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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

JURID - Declaração falsa de pobreza. Falsidade ideológica. [06/08/09] - Jurisprudência


Declaração falsa de pobreza para beneficiar-se de assistência judiciária gratuita. Falsidade ideológica não configurada.


Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.

-Embora a mentira não deva entrar no templo da Justiça, que lhe fecha de contínuo as portas como a inimigo público, a conduta do sujeito que faz declaração falsa de pobreza para beneficiar-se de assistência judiciária gratuita não incorre em crime pelo que não há indiciá-lo em inquérito policial por falsidade ideológica (art 299 do Cód Penal)

-A lição do incomparável Nelson Hungria é ao propósito, sempre invocada Cumpre notar que a declaração prestada pelo particular deve valer, por si mesma, para a formação do documento Se o oficial ou funcionário público (que recebe a declaração) está adstrito a averiguar, propus sensibus, a fidelidade da declaração, o declarante, ainda quando falte á verdade, não cometerá ilícito penal (Comentários ao Código Penal, 1958 vol IX. p 280)

-Sob pena de constituir violência contra o "status dignitatis" do indivíduo, a instauração de persecução penal unicamente se admite em face de prova cabal da existência do crime e de indícios veementes de sua autoria

-Comprovada a falta de justa causa, ou de fundamento razoável para a acusação, será força obstar à persecução penal, em obséquio ao "status dignitatis" do indivíduo, que deve estar ao abrigo de procedimentos ilegítimos e temerários

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº 990.08.043080-7, da Comarca de São Paulo, em que é impetrante MAURO ROSNER, FELÍCIO AUGUSTO DE VITA e BÁRBARA FRANCO DE VITA sendo impetrado PROMOTOR DE JUSTIÇA DA CAPITAL.

ACORDAM, em 5ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "CONCEDERAM A ORDEM DE "HABEAS CORPUS" AOS PACIENTES PARA TRANCAR O INQUÉRITO POLICIAL QUE LHES FOI MANDADO INSTAURAR PELO MM. JUÍZO DE DIREITO DO DEPARTAMENTO DE INQUÉRITOS POLICIAIS E POLÍCIA JUDICIÁRIA DA CAPITAL (DIPO). V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores DAMIÃO COGAN (Presidente sem voto), PINHEIRO FRANCO E TRISTÃO RIBEIRO.

São Paulo, 30 de outubro de 2008.

CARLOS BIASOTTI - RELATOR

QUINTA CÂMARA - SEÇÃO CRIMINAL

HÂBEAS CORPUS Nº 990.08.043080-7

Comarca: SÃO PAULO

Impetrante: DR MAURO ROSNER

Pacientes: FELÍCIO AUGUSTO DE VITA E BÁRBARA FRANCO DE VITA

Voto nº 10.814

RELATOR

1. O ilustre advogado Dr. Mauro Rosner impetra a este Egrégio Tribunal ordem de "Habeas Corpus", com pleito de liminar, em prol de FELÍCIO AUGUSTO DE VITA e BÁRBARA FRANCO DE VITA, sob o argumento de que padecem constrangimento ilegítimo da parte da digna 5ª. Promotoria de Justiça Criminal da Capital.

Afirma, na petição de fls. 2/8, que, embora acusados os pacientes da prática de falsidade ideológica, faltava-lhes justa causa para a instauração de inquérito policial.

Acrescenta que "declaração unilateral de pobreza" não constituía documento para efeitos penais e, portanto, não servia de corpo de delito da infração imputada aos pacientes; pelo que, não havia submetê-los ao rigor da persecução penal.

Pleiteia, por isso, à colenda Câmara tenha a bem conceder ordem de "habeas corpos" aos pacientes, a fim de trancar o inquérito policial que lhes foi instaurado. Em todo o caso, requeria a suspensão do curso do inquérito policial até o julgamento do "habeas corpus" pela Câmara.

Instruiu o pedido com documentos de interesse da ação (fls. 9/94).

O despacho de fls. 96/99 deferiu, em parte, a medida liminar pleiteada, para suspender o curso do inquérito policial instaurado contra os pacientes até o final julgamento da presente ação de "habeas corpus".

