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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

JURID - Apelações cíveis. Corte no fornecimento de energia elétrica. [06/08/09] - Jurisprudência


Apelações cíveis. Ação cautelar. Ação ordinária. Conexão em sede de 2º grau. Julgamento simultâneo. Acordo de parcelamento de débito não cumprido. Corte no fornecimento de energia elétrica.
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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN

Processo:2008.012375-9

Julgamento: 21/07/2009

Órgao Julgador:3ª Câmara Cível

Classe:Apelação Cível

Apelação Cível n° 2008.012375-9

Apelação Cível nº 2008.012378-0

Origem: 2ª Vara Cível Não Especializada da Comarca de Natal/RN.

Apelante: Cosern- Companhia Energética do Estado do Rio Grande do Norte.

Advogada: Dra. Lynda Susan Dantas Farias.

Apelado: Anízio Neto da Silva.

Advogado: Dr. Sidney Araújo Silva de Andrade.

Relator: Juiz Ibanez Monteiro (convocado)

EMENTA: CONSUMIDOR, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO CAUTELAR. AÇÃO ORDINÁRIA. CONEXÃO EM SEDE DE 2º GRAU. JULGAMENTO SIMULTÂNEO. ACORDO DE PARCELAMENTO DE DÉBITO NÃO CUMPRIDO. CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DÍVIDA PRETÉRITA. SERVIÇO ESSENCIAL. ILEGALIDADE. INAPLICABILIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 456/2000 DA ANEEL. COBRANÇA DE VALORES PELOS MEIOS ORDINÁRIOS. IMPOSSIBILIDADE DE REPARCELAMENTO - INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA IMPREVISÃO. IMPOSSIBILIDADE DA COBRANÇA DO DÉBITO NA FATURA DE CONSUMO MENSAL - COBRANÇA AUTÔNOMA. REPERCUSSÃO NO ÔNUS SUCUMBENCIAL - APLICABILIDADE DO ART. 21 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS .

É defeso suspender o fornecimento de energia em virtude de inadimplemento de dívida pretérita, sobretudo por se tratar de serviço público essencial, submetido ao princípio da continuidade.

A cobrança deve ser feita pelos meios legais ordinários, sob pena de configurar coação e/ou constrangimento do consumidor para a satisfação do crédito.

A Teoria da Imprevisão somente pode ser vindicada diante de circunstância extraordinária e imprevisível e desde que não se trate de fato subjetivo/particular.

Sendo certo que ambas as partes foram vencedoras e vencidas nas suas pretensões, aplicar-se-á a sucumbência recíproca, de acordo com o art. 21 do CPC.

Apelos conhecidos e parcialmente providos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em conhecer dos recursos e lhes dar provimento parcial para reformar parcialmente a sentença vergastada, tudo nos termos do voto do Relator, que passa a fazer parte integrante deste.

RELATÓRIO

Apelações cíveis interpostas pela Companhia Energética do Rio Grande do Norte - Cosern em face da sentença proferida pela MMª. Juíza de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Natal, nos autos da Ação Ordinária de nº 001.05.024130-4 e Ação Cautelar de nº 0011.05.020950-8, ambas manejadas por Anízio Neto da Silva.

As ações, apesar de versarem sobre o mesmo fato, somente foram reunidas para julgamento simultâneo em sede de 2º Grau, após os Recursos de Apelação. Todavia, embora possuam peças próprias, seus conteúdos são idênticos, com raras exceções. Por esta razão far-se-á um único relato, à exceção das particularidades de cada peça.

O demandante ajuizou as referidas ações alegando, basicamente: que é carcinicultor, sendo proprietário do Sítio Ponta da Salina; que o sítio se presta à criação de camarões; que quando adquiriu esta propriedade em abril de 2004, havia um débito no valor de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais) junto à Cosern; que celebrou acordo com a demandada parcelando em 14 vezes o débito, sendo as parcelas cobradas dentro das faturas mensais; que adimpliu o pagamento normalmente até a décima prestação; que sofreu pesados prejuízos em decorrência de uma praga no camarão, o que lhe impediu de adimplir o restante das parcelas; que tentou renegociar o débito junto à Cosern, mas não foi possível; que sofreu corte de energia, o que prejudicou seu negócio.

