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quarta-feira, 5 de agosto de 2009

JURID - Crime contra o patrimônio. Apropriação indébita. [05/08/09] - Jurisprudência


Apelações criminais. Crime contra o patrimônio. Apropriação indébita no exercício da profissão (art. 168, § 1º, III, do Código Penal). Despachante que se apropria de valores de clientes em benefício próprio.


Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Criminal n. 2009.020203-4, de Pinhalzinho

Apelação Criminal n. 2009.020261-8, de Pinhalzinho

Relator: Des. Moacyr de Moraes Lima Filho

APELAÇÕES CRIMINAIS - CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO - APROPRIAÇÃO INDÉBITA NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO (ART. 168, § 1º, III, DO CÓDIGO PENAL) - DESPACHANTE QUE SE APROPRIA DE VALORES DE CLIENTES EM BENEFÍCIO PRÓPRIO - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - REQUISITOS DO TIPO PREENCHIDOS - PRETENDIDA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - NÃO CONFIGURAÇÃO - RECURSO NÃO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal ns. 2009.020203-4 e 2009.020261-8, da comarca de Pinhalzinho (Vara Única), em que é apelante Luiz Carlos Schwendler, e apelada A Justiça, por seu Promotor:

ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas de lei.

RELATÓRIO

Na Comarca de Pinhalzinho, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia contra Luiz Carlos Schwendler que, em tese, cometeu o delito inserto no art. 168, §1º, III, c/c o art. 71, ambos do Código Penal.

Narram as denúncias:

Apelação Criminal n. 2009.020203-4 (autos n. 045.06.000178-8)

"1º fato:

"Consta do presente caderno policial, que nas datas de 25 de agosto de 2003 e 15 de outubro de 2004, em horário a ser averiguado na instrução criminal, no Escritório do Despachante Arno, na cidade de Saudades/SC, nesta Comarca, o denunciado, na qualidade de despachante, recebeu dois pagamentos, um no valor de R$ 345,00 e outro no valor de R$ 235,00, respectivamente, valores estes para quitar o licenciamento, IPVA e DPVAT dos anos de 2003 e 2004, do veículo Uno Mille, SX, ano 1997, placas IVF-0478, de propriedade da vítima Edio Paulo Koling, tendo, contudo, apropriado-se dos referidos valores de que tinha detenção, deixando de efetuar o que fora acordado, tudo conforme Consultas de Veículo de fls. 27/29, Boletim de Ocorrência de fl. 5 e Fotocópias dos Comprovantes de Pagamento apresentados às fls. 15/16.

"2º fato:

"Consta, também, que nas datas de 29 de abril de 2004 e 10 de janeiro de 2005, em horário a ser apurado na instrução processual, no escritório do despachante Arno, na cidade de Saudades/SC, o denunciado recebeu R$ 178,84 e R$ 70,00, respectivamente, pagamentos estes referentes a taxa de IPVA e DPVAT do veículo marca VW/Gol I Plus, ano 1996, placas AMM-2999, de propriedade da vítima Clécio João Schuck, tendo, contudo, apropriado-se dos referidos valores de que tinha detenção, deixando de efetuar o que fora acordado, conforme relatos do Boletim, fl. 4 e Comprovantes de Pagamento de fl. 14 e Consulta de Veículo de fl. 25/26.

"3º fato:

"No dia 16 de fevereiro de 2005, em horário a ser averiguado, no escritório do Despachante Arno, na cidade de Saudades/SC, o denunciado recebeu a importância de R$ 494,00, valor este que a vítima José Remi Weiler lhe confiou, para que fizesse a transferência e licenciamento do veículo VW/Gol, ano 1994, placas BUO-0945 (Pertencente à Empresa Marca Seguros e Previdência), tendo, contudo, apropriado-se dos referidos valores de que tinha detenção, deixando de efetuar o que fora acordado, tudo conforme Boletim de Ocorrência de fl. 3, Documentos de fl. 12 e Consulta de Veículo de fl. 24.

"Destarte, o denunciado apropriou-se de coisa alheia móvel de que tinha a posse ou a detenção, em razão de seu ofício" (fls. II/IV).

Apelação Criminal n. 2009.020261-8 (autos n. 049.05.000367-2)

"1º fato:

"Consta do presente caderno policial, que na data de 10 de fevereiro de 2004, em horário a ser apurado na instrução criminal, no escritório do Despachante Arno, no Município de Saudades/SC, o denunciado recebeu R$ 220,00, pagamento este para quitar o licenciamento dos anos de 2002 e 2003 do veículo VW/Fusca, ano 1978, placa LXZ 1385, de propriedade da vítima Marcus Kasper, tendo, contudo, apropriado-se do referido valor de que tinha detenção, deixando de efetuar o que fora acordado, conforme Termo de Declarações de fl. 11, Comprovante de Pagamento de fl. 13 e Consulta de Veículo de fls. 17/18.

