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terça-feira, 18 de agosto de 2009

JURID - DEF não pode cobrar corretagem [18/08/09] - Jurisprudência


Caixa Econômica Federal não poderá cobrar por corretagem de imóveis de venda direta
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2008.70.00.019931-0/PR

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF

ADVOGADO: MARCELO ROGERIO MARTINS

RÉU: CONSELHO REGIONAL DE CORRETORES DE IMOVEIS - 6ª REGIÃO/PR

ADVOGADO: ANTONIO LINARES FILHO

SENTENÇA

I. RELATÓRIO

O Ministério Público Federal postula a tutela jurisdicional, por meio da presente ação civil pública, em face da Caixa Econômica Federal (CAIXA) e o Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do Paraná (CRECI-PR), pretendendo: a) determinação para que a CAIXA se abstenha, doravante, de exigir que o consumidor, compulsoriamente, contrate serviços de corretagem para poder adquirir o imóvel, sob pena de multa pecuniária a ser fixada pelo juízo; b) a declaração de nulidade da cláusula abusiva que exige a obrigatoriedade de intermediação de corretor credenciado e habilitado pela Caixa Econômica Federal nas operações de venda direta de imóveis, constantes nos editais de licitação publicados desde a celebração do convênio de cooperação Técnica com o CRECI - PR; c) a condenação os réus à devolução (aos consumidores onerados com a contratação compulsória dos serviços de corretagem) dos valores recolhidos a título de honorário, a partir do convênio celebrado com o CRECI - PR, quando da aquisição dos imóveis por venda direta.

Deduz a pretensão, em síntese, de acordo com os seguintes fundamentos: a) a relação travada entre os adquirentes e a instituição financeira alienante dos imóveis é evidentemente de consumo; b) há ausência de fundamento legal para a obrigatoriedade da intermediação da venda; c) o serviço de corretagem pode ser dissociado da venda direta do imóvel; d) os custos de serviço de corretagem, fixados em 5% do valor mínimo de venda do imóvel, são arcados integralmente pelo adquirente do bem; e) todos os serviços prestados à CAIXA são bancados pelo adquirente do imóvel por conta de imposição unilateral das Rés; f) há manifestação evidente do abuso da imposição compulsória de serviços de corretagem, nos termos do art. 51, inc. IV do CDC.

A CAIXA apresentou Contestação (fls. 105/129), alegando, preliminarmente: a) ilegitimidade do MPF sob o fundamento de que está agindo na defesa de interesses individuais disponíveis; b) ausência de interesse processual; c) ilegitimidade passiva da CAIXA relativamente à restituição dos valores cobrados a título de taxa de corretagem. Alega, como prejudicial de mérito: a) a prescrição parcial da pretensão de ressarcimento dos valores arrecadados com a cobrança de taxa de corretagem; b) a prescrição prevista no CDC. No mérito, sustenta que: a) em se tratando de venda direta, há uma efetiva prestação de serviços por parte do corretor de imóveis credenciado junto ao CRECI para esse fim, destacando-se a assessoria para a desocupação do imóvel adquirido e acompanhamento do interessado em diversas etapas da contratação; b) parte do valor da taxa (2%) é destinada para custear eventual ajuizamento d e ações necessárias para a desocupação forçada de imóveis ocupados; c) nas transações imobiliárias em geral, a taxa de corretagem, de regra, é paga pelo vendedor, isso não impede, contudo, que as partes disponham de modo diverso; d) a operação de venda de imóveis pela CAIXA não se caracteriza como relação de consumo; e) a CAIXA não pode responder pelo pedido de devolução, uma vez que não recebeu nenhum valor a esse título; o repasse é feito diretamente pelos adquirentes aos corretores credenciados.

O Conselho Regional de Corretores de Imóveis - CRECI 6ª Região/PR apresentou Contestação (fls. 135/206), alegando, preliminarmente: a) ilegitimidade do MPF, havendo direito individual e disponível e ausência de relação de consumo; b) prescrição do direito de eventual restituição de valores. No mérito, sustenta que: a) nunca o CRECI/PR recebeu honorários de corretagem; b) quem recebia é o corretor de imóveis que aderiu ao convênio; c) a CAIXA coloca seus imóveis à venda através de concorrência pública (não havendo necessidade do assessoramento) e venda direta; d) há aproximação indiscutivelmente útil em benefício do comprados.

O Ministério Público Federal apresentou réplica (fls. 209/213), rebatendo as alegações da União e reiterando os termos da inicial. As partes não requereram a produção de provas.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Da Ação Civil Pública

A Ação Civil Pública (ACP) é uma ação constitucional (CF, art. 129, III), regulamentada pela Lei 7.347, de 24/07/1985, que se destina a reprimir ou impedir danos morais ou patrimoniais ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, paisagístico ou cultural, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, à ordem econômica, à economia popular e à ordem urbanística (art. 1º, da Lei nº 7.347/85).

Algumas outras leis ampliaram ou reforçaram a sua abrangência, por exemplo: Lei 7.853/89: pessoas portadoras de deficiência (necessidades especiais); Lei 7.913/89: investidores no mercado imobiliário; Lei 8.069/90: Estatuto das Crianças e dos Adolescentes; Lei 8.078/90: Código de Defesa do Consumidor; Lei 8.429/92: contra a improbidade administrativa; Lei 8.974/95: contra o descumprimento da Lei de Engenharia Genética.

Os direitos e interesses protegidos por meio da ação civil pública podem ser difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato; são caracterizados por estarem relacionados a um bem indivisível, que não pode ser atribuído em sua totalidade ou em partes a qualquer dos interessados. Os sujeitos relacionados aos interesses difusos possuem variável grau de determinação, mas é impossível sua atribuição individualizada a qualquer deles. O art. 81, inc. I, da Lei 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor -, os define como: "transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato".

Os interesses difusos estão numa órbita mais ampla, pois são indivisíveis, alcançando pessoas indeterminadas e indetermináveis. Os titulares de tal espécie de direitos transindividuais, além de indetermináveis, deverão estar ligados por uma circunstância fática, titulares de direito indivisível, isto é, não estarão unidos entre si, tampouco aos demais, como na definição clássica de relação jurídica, mas sim em decorrência de um fato.

Os interesses coletivos também têm objeto indivisível, mas, contrariamente aos difusos, pertencem a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. A indeterminação é a característica fundamental dos interesses difusos e a possibilidade de determinação daqueles interesses que envolvem os coletivos. O STF decidiu que a indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos (STF - RE-163231/SP - Rel. Min. Maurício Corrêa - DJU 29/06/01, p. 55).

O art. 81, inc. II, do CDC, define direitos coletivos como "transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base". Conforme ressalta Rodolfo de Camargo Mancuso, os interesses co-letivos não surgem com a simples soma de direitos individuais, tampouco com a defesa de interesse pessoal do grupo; tratam-se de interesses que ultrapassam esses dois limites, ficando afetados a um ente coletivo, nascido no momento em que certos valores individuais, atraídos por semelhança e harmonizados pelo fim comum, se amalgamam no grupo (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública. São Paulo: RT, 2002, p. 30).

Os direitos e interesses difusos e coletivos se caracterizam por não terem titular determinado, por serem transindividuais. Seu conteúdo é formado por bens ou valores jurídicos de relevante interesse geral, mas que não tem "dono certo", na expressão de Caio Tácito (ZAVASCKI, Teori Albino. Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. RT. 2006. p . 146-147).

O CDC introduziu nova categoria aos interesses coletivos, os chamados individuais homogêneos, os quais decorrem de origem comum (Lei 8.078/90, art. 81, III), e podem ser tutelados tanto por ação coletiva (proposta por substituto processual), quanto por ação individual (proposta pelo próprio titular do direito, a quem é facultado vincular-se ou não, à ação coletiva).

Legitimidade do Ministério Público

A CAIXA alega que o Ministério Público Federal não é parte legítima para a defesa dos interesses objeto deste feito, sob o fundamento de que está atuando na defesa de direitos individuais disponíveis. Todavia, conforme será demonstrado a seguir, não assiste razão à CAIXA.

A Constituição Federal, no artigo 127, incumbiu ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. A Lei nº 7.347/85 confere legitimidade ao Ministério Público para propor ação civil pública visando a defesa do meio-ambiente; do consumidor; de bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; por infração da ordem econômica e da economia popular; da ordem urbanística (arts. 1º e 5º, inciso I).

A Lei nº 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor - estabelece no art. 81 que a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. No parágrafo único prevê a classificação já exposta no item Da Ação Civil Pública. O artigo 82, por sua vez, elenca o MP entre os legitimados para a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

O art. 25, inciso IV, da Lei nº 8.625/93, estabelece que, além de outras funções constitucionalmente previstas, ao MP incumbe promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao ambiente e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos. A Lei Complementar nº 75/93 prevê que compete ao Ministério Público da União promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do meio ambiente e de outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.