O pedido da ação cautelar compreende o restalebecimento do fornecimento de energia e suspensão do pagamento das parcelas, desvinculando-as da fatura para que pudesse discutir em ação principal a renegociação do acordo, sendo deferido apenas o primeiro pedido.

Contra essa decisão interlocutória, a Cosern intentou agravo de instrumento, sendo, inicialmente, deferido o pedido de efeito suspensivo do recurso, o que foi confirmado no julgamento do agravo regimental manejado pelo autor. Ao final, o agravo de instrumento foi conhecido e desprovido.

Por sua vez, na ação ordinária vindica a aplicação da teoria da imprevisão, assegurando que seu pedido encontra guarida no art. 478 e ss do Código Civil. Postula a manutenção da liminar deferida em sede cautelar, a resolução do contrato de parcelamento ou a divisão do débito restante em dez parcelas mensais, assim como a determinação de que o parcelamento seja cobrado em faturas distintas da cobrança mensal e a inversão do ônus da prova.

Em despacho, a MMª Juíza deixou de conceder a antecipação da tutela, tendo em vista a decisão de segundo grau na ação cautelar.

Em contestação, a requerida sustenta que não pode arcar com o prejuízo suportado por seus consumidores, pois ao fornecer o serviço necessita da contraprestação. Ademais, afirma que a lei autoriza a suspensão do fornecimento de energia, diante da inadimplência daquele usuário. Pugna pela manutenção do indeferimento da tutela antecipada, assim como pela improcedência do pleito inaugural.

O requerente manifestou-se sobre a defesa, apenas nos autos da ação ordinária, aduzindo que não pretende furtar-se ao pagamento do débito, mas apenas requer melhores condições para fazê-lo. Reitera os argumentos da peça vestibular.

Designada audiência de conciliação, a tentativa de acordo restou frustrada. Diante da desnecessidade de produção probatória, os autos ficaram conclusos para apreciação.

O juízo de primeiro grau julgou procedentes os pedidos ventilados nas ações ordinária e cautelar, determinando a religação imediata da energia, o parcelamento do débito em cinco prestações iguais e sucessivas, a serem cobradas em faturas autônomas e a condenação da ré em custas e honorários na base de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.

A Cosern opôs embargos de declaração, alegando que o juízo não se pronunciou sobre o valor do débito, o percentual de juros e correção monetária, bem como início da contagem e sobre o vencimento das parcelas. Relata ainda ser impossível o religamento da energia, porque existem débitos posteriores ao ajuizamento desta demanda. Julgados improcedentes os aludidos embargos.

Irresignada com a sentença, a requerida dela apelou reforçando seus argumentos contestatórios e acentuando que o parcelamento não foi feito unilateralmente e que a falta do pagamento acarretará um desequilíbrio econômico financeiro. Sustenta ainda que a sentença não limitou a religação da energia aos débitos discutidos no processo e que a suspensão do fornecimento de energia encontra respaldo em Resolução da ANEEL. Finalmente, pugna pela reforma da sentença.

Em contrarrazões, o apelado repisou seus argumentos anteriores.

A 20ª Procuradoria de Justiça alegou desnecessidade de sua intervenção.

É o sucinto relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do presente recurso.

Discute-se, no caso trazido à baila, a legitimidade da suspensão do fornecimento de energia efetuada pela requerida, assim como se é possível a renegociação do débito existente entre as partes.

Ab initio, convém registrar que, apesar de se tratar da reunião de duas ações reunidas, estas possuem a mesma sentença e apelação, motivando, portanto, um único julgamento.

Enveredando na questão processual em si, importa frisar que o caso em vertente deve ser analisado sob à luz do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que a relação firmada entre as partes é inquestionavelmente consumerista, enquadrando-se o Apelado no conceito estampado no caput do art. 2º, enquanto a Apelante, como notória fornecedora/prestadora de serviço, insere-se nesta categoria.