"2º fato:

"Consta, também, que na data de 23 de abril de 2004, em horário a ser averiguado na instrução criminal, no escritório do Despachante Arno, no Município de Saudades, o denunciado, na qualidade de despachante, recebeu um pagamento no valor de R$ 290,00, valor este para quitar o licenciamento do ano de 2004 e multa do veículo Ford/Corcel II, ano 1982, placa LYK5793, de propriedade da vítima Egon Hansen, tendo, contudo, apropriado-se do referido valor de que tinha detenção, deixando de efetuar o que fora acordado, conforme Consulta de Veículo de fls. 07/07v, Boletim de Ocorrência de fl. 03, e Fotocópia do Comprovante de Pagamento de fl. 06.

"Destarte, o denunciado se apropriou de coisa alheia móvel de que tinha a posse ou a detenção em razão de seu ofício" (fls. II/III).

O Magistrado a quo decidiu as ações em conjunto, julgando procedentes os pedidos formulados nas denúncias, para condenar Luiz Carlos Schwendler, pela prática do crime de apropriação indébita continuada, previsto no art. 168, § 1º, III, c/c art. 71 (5 vezes) e art. 61, I, todos do Código Penal, à pena de 2 (dois) anos e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, e ao pagamento de 17 (dezessete) dias-multa, cada qual no valor de 1/30 do salário-mínimo vigente em 16/02/05 (fls. 110/116 e 89/95).

Inconformado com a sentença prolatada, a defesa pugna pela absolvição do réu, afirmando não ser possível fundar sentença condenatória em prova frágil, que não conduza à certeza da prática do delito, em decorrência do princípio do in dúbio pro reo. Subsidiariamente, postula a aplicação do princípio da insignificância (fls. 126/138 e 106/118).

Contra-arrazoado o recurso (fls. 140/148 e 120/126), os autos ascenderam a esta Superior Instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Dr. Paulo Roberto Speck, manifesta-se pelo conhecimento e não provimento do apelo interposto (fls. 152/161 e 131/140).

VOTO

Tratam os autos de delito de apropriação indébita, na modalidade qualificada, consistindo a conduta em apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção, em razão de ofício, emprego ou profissão, cuja norma penal incriminadora se encontra insculpida no art. 168, § 1º, III, do Código Penal.

Da mesma forma como fez o MM. Juiz, diante da continuidade delitiva, as apelações criminais serão julgadas em conjunto.

A materialidade dos crimes de apropriação indébita, nos autos 049.06.000278-8 (apelação criminal n. 2009.020203-4), está demonstrada pelos boletins de ocorrência (fls. 3/5), auto de apreensão (fls. 11/17) e extratos de consulta do sistema Ciasc do Detran/SC (fls. 24/29). Já nos autos 049.05.000367-2 (apelação criminal n. 2009.020261-8), está consubstanciada pelo boletim de ocorrência (fl. 3), autos de exibição e apreensão (fls. 5/6 e 12/13), extratos de consulta do sistema Ciasc do Detran/SC (fls. 7, 7v, 14 e 16/18).

Colhe-se dos autos que o acusado, na qualidade de despachante, recebeu de alguns clientes quantias para quitação de transferência e licenciamento de veículos, além do IPVA e multas, conforme se extrai dos documentos por ele preenchidos (fls. 12, 14/16 e fls. 6 e 13 dos autos em apenso), e delas se apropriou indevidamente sem realizar os pagamentos devidos.

Aliás, a percepção de tais valores é confirmada em seu interrogatório:

"[...] primeiro fato: que efetuou o licenciamento e a transferência do veículo, mas com atraso; que não sabe dizer quanto tempo levou para fazer a confecção serviço; que a vítima possui uma dívida de uma habilitação para o irmão da vítima. Segundo fato: que recebeu da vítima apenas o valor do IPVA; que a vítima foi multada e só então pagou para o interrogando o valor do licenciamento e do DPVAT; que a vítima não aceitava ter que pagar o licenciamento. Terceiro fato: que a vítima entregou os valores ao interrogando; que o veículo era sinistrado e pertencia a uma seguradora; que o interrogando nunca recebeu o certificado de transferência do veículo; que entrou em contato coma seguradora por várias vezes mas não recebeu o certificado; que devolveu o dinheiro para a vítima" (fl. 48, com grifos no original).

