clube apelado. Durante o trâmite processual, a existência, ou não, de culpa foi muito debatida.

Entretando, prescinde-se, in casu, dessa análise. Isso porque a relação estabelecida entre as partes, claramente, foi de consumo, e, portanto, os fatos devem ser analisados sob a óptica da responsabilidade civil objetiva, nos parâmetros determinados pelo Código de Defesa do Consumidor.

A organização do "II Baile do Hawaii", com cobrança de ingresso, oferecimento de frutas e venda de bebidas é uma forma de prestação de serviço, conforme o disposto no artigo 14 da legislação consumerista. Assim, para que exista responsabilidade do fornecedor, três pressupostos devem estar configurados: o defeito do serviço, o dano e o nexo de causalidade.

O trágico evento danoso está cabalmente demonstrado, já que não há discussão acerca do falecimento da vítima Alexandre Schaitel, filho dos recorrentes, durante a festa realizada pelo apelado.

O clube recorrido sustentou, basicamente, duas teses excludentes de sua responsabilidade: inexistência de defeito na prestação de serviços - um dos pressupostos para que exista responsabilização - e culpa exclusiva da vítima - excludente do nexo de causalidade. Em outras palavras, o recorrido teria feito o que dele era esperado; quem deu causa ao evento teria sido, tão-só, a vítima.

O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor diz que o fornecedor de serviços responde pelos danos causados ao consumidor por defeito relativo aos serviços prestados. O parágrafo 1º, inciso II, do mesmo artigo, determina que o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança prevista, levando-se em conta os resultados e riscos que razoavelmente dele se esperam.

Tendo em mente essas diretrizes, é razoável afirmar que toda pessoa que vai a uma festa organizada por um clube espera, obviamente, que a sua incolumidade psicofísica seja mantida intacta. Ninguém, em sã consciência, dirige-se a um evento social, que tem por fim entretenimento e lazer, para perder a vida.

Com efeito, havia uma grande concentração de pessoas na sede do clube, conforme as testemunhas Artur Kvieczinski e Claudiomir Vicente Amorin (fls. 65-68), seguranças contratados para a festa encarregados de cuidar do local e dos participantes.

Essas duas testemunhas, que estavam trabalhando no evento, confirmaram a liberação da piscina para uso dos festeiros, por ordem do presidente do clube.

Por outro lado, Valter Kohle, Cláudio José Aurélio e José Carlos Jung (fls. 74-75, 77-78 e 76, respectivamente), membros da diretoria do clube, salientando-se que apenas o último prestou compromisso legal, negaram tal liberação.

Poder-se-ia dizer, então, que as provas são colidentes e que não haveria certeza em saber se tal fato ocorreu. Entretanto, se as pessoas que estavam cuidando da segurança da festa deixaram entrar na piscina quem quer que fosse, não importa se houve autorização expressa da diretoria, porquanto agiam em seu nome perante os convidados.

E aí reside o defeito na prestação do serviço, pois a partir do momento em que a piscina foi liberada para uso comum, perto das 3:30 h, em uma festa com centenas de participantes - presumindo-se que boa parte já havia ingerido bebidas alcóolicas -, contando com apenas quatro pessoas sem treinamento específico de resgate aquático para cuidar de todos, a expectativa de segurança evaporou-se e as chances de um acidente ocorrer subiram vertiginosamente.

Soma-se a isso o fato de que a piscina estava decorada com um barco de cerca de dois metros de comprimento, feito de alumínio e solto no água, com ornamentos amarrados a tijolos e, pior, o uso dos trampolins também havia sido permitido.

O resultado trágico dessa insensatez estava anunciado; se não fosse com o filho dos apelantes, muito provável que acontecesse com outra pessoa. Afasta-se, pois, a inexistência de defeito na prestação do serviço.

Dessa feita, a alegação de culpa exclusiva da vítima passa a ser analisada.