Portanto, é vasta a legislação conferindo legitimidade ao Ministério Público para a propositura de ACP. Trata-se de legitimação extraordinária, mediante substituição processual para o exercício do direito de agir, pois o sujeito que teve o bem lesado, ou seja, a coletividade, não é o mesmo que adquire a qualidade de autor da demanda. Essa legitimação requer que haja interesses transindividuais a serem defendidos, sejam eles coletivos, difusos ou, ainda, os tidos por direitos ou interesses individuais homogêneos tratados coletivamente, estes desde que esteja configurado interesse social relevante.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que o Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública como forma de defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente ou de outros interesses difusos e coletivos e de interesses individuais homogêneos (RESP nº 1069930/RS - Rel. Min. Castro Meira - Dje 19/12/2008). O STJ também decidiu que o MP tem legitimidade para a propositura de ACP em defesa de direitos dos consumidores (Recurso Especial nº 806304/RS, Rel. Min. Luiz Fux - Dje 17/12/2008):

(...) 8. O Ministério Público ostenta legitimidade para a propositura de Ação Civil Pública em defesa de direitos transindividuais, como soem ser os direitos dos consumidores do serviço de telefonia celular pré-pago, ante a ratio essendi do art. 129, III, da Constituição Federal, arts. 81 e 82, do Código de Defesa do Consumidor e art. 1º, da Lei 7.347/85. Precedentes do STF (AGR no RE 424.048/SC, DJ de 25/11/2005) e S.T.J (REsp 799.669/RJ, DJ 18.02.2008; REsp 684712/DF, DJ 23.11.2006 e AgRg no Resp 633.470/CE, DJ de 19/12/2005).

9. In casu, a pretensão veiculada na Ação Civil Pública ab origine, qual seja, o reconhecimento da ilegalidade do item 4.6 (e subitens 4.6.1 e 4.6.1.1) da Norma 03/98 da ANATEL, notadamente no que pertine à restrição de prazo de validade de 90 dias para a utilização de créditos, adquiridos mediante cartões pré-pagos, imposta aos consumidores/usuários do serviço de telefonia celular pré-pago, bem como a condenação das empresas demandadas à reativação do serviço aos usuários que, em razão da não reinserção dos créditos remanescentes após o escoamento do lapso temporal in foco, sofreram interrupção na prestação do mencionado serviço, revela hipótese de interesse nitidamente coletivo e por isso apto à legitimação do Parquet

10. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.

11. O novel art. 129, III, da Constituição Federal habilitou o Ministério Público à promoção de qualquer espécie de ação na defesa de direitos difusos e coletivos não se limitando à ação de reparação de danos.

12. Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o Mandado de Segurança coletivo.

13. Em conseqüência, legitima-se o Parquet a toda e qualquer demanda que vise à defesa dos interesses difusos e coletivos, sob o ângulo material ou imaterial.

14. Deveras, o Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.

15. Nas ações que versam interesses individuais homogêneos, esses participam da ideologia das ações difusas, como sói ser a ação civil pública. A despersonalização desses interesses está na medida em que o Ministério Público não veicula pretensão pertencente a quem quer que seja individualmente, mas pretensão de natureza genérica, que, por via de prejudicialidade, resta por influir nas esferas individuais.

16. A assertiva decorre do fato de que a ação não se dirige a interesses individuais, mas a coisa julgada in utilibus poder ser aproveitada pelo titular do direito individual homogêneo se não tiver promovido ação própria.

17. A ação civil pública, na sua essência, versa interesses individuais homogêneos e não pode ser caracterizada como uma ação gravitante em torno de direitos disponíveis. O simples fato de o interesse ser supra-individual, por si só já o torna indisponível, o que basta para legitimar o Ministério Público para a propositura dessas ações. (Grifei).

No mesmo sentido, a Súmula 643 STF estabelece que "O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública cujo fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares"; e a Súmula 329 STJ prevê que: "O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público". Segundo tem entendido o Supremo Tribunal Federal ao apreciar os artigos 127, caput, e 129, III, da Constituição Federal, é possível ao Ministério Público Federal promover, via ação coletiva, a defesa dos direitos individuais homogêneos de consumidores:

EMENTA: - CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA . IMPOSTOS: IPTU. MINISTÉRIO PÚBLICO : LEGITIMIDADE . Lei 7.374, de 1985, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078, de 1990 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25. C.F., artigos 127 e 129, III.

I . A ação civil pública presta-se à defesa de direitos individuais homogêneos, legitimado o Ministério Público para aforá-la, quando os titulares daqueles interesses ou direitos estiverem na situação ou na condição de consumidores, ou quando houver uma relação de consumo. Lei 7.374/85, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25.

II. - Certos direitos individuais homogêneos podem ser classificados como interesses ou direitos coletivos, ou identificar-se com interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos, a ação civil pública presta-se a defesa dos mesmos, legitimado o Ministério Público para a causa. C.F., art. 127, caput, e art. 129, III. ...

(STF, RE 195.056/PR, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 30/05/2003, p. 30)

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTI-LAS EM JUÍZO.

1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).

2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III).

3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. 3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos.

4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública , porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas.

5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública , a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal. 5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada i legitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação.

(STF, RE 163.231/SP, Pleno, Rel. Maurício Corrêa, DJU 29/06/2001, p. 55)

Nesse contexto, no presente caso o Ministério Público detém legitimidade para a propositura de Ação Civil Pública em defesa de direitos individuais dos consumidores que efetuaram ou efetuarão a compra de imóveis da CAIXA, nos termos do art. 129, III, da CF, arts. 81, 82, I, e 117, do Código de Defesa do Consumidor e art. 1º, da Lei 7.347/85. O MPF não está defendendo este ou aquele consumidor lesado, mas toda a coletividade de consumidores, vista em uma dimensão comunitária e impessoal.

Com efeito, o MPF não almeja a tutela de direitos disponíveis de dimensão estrita, mas sim a defesa dos interesses da coletividade de consumidores, em particular daqueles que adquiriram (ou que venham a adquirir) imóveis da Caixa. Assim, ainda que individuais homogêneos, os interesses defendidos nesta ação envolvem relevância social, cabendo sua defesa, no caso, pelo Ministério Público Federal (STJ. REsp 417.804/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 16.5.2005, p. 230).

Verifica-se que mediante a declaração de nulidade dos contratos de corretagem firmados pela Caixa e pelo CRECI/PR e das cláusulas abusivas dos editais de licitação, pretende o MPF garantir a regularidade nas operações de venda de imóveis daquela empresa pública e, por conseqüência, impedir que o ônus derivado daqueles pactos seja suportado pelos consumidores. Tal pretensão tem guarida no art. 51, § 4º, do CDC, que assim dispõe:

Art. 51

§ 4º - É facultado a qualquer consumidor ou entidade que represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.

Não há dúvida de que o interesse em debate tem considerável expressão coletiva e relevância social, tendo em vista que a defesa do consumidor está garantida no inciso XXXII do artigo 5º, e no art. 170, V, da CF, e a Lei nº 8.078/90, denominada Código de Defesa do consumidor, contém várias normas de ordem pública e que interessam a toda a coletividade de consumidores.

A relevância social se caracteriza porque o CDC pode ser considerado um verdadeiro micro sistema jurídico, cujo escopo não é tão-somente a tutela do consumidor, mas também a edição de regras para uma boa política nacional das relações de consumo, tanto no aspecto preventivo quanto repressivo. Por tal razão, o art. 4º do CDC contempla a existência de políticas públicas de ação, fiscalização, punição e de responsabilização civil, e contém regras para "interpretar e guiar, melhor dizendo, 'iluminar' todas as outras normas do micro sistema. Elas se aplicam como inspiração, guia, teleologia, indicando o caminho, o objetivo, como afirmou Eros Roberto Grau" (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 119). Filomeno destaca a importância do art. 4º:

O art. 4º do CDC constituiu-se numa verdadeira alma, no sentido de que se visa atender não apenas às necessidades dos consumidores e respeito à sua dignidade - de saúde e segurança, proteção de seus interesses econômicos, melhoria de sua qualidade de vida, como também imprescindível à harmonia das relações de consumo. (FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 8ª Edição, revista, ampliada, sistematizada e atualizada de acordo com o Código Civil de 2002 e Leis Subseqüentes. Doutrina, Jurisprudência e aspectos práticos. São Paulo: Atlas, 2005, p. 11).

Depreende-se que o CDC se preocupou com a proteção a direitos de ordem existencial, como a dignidade, a saúde e segurança, mas também garante ao consumidor proteção a direitos de ordem patrimonial, possibilitando a prevenção e a reparação dos danos materiais e morais. Em virtude disso, o art. 6º, incisos VI e VII, do CDC, prevê a atuação preventiva do Estado na proteção eficaz do consumidor, estabelecendo que são direitos básicos do consumidor: a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com o objetivo de obter a prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.

