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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

JURID - Dano moral. Revistas íntimas. Violação à intimidade e honra. [06/08/09] - Jurisprudência


Dano moral. Revistas íntimas nas quais se exigia a retirada de toda a roupa do empregado. Violação à intimidade e à honra do trabalhador. Indenização devida.
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Tribunal Regional do Trabalho - TRT15ªR.

PROCESSO TRT 15ª REGIÃO Nº 00376-2007-094-15-00-8

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: CRIVANI REZENDE DA LUZ

RECORRIDO: BANCO ABN AMRO REAL S. A.

RECORRIDO: TRANSPORTADORA OURIQUE LTDA.

ORIGEM: 7ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS

PROLATORA: ANA FLAVIA DE MORAES GARCIA CUESTA

DANO MORAL. REVISTAS ÍNTIMAS NAS QUAIS SE EXIGIA A RETIRADA DE TODA A ROUPA DO EMPREGADO. VIOLAÇÃO À INTIMIDADE E À HONRA DO TRABALHADOR. INDENIZAÇÃO DEVIDA. É fato assistir ao empregador, em face de seu poder diretivo, o direito à revista de seus empregados, sobretudo em atividades que envolvam produtos de diminuta dimensão ou elevados valores em espécie. Contudo, essa revista deve ser levada a efeito com a observância do inciso X, do art. 5º, da CF, que garante a inviolabilidade da intimidade e da honra do trabalhador. Demonstrado que a empresa procedia a revistas íntimas diárias em seu empregado, exigindo, para tanto, que ele retirasse toda a sua roupa e até mesmo abaixasse sua cueca, é evidente a violação dos direitos mencionados, tornando devida a indenização por danos morais, ex vi dos arts. 186 e 927 do Código Civil. Recurso provido.

Inconformado com a r. sentença de fls. 151/158, cujo relatório adoto, e que julgou improcedente a ação, recorre o reclamante, por meio das razões de fls. 158/165, arguindo preliminar de nulidade, por cerceamento do direito de defesa, argumentando, no mérito, que a revista íntima empreendida por prepostos da primeira reclamada, além de discriminatória, violou seu direito à liberdade, à intimidade e à privacidade, de maneira que a ação deveria ter sido julgada procedente.

Contrarrazões pela segunda reclamada às fls. 169/175.

É o relatório.

V O T O

Conheço do recurso, porquanto regularmente processado.

Preliminar de nulidade de sentença. Cerceamento do direito de defesa.

Não ocorreu o alegado cerceamento do direito de defesa, pois diferentemente do afirmado no recurso, o juízo de origem, embora tenha acolhido sua contradita, procedeu à oitiva da testemunha arrolada pelo reclamante, como se vê do ato de instrução de fls. 148/149.

Por outro lado, o depoimento de referida testemunha não foi desprezado pela julgadora originária, tendo integrado o conjunto de provas que formaram o seu convencimento, que a eles conferiu a valoração que entendeu caber, o que se mostra consentâneo com o disposto nos arts. 130, 131 e 405, par. 4º, do CPC.

Além disso, encontrando-se já produzida a prova, a circunstância de o juízo originário ter conferido, pelos fundamentos por ele adotados, a valoração que entendeu ela merecer, não obsta que esta instância, por razões outras, atribua-lhe peso distinto.

Rejeito, portanto, a preliminar em epígrafe.

Mérito.

Revista íntima. Dano moral.

O exercício do poder diretivo pelo empregador, produto da subordinação jurídica a que se submete o prestador de serviço no cumprimento do contrato de trabalho, deve ser promovido, mesmo nos procedimentos que tenham por escopo a proteção do patrimônio empresarial, dentro de certos limites, de modo a respeitar os direitos individuais à intimidade e à honra, constitucionalmente tutelados (art. 5º, X, da CF).