O recorrido disse que o resultado morte só ocorreu em decorrência da embriaguez da vítima. Em exame feito pelo IML, constatou-se uma concentração de 2,3 decigramas de álcool por litro de sangue no corpo do de cujus.

Seria essa, na visão do apelado, a causa do acidente: o alto teor de álcool encontrado no sangue na vítima, pois ela teria perdido o bom-senso e a noção do razoável, dando causa à sua morte.

Sobre a noção de culpa exclusiva do consumidor, colhe-se da lição de Sergio Cavalieri Filho:

A culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro [...] é, igualmente, causa de exclusão do nexo causal equiparável à força maior [...].

Fala-se em culpa exclusiva da vítima quando a sua conduta se erige em causa direta e determinante do evento, de modo a não ser possível apontar qualquer defeito no produto ou no serviço como fato ensejador da sua ocorrência. Se o comportamento do consumidor é a única causa do acidente de consumo, não há como responsabilizar o produtor ou fornecedor por ausência de nexo de causalidade entre a atividade e o dano (Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 509)(grifos não originais).

Dessa feita, para o esclarecimento da questão, algumas indagações devem ser feitas: havia pessoas qualificadas e em número suficiente para prestar socorro aos convidados da festa, caso estes se afogassem? A ocorrência de acidentes era previsível, e em qual grau? O clube tinha ciência do estado em que a vítima estava? A ebriedade foi a causa exclusiva para o resultado morte?

As respostas à essas perguntas fornecem a solução a respeito da ocorrência do fato exclusivo da vítima.

As pessoas que cuidavam da festa, além de estarem em número insuficiente para o total de convidados, não tinham treino específico de resgate aquático. É certo que o risco de acidentes era alto e totalmente previsível, considerando o número e o despreparo dos seguranças, a liberação do uso dos trampolins e da piscina - decorada com objetos potencialmente perigosos - às 3:30 h, em uma festa na qual bebidas alcóolicas eram vendidas e consumidas em grande quantidade, como normalmente ocorre.

Do mesmo modo, ficou claro, pelas testemunhas ouvidas, que a vítima já havia sido retirada da piscina pelo menos outras duas vezes. Ora, se o clube tinha ciência de que o filho dos recorrentes estava embriagado e que insistia em mergulhar na água, por que não o retirou da festa e impediu a sua volta? Se ele já tinha tornado-se um inconveniente, deveria ter sido expulso do evento.

Por fim, e mais importante, resta saber se a ebriedade da vítima foi causa exclusiva de sua morte. Não há como ter certeza: ela já tinha pulado outras vezes na água e não tinha se afogado. Ademais, não havia pessoal treinado para fazer o resgate e fica a dúvida de como os fatos teriam ocorrido se outra fosse a situação dos seguranças, ou se a piscina não tivesse sido liberada, ou se não houvesse tanta decoração e um barco solto na superfície.

Impossível, pois, determinar se a morte da vítima decorreu única e exclusivamente de seu estado alcoólico, mormente levando-se em conta o defeito na prestação do serviço, ou seja, a falta da expectativa de segurança.

Assim, a dúvida a respeito do fato exclusivo da vítima milita em favor do consumidor, parte mais vulnerável da relação, tendo em vista que essa comprovação era ônus do fornecedor de serviços, conforme o disposto no artigo 14, §3º, do Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, estão presentes todos os pressupostos necessários para que o fornecedor responda pelo evento lesivo.

Os apelantes pediram, na inicial, a condenação do recorrido ao pagamento das despesas com o funeral, indenização por danos morais e pensionamento no mesmo valor que o falecido percebia até a idade em que completasse 65 anos.

Com efeito, os gastos com o funeral estão devidamente comprovados pelos documentos de fls. 21-25, e deve o clube apelado ressarcir os apelantes. Tais valores devem ser corrigidos monetariamente e aplicados juros de mora de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do novo Código Civil, quando deverá incidir juros de 1,0% ao mês, tudo a partir do efetivo desembolso.