Portanto, a defesa do consumidor está garantida pela Constituição Federal e pela legislação respectiva, denotando-se clara a intenção de proteger e garantir os direitos do consumidor diante de eventuais práticas abusivas pelo fornecedor, bem como de garantir o equilíbrio das relações contratuais em todas as suas fases. Tudo isso demonstra o grande interesse social que há na proteção e defesa do consumidor.

Do Interesse Processual

A CAIXA afirma que há carência de ação por falta de interesse processual, sob o fundamento de que o MPF não demonstrou, documentalmente, com base em um caso concreto, a existência de um conflito efetivo a reclamar a intervenção do Judiciário, ou seja, não demonstrou que havia alguma insatisfação no universo das pessoas que participaram do certame licitatório.

A CAIXA aduz, ainda, que o Edital de Concorrência Pública juntado aos autos (fls. 23/36) não mais figura no mundo jurídico, uma vez que expedido para regular alienação dos imóveis num período específico e predeterminado, cujo resultado final foi divulgado no dia 14/07/2008.

Entretanto, não tem razão a CAIXA, uma vez que a pretensão tem caráter repressivo e preventivo, porquanto requer o MPF: a) que a CAIXA se abstenha, doravante, de exigir que o consumidor, compulsoriamente, contrate serviços de corretagem para poder adquirir o imóvel, sob pena de multa pecuniária a ser fixada pelo juízo; b) a declaração de nulidade da cláusula abusiva que exige a obrigatoriedade de intermediação de corretor credenciado e habilitado pela CAIXA nas operações de venda direta de imóveis, constantes nos editais de licitação publicados desde a celebração do convênio de cooperação Técnica com o CRECI - PR; c) condenação dos réus à devolução dos valores recolhidos a título de honorários, a partir do convênio celebrado com o CRECI - PR, quando da aquisição dos imóveis por venda direta.

Segundo a doutrina, o interesse de agir se traduz no binômio necessidade-adequação. Ada Pellegrini Grinover, em co-autoria com Antônio Carlos Cintra e Cândido Rangel Dinamarco, afirmam sobre o assunto que:

Repousa a necessidade da tutela jurisdicional na impossibilidade de obter a satisfação do alegado direito sem a intercessão do Estado, ou porque a parte contrária se nega a satisfazê-lo, sendo vedado ao autor o uso da autotutela, ou porque a própria lei exige que determinados direitos só possam ser exercidos mediante prévia declaração judicial (...). Adequação é a relação existente entre a situação lamentada pelo autor a vir a juízo e o provimento jurisdicional concretamente solicitado. O provimento, evidentemente, deve ser apto a corrigir o mal de que o autor se queixa, sob pena de não ter razão de ser". (CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo, 9ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 1993, p. 218).

Portanto, o interesse processual decorre da conjugação da necessidade e da utilidade dos pedidos formulados. A necessidade se externa na imprescindibilidade da intervenção judicial, atendendo o pedido, para que haja a resolução da lide exposta na petição inicial. A adequação, por sua vez, reclama que o pedido formulado possa ser obtido por meio do rito escolhido e seja capaz de promover a efetiva solução da situação fática desconforme ao direito.

No caso em análise, a circunstância de que não se demonstrou a existência de um conflito efetivo (caso concreto) a reclamar a intervenção do Judiciário, não afasta o interesse processual do MPF, na medida em que este não age em nome próprio, mas na defesa do interesse dos consumidores eventualmente lesados, não sendo necessária a existência de demanda individual para configurar o interesse de agir do MPF.

No tocante ao fato de o Edital de Concorrência Pública (fls. 23/36) não mais figurar no mundo jurídico, também não afasta o interesse de agir, tendo em vista que o MPF também formula pedido com efeitos pretéritos, ou seja, com conteúdo repressivo: condenação dos réus à devolução (aos consumidores onerados com a contratação compulsória dos serviços de corretagem) dos valores recolhidos a título de honorários, a partir do convênio celebrado com o CRECI - PR, quando da aquisição dos imóveis por venda direta.

Portanto, há interesse de agir, uma vez que os pedidos formulados perante o Judiciário demonstram a necessidade e utilidade da tutela postulada. A pretensão é adequada, pois o procedimento escolhido é apto a promover a solução da situação fática que se alega estar contrária ao ordenamento jurídico. Assim, rejeito a preliminar de carência da ação.

Ilegitimidade passiva da CAIXA

A CAIXA alega que é parte ilegítima para responder pela reparação dos eventuais danos causados aos consumidores, os quais pagaram taxa de corretagem na aquisição dos imóveis. Afirma que os serviços de corretagem foram pagos diretamente aos corretores credenciados junto ao CRECI/PR. Assim, não pode ser condenada a restituir o que nunca recebeu.

Todavia, não lhe assiste razão. A exigência que está sendo impugnada foi imposta pela CAIXA quando da venda de seus imóveis aos consumidores. A própria Caixa impôs - nos contratos de adesão - o ônus da corretagem aos consumidores. Foi ela responsável pela exigência de contratação do serviço de corretagem. Tinha o poder de exigir isso ou não. Desse modo, na medida em que condicionava a venda de seus imóveis à contratação do CRECI/PR, torna-se responsável por eventual ilicitude do ato (CDC, art. 14; Código Civil, arts. 186, 187 e 927). Embora não tenha recebido ou retido os valores cobrados à título de taxa de corretagem, seria responsável solidária, em tese, pela restituição dos valores aos consumidores.

A legitimidade decorre da posição de mando que a CAIXA ocupa na relação jurídica de compra e venda, pois ela é quem dita as regras, estabelecendo todas as cláusulas contratuais, como ocorre nos chamados contratos de adesão, sobre os quais se abordará por ocasião da análise do mérito.

Conjugada com a posição que a CAIXA ocupa na relação jurídica de compra e venda, está a do adquirente do imóvel (consumidor). No atual contexto da sociedade de consumo e de massa, o consumidor é a parte mais frágil da relação de consumo, pois ele não dispõe de meios para controlar os bens de produção, bem como eximir-se da submissão ao poder dos titulares de tais bens.

Por esse motivo o CDC reconhece sua vulnerabilidade, a qual se destina a amenizar a desproporção entre consumidor e fornecedor, tendo em vista a necessidade de concretização do princípio da igualdade garantido na Constituição Federal. Essa proteção surge da constatação da fragilidade do consumidor perante o fornecedor e todo o mercado de consumo, e está prevista no art. 4º, inc. I.

Referido dispositivo contempla o princípio da vulnerabilidade (o qual será melhor analisado adiante), que deve ser observado em todas as fases do contrato de consumo: pré-contratual, quando da disponibilização de informações sobre o produto ou serviço; fase contratual, quando da celebração do contrato; e na fase de execução, quando, eventualmente, podem manifestar-se vícios e defeitos, caracterizando a inadequação do produto ou serviço.

Portanto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva da CAIXA.

Dos efeitos da decisão

O art. 16, da Lei 7.347/85, com redação dada pela Lei 9.494/97, limitou a competência do juiz de primeira instância para julgamento das ações civis públicas, estabelecendo que:

Art. 16 - A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

O CDC também contém disposição referente à abrangência dos efeitos da sentença proferida em ação civil pública, em consonância com a redação originária do art. 16 da Lei nº 7.347/85:

Art. 103 - Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação , com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo a improcedência por insuficiência de provas, nos termos inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

Acerca dessa questão, o STF, guardião da Constituição, em sua composição plena, por ocasião do julgamento da ADI MC1576, sinalizou no sentido de que a eficácia da sentença fica restrita aos limites da competência territorial do órgão prolator, nos termos da norma objeto de debate, verbis:

TUTELA ANTECIPADA - SERVIDORES - VENCIMENTOS E VANTAGENS - SUSPENSÃO DA MEDIDA - PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.

Ao primeiro exame, inexiste relevância jurídica suficiente a respaldar concessão de liminar, afastando-se a eficácia do artigo 1º da Medida Provisória n.º 1.570/97, no que limita o cabimento da tutela antecipada, empresta duplo efeito ao recurso cabível e viabiliza a suspensão do ato que a tenha formalizado pelo Presidente do Tribunal a quem competir o julgamento deste último.

LIMINAR - PREST AÇÃO JURISDICIONAL ANTECIPADA - CAUÇÃO - GARANTIA REAL OU FIDEJUSSÓRIA.

Na dicção da ilustrada maioria, concorrem a relevância e o risco no que o artigo 2º da Medida Provisória n.º 1.570/97 condicionou a concessão da liminar, ou de qualquer medida de caráter antecipatório, à caução, isso se do ato puder resultar dano a pessoa jurídica de direito público.