Não se nega assistir ao empregador o direito à realização de revista, sobretudo em atividades que envolvam produtos de diminuta dimensão ou elevados valores em espécie. Contudo, essa revista deve ser levada a efeito com observância dos preceitos constitucionais e infraconstitucionais que garantem a inviolabilidade dos direitos inerentes à pessoa humana. Vale dizer, o poder diretivo do empregador deve ser exercido de forma que não implique violação às garantias sobreditas, pois, como muito apropriadamente escreve a jurista Alice Monteiro de Barros, "considera-se atentatória à intimidade a inspeção que exige que o indivíduo se desnude completamente, ainda que perante pessoas do mesmo sexo, e se submeta a exame minucioso, detalhado, prolongado ou em presença de outros" (Curso de Direito do Trabalho, LTR, 2009, p. 591).

No caso dos autos, o reclamante foi submetido a revista íntima, todos os dias, durante contrato de trabalho que vigeu de 14 de fevereiro de 2001 a 18 de março de 2005 (fl. 11), para o que era conduzido para "uma sala fechada", onde, na presença de um preposto da primeira reclamada, tinha de se despir por completo, tendo inclusive que abaixar a cueca (fl. 148).

A primeira reclamada sustentou a legalidade do procedimento, invocando a sua indispensabilidade, uma vez que o reclamante exercia função no setor de tesouraria, juntamente com outras 70 ou 80 pessoas, onde eram manuseados milhões de reais, diariamente (fl. 75).

Entretanto, a prática adotada pela primeira reclamada não pode ser considerada lícita, pois a revista, tal como realizada, ofendia claramente a dignidade, a privacidade, a honra e a intimidade do reclamante, por ser evidente que qualquer empregado, ao ser obrigado a exibir suas peças íntimas e ao ter que se despir por completo, na presença de outra pessoa, ainda que do mesmo sexo, sofre enorme constrangimento.

Entender pela licitude do procedimento da primeira reclamada seria atribuir ao seu poder diretivo um alcance que extrapolaria aos seus fins, haja vista que mesmo não ignorando a subordinação inerente ao contrato de trabalho, ter-se-ia autorizada não a direção sobre a força de trabalho, mas sobre o patrimônio pessoal do trabalhador, o que acabaria por equiparar a pessoa humana a simples objeto.

Pondere-se que a primeira reclamada, tendo por objeto social o transporte e manuseio de elevadas somas em dinheiro, deveria utilizar outros meios a fim de resguardar seu patrimônio, a exemplo de câmeras de vídeo, cujo uso não ofende a pessoa do empregado.

Aliás, a alegação da primeira reclamada, no sentido da imprescindibilidade da revista íntima, não procede em absoluto, até porque restou comprovado que no local havia trabalhadores do sexo masculino e do feminino, não se justificando que o procedimento incidisse somente sobre os primeiros, porquanto a idoneidade da pessoa não é aferível por seu gênero, o que também caracterizaria a conduta discriminatória, vedada pelo art. 5º, I, da CF.

Acrescente-se que o fato de a primeira reclamada gerir grandes somas de dinheiro, em hipótese alguma autorizava o procedimento, pois, se assim fosse, qualquer instituição financeira estaria autorizada a instituí-lo, como meio de proteger o seu patrimônio material.

Conclui-se, desse modo, que o ato da primeira reclamada, além de ter constituído abuso de direito, violou a dignidade, a honra e a intimidade do reclamante, em evidente ofensa aos preceitos contidos no art. 5º, X, da Constituição Federal, o que induz a condenação da ex-empregadora pelos danos morais causados (arts. 186 e 927 do C.C.).

E o dano moral, a par de patente, no presente caso, diferentemente do pretendido pela primeira reclamada, não requer prova direta, já que ele decorre logicamente do próprio fato lesivo, ou seja, o dano está in re ipsa, como muito bem preleciona Sérgio Cavallieri Filho, nos seguintes termos:

"O dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe 'in re ipsa'; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, 'ipso facto' está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção 'hominis' ou 'facti', que decorre das regras de experiência comum" (Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros, 4ª Edição, 2003, p. 102).