Os recorrentes também pleitearam a condenação do apelado ao pagamento de pensão no valor integral do salário do de cujus até a idade em que completaria 65 anos.

Entretanto, quando se trata da morte de filho, presume-se que em algum momento ele iria deixar o lar dos pais e constituir a sua própria família, assim como também é presumido que, se ajudava no sustento da casa, 1/3 de seus rendimentos eram destinados aos seus próprios gastos.

Dessa forma, a pensão é devida no importe de 2/3 do salário que a vítima percebia na época da morte (fl. 20), limitado até a data em que completaria 25 anos. Esses valores, como já vencidos, prescindem de constituição de capital e devem ser acrescidos de correção monetária e juros, estes de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do novo Código Civil, quando deverá incidir juros de 1,0% ao mês, tudo a partir do falecimento da vítima.

Por fim, há a análise da indenização por danos morais. É certo que não existem parâmetros legais para a fixação da indenização, devendo o magistrado observar para tanto, basicamente, a dor sofrida pelos recorrentes, ou seja, sua intensidade, duração e gravidade, assim como a capacidade econômica do lesante, de modo que o valor final compense, de alguma forma, o dano, e, do outro, puna e faça previnir a ocorrência de iguais situações.

No presente caso, os apelantes perderam, prematuramente, o seu filho de apenas 20 anos. Inconteste que durante o resto de suas vidas sofrerão com a perda sofrida, sem que haja como mensurar esses sentimentos.

Dessa forma, observados os parâmetros citados, R$ 40.000,00 afigura-se razoável e proporcional à gravidade dos fatos e à capacidade econômica da parte lesante, bem como atende, de um lado, ao efeito punitivo-pedagógico e, de outro, ao efeito compensatório-reconfortante. Esse montante deve ser corrigido monetariamente a partir do seu arbitramento (Súmula 362 do STJ), e incidir juros a partir da morte da vítima (Súmula 54 do STJ), de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do novo Código Civil, quando deverá incidir juros de 1,0% ao mês.

Outrossim, invertida a sucumbência, condena-se o recorrido ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre a condenação, nos termos do artigo 20, §3º, do Código de Processo Civil.

Ex positis, o recurso é conhecido e dá-se-lhe parcial provimento para condenar o recorrido ao pagamento das despesas com funeral (fls. 21-25), com incidência correção monetária e juros de mora de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do novo Código Civil, quando deverá incidir juros de 1,0% ao mês, tudo a partir do efetivo desembolso. Condena-se também ao pagamento de pensão no importe de 2/3 do salário que a vítima percebia na época da morte (fl. 20), limitado até a data em que completaria 25 anos. Esses valores, como já vencidos, prescindem de constituição de capital e devem ser acrescidos de correção monetária e juros, estes de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do novo Código Civil, quando deverá incidir juros de 1,0% ao mês, tudo a partir do falecimento da vítima. Por fim, condena-se o apelado ao pagamento de R$ 40.000,00 de indenização por danos morais. Esse montante deve ser corrigido monetariamente a partir do seu arbitramento (Súmula 362 do STJ), e incidir juros a partir da morte da vítima (Súmula 54 do STJ), de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do novo Código Civil, quando deverá incidir juros de 1,0% ao mês. Outrossim, invertida a sucumbência, condena-se o recorrido ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre a condenação, nos termos do artigo 20, §3º, do Código de Processo Civil.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, esta Segunda Câmara de Direito Civil decide, por maioria de votos, conhecer do presente reclamo e dar-lhe parcial provimento para condenar o recorrido ao pagamento das despesas com funeral (fls. 21-25), com incidência de correção monetária e juros de mora de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do novo Código Civil, quando deverá incidir juros de 1,0% ao mês, tudo a partir do efetivo desembolso. Condena-se também ao pagamento de pensão no importe de 2/3 do salário que a vítima percebia na época da morte (fl. 20), limitado até a data em que completaria 25 anos. Esses valores, como já vencidos, prescindem de constituição de capital e devem ser acrescidos de correção monetária e juros, estes de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do novo Código Civil, quando deverá incidir juros de 1,0% ao mês, tudo a partir do falecimento da vítima. Por fim, condena-se o apelado ao pagamento de R$40.000,00 de indenização por danos morais. Esse montante deve ser corrigido monetariamente a partir do seu arbitramento (Súmula 362 do STJ), e incidir juros a partir da morte da vítima (Súmula 54 do STJ), de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do novo Código Civil, quando deverá incidir juros de 1,0% ao mês. Outrossim, invertida a sucumbência, condena-se o recorrido ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre a condenação, nos termos do artigo 20, §3º, do Código de Processo Civil. Vencido o Excelentíssimo Senhor Desembargador Mazoni Ferreira, que mantinha a sentença