Neste contexto, assevera o CDC que os concessionários de serviço público são obrigados a fornecê-lo de maneira adequada, eficiente e, quando essenciais, contínua, o que significa dizer, sem interrupção, diante da sua nítida importância.

"Art. 22 - Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único - Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código."

Sob esta ótica, a Cosern - concessionária de serviço público - não pode suspender o fornecimento de energia elétrica por ser este considerado um serviço essencial, subordinando-se, por conseguinte, ao princípio da continuidade de sua prestação.

Por outro lado, a empresa ré sustenta que a suspensão do fornecimento de energia foi motivada pelo inadimplemento do autor em algumas prestações de um acordo de parcelamento de débitos, aduzindo estar amparada pelo art. 4º da Resolução nº 456 da ANEEL, que assim dispõe:

"Art. 4º. A concessionária poderá condicionar a ligação, religação, alterações contratuais, aumento de carga ou contratação de fornecimentos especiais, solicitados por quem tenha quaisquer débitos no mesmo ou em outro local de sua área de concessão, à quitação dos referidos débitos".

In casu, é incontroverso o débito existente junto à Cosern. Todavia, a aludida resolução confronta-se com preceito trazido pelo art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual "na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça."

Sob este enfoque, não poderia a apelante valer-se do corte de energia visando coagir e constranger o recorrido a pagar o valor cobrado.

É patente que um corte de energia gera grande constrangimento, além de inúmeros transtornos. Ademais, essa medida não tem outro objetivo senão ameaçar e compelir o consumidor a satisfazer o débito.

Neste sentido, não poderia a apelante ter suspendido o fornecimento de energia elétrica da unidade consumidora sob a alegação de inadimplemento, uma vez que existem medidas legais para cobrança de débito.

Além disso, a cobrança em questão refere-se a uma dívida antiga que fora assumida pelo apelado quando arrendou o sítio em questão, consoante fl. 16/18 e 113/116.

Destarte, comungando da impossibilidade do corte determinada pelo CDC, vislumbra-se consolidado o entendimento de não se pode aplicar a aludida Resolução em se tratando de débitos pretéritos, que devem ser cobrados através dos meios ordinários de cobrança.

Este posicionamento mantém-se firme nos Tribunais pátrios, como se observa de arestos desta Corte de Justiça e do Superior Tribunal de Justiça:

"EMENTA: CONSUMIDOR. ENERGIA ELÉTRICA. NEGATIVA DA CONCESSIONÁRIA DE PROCEDER À ALTERAÇÃO CONTRATUAL POSTULADA PELO USUÁRIO, ANTE A EXISTÊNCIA DE DÉBITOS PRETÉRITOS DISCUTIDOS EM OUTRO PROCESSO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 456/2000 DA ANEEL. COBRANÇA DE VALORES PELOS MEIOS ORDINÁRIOS. CONSTRANGIMENTO AO CONSUMIDOR. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E IMPROVIDO.

- Para que o inadimplemento possa impedir a alteração contratual, ou acarretar a suspensão do fornecimento de energia, a dívida precisa ser recente e não deve ser objeto de discussão judicial, sob pena de coagir e constranger o usuário a pagar um valor cobrado, sem dar ao mesmo o direito de questioná-lo, em afronta ao art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, que veda qualquer espécie de constrangimento ou ameaça ao consumido." (negrito acrescido)

(Apelação Cível 2008.004454-9. 3ª Câmara Cível - TJ/RN. Rel. Des. Amaury Moura Sobrinho. Julgado em 31.07.2008.)

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENERGIA ELÉTRICA. DÉBITO PRETÉRITO. CORTE NO FORNECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Entendimento pacífico desta Corte no sentido de que não cabe a suspensão do fornecimento de energia elétrica quando se tratar de débitos antigos, devendo a companhia utilizar-se dos meios ordinários de cobrança, uma vez que não se admite qualquer tipo de constrangimento ou ameaça ao consumidor, sob pena de ofensa ao art. 42 do CDC.

2. Agravo regimental não-provido." (grifos não originais)

(AgRg no Ag 1050470/SP. 2ª Turma/STJ. Rel. Ministro Mauro Campbell Marques. Julgado em 06/11/2008).