SENTENÇA - EFICÁCIA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

Em princípio, não se tem relevância jurídica suficiente à concessão de liminar no que, mediante o artigo 3º da Medida Provisória n.º 1.570/97, a eficácia erga omnes da sentença na ação civil pública fica restrita aos limites da competência territorial do órgão prolator ." (destaquei).

(STF - ADI-MC1576 / UF - Pleno - Rel. Ministro Marco Aurélio - DJ 06.06.2003, p. 0029).

Conforme parte do voto do Relator, Ministro Marco Aurélio:

A alteração do artigo 16 correu à conta da necessidade de explicitar-se a eficácia erga omnes da sentença proferida na ação civil pública . Entendo que o artigo 16 da Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, harmônico com o sistema Judiciário pátrio, jungia, mesmo na redação primitiva, a coisa julgada erga omnes da sentença civil à área de atuação do órgão que viesse a prolatá-la. A alusão à eficácia erga omnes sempre esteve ligada à ultrapassagem dos limites subjetivos da ação, tendo em conta até mesmo o interesse em jogo - difuso ou coletivo - não alcançando, portanto, situações concretas, quer sob o ângulo objetivo, quer subjetivo, notadas além das fronteiras fixadoras do juízo. Por isso, tenho a mudança de redação como pedagógica, a revelar o surgimento de efeitos erga omnes na área de atuação do Juízo e, portanto, o respeito à competência geográfica delimitada pelas leis de regência. Isso não implica esvaziamento da ação civil pública nem, tampouco, ingerência indevida do Poder Executivo no Judiciário..."

Esse mesmo entendimento foi ratificado pela Corte Especial do STJ (EREsp 293407 / SP - Corte Especial - Rel. Min. João Otávio de Noronha - unânime - DJ de 01.08.2006, p. 327). Desse modo, impõe-se a observância do art. 16 da Lei n.º 7.347/85 com a redação conferida pela Lei n.º 9.494/97, motivo pelo qual os efeitos desta sentença abrangem o Estado do Paraná.

Decadência e Prescrição

A CAIXA alega que a pretensão de ressarcimento dos valores arrecadados com a cobrança da taxa de corretagem encontra-se parcialmente atingida pela prescrição, por força do disposto no inciso IV do art. 206 do Código Civil de 2002, o qual prevê que prescreve em três anos "a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa". Em caso de não acolhimento dessa alegação, a CAIXA requer que se reconheça a prescrição prevista no art. 27 do CDC, tendo em vista que a questão envolve relação de consumo.

Conforme será demonstrado adiante, a primeira alegação da CAIXA deve ser acolhida, considerando que não se aplica ao presente caso o art. 27 do CDC, por não se tratar de pretensão de reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço, mas de pedido de restituição de quantias cobradas indevidamente que se enquadram na expressão "ressarcimento de enriquecimento sem causa".

A prescrição é instituto oriundo da teoria geral do direito. É um fato jurídico que acarreta a extinção de uma ação judicial exercitável, em virtude da inércia de seu titular por um certo lapso de tempo. A inércia se refere ao exercício do direito de ação, e o tempo opera os seus efeitos desde o nascimento desta, que, em regra, é posterior ao nascimento do direito por ela protegido. O tempo é o principal elemento desse instituto, tendo em vista a estabilidade que a ordem jurídica deve assegurar às relações jurídicas.

Decadência, por sua vez, é um fato jurídico que acarreta a extinção do direito pela inércia de seu titular, quando sua eficácia foi, de origem, subordinada à condição de seu exercício dentro de um prazo prefixado, e este se esgotou sem que esse exercício tivesse se verificado.

Considerando que a inércia e o tempo são elementos comuns à decadência e à prescrição, diferem, contudo, relativamente ao seu objetivo e momento de atuação, por isso que, na decadência, a inércia diz respeito ao exercício do direito, e o tempo opera os seus efeitos desde o nascimento deste, enquanto na prescrição a inércia se refere ao exercício do direito de ação, e o tempo opera os seus efeitos desde o nascimento desta, que, em regra, é posterior ao nascimento do direito por ela protegido.

As principais diferenças entre prescrição e decadência são as seguintes: a) a decadência tem por efeito extinguir o direito, e a prescrição extinguir a ação; b) a decadência não se suspende, nem se interrompe, e só é impedida pelo exercício do direito a ela sujeito; a prescrição pode ser suspensa ou inter-rompida por causas preclusivas previstas em lei; c) a decadência corre contra todos, não prevalecendo contra ela as isenções criadas pela lei a favor de certas pessoas; a prescrição não corre contra todos, havendo pessoas que, por consideração de ordem especial da lei, ficam isentas de seus efeitos; d) a decadência resultante de prazo extintivo imposto pela lei não pode ser renunciada pelas partes, nem depois de consumada; a prescrição, depois de consumada, pode ser renunciada pelo prescribente.

As normas referentes à prescrição e decadência possuem sua disciplina geral disposta no Código Civil, arts. 189 a 211. Tais institutos, no entanto, comportam regras específicas, dependendo do campo específico do Direito em que são aplicados. No CDC há disciplina específica no que tange à relação de consumo, conforme arts. 26 e 27. O primeiro dispositivo trata acerca da decadência e o segundo sobre a prescrição. O art. 27 é o que interessa ao presente caso, e assim dispõe:

Art. 27 - Prescreve em 5 (cinco) anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

Parágrafo único - (Vetado.)

Passo a analisar se no presente caso se aplica esse dispositivo.

O Código Civil revogado não previa prescrição específica para a pretensão de repetição de indébito, razão pela qual se aplicava, sob a égide do diploma legal de 1916, o prazo ordinário de 20 anos das ações pessoais (art. 177, CC 1916). O novo Código Civil (Lei nº 10.406/02), ao contrário, prevê prazo prescricional de 03 (três) anos para a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa (art. 206, § 3º, IV).

Conforme ensinamentos de Maria Helena Diniz:

O pagamento indevido constitui um caso típico de obrigação de restituir fundada no princípio do enriquecimento sem causa, segundo o qual ninguém pode enriquecer à custa alheia, sem causa que o justifique. Ninguém pode aumentar seu patrimônio à custa do patrimônio de outrem. A restituição será devida não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir (CC, art. 885). Assim, todo aquele que recebeu o que não lhe era devido, ficará obrigado a restituir (CC, art. 876, §1ª parte; CTN, arts. 165 a 169; STF, Súmulas 71 e 546), feita a atualização dos valores monetários (CC, art. 884), para se obter o reequilíbrio patrimonial (RTDCiv, 1:203). Esse dever de restituir o que se adquiriu sem causa é uma necessidade jurídica, moral e social. (...)

O pagamento indevido é uma das formas de enriquecimento ilícito, por decorrer de uma prestação feita por alguém com o intuito de extinguir uma obrigação erroneamente pressuposta, gerando ao accipiens, por imposição legal, o dever de restituir, uma vez estabelecido que a relação obrigacional não existia, tinha cessado de existir ou que o devedor não era o solvens ou o accipiens não era o credor. O pagamento indevido é o feito, espontaneamente, por erro, como o efetuado pelo solvens, convencido de que deve pagar, ou o levado a efeito por quem não é devedor, mas pensa sê-lo, ou a quem se supõe credor (in Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º volume, 19ª edição, 2003, págs. 764/765). Grifei.

Nesta ação se pretende a restituição de valores a título de taxa de corretagem, que teriam sido pagos indevidamente pelos consumidores quando da aquisição de imóveis de propriedade da CAIXA. Assim, considerando que o pagamento indevido é uma das formas do enriquecimento sem causa, incide a regra do art. 206, § 3º, IV, do atual Código Civil, a qual prevê o prazo de três anos de prescrição.

Verifica-se que a prescrição tratada no artigo 27 do CDC refere-se à responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, a qual se baseia no princípio da segurança geral ao consumidor, disposto no artigo 8º do CDC, segundo o qual os produtos e serviços colocados no mercado não devem acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores, de modo que, mesmo os produtos perigosos por sua natureza, devem trazer informações adequadas a seu respeito, tendo por objetivo evitar ao máximo tais riscos.

O vício consiste em irregularidades que afetam a funcionalidade ou o valor do produto ou serviço, no que se refere a sua quantidade ou qualidade, sem causarem riscos à saúde ou à segurança do consumidor. Assim, a responsabilidade por vícios busca proteger o âmbito econômico do consumidor, cabendo a reparação por quatro vias alternativas: a substituição da peça viciada, a substituição do produto por outro, a restituição da quantia paga ou o abatimento do preço, nos termos do artigo 18 do CDC. Os vícios podem manifestar-se de duas maneiras, a intrínseca (vícios ocultos) e a extrínseca (vícios aparentes, de fácil constatação). O fato, por sua vez, tem como condição a potencialidade danosa do produto ou serviço, ou seja, seus defeitos trazem riscos ou efetivo prejuízo à saúde e segurança do consumidor, de forma que a responsabilidade pelo fato tutela sua integridade físico-psíquica, ensejando a reparação civil por danos morais e materiais.