O julgamento, realizado no dia 14 de maio de 2009, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Mazoni Ferreira e dele participou a Excelentíssima Senhora Desembargadora Substituta Denise Volpato.

Florianópolis, 27 de maio de 2009.
Jaime Luiz Vicari

RELATOR

Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Mazoni Ferreira.

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Paulo Schaitel e Nair Schaitel da sentença proferida pelo Juiz da 1ª Vara Cível da comarca de Joaçaba que, nos autos da ação de indenização movida contra o Esporte Clube Vitória, julgou improcedente o pedido de indenização deduzido pelos autores.

A colenda Câmara recursal, por maioria de votos, deu provimento ao recurso para julgar procedente o pedido inicial e condenar o clube recorrido ao pagamento das despesas com o funeral do filho dos apelantes, além de pensão até a data em que a vítima completaria 25 anos de idade, mais indenização por danos morais no importe de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).

Ousei divergir da maioria para desprover o recurso e manter incólume a sentença de improcedência.

Destaco, inicialmente, que o filho dos apelantes tinha 20 anos de idade na data do acidente, ou seja, não se tratava de uma criança, mas sim de um jovem com plena capacidade de discernimento e conduta, tanto que voluntariamente foi ao baile, ingeriu bebida alcoólica em quantidade suficiente para se embriagar, e, ainda, insistiu em pular na piscina mesmo depois de ter sido retirado pelos seguranças, afigurando-se indevido responsabilizar o clube pelos atos imprudentes de uma pessoa capaz, que, por sua culpa exclusiva, deu causa ao próprio afogamento.

No mais, adoto os bem lançados fundamentos da sentença como razões de decidir:

No caso dos autos, o dano e o nexo causal restaram devidamente comprovados, face o óbito de Alexandre por asfixia mecânica por afogamento (Certidão de fls. 13).

Resta, portanto, apurar a culpa do demandado por ocasião do acidente ocorrido na piscina, quando da realização do Baile do Hawai, realizado no dia 06.02.1999 nas dependências daquele clube, para só então acolher o pedido inicial.

Neste ponto, sopesando as provas colacionadas aos autos, em especial a prova oral, tenho que o lamentável acidente ocorreu por culpa da vítima Alexandre, pois em completo estado de embriaguez não mediu esforços para adentrar na piscina, sendo retirado de tal por duas oportunidades antes do afogamento.

O laudo pericial elaborado pelo IML (fls. 42) dá conta de que a vítima ingeriu grande quantidade de bebida antes da morte na piscina, numa concentração de 2,3 g/l (dois gramas e três decigramas de álcool) por litro de sangue, o que certamente lhe retirou a noção do certo ou errado, tamanha a insistência de pular na água.

O Código de Transito Brasileiro no artigo 165 pune, com infração gravíssima, o motorista que dirige sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, dada a incapacidade para tal ato. Imagine-se então o estado de embriaguez da vítima antes do acidente, pois em dosagem alcoólica três vezes maior que a permitida para direção no trânsito.