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DÉBITO PRETÉRITO. FRAUDE NO MEDIDOR. SUSPENSÃO DO SERVIÇO. IMPOSSIBILIDADE. MEIO ABUSIVO DE COBRANÇA. RECURSO INCAPAZ DE INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Não é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica por dívida pretérita, a título de recuperação de consumo, em face da existência de outros meios legítimos de cobrança de débitos antigos não-pagos.

2. "A concessionária não pode interromper o fornecimento de energia elétrica por dívida relativa à recuperação de consumo não-faturado, apurada a partir da constatação de fraude no medidor, em face da essencialidade do serviço, posto bem indispensável à vida" (AgRg no REsp 854.002/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 11.6.2007).

3. Agravo regimental desprovido." (grifos acrescidos)

(AgRg no REsp 1015777/RS. 1ª Turma/STJ. Rel. Ministra Denise Arruda. Julgado em 04/11/2008).

"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO. HIPÓTESE DE EXIGÊNCIA DE DÉBITO DECORRENTE DE RECUPERAÇÃO DE CONSUMO NÃO-FATURADO. ALEGAÇÃO DE FRAUDE NO MEDIDOR. CONSTRANGIMENTO E AMEAÇA AO CONSUMIDOR. ART. 42 DO CDC.

1. A violação ou negativa de vigência à Resolução, Portaria ou Instrução Normativa não enseja a utilização da via especial, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal. Precedentes:AGA 505.598/SP, DJ de 1.7.2004; RESP 612.724/RS, DJ de 30.6.2004.

2. A concessionária não pode interromper o fornecimento de energia elétrica por dívida relativa à recuperação de consumo não-faturado, apurada a partir da constatação de fraude no medidor, em face da essencialidade do serviço, posto bem indispensável à vida. Entendimento assentado pela Primeira Turma, no julgamento do REsp n.º 772.489/RS, bem como no AgRg no AG 633.173/RS.

3. A "suspensão no fornecimento de energia elétrica somente é permitida quando se tratar de inadimplemento de conta regular, relativa ao mês do consumo, restando incabível tal conduta quando for relativa a débitos antigos não-pagos, em que há os meios ordinários de cobrança, sob pena de infringência ao disposto no art. 42 do Código de Defesa do Consumidor". (REsp 772.486/RS, DJ de 06.03.2006).

4. Deveras, uma vez contestada em juízo dívida apurada unilateralmente e decorrente de suposta fraude no medidor do consumo de energia elétrica, não há que cogitar em suspensão do fornecimento, em face da essencialidade do serviço, vez que é bem indispensável à vida. Máxime quando dispõe a concessionária e fornecedora dos meios judiciais cabíveis para buscar o ressarcimento que entender pertinente, sob pena de infringência ao disposto no art. 42, do Código de Defesa do Consumidor. Precedente desta Corte: REsp 975.314/RS, DJ 04.10.2007).

5. In casu, o litígio não gravita em torno de inadimplência do usuário no pagamento da conta de energia elétrica (Lei 8.987/95, art. 6.º, § 3.º, II), em que cabível a interrupção da prestação do serviço, por isso que não há cogitar suspensão do fornecimento de energia elétrica pelo inadimplemento.

6. Agravo regimental desprovido." (grifos acrescidos)

(AgRg no REsp 903970/RS. 1ª Turma/STJ. Rel. Ministro Luiz Fux. Julgado em 20/11/2008)

Diante disso, merece acolhida o pedido de religação da energia, porquanto a suspensão do serviço configura ato contrário ao Direito. Ademais, o inadimplemento do apelado não será capaz de gerar um desequilíbrio econômico financeiro à ré, por tratar-se de empresa de grande porte, cujo valor do débito torna-se insignificante ante seu vultoso capital.

Registre-se que o recorrido demonstrou interesse em adimplir o valor, mesmo porque assumiu dívida pretérita e alheia, pugnando apenas por melhores condições que propiciassem o pagamento.

Em que pese a ilegalidade no corte, a determinação da religação da energia elétrica deve ficar adstrita aos débitos discutidos no processo, merecendo o aludido decisum reparo neste sentido.