Ocorre, todavia, que a pretensão deduzida neste feito não envolve reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço, requisito essencial para a incidência a regra de prescrição prevista no art. 27 do CDC. O que se busca é a restituição de valores indevidos por parte do CAIXA e do CRECI/PR, circunstância esta que, inequivocamente, não se insere no âmbito de aplicação da mencionada regra específica do CDC.

Desse modo, considerando a ausência de disposições no CDC acerca do prazo prescricional aplicável à prática comercial de cobrança indevida ou de pagamento indevido, devem ser aplicadas as normas relativas a prescrição previstas no Código Civil.

Esta conclusão foi adotada pela 3ª Turma do STJ nos seguintes julgados que decidiram controvérsia similar a respeito do prazo prescricional aplicável em ações de repetição de valores ajuizadas em defesa de consumidores:

Direito do consumidor e processo civil. Recurso especial. Ação coletiva. Entidade associativa de defesa dos consumidores. Legitimidade. Possibilidade jurídica do pedido. Direitos individuais homogêneos. Cerceamento de defesa. Concessionárias de veículos e administradora de consórcio. Cobrança a maior dos valores referentes ao frete na venda de veículos novos. Restituição. (...). A pretensão condenatória de serem restituídos valores pagos indevidamente comporta a aplicação do prazo prescricional previsto no art. 205 do CC/02, ante a incidência da regra de transição do art. 2.028 do CC/02.(...)

Recursos especiais não conhecidos. (STJ. REsp 761.114/RS. Rel. Min. Nancy Andrigui. DJ de 14.08.2006).

A incidência da regra de prescrição prevista no art. 27 do CDC tem como requisito essencial a formulação de pedido de reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço, o que não ocorreu na espécie. Ante à ausência de disposições no CDC acerca do prazo prescricional aplicável à prática comercial indevida de cobrança excessiva, é de rigor a aplicação das normas relativas a prescrição insculpidas no Código Civil. (STJ. REsp 1032952 / SP. 2008/0037003-7. Rel. Min. Nancy Andrigui. DJe 26/03/2009).

Ação civil pública. Direitos individuais homogêneos. Cobrança de taxas indevidas. (...) Prescrição.

(...) 1. O PROCON - Coordenadoria de Proteção e Defesa do Consumidor, por meio da Procuradoria Geral do Estado, tem legitimidade ativa para ajuizar ação coletiva em defesa de interesses individuais homogêneos, assim considerados aqueles direitos com origem comum, divisíveis na sua extensão, variáveis individualmente, com relação ao dano ou à responsabilidade. São direitos ou interesses individuais que se identificam em função da origem comum, a recomendar a defesa coletiva, isto é, a defesa de todos os que estão presos pela mesma origem. (...)

2. A prescrição é vintenária, na linha de precedentes da Terceira Turma, porque não alcançada a questão pelo art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.(...)" (STJ. REsp 200.827/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 09.12.2002).

Portanto, eventual restituição dos valores que o MPF afirma terem sido cobrados indevidamente dos consumidores abrange período posterior a 15 de outubro de 2005, nos termos do inc. IV do art. 206 do Código Civil de 2002.

MÉRITO

Pretende o MPF nesta ação: a) que a CAIXA se abstenha, doravante, de exigir que o consumidor, compulsoriamente, contrate serviços de corretagem para poder adquirir o imóvel, sob pena de multa pecuniária a ser fixada pelo juízo; b) a declaração de nulidade da cláusula abusiva que exige a obrigatoriedade de intermediação de corretor credenciado e habilitado pela Caixa Econômica Federal nas operações de venda direta de imóveis, constantes nos editais de licitação publicados desde a celebração do convênio de cooperação Técnica com o CRECI - PR; c) a condenação dos réus à devolução (aos consumidores onerados com a contratação compulsória dos serviços de corretagem) dos valores recolhidos a título de honorários, a partir do convênio celebrado com o CRECI - PR, quando da aquisição dos imóveis por venda direta.

Desse modo, o ponto central da controvérsia consiste em analisar se está revestida de legalidade ou não a cobrança, pela Caixa Econômica Federal (CAIXA) e Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do Paraná (CRECI-PR), da taxa de corretagem de 5% sobre o valor do imóvel de propriedade da CAIXA, adquirido pelo consumidor mediante venda direta.

Antes de ingressar ao mérito propriamente dito são necessárias algumas considerações acerca da aplicabilidade do CDC ao presente caso.

A Constituição de 1988 se preocupou com a proteção do consumidor, tendo em vista a vulnerabilidade deste frente ao sistema econômico capitalista brasileiro, que está fundamentado na livre iniciativa e nos princípios da propriedade privada e da livre concorrência (CF, art.170, caput e incs II e IV). O art. 5º, inc. XXXII, estabeleceu, entre os direitos e deveres individuais e coletivos, o dever do Estado de promover, na forma da lei, a defesa do consumidor. Essa defesa foi erigida a princípio da ordem econômica, pois o art. 170 da CF prevê que "a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditamos da justiça social, observados", entre outros princípios, "a defesa do consumidor."

A Lei nº 8.078/90 - CDC regulamenta a relação de consumo, entendida esta como a relação jurídica existente entre fornecedor e consumidor tendo como objeto a aquisição de produtos ou a utilização de serviços pelo consumidor. Assim, são elementos da relação de consumo: a) como sujeitos, o fornecedor e o consumidor; b) como objeto, os produtos e serviços; c) como finalidade (elemento teleológico), a destinação final, ao consumidor, do produto ou serviço (CDC, art. 2º).

A nova terminologia engloba todos os contratos civis e mesmo mercantis, nos quais, por estar presente em um dos pólos da relação um consumidor, existe um provável desequilíbrio entre os contratantes. Este desequilíbrio gera reflexos no conteúdo do contrato.

Nesse contexto, Claudia Lima Marques afirma que o sistema do CDC é aberto e trabalha com a técnica de equiparação de pessoas à situação de consumidor, quando se constatar o desequilíbrio contratual e a vulnerabilidade da pessoa que contrata com o fornecedor, prevista no art. 4º, inciso I, do CDC (MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de Defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: RT, 2002. p. 452).

Portanto, as normas do CDC estabelecem um novo regime legal para todas as espécies de contratos (exceto os trabalhistas) envolvendo consumidores e fornecedores de bens ou serviços, não importando se existe lei específica para regulá-los (como o contrato de locação), pois as normas de ordem pública (art. 1.º) estabelecem parâmetros mínimos de boa-fé e transparência a serem seguidos obrigatoriamente no mercado brasileiro.

No que tange à aplicação do CDC aos contratos bancários, durante algum tempo pairou dúvida a respeito da incidência de suas normas às relações entre instituições financeiras e seus clientes. Sustentavam alguns não se tratar de relação de consumo, entre outros aspectos, porque na Constituição Federal a proteção ao consumidor estaria prevista no capítulo referente à "Ordem Econômica" enquanto as questões relativas às instituições financeiras estariam reguladas no capítulo que trata do Sistema Financeiro Nacional.

Entretanto, as normas relativas ao CDC também se aplicam aos contratos bancários, pois estes se inserem no conceito de relação de consumo (art. 52). O STJ editou a Súmula 297, consolidando o entendimento de que o CDC se aplica a tal tipo de contrato. Pondo um fim às discussões, o STF decidiu que as relações de consumo de natureza bancária ou financeira devem ser protegidas pelo CDC. Esse foi o entendimento do Plenário (STF) que, por maioria (nove votos a dois), julgou improcedente o pedido formulado pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras (Consif) na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2591 (DJU 29.09.2006).

Questão importante que decorre da aplicação do CDC, e que interessa muito à controvérsia, é sobre o princípio da vulnerabilidade. Cláudia Lima Marques afirma a respeito que:

A vulnerabilidade não é o fundamento das regras de proteção do sujeito mais fraco, é apenas a 'explicação' destas regras e da atuação do legislador (...), é a técnica de aplicar bem, é a noção instrumental que guia e ilumina a aplicação destas normas protetivas e reequilibradoras, à procura do fundamento da igualdade e da justiça eqüitativa (ob cit p. 120).

A vulnerabilidade pode ser dividida em três aspectos: técnico, jurídico e fático. A primeira significa o desconhecimento específico sobre o bem que o consumidor está adquirindo, no tocante às características do produto ou à utilidade do produto ou serviço. A vulnerabilidade técnica, no sistema do CDC, segundo Cláudia Lima Marques, "é presumida para o consumidor não-profissional, mas também pode atingir excepcionalmente o profissional, destinatário final fático do bem" (ob cit p. 121). A segunda baseia-se no reconhecimento da desproporção de forças, intelectuais e econômicas e no reconhecimento de que o consumidor é o elo fraco da relação de consumo, ocupando o fornecedor posição de superioridade pelo fato de ser o detentor do poder econômico. A terceira, por sua vez, é entendida como a falta de conhecimentos jurídicos, econômicos e de contabilidade pelo consumidor. Essa vulnerabilidade também é presumida no sistema do CDC, para o consumidor pessoa física e o consumidor não profissional.