A mui digna autoridade judiciária indicada como coatora prestou as informações de praxe (fls. 103/104), nas quais esclareceu que foi instaurado inquérito policial contra os pacientes por suposta prática do crime de falsidade ideológica.

Informou ainda que os autos aguardavam a devolução da carta precatória expedida para a inquirição dos investigados.

O ofício de informações acompanha-se de novas cópias de peças processuais de interesse da causa (fls. 105/161).

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em firme e escorreito parecer do Dr. Fauzi Hassan Choukr, opina pela denegação da ordem (fls. 163/166).

E o relatório.

2. Consta dos autos que os pacientes, ao ajuizar Ação de Cobrança contra o Unibanco S/A perante a 4ª. Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros (Comarca da Capital), instruíram o pedido com declaração de pobreza e requereram os benefícios da justiça gratuita.

Mas, com a juntada das declarações de imposto de renda dos pacientes, pôde verificar o MM. Juiz de Direito que não eram miseráveis na acepção jurídica do termo, senão que estavam em condições de ocorrer às despesas do processo, sem privar-se do indispensável a seu sustento; pelo que, sobre indeferir-lhes a pretensão, determinou a remessa dos autos ao órgão do Ministério público para a apuração de eventual crime de falsidade ideológica (fls. 145/146).

A douta Promotoria de Justiça requisitou ao digno Delegado de Polícia Diretor do Decap instauração de inquérito policial para apuração de crime (fl. 151), o que foi feito (fl. 153).

Aberta a via persecutória penal, comparecem os pacientes a esta augusta Corte, acompanhado de seu patrono, com o escopo de obter o trancamento do inquérito por falta de justa causa.

3. Em que pese aos talentos e virtudes do distinto Magistrado prolator da decisão impugnada, tenho por mui digno de acolher o pedido de trancamento do inquérito policial instaurado contra os pacientes, sem violar o Direito Positivo nem ofender o zelo da Justiça, antes com bom crédito seu.

Antes do mais, segundo a comum opinião dos doutores, na esfera do "habeas corpus" é possível discutir a legitimidade da "persecutio criminis", para efeito de trancamento da ação penal ou inquérito policial, se manifesta a ilegalidade do ato ou a ausência de justa causa.

No caso de que se trata, o argumento da impetração - de que a declaração de pobreza para obtenção do benefício da justiça gratuita não constituía documento para fins penais - não pode ser deitado à sombra, de plano, sem afronta dos princípios gerais do Processo Penal.

Com efeito, embora a mentira não deva entrar no templo da Justiça, que lhe fecha continuamente as portas como a inimigo público, a conduta dos pacientes, fazendo declaração falsa de pobreza para beneficiar-se de assistência judiciária gratuita, não constitui crime, pelo que, não havia indiciá-los em inquérito policial por falsidade ideológica (artigo 299 do Cód. Penal).

Esta figura penal, para que se caracterize, necessita "que o declarado tenha força probante por si só"; em suma: seja "apto para produzir efeito independente de qualquer verificação posterior" (cf. Rev. Tribs,vol 779, p. 550).

Ora, as declarações dos pacientes, reduzidas a forma escrita (fls. 56/57), não ostentam "per se" força probante; ao contrário, estão sujeitas, necessariamente, à comprovação de sua veracidade, o que bem claro se mostrou da circunstância de haver o próprio ilustre Juiz determinado comprovasse "o autor a alegada pobreza", em cinco dias (fls. 32).

A lição do incomparável Nelson Hungria é, ao propósito, sempre invocada:

"Cumpre notar que a declaração prestada pelo particular deve valer, por si mesma, para a formação do documento. Se o oficial ou funcionário público (que recebe a declaração) está adstrito a averiguar, propriis sensibus, a fidelidade da declaração, o declarante, ainda quando falte á verdade, não cometerá ilícito penal" (Comentários ao Código Penal, 1958, vol. IX, p. 280).

