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terça-feira, 25 de agosto de 2009

JURID - Direito civil e do consumidor. Cartão de crédito. [25/08/09] - Jurisprudência


Direito civil e do consumidor. Apelação cível. Cobrança de valores registrados em cartão de crédito em nome da parte demandada. Consumidor que não reconhece as despesas realizadas.
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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN

Apelação Cível nº 2008.005718-2.

Origem: 2ª Vara Cível da Comarca de Natal-RN.

Apelante: Credicard Banco S/A.

Advogados: Dr. José Almir da Rocha Mendes Júnior (392A/RN) e outros.

Apelada: Agueda Maria do Nascimento Alexandre.

Advogada: Drª. Patrícia Morais Monte Florêncio (3930/RN).

Relator: Desembargador Expedito Ferreira.

EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA DE VALORES REGISTRADOS EM CARTÃO DE CRÉDITO EM NOME DA PARTE DEMANDADA. CONSUMIDOR QUE NÃO RECONHECE AS DESPESAS REALIZADAS. DIVERGÊNCIA NAS ASSINATURAS CONSIGNADAS NOS COMPROVANTES DE DESPESAS E O SINAL GRÁFICO UTILIZADO PELA PARTE. UTILIZAÇÃO DO CARTÃO POR TERCEIRO. FRAUDE CONFIGURADA. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. DÍVIDA NÃO CONSTITUÍDA REGULARMENTE. OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO NÃO RECONHECIDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima nominadas:

Acordam os Desembargadores da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, por unanimidade de votos, em conhecer do apelo interposto, para, no mérito, negar-lhe provimento, mantendo integralmente a sentença recorrida, nos termos do voto do relator.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pela empresa Credicard Banco S/A em face de sentença proferida pelo juízo da 12ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN, às fls. 93-95, que julgou improcedente a pretensão formulada na inicial, fixando a condenação da instituição financeira autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa.

Em suas razões recursais, às fls. 101-107, aduz a apelante que a decisão hostilizada não observou as provas colacionadas ao feito e que se prestariam para comprovar que teria sido a recorrida responsável pelas despesas objeto da cobrança instaurada no juízo de primeiro grau.

Destaca que, dentre os serviços contratados e direitos conferidos à recorrida, poderia esta promover a reclamação por escrito sobre os lançamentos realizados em sua fatura, caso discordasse dos valores ou respectivos credores.

Salienta que a apelada recebeu em sua residência as faturas referentes às despesas objeto da cobrança instaurada na peça vestibular não tendo realizado o necessário questionamento acerca dos valores no prazo estabelecido no contrato.

Realça que as despesas cobradas foram efetuadas pela apelada, mormente considerando que os respectivos comprovantes de compras anexados aos autos sequer foram impugnados, havendo o reconhecimento sobre a assinatura aposta nos documentos em questão.

Alterca que a recorrida realizava o pagamento de suas faturas mensalmente e utilizava seu cartão de crédito sem que jamais fosse apresentada qualquer irregularidade.

Informa inexistir ilegalidade no pagamento realizado através de cheques, mesmo não sendo os títulos emitidos pelo titular do cartão, tendo em vista a possibilidade de quitação das despesas com cheque de terceiros.

Pondera que não houve demonstração da utilização fraudulenta do cartão de crédito em nome da recorrida.

Por fim, requer o conhecimento e provimento do apelo interposto, para que seja reformada a sentença recorrida, condenando-se a apelada ao pagamento da quantia de R$ 30.416,15 ( trinta mil quatrocentos e dezesseis reais e quinze centavos), nos termos como requerido na petição inicial.

Intimada, deixou a apelada de ofertar contra-razões, conforme certidão de fl. 110-v.

Instado a se manifestar, o Ministério Público, através da 13ª Procuradoria de Justiça, às fls. 118-122, declinou de sua intervenção no feito por ausência de interesse público.

É o que importa relatar.

VOTO

Estando preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso em tela, voto pelo seu conhecimento.