Outra questão que interessa ao caso em análise é sobre contratos de adesão, cuja definição é definição é dada por Claudia Lima Marques, verbis:

Como contratos de adesão entendem-se restritivamente os contratos por escrito, preparados e impressos com anterioridade pelo fornecedor, nos quais só resta preencher os espaços referentes à identificação do comprador e do bem ou serviços, objeto do contrato. Já por contratos submetidos a condições gerais (cláusulas gerais) dos negócios entendem-se aqueles, escritos ou não escritos, em que o comprador aceita, tácita ou expressamente, que cláusulas pré-elaboradas unilateral e uniformemente pelo fornecedor para um número indeterminado de relações contratuais, venham a disciplinar o seu contrato específico. Típicos aqui seriam os contratos de transporte, contratos de administração de imóveis e mesmo alguns contratos bancários. (MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. SP: Revista dos Tribunais, 1999. p. 52).

Verifica-se que o elemento essencial do contrato de adesão é a ausência de uma fase pré-negocial, a falta de um debate prévio das cláusulas contratuais, restando ao outro contratante a mera alternativa de aceitar ou rejeitar o contrato, não podendo modificá-lo de maneira relevante. O consentimento do consumidor manifesta-se por simples adesão ao conteúdo preestabelecido pelo fornecedor de bens ou serviços. O fenômeno de elaboração prévia e unilateral, pelos fornecedores, das cláusulas dos contratos possibilita aos empresários direcionar o conteúdo de suas futuras relações contratuais com os consumidores como melhor lhes convém. As cláusulas contratuais assim elaboradas não têm como objetivo realizar o justo equilíbrio nas obrigações das partes, mas destinam-se a reforçar a posição econômica e jurídica do fornecedor que as elabora.

O CDC definiu como contrato de adesão "aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo" (art.54). O novo Código Civil prevê a expressão "contratos de adesão" e reconhece implicitamente sua natureza contratual no artigo 423, que assim dispõe: "Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente".

Passo a analisar o mérito propriamente dito.

Com a finalidade de alienar imóveis retomados ou adjudicados em virtude de inadimplência contratual dos mutuários do Sistema Financeiro da Habitação, a CAIXA encaminha os bens de sua propriedade a leilão, em cumprimento à Lei nº 8.666/93, sob a modalidade de concorrência pública. Não havendo interessados, a alienação é feita mediante a venda direta do imóvel ao primeiro interessado que comparecer com proposta de igual valor ou superior ao valor mínimo estabelecido no Edital.

Para ultimar essa venda direta, a CAIXA, mediante Convênio firmado com o CRECI/PR (fls. 38/43), exige dos consumidores interessados na aquisição de imóveis o pagamento de honorários ao CRECI/PR, pela intermediação de corretor de imóveis por ela credenciado. O corretor, então, é remunerado pelo equivalente a 5% (cinco por cento) do valor do imóvel, às custas do comprador, conforme dispõe cláusula padronizada constante dos editais de concorrência pública expedidos pela CAIXA (fl. 28), in verbis:

13.9 Não acudindo interessados nos imóveis incluídos nesta licitação, a CAIXA poderá levá-los, no todo ou em parte, a seu exclusivo critério, à venda direta, ao primeiro interessado que apresentar proposta de valor igual ou superior ao preço mínimo estabelecido, mantidas todas as condições preestabelecidas neste Edital.

13.9.1 O imóvel levado à Venda Direta será vendido, obrigatoriamente, obrigatoriamente, com intermediação do corretor credenciado e habilitado para venda dos imóveis da CAIXA através do CRECI/PR, CRECI/SC ou SINCIL, após a Divulgação do Resultado Oficial da Concorrência. Será devido pelo comprador 5 % (cinco por cento) sobre o preço mínimo de venda do imóvel, a título de honorários, que serão pagos da mesma forma descrita no subitem 13.8 deste Edital.

O Convênio de Cooperação Técnica firmado entre a CAIXA e o CRECI/PR, juntado aos autos (fls. 38/43), estabelece o seguinte:

CLÁUSULA PRIMEIRA - DO OBJETO

Constitui objeto do presente convênio a orientação e coordenação pelo CRECI do trabalho de intermediação da venda e desocupação de imóveis de propriedade da CAIXA, em todo o Estado do Paraná, através de corretores de imóveis e imobiliárias tecnicamente capacitados e legalmente habilitados, sem restrição cadastral. O trabalho de intermediação inclui os serviços a seguir especificados:

I - diagnóstico do imóvel, identificação do interesse de seu ocupante na aquisição, verificação de suas possibilidades de compra e notificação deste se for o caso;

II - fixação de placas e faixas, distribuição de jornais, panfletos e cartazes e anúncios na mídia local;

III - prestação de informações sobre os imóveis a venda, modalidade de financiamento, utilização de FGTS, documentos necessários e despesas de contratação;

IV - entrega de documento de proponente na agência da CAIXA e providências quanto à escritura e respectivo registro junto aos notários e registro de imóveis;

V - disponibilização de assessoria jurídica ao comprador para desocupação do imóvel adquirido.

A cláusula quarta do Convênio consigna a obrigatoriedade quanto ao pagamento dos honorários profissionais pelo comprador:

CLÁUSULA QUARTA

Os honorários profissionais sobre as vendas efetivadas na forma prevista neste instrumento, a serem pagos diretamente pelo comprador, serão de 6% (seis por cento) sobre o preço de venda, com bonificação de 1% (um por cento), tendo-se em conta a existência de trabalho de angariação (captação) por parte do corretor ou imobiliária, restando ao comprador pagar, portanto, 5% (cinco por cento).

Parágrafo Primeiro - Independentemente de haver ou não necessidade de ajuizamento de ação para desocupação de imóvel vendido, os honorários a que se refere esta cláusula estão destinados a remuneração pelo trabalho de execução e coordenação de todos os serviços objetos deste convênio, sendo: 3% para remuneração do corretor que intermediou a venda do imóvel e 2% para o CRECI/PR pelos serviços de administração do convênio e assessoria jurídica à desocupação do imóvel.

Parágrafo Segundo - Os honorários serão depositados pelo comprador em Conta Caução, mantida na CAIXA, em nome do comprador, e pagos mediante liberação do depósito sob Caução, nas seguintes condições: (...).

Parágrafo Terceiro - Caso a venda não se concretize, o comprador fica desobrigado do pagamento de qualquer honorário de corretagem.

Parágrafo Sexto - A CAIXA não terá qualquer responsabilidade sobre o repasse de honorários ao corretor ou imobiliária responsável pela venda, sendo esta única e exclusivamente do comprador, conforme previsto nos Editais de Concorrência Pública.

Parágrafo Sétimo - O presente convênio não implica ônus financeiro de qualquer natureza entre os convenentes nem entre estes e os corretores e imobiliários habilitados, tratando-se ele apenas de elemento estabelecedor de condições mínimas para que os imóveis da CAIXA, disponíveis para venda na forma aqui aventada, possam ser vendidos por intermediação dos inscritos no CRECI/PR, os quais, por sua vez, estarão contratando diretamente com os compradores de imóveis.

Os proponentes compradores da venda direta assinam Declaração, conforme modelo da fl. 35, nos seguintes termos:

Declaro conhecer as quais devo satisfazer para obtenção de Financiamento, utilização de FGTD, ou compra à vista, e que me submeto a todas as condições constantes do "Edital de Concorrência Pública - Condições Básicas". Declaro, ainda, que aceito o imóvel no estado de ocupação e de conservação em que se encontra, arcando, se for o caso, com os encargos necessários para a reforma e/ou desocupação. Caso seja o ocupante o imóvel, sei que é de minha responsabilidade as despesas de IPTU, CONDOMÍNIO etc. Declaro, ainda, que aceito reverter, em favor da CAIXA, o valor referente à Caução em caso de desistência, não cumprimento dos prazos ou quaisquer outras condições estabelecidas no Edital. Declaro que, ao utilizar os serviços de intermediação na venda pelo corretor de imóveis credenciado, conforme convênio CAIXA/PR/SC, autorizo o débito na conta caução nº (...) dos valores referentes a corretagem, em favor do convênio informado, no caso da concretização da venda. (Grifei).