Há que notar outra razão, que faz em prol da tese de não configurar delito a declaração falsa em casos como o dos autos.

E que a própria Lei nº 1.060/1950 (Lei de Assistência Judiciária) prevê sanção para aquele que afirmar falsamente sua condição de necessitado: "pagamento até o décuplo das custas judiciais" (artigo 4º parágrafo 1º "in fine").

Entendimento é esse que se conforma com a jurisprudência dos Tribunais:

"A autodeclaração de pobreza, objetivando a concessão do beneficio da assistência judiciária gratuita, não possui presunção absoluta; e não induz o agente ao crime de falsidade ideológica, uma vez que a própria Lei nº 1 060/50, que trata da assistência judiciária, prevê sanção extrapenal para as hipóteses de afirmação falsa de pobreza" (Rev. Tribs., vol. 823, p. 598; rel. Péricles Piza).

Ainda:

"Se a declaração prestada pelo agente estava sujeita necessariamente à verificação de sua veracidade, não se tem como caracterizado o crime de falsidade ideológica; pois, para fins de incidência do art 299 do Cód. Penal é indispensável que o declarado tenha força probante por si só, vale dizer, que seja apto para produzir efeito independentemente de qualquer verificação posterior" (Rev. Tribs., vol. 779, p. 548; rel. Pereira da Silva).

Destarte, pois faltou justa causa para a instauração do inquérito, é inegável que os pacientes sofrem constrangimento ilegal, reparável por "habeas corpus" (artigo 648, nº1, do Cód Proc Penal).

Pelo muito que tem de a propositada, não resisto à força que em mim faz o desejo de reproduzir a bela e imortal lição do insigne Carrara:

"O processo criminal é o que há de mais sério no mundo. Quer dizer, tudo nele deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer grandeza algébrica; nada de suposto, nada de anfibológico, nada de ampliável; acusação positivamente articulada, para que a defesa seja possivelmente segura; banida a analogia, proscrito o paralelismo, assente o processo exclusivamente sobre a precisão morfológica legal, e esta outra precisão mais salutar ainda; a da verdade sempre desataviada de dúvidas" (apud Romeiro Neto, O Direito Penal Militar nos Casos Concretos, 1966, p. 30).

Pelo mesmo teor, a lição de Rogério Lauria Tucci, processualista emérito: no Direito Penal, atento o seu caráter coercitivo e sancionador, é força "preservar, no âmbito do processo penal, em sua integridade, a preocupação secular dos nossos legisladores de acautelar, sempre e sempre, a inocência e a própria justiça, contra os procedimentos infundados, levianos e temerários" (in Rev. Tribs., vol. 571, pp. 291-294).

Isto mesmo têm proclamado nossos Tribunais, em acórdãos infinitos em número:

a) "Para o exercício regular da ação penal pública ou privada, indispensável o requisito da justa causa, expressa em suporte mínimo da prova da imputação. O simples relato do fato, sem qualquer elemento que indique sua provável ocorrência, inviabiliza o recebimento da queixa-crime ou da denúncia" (Rev. Tribs., vol. 674, p. 341; rel. Min. José Cândido);

b) "Para que a ação penal tenha condições de viabilidade, é preciso que haja o fumus boni júris É imperativo o controle do Juiz sobre essa condição de viabilidade do pedido acusatório, pois, se assim não for, podem ser atingidos, indevidamente, o status libertatis, e o status dignitatis do acusado (Rev. Tribs., vol. 451, p. 337 rel. Dalmo Nogueira).

Em suma, comprovada a falta de justa causa para a persecução criminal - isto é, a "inexistência de fundamento razoável para a acusação" (José Frederico Marques, Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código de Processo Penal) - , merece deferida a ordem impetrada, nos termos dos artigos 647 e 648, nº I, do Código de Processo Penal.

4. Pelo exposto, concedo ordem de "habeas corpus" aos pacientes para trancar o inquérito policial que lhes foi mandado instaurar pelo MM. Juízo de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária da Capital (DIPO).

São Paulo, 18 de outubro de 2008

Des Carlos Biasotti - Relator




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