Cinge-se o mérito recursal em perquirir sobre a eventual responsabilidade da apelada pela obrigação de pagamento das despesas efetuadas em cartão de crédito registrado em seu nome.

De início, interessante destacar que se mostra aplicável à situação em tela os dispositivos emanados do Código de Defesa do Consumidor, haja vista que a relação jurídico-material estabelecida entre as partes litigantes é dotada de caráter de consumo.

A verdade é que a apelante figura como fornecedor de serviços atinentes ao crédito, ao passo que a apelada se apresenta como destinatária final dos mesmos.

Com efeito, as atividades desenvolvidas pela recorrente são de cunho eminentemente empresarial, na medida em que põe crédito à disposição da recorrida, para que esta utilize-o com a devida contraprestação mensal.

Resta, por óbvio, evidente a subsunção do proceder do recorrente à figura descrita no art. 3º do Código de Defesa do Consumidor.

Noutro quadrante, a apelada figura como consumidor, nos termos do art. 2º, do Estatuto Consumerista, na medida em que receberia o crédito da instituição, aplicando-o em um fim específico destinado a atender a uma necessidade própria.

Ademais, interessante destacar que, hodiernamente, não têm sido suscitadas grandes dúvidas acerca da possibilidade de aplicação das regras emanadas da Lei nº 8.078/90 aos contratos de natureza bancária e financeira, notadamente considerando o disposto no art. 3º, § 2º, de tal base normativa, ao preceituar in verbis:

"Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...)

§ 2º. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista".

Volvendo-se à questão de ressonância, registram os autos que a instituição financeira apelante teria efetuado cobranças referentes a lançamentos efetuados nas faturas do cartão de crédito registrado em nome da apelada.

Informa a peça vestibular que as compras foram efetivamente realizadas pela apelada, razão pela qual lhe foram enviadas as respectivas faturas de cobrança.

Por outro seguimento, por ocasião da apresentação de sua peça de contestação, informa a recorrida que jamais realizou as compras objeto da cobrança, tratando-se de falha no serviço da própria administradora de cartão de crédito que permitiu a "clonagem" de seus dados por terceiro fraudador.

Neste desterro, no que se reporta aos comprovantes de compras pretensamente realizadas pela recorrida e colacionados aos autos pela apelante, pelo simples exame de seu conteúdo, infere-se que a assinatura que consta nos mesmos diverge diametralmente do sinal utilizado pela recorrida.

Pode-se, então, concluir que a empresa recorrente não logrou êxito em constituir regularmente o débito que imputa à parte apelada, estando delineado pelas provas colacionadas ao feito que o débito em questão não foi contraído pela recorrida.

Deste modo é forçoso concluir que o cartão de crédito em questão não fora utilizado pela apelada mas sim por um terceiro, mediante fraude não devidamente solucionada pelos sistemas da empresa de administração de cartão de crédito.

Destaque-se que seria ônus da parte recorrente demonstrar a legitimidade da dívida perseguida na petição inicial, razão pela qual descurou-se de cumprir com as diligências que reclamam o artigo 330, I, do Código de Processo Civil, abaixo transcrito, in verbis:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

Ainda sob o mesmo entendimento, somente corrobora com os fundamentos esposados pela demandada a apresentação de cheque de terceiro como pretenso pagamento das despesas relativas ao cartão de crédito em questão.

Depreende-se que referido procedimento teve por escopo apenas possibilitar a continuidade da fraude, de sorte a desbloquear o cartão para novas compras indevidas pelo terceiro fraudador, sem qualquer participação da recorrida nestes procedimentos.

Por estas razões, como se é por demais consabido, representa a lei consumerista marco divisor na preservação e garantia dos direitos do consumidor que se mostra em condição de hipossuficiência dentro da relação negocial, assegurando-se, inclusive, a possibilidade de inversão do ônus da prova a seu favor em situação como a que ora se desenha nos autos.