Transposto este tópico, cabe analisar a possibilidade de reparcelar o débito em questão, assim como sua cobrança ser efetuada em faturas independentes das mensais.

Para tanto, o artigo 6º do Código do Consumidor permite que haja modificação das cláusulas contratuais, que, devido fatos supervenientes, tenham se tornado excessivamente onerosas, relativizando assim o princípio do pacta sunt servanda.

"Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; (...)"

Sob este prisma, aplicar-se-á ao caso a Teoria da Imprevisão, com vistas a proteger o equilíbrio contratual e a igualdade entre as partes, assegurando, assim, que o interesse particular não predomine sobre o social.

No caso ventilado, constata-se que o pedido de renegociação teve como causa fato superveniente que atingiu a produção de carcinicultura do recorrido, inviabilizando o cumprimento do pacto.

Nesta linha, os artigos 478 e 479 do Código Civil compartilham deste posicionamento, assim dispondo:

"Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma da partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato (...)."

"Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato."

Destarte, o desequilíbrio financeiro sofrido por uma das partes em decorrência de circunstâncias supervenientes permite a incidência da Teoria da Imprevisão, desde que essas circunstância provenham de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis e, ainda, que haja extrema vantagem para a outra parte.

Neste sentido é a lição de Sílvio Venosa:

"O princípio da obrigatoriedade dos contratos não pode ser violado perante dificuldades comezinhas de cumprimento, por fatores externos perfeitamente previsíveis. (...) A imprevisão que pode autorizar uma intervenção judicial na vontade contratual é somente a que refoge totalmente às possibilidades de previsibilidade.(...)

Desse modo, questões meramente subjetivas do contratante não podem nunca servir de pano de fundo para pretender uma revisão nos contratos. A imprevisão deve ser um fenômeno global, que atinja a sociedade em geral, ou um segmento palpável de toda essa sociedade. É a guerra, a revolução, o golpe de Estado, totalmente imprevistos."(1)

Arremata ainda o renomado autor.

"Em primeiro lugar, devem ocorrer, em princípio, acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. Há sempre uma gradação, na prática, em torno da compreensão desses fatos. No direito do consumidor, mas leve têm se mostrado esses requisitos. Como examinamos, tais acontecimentos não podem ser exclusivamente subjetivos. Devem atingir uma camada mais ou menos ampla da sociedade. Caso contrário, qualquer vicissitude na vida particular do obrigado serviria de respaldo ao não-cumprimento da avença. Um fato será extraordinário e anormal para o contrato quando se afastar do curso ordinário das coisas. Será imprevisível quando as partes não possuírem condições de prever, por maior diligência que tiverem. Não podemos atribuir qualidade de extraordinário ao risco assumido no contrato em que estavam cientes as partes da possibilidade de sua ocorrência; neste sentido, tem decidido a jurisprudência majoritária (1º TACSP - AC 660769-4, 22-4-98, Rel. Juiz Márcio Franklin Nogueira)" (2)

Sob este enfoque, o acontecimento que gerou a dificuldade deve ser extraordinário e imprevisível ao homem médio. Além disso, não pode tratar de fato subjetivo e particular, evitando, por conseguinte, que um dissabor qualquer venha a repercutir na segurança jurídica que deve imperar na relação contratual.

No caso em vertente, não se vislumbra a presença dos requisitos que autorizam a aplicação da Teoria da Imprevisão, uma vez que o fato, apesar de não esperado, não era de todo imprevisto, pois o apelado acabara de assumir um negócio, cujos resultados são completamente imprevisíveis, por se tratar de cultivo de seres vivos.

O apelado sustenta que a "praga do camarão" atingiu a criação de camarões deste Estado, tendo sido fato público e notório, divulgado amplamente pela imprensa potiguar. No entanto, não fez prova disso, malgrado o inciso I do artigo 333 do Código de Processo Civil atribua o ônus da prova "ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito".

Ademais, os criadores devem se precaver contra as pragas capazes de assolar sua produção (plantações ou animais), mesmo porque é um risco inerente ao tipo de negócio.