O MPF não concorda com a cobrança dessa taxa de corretagem do consumidor, sob os seguintes fundamentos: a) há ausência de fundamento legal para a obrigatoriedade da intermediação da venda; b) o serviço de corretagem pode ser dissociado da venda direta do imóvel; c) os custos de serviço de corretagem, fixados em 5% do valor mínimo de venda do imóvel, são arcados integralmente pelo adquirente do bem; d) todos os serviços prestados à CAIXA são bancados pelo adquirente do imóvel por conta de imposição unilateral das Rés; e) há manifestação evidente do abuso da imposição compulsória de serviços de corretagem, nos termos do art. 51, inc. IV do CDC.

A CAIXA alega, basicamente, que se tratando de venda direta há uma efetiva prestação de serviços por parte do corretor de imóveis credenciado junto ao CRECI para esse fim, destacando-se a assessoria para a desocupação do imóvel adquirido e acompanhamento do interessado em diversas etapas da contratação; parte do valor da taxa (2%) é destinada para custear eventual ajuizamento de ações necessárias para a desocupação forçada de imóveis ocupados; nas transações imobiliárias em geral, a taxa de corretagem, em regra, é paga pelo vendedor, mas isso não impede que as partes disponham de modo diverso; o repasse da taxa de corretagem é feito diretamente pelos adquirentes aos corretores credenciados.

O Conselho Regional de Corretores de Imóveis, por sua vez, alega: que nunca recebeu honorários de corretagem; quem recebe é o corretor de imóveis que aderiu ao convênio; a CAIXA põe seus imóveis à venda através de concorrência pública (não havendo necessidade do assessoramento) e venda direta; há aproximação indiscutivelmente útil em benefício do comprados.

Entendo que a razão está com o Ministério Público Federal, conforme será demonstrado adiante.

A Lei nº 6.538/78 dispõe sobre o exercício da profissão de corretor de imóveis, disciplina o funcionamento de seus órgãos de fiscalização e dá outras providências. Estabelecem os arts. 2º e 3º da referida Lei que:

Art 2º O exercício da profissão de Corretor de Imóveis será permitido ao possuidor de título de Técnico em Transações Imobiliárias.

Art 3º Compete ao Corretor de Imóveis exercer a intermediação na compra, venda, permuta e locação de imóveis, podendo, ainda, opinar quanto à comercialização imobiliária.

Parágrafo único. As atribuições constantes deste artigo poderão ser exercidas, também, por pessoa jurídica inscrita nos termos desta lei.

O Código Civil de 1916 não tratava acerca do contrato de corretagem, mas os arts. 722 a 729 do Código Civil de 2002 disciplinam sobre aludido contrato, verbis:

Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.

Art. 723. O corretor é obrigado a executar a mediação com a diligência e prudência que o negócio requer, prestando ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento dos negócios; deve, ainda, sob pena de responder por perdas e danos, prestar ao cliente todos os esclarecimentos que estiverem ao seu alcance, acerca da segurança ou risco do negócio, das alterações de valores e do mais que possa influir nos resultados da incumbência.

Art. 724. A remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais.

Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.

Art. 726. Iniciado e concluído o negócio diretamente entre as partes, nenhuma remuneração será devida ao corretor; mas se, por escrito, for ajustada a corretagem com exclusividade, terá o corretor direito à remuneração integral, ainda que realizado o negócio sem a sua mediação, salvo se comprovada sua inércia ou ociosidade.

Art. 727. Se, por não haver prazo determinado, o dono do negócio dispensar o corretor, e o negócio se realizar posteriormente, como fruto da sua mediação, a corretagem lhe será devida; igual solução se adotará se o negócio se realizar após a decorrência do prazo contratual, mas por efeito dos trabalhos do corretor.

Art. 728. Se o negócio se concluir com a intermediação de mais de um corretor, a remuneração será paga a todos em partes iguais, salvo ajuste em contrário.

Art. 729. Os preceitos sobre corretagem constantes deste Código não excluem a aplicação de outras normas da legislação especial. (Grifei).

Segundo Maria Helena Diniz, a corretagem é um contrato de intermediação, cuja função do corretor é a de

aproximar pessoas que pretendem contratar, aconselhando a conclusão do negócio, informando as condições de sua celebração, procurando conciliar os seus interesses. Realizará, portanto, uma intermediação, colocando o contratante em contato com pessoas interessadas em celebrar algum ato negocial, obtendo informações ou conseguindo o que aquele necessita (...). Todavia, seria de bom alvitre lembrar que desde o período do direito romano o corretor ou mediador é considerado como o conciliador, que conduz os interessados a efetivarem um contrato, garantindo ao cliente o resultado do serviço da intermediação: a obtenção do acordo volitivo para a conclusão do negócio. (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais, v. 3, 23 ed. São Paulo: Saraiva, p. 442).

Depreende-se que por meio do Contrato de Corretagem uma pessoa, sem que haja contrato de mandato, compromete-se a uma obrigação de fazer: de obter um ou mais negócios, para outra pessoa, conforme as instruções passadas anteriormente, mediante o pagamento de uma remuneração. Esta deverá ser ajustada entre as partes e, em caso de não ajustamento, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais. O devedor será o corretor, o qual possui a obrigação de aproximar pessoas que pretendem contratar, realizando uma intermediação, pondo o contratante em contato com pessoas interessadas em celebrar algum ato negocial. Do outro lado da relação jurídica há o Comitente como credor da obrigação, o qual contrata o corretor para buscar pessoas interessadas em com ele realizar algum ato negocial.

Em razão do serviço que presta, colocando em relação duas ou mais pessoas para a conclusão do negócio que desejam contratar, o corretor terá direito a receber uma remuneração. Conforme lição de Maria Helena Diniz, a remuneração, que normalmente é designada como Comissão, pode ser fixa: quando o seu quantum for uma importância certa, independente do valor do negócio; e variável: quando proporcional ao valor da transação conseguida, respeitando o limite mínimo (DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º.v, 23ª edição, 2007, p. 453).

O art. 724 do Código Civil dispõe que se a remuneração do corretor "não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais". Assim, na ausência de estipulação legal ou contratual do quantum da comissão, esta deverá ser fixada de acordo com os usos e costumes em razão da natureza do negócio. Pode-se citar como exemplo os contratos de mediação em negócios imobiliários, nos quais o costume fixa a comissão em 6% (seis por cento) do valor contratado.

Sobre a remuneração, ensina Sílvio Venoza:

O corretor somente fará jus à remuneração, denominada geralmente comissão, se houve resultado útil, ou seja, a aproximação entre o comitente e o terceiro resultar no negócio, nos termos do art. 725 acima transcrito. Nesse sentido, se não for concretizada a operação, a comissão será indevida, por se tratar intermediação de contrato de resultado. (...). O corretor compromete-se a obter um resultado útil. Se não ocorre esse deslinde em sua conduta, a remuneração não é devida. É matéria a ser examinada no caso concreto, nem sempre de fácil deslinde. (...). Essa remuneração (...) é geralmente estabelecida em dinheiro e em porcentagem sobre o valor obtido no negócio, conforme percentuais com base em usos e costumes ou tabelas oficiais ou corporativas, além, é claro, da dicção contratual. Nada impede, porém, que seja um valor certo, no todo ou em parte variável. Quem usualmente paga a comissão é o comitente, na corretagem de índole civil. Cláusula contratual que disponha diferentemente deve ser livremente aceita pelo terceiro, sob pena de ser considerada ineficaz, o que ocorre, por exemplo, nos contratos de adesão, notadamente para aquisição de imóvel, em que o vendedor, na generalidade dos casos, tenta transferir tal ônus ao adquirente. A comissão, como regra geral, constitui obrigação a cargo de quem contratou a corretagem (...). (VENOZA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, Contratos em Espécie, III, 3 ed. São Paulo:Atlas, p. 566/567). Grifei.

Considerando tais fundamentos, quem deve pagar a comissão, em princípio, é a pessoa que contratou o corretor para prestar-lhe assistência. Nesse sentido decidiu o STJ no REsp 188324/BA (Rel. Min. Barros Monteiro. 4ª Turma. DJ 24/06/2002 p. 307, RSTJ vol. 159 p. 419). Disposição contratual em sentido contrário não pode ser imposta, como ocorre nos denominados contratos de adesão. Também decidiu o STJ que o pagamento da comissão deve ser feito pelos serviços prestados se houver resultado (STJ. REsp 317503 / SP. Rel. Min. Aldir Passarinho. DJ 24/09/2001, p. 315. RJADCOAS, vol. 31 p. 44).

No caso em exame, todavia, a obrigação de pagar a comissão fica totalmente a cargo do comprador/consumidor, mediante cláusula imposta em contrato de adesão. Essa obrigação decorre de autorização dos compradores (por meio de venda direta) da utilização da caução como pagamento pelos serviços intermediados pelo corretor de imóveis.