Destarte, no que atine ao ônus da prova, sua inversão não constitui obrigatoriedade do magistrado, sendo condicionada à existência dos requisitos da verossimilhança das alegações do consumidor e sua hipossuficiência.

Afora os fundamentos apresentados em parágrafos precedentes, ainda em função da relação de consumo estabelecida entre as partes, verifico, desde logo, a hipossuficiência que existe entre a consumidora e o fornecedor, como também da serventia da prova para demonstrar a existência de defeito na prestação do serviço, tornando-se medida de salutar utilidade promover a inversão do ônus da prova, conforme preceitua o artigo 6º, inciso VIII da Lei 8.078/90.

Nesta ótica, pode-se facilmente inferir que as operações que deram origem ao lançamento de valores em nome da recorrida foram realizadas de forma incorreta, não sendo devida a cobrança realizada pela recorrente.

Não se revela lícita, portanto, a cobrança dos valores reclamada na vestibular, mormente considerando a demonstração satisfatória de irregularidades nas compras através de cartão de crédito.

Neste sentido é o entendimento jurisprudencial:

"EMENTA: AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. VALORES ATINENTES A COMPRAS REALIZADAS VIA CARTÃO DE CRÉDITO EM VIAGEM AO EXTERIOR. DÍVIDA IMPUGNADA PELA CONSUMIDORA, A QUAL JÁ HAVIA RETORNADO AO PAÍS QUANDO EFETIVADAS AS TRANSAÇÕES QUE ORIGINARAM OS DÉBITOS LIÇA. SUSPEITA DE CLONAGEM DO CARTÃO. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONTEXTO DE FORTE VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES DA AUTORA. É dever das administradoras de cartão de crédito garantir a segurança das operações realizadas pelos seus clientes. Inteligência do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. A Própria administradora, como fornecedora de serviços que é, pelo sistema de inversão do ônus probatório, conforme art. 6º, VIII, CDC, deve fazer prova não só de que a autora concorreu para o evento danoso, mas de que a responsabilidade pelos débitos contraídos irregularmente em seu nome ( por meio de fraude ou clonagem) é exclusivamente da consumidora. Inteligência do inciso II do § 3º do art. 14 do CDC. Recurso parcialmente provido para determinar a devolução simples dos valores indevidamente pagos e não abatidos ou compensados pela ré". (AC nº 71001423326, 2ª Turma Cível do TJRS, Rel. Maria José Schimitt Santana, j. 30.01.08)

Mesmo entendimento tem demonstrado esta Corte de Justiça, por ocasião da apreciação de questões correlatas:

EMENTA: CIVIL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO. CLONAGEM DE CARTÃO DE CRÉDITO. COMPROVAÇÃO DA FRAUDE. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO TITULAR. PRESTAÇÃO DEFEITUOSA DE SERVIÇO BANCÁRIO. OBSERVÂNCIA DO ART. 14 § 1º DO CDC. DANO EVIDENCIADO. VALOR INDENIZATÓRIO. ATENDIMENTO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. Se a instituição financeira não evitou a clonagem do cartão de seu cliente, será responsável pelos danos morais causados, nos termos do art. 14, §1º, do CDC. A quantificação do dano moral obedece ao critério do arbitramento judicial, que, norteado pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, fixará o valor, levando-se em conta o caráter compensatório para a vítima e o punitivo para o ofensor. (AC n.º 2008.011794-5, da 3ª Câmara Cível do TJRN. Rel. Dr. Cícero de Macedo Filho (Juiz Convocado). j. 09/12/2008).

Ante o exposto, conheço do presente recurso para negar-lhe provimento, mantendo a sentença recorrida em todos os seus termos.

É como voto.

Natal, 18 de agosto de 2009.

DESEMBARGADOR CRISTÓVAM PRAXEDES
Presidente

DESEMBARGADOR EXPEDITO FERREIRA
Relator

Dra. MARIA DE LOURDES MEDEIROS DE AZEVEDO
15ª Procuradora de Justiça

Publicado em 19/08/09




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