Por outro lado, como é curial, as indenizações por danos morais não podem ser tão ínfimas que provoquem no ofensor um sentimento de impunidade, nem tão exageradas que provoquem o enriquecimento indevido da vítima.

Analisados, no presente feito, a capacidade financeira da primeira reclamada, o seu grau de culpa e a gravidade do ato danoso, arbitro em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a reparação para os danos morais, quantia que, à vista do princípio da equidade e da razoabilidade, considero suficiente para punir eficazmente o agente agressor e minorar a dor do ofendido.

O valor mencionado deverá ser corrigido monetariamente a partir da publicação da presente decisão e acrescido de juros de mora a partir de 15 de março de 2007.

Responsabilidade da segunda reclamada.

Insta ressaltar, de plano, que não se discute, na hipótese presente, a existência de vínculo jurídico de emprego entre o reclamante e a segunda reclamada, destinatária final dos serviços prestados, na medida em que não há pedido nesse sentido, até por ser incontroverso que a relação de emprego foi mantida com a primeira.

E a teor das defesas (fls. 70/72 e 116/119), bem como do instrumento de fls. 133/1336, verifica-se que a segunda reclamada (Banco Abn Amro Real S. A.), celebrou contrato de prestação de serviços com a primeira reclamada (Transportadora Ourique Ltda.), de cuja execução participou o reclamante, exercendo a função de auxiliar de tesouraria.

Assim, tendo a segunda ré se beneficiado dos serviços prestados pelo reclamante, amoldam-se à hipótese presente as disposições da Súmula n.º 331 do C. TST, cujo item IV reconhece a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços na ocorrência de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador.

Ademais, não se trata de considerar inválido ou fraudulento o contrato mantido entre as empresas reclamadas, mas o tomador dos serviços, ao optar pelo sistema de terceirização de mão-de-obra, deve procurar se resguardar, verificando antes a capacidade empresarial daquele com quem contrata, de modo que, se a prestadora dos serviços deixa de cumprir suas obrigações trabalhistas para com o empregado, ao menos a responsabilidade subsidiária pelos respectivos direitos deve ser imputada ao tomador, já que comprovadamente agiu com culpa (artigos 186 e 927 do Código Civil).

Conclui-se, pois, que existe fundamentação legal para o reconhecimento da tomadora de serviços como responsável subsidiária pelos direitos trabalhistas deferidos ao reclamante, razão pela qual não há se cogitar em afronta aos arts. 5º, inciso II, 22, I, e 48 da Constituição Federal.

Destarte, a segunda reclamada responderá, subsidiariamente, pela condenação imposta à primeira.

Honorários advocatícios.

Na Justiça do Trabalho ainda prevalece o jus postulandi das próprias partes, por força do art. 791 da CLT, não havendo no texto consolidado ou em qualquer lei extravagante, a previsão de pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais neste ramo do Judiciário.

O art. 20 do Código de Processo Civil, por seu turno, não pode ser aplicado subsidiariamente no presente caso, já que incompatível com a legislação processual trabalhista, como muito bem ensina o ilustre e saudoso mestre Valentin Carrion, in verbis:

"O princípio da sucumbência que determina ao vencido ressarcir o vencedor dos prejuízos da demanda, seja autor ou réu, não se origina da culpa, mas do risco de ter movido ação ou de tê-la resistido; é semelhante ao princípio da responsabilidade civil (Justino Adriano F. da Silva, "Honorários advocatícios em mandado de segurança"). Esse princípio foi introduzido no processo civil de 1939 pela L. 4.632/65 (e depois pelo CPC de 1973, art. 20), afastando o princípio até então vigente que exigia dolo ou culpa para fundamentar a condenação em honorários. A lei processual laboral nada diz e a processual civil é inaplicável porque incompatível com ela; em primeiro lugar por absoluta falta de afinidade; o princípio da sucumbência se baseia na condenação proporcional, e o instituto mais próximo nessa matéria seria a condenação em custas, cuja proporcionalidade (vencedor e vencido) foi afastada pela CLT (art. 789); a sucumbência exige igualdade para com os litigantes e, portanto, a condenação do vencido, seja empregador ou empregado; é óbvio que isso necessitará de regulamentação específica" (Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 27ª Edição, Saraiva, 2002, p. 582/583).