Embora os autores aleguem que nas dependências do clube inexista aviso para não utilização da piscina, que a segurança era desqualificada e que o presidente do clube autorizou o uso da piscina, o acidente ocorreu porque a vítima deu causa para tal.

Ademais, dos depoimentos colhidos durante o processado, restou controvertida a situação se havia ou não cartazes advertindo os participantes para não adentrarem na piscina. O mesmo ocorreu em relação à liberação da piscina pelo presidente do clube (grifei).

Quanto ao serviço de segurança, tenho que mesmo se houvessem vários seguranças impossível seria conter a quantidade de pessoas que pularam na piscina.

Das declarações prestadas em juízo, colhe-se do depoimento de Artur Kvieczinski (fls. 65), um dos seguranças contratados para o baile, que presenciou o acidente:

"(...) Que se recorda que o falecido Alexandre, o qual não conhecia na época em determinado momento, por volta de 01:00 hora da madrugada, jogou-se na piscina, ainda vestido, tendo sido retirado pelo depoente e seus colegas e advertido de que não poderia voltar a adentrar na piscina; (...); Que o falecido aparentava estar alcoolizado na oportunidade; (...);"

O outro segurança Claudiomir Vicente Amorin, apesar de não presenciar o afogamento da vítima, afirmou às fls. 67, que apesar da proibição, várias pessoas pularam na piscina.

Marcio Luiz Motta, participante daquele baile, declarou às fls. 69 que mesmo sem permissão adentrou na piscina, assim como várias pessoas, as quais os seguranças tentavam retirar.

Outro freqüentador do Clube Vitória, André Luis Aurélio, disse (fls. 70) que conversou com a vítima antes do acidente, que "percebeu que Alexandre estava 'levemente embriagado', embora não cambaleasse".

Gabriel Hoffelder, declarou (fls. 71), por sua vez, que ao subir no trampolim percebeu um vulto no fundo da piscina, ocasião que pulou na água visando retirar o corpo de Alexandre.

Os outros depoimentos, tanto dos informantes quanto das testemunhas, indicam que a vítima ingeriu bebida alcoólica durante o evento, tanto que o IML constatou a concentração em nível relativamente alto.

Imprudente, certamente, foi a vítima, pois bebeu e comeu demasiadamente antes de pular na piscina. Tamanha era a falta de discernimento da vítima, em razão do estado de embriagues, que sequer conseguiu sair da água após ter pulado do trampolim, vindo a afogar-se instantaneamente.

Em caso semelhante já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

"RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE POR AFOGAMENTO EM PISCINA DE CLUBE. INEXISTÊNCIA DE CULPA DO CLUBE. IMPRUDÊNCIA DOS RESPONSÁVEIS PELA VÍTMA, MENOR, AO PERMITIREM QUE ENTRASSE NA PISCINA POUCO TEMPO DEPOIS DE REFORÇADA REFEIÇÃO. Restando demonstrado que a morte por afogamento teve como causa antecedente uma congestão visceral pós-prandial - que retira os sentidos da pessoa e praticamente inviabiliza o salvamento, por não haver uma reação ou pedido de socorro da vítima - e que tomou o clube as precauções necessárias e lançou mão das providências que se impunham para o caso, não há como imputar-lhe culpa, sendo forçoso admitir a configuração de culpa exclusiva da vítima, ou, como no caso, de seus responsáveis."