"que com relação ao primeiro fato o licenciamento acabou demorando porque a vítima estava há cinco anos com a documentação atrasada; que na época era necessário fazer o documento de cada ano separadamente, não podendo apenas quitar as pendências anteriores e fazer um único documento; que, apesar da demora, efetuou o licenciamento do veículo; que em relação ao segundo fato efetuou normalmente a transferência e o licenciamento do veículo; que a vítima perdeu o documento de quitação e por isso alegou que o interrogando havia se apropriado dos valores; que trabalhou de 15 a 18 anos como despachante" (fl. 35, dos autos em apenso).

Embora negue a autoria dos delitos, as vítimas confirmaram os pagamentos efetuados (fls. 60/63 e fls. 34/35, dos autos em apenso) e apresentaram os recibos (fls. 12, 14/16 e fls. 6 e 13 dos autos em apenso). Para uma melhor elucidação, segue quadro abaixo:

A consulta ao sistema Ciasc do Detran/SC revelou a situação a seguir:

Fazendo uma comparação entre um quadro e outro, verifica-se que houve realização do serviço, tão-somente, do veículo de propriedade de Marcus Kasper. Entretanto, seis meses após o referido pagamento, quando já havia noticiado à polícia o delito.

De resto, apesar da negativa do apelante, nada trouxe a comprovar suas alegações, ônus que lhe incumbia, a teor do art. 156 do Código de Processo Penal.

Utilizando-se, pois, do poder que lhe fora conferido, o apelante recebeu valores, a fim de quitar débitos referentes aos veículos das vítimas - totalizando R$ 1.830,84 (um mil, oitocentos e trinta reais e oitenta e qua) -, nos anos de 2004 e 2005, respectivamente (cf. Docs. às fls. 12,14/16 e fls. 6 e 13 dos autos em apenso), dos quais, segundo restou apurado nos autos, apropriou-se indevidamente.

Vê-se, pois, que a prova documental é hígida ao demonstrar a veracidade do conteúdo dos depoimentos das vítimas.

2 Com relação ao pedido de aplicação do princípio da insignificância, como bem assinalou o douto Procurador de Justiça, "ainda que levado em consideração o menor prejuízo isoladamente provocado (R$176,84 à vítima Clécio João Schuck), não se pode qualificar tais lesões como irrisórias" (fl. 160 e 139)

No Direito Penal, o princípio da insignificância visa a alcançar aqueles crimes em que uma eventual sanção é flagrantemente desproporcional com o ato praticado. No entanto, jamais se pode utilizar o referido princípio como elemento gerador de impunidade, mormente por se tratar de crimes contra o patrimônio praticados em continuidade delitiva.

Outrossim, em sua aplicação devem ser apreciados, além do valor do bem subtraído, a extensão da lesão ao bem jurídico protegido pela norma e as circunstâncias subjetivas do agente, notadamente aquelas relativas ao seu comportamento social e a sua vida pregressa.

Na hipótese, o apelante não preenche o requisito subjetivo, haja vista sua reincidência, apurada a partir da certidão de fls. 74 e 53 (autos 049.99.000827-2), além de ter respondido por outras ações penais (fls. 71/73 e 50/52), cuja imputação é de crime da mesma natureza, o que leva à conclusão de que possui má conduta social.

Nesse sentido, é a jurisprudência deste Tribunal de Justiça:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL - APROPRIAÇÃO INDÉBITA QUALIFICADA EM RAZÃO DA PROFISSÃO - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - CONFISSÃO CORROBORADA PELO DEPOIMENTO DA VÍTIMA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - REINCIDÊNCIA - IMPOSSIBILIDADE - DOSIMETRIA DA PENA JUSTA E ADEQUADA - RECURSO DESPROVIDO - CONDENAÇÃO MANTIDA" (Apelação Criminal n. 2007.026549-4, de Videira, rel. Des. Amaral e Silva, j. em 13/5/2008).

Por esses motivos, não há como reconhecer que a conduta do réu foi de tal forma irrelevante, não produzindo resultado jurídico algum na seara do Direito Penal.

Portanto, falece a pretensão defensiva, uma vez que não estão preenchidos os requisitos necessários à aplicação do princípio da insignificância.

3 Por fim, verifica-se que a pena foi cuidadosamente sopesada, devendo, pois, ser mantida.

Diante o exposto, nega-se provimento ao recurso para manter incólume a decisão hostilizada.

DECISÃO

Ante o exposto, decide a Câmara, por votação unânime, negar provimento ao recurso.

O julgamento, realizado no dia 2 de junho de 2009, foi presidido pelo Excelentíssimo Sr. Des. Torres Marques, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Sr. Des. Roberto Lucas Pacheco.

Lavrou parecer, pela douta Procuradoria Geral de Justiça, o Excelentíssimo Dr. Paulo Roberto Speck.

Florianópolis, 3 de junho de 2009.

Moacyr de Moraes Lima Filho
RELATOR

Publicado em 15/07/09




JURID - Crime contra o patrimônio. Apropriação indébita. [05/08/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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