A revogação do art. 14, da Lei nº 5.584/70, pelo parágrafo 10, do art. 789, da CLT, inserido pela Lei nº 10.288/01 e posteriormente suprimido pela Lei nº 10.537/02, somente alterou a questão da assistência judiciária gratuita, mas não a do pagamento dos honorários da sucumbência, para cujo deferimento ainda se exige a assistência sindical, uma vez que o art. 16, da lei primeiro referida, não foi revogado.

Por conseqüência, permanecem ainda vigentes as Súmulas 219 e 329, do C. Tribunal Superior do Trabalho, no que reconhecem, como indevida, a verba honorária decorrente da sucumbência, nesta Justiça Especializada, a não ser no caso de assistência sindical.

Nem se argumente que o art. 389 do Código Civil Brasileiro atualmente em vigor teria revogado os verbetes sumulares mencionados, pois os honorários nele previstos ou decorrem da sucumbência ou da composição das perdas e danos, sendo devidos, neste último caso, apenas se ficar provado que foram pagos antes do ajuizamento da ação, na tentativa do recebimento amigável do débito, como esclarecem Gustavo Tepedino, Heloisa helena Barbosa e Maria Cecília Bodim de Moraes:

"Às perdas e danos acrescem-se, ainda, juros, atualização monetária e honorários advocatícios. Como visto, não sendo possível a prestação in natura, assiste ao credor o direito de haver em pecúnia o equivalente, mas os prejuízos a que a inexecução deu causa. Sendo assim, o devedor estará obrigado, ainda, ao pagamento de juros sobre o montante total da indenização, calculados segundo os arts. 405 e 406 do Código Civil. Incidirá, ainda, correção monetária, com vista a preservar o valor de compra da moeda (CC, art. 440) e honorários advocatícios, calculados de acordo com o CPC, art. 20, caso a indenização venha a ser postulada em juízo. Os honorários de advogado não serão devidos, entretanto, se o ressarcimento das perdas e danos se fizer amigavelmente, a não ser que o credor os tenha pago, hipótese em que poderão integrar o dano emergente a que se refere o art. 402 deste Código" (Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da República, Vol. I, Editora Renovar, 2004, p. 696).

Tanto é verdade que o Código Civil em vigor não inovou a situação aqui posta, que atualmente tramitam pela Câmara Federal os recentíssimos Projetos de Lei nº 3392/04 e 4963/05, ambos tendentes a disciplinar a condenação em honorários advocatícios na Justiça do Trabalho, atendidas as peculiaridades desta.

Também não se pode argumentar com o disposto no inciso I, do art. 114, da CF, já que ele apenas ampliou a competência da Justiça do Trabalho, sem alterar, em nada, o teor do art. 791 da CLT.

Em suma, ainda prevalecem as Súmulas 219 e 329 do C. Tribunal Superior do Trabalho, no que estabelecem a inexigibilidade dos honorários advocatícios no processo do trabalho, razão pela qual não se mostra devida a verba em questão, haja vista que o reclamante não se encontra assistido por sindicato.

Diante do exposto, decido: conhecer do recurso de Crivani Rezende da Luz e o prover em parte, para julgar parcialmente procedente a ação e condenar as reclamadas, a segunda subsidiariamente, a pagar-lhe, com acréscimo de juros de mora e correção monetária, indenização por danos morais, no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

Custas processuais no importe de R$ 800,00, calculadas sobre o valor ora arbitrado de R$ 40.000,00, pelas reclamadas.

Jorge Luiz Costa
Juiz Relator

Publicado em 26/06/2009




JURID - Dano moral. Revistas íntimas. Violação à intimidade e honra. [06/08/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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