Contudo, considerando as normas previstas no Código de Defesa do Consumidor, dentre elas, aquela que ressalta a sua vulnerabilidade (art. 4º), e diante do Convênio firmado pela CAIXA sem a participação dos eventuais compradores (por exemplo, mediante associações dec consumidores), entendo que o pagamento da comissão de corretagem deveria ser obrigação da CAIXA.

A CAIXA, no entanto, mediante cláusula abusiva inserida unilateralmente, impõe ao consumidor/comprador o ônus de pagar por obrigação que lhe incumbe, pois a prática adotada nos contratos de corretagem é de que o contratante dos serviços fica comprometido a pagar os honorários do profissional.

Os corretores prestam seus serviços à CAIXA e somente ela possui o interesse e a necessidade de contratá-los, para intermediar as vendas de imóveis de sua propriedade, imóveis estes que são, em sua quase totalidade, casas populares destinadas a consumidores de baixa renda.

O CRECI, por sua vez, se beneficia e se locupleta indevidamente com o Convênio que firmou com a CAIXA, o qual lhe garante vultosos honorários, mediante imposição de seus serviços aos consumidores.

O consumidor, sujeito vulnerável na relação jurídica de consumo, é moralmente coagido a aceitar todas as condições impostas pelos Requeridos, porque para adquirir sua casa própria geralmente depende de financiamento da própria CAIXA, o qual só lhe é concedido se aceitar todas as cláusulas do contrato, inclusive a de pagar honorários ao CRECI, uma vez que não lhe é dada a prerrogativa de discuti-las, por se tratar de contrato de adesão, cujas características foram abordadas acima.

Considerando que o CDC se aplica ao presente caso, há normas que estabelecem como direitos básicos do consumidor a proteção contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços (art. 6.º, IV), tais como as descritas no art. 39, I e IV e art. 51, IV do CDC:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

Conforme frisado pelo MPF na inicial, o "repasse aos adquirentes dos custos dos serviços prestados exclusivamente à CAIXA, portanto, é conduta contrária à equidade da relação, pois não há justa distribuição dos ônus entre as partes: assume-o integralmente o consumidor. Trata-se de cláusula manifestamente abusiva, nos termos do art. 51, inc. IV do CDC" (fl. 17).

Nesse contexto, a conduta da CAIXA em condicionar a venda de imóveis à assunção, pelo consumidor, da obrigação de pagar os honorários do corretor caracteriza a chamada "venda casada", vedada pelo art. 39, I do CDC, considerando que a Empresa Pública impõe o fornecimento do serviço de corretagem ao consumidor interessado em comprar um imóvel. Além disso, configura a infração à ordem econômica, tipificada na Lei n.º 8.884/94, artigo 21, XXIII, in verbis:

Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:

XXIII - subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem;

Essa imposição de fornecimento de serviço ocorre prevalecendo-se da vulnerabilidade do consumidor, o qual depende, quase sempre, de financiamento da própria CAIXA para adquirir sua casa própria, sem contar que não possui a prerrogativa de discutir as cláusulas e condições do contrato, podendo apenas aderir a ele ou rejeitá-lo em bloco.

Com efeito, no presente caso a vulnerabilidade do consumidor é evidente, considerando que nos editais de concorrência para a venda dos imóveis, não havendo licitantes compradores, há a imposição de vincular o pagamento da comissão de corretagem pelos compradores na venda direta, e a cláusula quarta do Convênio consigna a obrigatoriedade quanto ao pagamento dos honorários profissionais pelo comprador.

Cumpre frisar que não é dada, ao consumidor/adquirente, a informação clara e adequada sobre a natureza ou o valor exato desse pagamento extra que assume, pois grande parte dos consumidores de baixa renda não tem noção do que significa o acréscimo do percentual de 5% sobre o valor do imóvel, e sequer sabe que tais serviços são opcionais e não obrigatórios. Assim, há violação ao direito previsto no art. 6.º, III do CDC.

Referido dispositivo contempla o princípio da transparência, o qual se traduz na obrigação do fornecedor em prestar ao consumidor informações concisas, claras e corretas, ainda que na fase pré-contratual. Esse princípio busca uma relação mais próxima e adequada entre fornecedor e consumidor, visando à sinceridade no negócio entre os contratantes. Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo (MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 286). Assim, o contrato deverá ser elaborado e redigido de forma clara, no sentido de proporcionar ao consumidor o amplo, pleno e prévio conhecimento de todas as condições, direitos e obrigações que decorrem da relação de consumo.

Dessa forma, a cobrança de corretagem constitui nitidamente cláusula abusiva imposta ilegalmente ao consumidor, revelando, pois, ato praticado pela Caixa Econômica Federal contra a boa-fé do adquirente direto dos imóveis financiados. Trata-se de obrigação iníqua, capaz de impedir a aquisição do bem ou onerar sobremaneira o consumidor, além de violar o preceito constitucional que assegura o direito social à moradia (art. 6.º). É importante frisar que a imposição em questão aumenta o valor do imóvel em 5 % (cinco por cento), às custas do consumidor, acréscimo considerável, em especial para famílias de baixa renda, que são as principais destinatárias dos imóveis populares vendidos pela CAIXA.

Portanto, considerando as normas citadas acima, em especial, os arts. 722 a 729 do Código Civil de 2002, arts. 4º, inciso I, 39, incisos I e IV, e 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, é ilegal cláusula que exige a obrigatoriedade de intermediação de corretor credenciado e habilitado pela Caixa Econômica Federal nas operações de venda direta de imóveis, constantes nos editais de licitação e no Convênio de cooperação Técnica com o CRECI - PR. Também é ilegal a exigência, em contrato de adesão, para que o adquirente do imóvel, compulsoriamente, seja obrigado ao pagamento de serviços de corretagem para poder adquirir o imóvel em caso de venda direta.

Destarte, os pedidos deduzidos pelo MPF devem ser acolhidos, garantindo-se o direito de os consumidores lesados ingressarem com execução individual para obter a restituição dos valores cobrados indevidamente a título dos serviços referidos.

Saliento que as execuções desta ação coletiva devem processadas em autos apartados, distribuídos por dependência a esta ação, com no máximo 10 (dez) litisconsortes, salvos os casos de espólio. As execuções deverão ser instruídas com certidão explicativa desta ação contendo o teor do julgado, a ser expedida pela Secretaria, na medida em que forem solicitadas e mediante recolhimento de custas.

III. DISPOSITIVO

Diante do exposto, rejeito as preliminares suscitadas pelos réus, declaro a prescrição quanto ao período anterior a 15/10/2005, e, nos termos dos arts. 722 a 729 do Código Civil de 2002, arts. 4º, inciso I, 39, incisos I e IV, e 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, e do artigo 269, inciso I, do CPC, julgo procedente os pedidos e:

a) declaro a nulidade das cláusulas 13.8.1.1, 13.9. e 13.9.1 do Edital de Concorrência Pública (fls. 23/28) e do Convênios firmado entre a CAIXA e do CRECI/PR (fls. 38/43), no que tange à obrigatoriedade de intermediação de corretor credenciado e habilitado pela Caixa Econômica Federal nas operações de venda direta de imóveis a consumidores;

b) condeno a CAIXA a se abster de exigir, em futuras vendas na mesma modalidade, que o adquirente/ consumidor, compulsoriamente, contrate serviços de corretagem para poder adquirir imóvel, sob pena de multa de 10% sobre o valor do imóvel (CPC, art. 461, § 4º); consequentemente, condeno a CAIXA à obrigação de informar aos consumidores interessados na aquisição de imóveis que a intermediação por corretor de imóveis é opcional, bem como que a remuneração do profissional configura ônus da parte que opta por utilizar seus serviços; e determino à Caixa, de ofício (art. 461, § 5º, do CPC), que, na hipótese de o adquirente optar pela contratação de Corretor de Imóveis, se lavre documento no qual conste expressamente essa opção;

c) condeno os réus, solidariamente, em virtude das cláusulas ora declaradas nulas, à restituição, aos consumidores onerados com a contratação compulsória dos serviços de corretagem, dos valores pagos a título de comissão de corretagem por ocasião da aquisição dos imóveis por venda direta. Os valores deverão ser corrigidos de acordo com a variação do INPC e acrescido de juros de mora, contados da citação nesta ação civil pública (arts. 405 e 406 do CC).

Fixo, nos termos do art. 461, § 5º, do CPC, multa diária no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) em caso de descumprimento da presente decisão, a contar da intimação, sendo tal multa revertida para o Fundo de Direitos Difusos (art. 13, da Lei nº 7.347/85).

Condeno os Réus ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 1.500,00 (Um mil e quinhentos reais), individualmente.

Conforme art. 16, Lei nº 7.347/85, os efeitos desta sentença se limitam ao do Estado do Paraná.

P.R.I.

Curitiba - PR, 10 de agosto de 2009.

VERA LUCIA FEIL PONCIANO
Juiz Federal



JURID - DEF não pode cobrar corretagem [18/08/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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