Em específico, não sobreveio evento a alterar o valor das parcelas, mas apenas um prejuízo financeiro decorrente do negócio desenvolvido pelo apelado, que o impediu de honrar o pagamento das prestações restantes do acordo de parcelamento, versando o caso, assim, sobre uma situação singular.

Nesta linha, insta colacionar as seguintes decisões:

"EMENTA: REVISIONAL DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS - TEORIA DA IMPREVISÃO - ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS OBJETIVAS DO CONTRATO -DESEMPREGO - FATO SUBJETIVO E PESSOAL - INAPLICABILIDADE. Apenas os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, que alterem as circunstâncias objetivas do contrato, sejam alheios às partes e tornem as prestações contratadas excessivamente onerosas para uma delas, autorizam a revisão das cláusulas contratuais. Tratando-se o desemprego de fato subjetivo e pessoal, sua ocorrência, por si só, não autoriza a revisão das cláusulas contratuais. "

(Apelação Cível nº 1.0701.05.107068-1. 14ª Câmara Cível - TJ/MG. Rel. Des. Valdez Leite Machado. Julgado em 18.04.2007)

"EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULA CONTRATUAL. PRELIMINARES DE NÃO CONHECIMENTO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL E IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO SUSCITADA PELO APELADO. REJEITADAS. MÉRITO: CONTRATO BANCÁRIO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PRAZO. TEORIA DA IMPREVISÃO. FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS. CONHECIMENTO E IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO."

(Apelação Cível nº 2002.003445-8. 3ª Câmara Cível - TJ/RN. Rel. Des. Osvaldo Cruz. Publicado em 18.11.2005)

Em conclusão, restou configurada a ilegalidade na conduta da empresa apelante em suspender o fornecimento de energia, tendo em vista se tratar de dívida pretérita e o serviço ser caracterizado como essencial. Todavia, cabe advertir que a determinação para que a requerida se abstenha de efetuar novo corte está ligada à dívida em discussão, ou seja, nada impede que haja a suspensão do fornecimento de energia por débitos diversos, desde que atuais.

Em contrapartida, não assiste razão ao pleito inaugural de aplicação da Teoria da Imprevisão para que o contrato seja rescindido ou o débito reparcelado, entretanto o valor inadimplido do acordo de parcelamento deverá ser extraído das faturas de consumo mensal e cobrado autonomamente e pelos meios ordinários.

Por oportuno, quanto ao requerimento para que as omissões apontadas nos embargos de declaração sejam sanadas, entendo que toda a matéria trazida pelas partes fora exaustivamente debatida nesta ocasião.

Diante disso, verifica-se que ambas as partes foram vencedoras e vencidas nas suas pretensões, motivo pelo qual a sucumbência deve ser recíproca, nos termos do art. 21 do CPC.

Ante o exposto, voto pelo conhecimento e provimento parcial dos Apelos, reformando as sentenças proferidas nos processo nº 2008.012375-9 e 2008.012378-0, no sentido de:

a. Julgar improcedentes os pedidos de resolução do contrato e de parcelamento da dívida restante;

b. Determinar que o valor remanescente do acordo de parcelamento seja extraído das faturas de consumo mensal para ser cobrado de forma autônoma e pelos meios ordinários;

c. Determinar que não haja suspensão no fornecimento de energia elétrica fundado na dívida ora discutida;

d. Determinar, ainda, que a sucumbência seja recíproca, devendo ambas as partes arcarem com 50% (cinquenta por cento) do valor da causa, nos termos do art. 21 do Código de Processo Civil.

É como voto.

Natal, 21 de julho de 2009.

Desembargador SARAIVA SOBRINHO

Presidente

Doutor IBANEZ MONTEIRO

Relator (Juiz Convocado)

Doutora DARCI DE OLIVEIRA

2ª Procuradora de Justiça



Notas:

1 - Sílvio de Salvo Venosa. Direito Civil. Vol. II. São Paulo: 2006. p. 460/461. [Voltar]

2 - Ob. Cit. p. 464. [Voltar]




JURID - Apelações cíveis. Corte no fornecimento de energia elétrica. [06/08/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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