Do corpo do acórdão colhe-se:

"A prova pericial menciona que a morte ocorreu, com toda segurança, por afogamento. Como causa antecedente, houve congestão visceral pós-prandial por choque térmico; diferença entre o calor produzido pelo sol e vento quente e a temperatura baixa da água; o que dá à pessoa, condição pré-comatosa. Dai a morte por afogamento. O laudo do IML dá conta, ainda, de que a vítima ingeriu grande quantidade de comida entre trinta e sessenta minutos antes da morte na piscina, daí o porquê da congestão que acabou por diminuir ou retirar-lhe a resistência, levando-a ao afogamento. (...) Imprudente, de fato, foram os responsáveis pela menor que permitiram que ela entrasse na piscina pouco tempo após ter feito uma pesada refeição. Ora, é do conhecimento comum que após as refeições não se deve entrar em piscina, mar ou de qualquer forma deixar o corpo submerso na água. A atitude imprudente, não se podendo atribuí-la à vítima, por ser menor, foi de seus pais e responsáveis."

Assim, verificada que a culpa pelo acidente em tela foi exclusiva da infeliz vítima, e não do clube demandado, não há obrigação de indenizar, razão porque a presente deve ser julgada improcedente.

Além das razões acima expostas, merece especial destaque o fato de que o inquérito policial instaurado para apurar as circunstâncias da morte do filho dos apelantes foi arquivado, destacando-se da Promoção de Arquivamento:

Analisando-se os elementos indiciários até agora colhidos, não há como se imputar a culpa pelo evento a qualquer pessoa, pois o lamentável ocorrido foi um típico acidente, acontecido por fato da própria natureza humana (caso fortuito) ou por culpa da própria vítima (fl. 43).

Por fim, corroborando o entendimento acima esposado, colaciono precedente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em caso idêntico ao presente:

INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS, DANOS MORAIS E LUCROS CESSANTES. INADMISSIBILIDADE. MORTE POR AFOGAMENTO DO FILHO DOS AUTORES NAS DEPENDÊNCIAS DO CLUBE REQUERIDO. VÍTIMA QUE VOLUNTARIAMENTE SE LANÇOU À ÁGUA, INOPORTUNAMENTE, VIOLANDO PROIBIÇÃO DO RÉU. DANO OCORRIDO POR CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. NEXO CAUSAL AFASTADO. AUSÊNCIA DE ILICITUDE DO COMPORTAMENTO DO RÉU. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. SENTENÇA AFASTADA. RECURSO DO RÉU PROVIDO, PREJUDICADO O APELO DOS AUTORES (TJSP, Apelação Cível n. 626.484.4/7-00, de Cerqueira César, 6ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Vitor Guglielmi, j. 12-3-2009).

Do corpo do acórdão:

A demanda fora proposta em virtude da ocorrência de danos materiais e morais oriundos do falecimento do filho dos autores, Tiago Domingos, por afogamento durante a realização de evento festivo nas dependências do clube requerido, que haveria culposamente, por omissão, causado a morte da vítima.

[...]

Entretanto, da prova testemunhal colhida, corroborada, de resto, pelas conclusões do aludido procedimento policial, dimana a absoluta voluntariedade da conduta da vítima que, por sua culpa exclusiva, deu azo à ocorrência do evento danoso. Em outras palavras, foi o erro de conduta da vítima o exclusivo móbil do dano a si mesmo impingido.

[...]

Ademais, e como bem consignou o representante do Ministério Público na promoção de arquivamento do inquérito policial referente aos fatos aqui tratados, a vítima apresentava, segundo exame toxicológico, alcoolemia de 1,1g de álcool etílico por litro de sangue, circunstância que mais uma vez aponta para a configuração de uma situação em que a vítima colocou-se a si própria em risco.

[...]

Em suma, é a ausência de prática de qualquer ato ilícito por parte dos prepostos do requerido, aliada à voluntariedade da conduta da vítima - a afastar o nexo de causalidade - o fundamento da exclusão do dever de indenizar.

Por essas razões, votei no sentido de negar provimento ao recurso para manter incólume a sentença recorrida.

Florianópolis, 18 de junho de 2009.

Mazoni Ferreira.

Publicado em 11/08/09




JURID - Direito do consumidor. Responsabilidade civil. [17/08/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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