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sexta-feira, 21 de agosto de 2009

JURID - Apelação criminal. Falsa identidade e roubo a mão armada. [21/08/09] - Jurisprudência


Apelação criminal. Falsa identidade e roubo circunstanciado pelo emprego de arma e concurso de agentes (arts. 307 e 157, § 2º, i e ii, ambos do código penal). Recurso defensivo.
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Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC

Apelação Criminal n. 2009.028887-6, de Chapecó

Relator: Desembargador Substituto Tulio Pinheiro

APELAÇÃO CRIMINAL. FALSA IDENTIDADE E ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE AGENTES (ARTS. 307 E 157, § 2º, I E II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). RECURSO DEFENSIVO.

FALSA IDENTIDADE. ALEGADO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUTODEFESA. ACUSADA QUE AFIRMA POSSUIR OUTRO NOME (DE SUA IRMÃ), OBJETIVANDO FURTAR-SE DOS MALEFÍCIOS DO RECONHECIMENTO DA VERDADEIRA IDENTIDADE. PRETENSÃO NÃO ACOLHIDA. PRECEDENTES DESTA CORTE. CONDENAÇÃO MANTIDA.

DELITO DE ROUBO. PLEITO ABSOLUTÓRIO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. APELANTE QUE, EM CONLUIO COM ADOLESCENTE, ABORDOU O OFENDIDO E LOGROU SUBTRAIR BENS ALHEIOS, MEDIANTE O PORTE OSTENSIVO DE UMA FACA. MATERIALIDADE E AUTORIA SOBEJAMENTE DEMONSTRADAS. PALAVRAS DA VÍTIMA, A QUAL RECONHECEU A ACUSADA COMO UMA DAS AUTORAS DO CRIME, QUE, ALIADAS AO CONTEXTO PROBANTE, FORNECEM A CERTEZA NECESSÁRIA PARA A CONDENAÇÃO. INTENTO DESCLASSIFICATÓRIO PARA FURTO. IMPOSSIBILIDADE. SUBTRAÇÃO PATRIMONIAL ALCANÇADA APÓS O EMPREGO DE GRAVE AMEAÇA. PRETENDIDO RECONHECIMENTO DA MODALIDADE TENTADA. TESE RECHAÇADA. DELITO QUE SE CONSUMOU NO MOMENTO EM QUE, INTERROMPIDA A OFENSIVA, A ASSALTANTE TORNOU-SE POSSUIDORA DA RES, POUCO IMPORTANDO O FATO DE QUE FOI DETIDA, LOGO EM SEGUIDA, OU DE QUE RESTITUIU O VALOR AO OFENDIDO. ÉDITO CONDENATÓRIO CONSERVADO. DOSIMETRIA. PEDIDO DE AFASTAMENTO DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, II, ALÍNEA 'G', DO CÓDIGO PENAL. ADEQUAÇÃO NECESSÁRIA, TENDO EM VISTA QUE A ALUDIDA MAJORANTE NÃO FOI ARTICULADA NOS AUTOS. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. INTENTO DE IMPOSIÇÃO DA FRAÇÃO MÍNIMA DE AUMENTO DE PENA, NA TERCEIRA ETAPA, PELA RECOGNIÇÃO DAS MAJORANTES (EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE PESSOAS). INVIABILIDADE. ENTENDIMENTO PACÍFICO NESTA CORTE DE QUE O ÍNDICE FRACIONÁRIO A SER APLICADO É DE 3/8 (TRÊS OITAVOS).

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2009.028887-6, da Comarca de Chapecó (2ª Vara Criminal e Execuções Penais), em que é apelante Jussara Ortiz de Campos e apelada a Justiça, por seu Promotor:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por unanimidade de votos, dar parcial provimento ao recurso, apenas para afastar a agravante prevista no art. 61, II, alínea 'g', do Código Penal, adequando a reprimenda aplicada a Jussara Ortiz de Campos pelo crime de roubo, mantidas as demais cominações da sentença. Custas legais.

RELATÓRIO

No Juízo da 2ª Vara Criminal e Execuções Penais da Comarca de Chapecó, Jussara Ortiz de Campos foi denunciada como incursa nas sanções do art. 157, § 2º, I e II, e art. 307, ambos do Código Penal, pela prática das seguintes condutas delitivas, assim narradas na exordial acusatória:

[...] No dia 08 de setembro de 2006, por volta das 14h30min., a vítima Pedro Bedim Savariz encontrava-se sentado na beira da rodovia SC-283, sentido Chapecó-Seara, esperando "o trator que iria fazer uma estrada na sua propriedade rural na Linha São Roque", nesta cidade e comarca.

Por sua vez, a vítima deparou-se com a aproximação de "duas moças", posteriormente identificadas como sendo a aqui denunciada JUSSARA ORTIZ DE CAMPOS e a adolescente infratora [R. R.], as quais "se posicionaram uma em cada lado e lhe convidaram para fazer um programa".

Na seqüência, após a negativa do ofendido, a ora denunciada JUSSARA ORTIZ DE CAMPOS, em companhia da referida adolescente, em nítida comunhão de esforços e vontades, e visando o assenhoramento definitivo de coisa alheia móvel, investiram contra aquele, dizendo-lhe "entregue o dinheiro", cuja a ação a comparsa-adolescente valeu-se inclusive de instrumento de reconhecido poder vulnerante e potencialidade consistente em "um faca de serra".

Na ocasião, quando do uso de grave ameaça e violência pela denunciada e comparsa, a vítima acabou ainda "caindo no chão", sofrendo lesões de natureza leve, produzindo "escoriações em mãos, região do mento e joelho direito" (Laudo Pericial de Lesão Corporal de fl. 20). Ato contínuo, a denunciada JUSSARA ORTIZ DE CAMPOS e adolescente lograram efetivar a pretendida subtração ilícita, retirando da esfera de posse e disponibilidade do ofendido a quantia em dinheiro de "aproximadamente R$ 100,00".

Por fim, enquanto as agentes delituosas concretizavam o desiderato ilícito, o ofendido logrou êxito em empreender fuga, vindo a solicitar socorro na residência do vizinho José Soares dos Santos, informando-lhe que "havia sido assaltado por duas mulheres e que elas após o assalto correram em direção do aterro sanitário". Posteriormente, acabaram deparando-se com as duas agentes delituosas "que ambas retornavam correndo no asfalto", momento em que aqueles dirigiram-se ao encalço destas, até finalmente conseguirem abordá-las já no interior de uma residência nas proximidades.

Não obstante, tão logo promovida a abordagem e condução pela Polícia Militar local da ora denunciada JUSSARA ORTIZ DE CAMPOS e seu encaminhamento à Central de Polícia de Chapecó - SC (Rua General Osório, 23- D, Centro, Chapecó) para a lavratura do respectivo procedimento, esta, atuando em manifesta violação da fé pública, atribuiu-se falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio, intitulando-se e fazendo-se passar por JUCÉLIA DE CAMPOS, e notadamente visando esconder seu real passado ou mesmo ocultar seus antecedentes criminais ou ainda para furtar-se de ação da Justiça e escapar à persecução criminal. [...] (fls. I/IV - sic - grifo no original).

Concluída a instrução criminal, a MMa. Juíza Daniela Fernandes Dias Morelli julgou procedente a denúncia para condenar Jussara Ortiz de Campos à pena de 06 (seis) anos e 05 (cinco) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 03 (três) meses de detenção, em regime inicial aberto, além de 22 (vinte e dois) dias-multa, no quantum mínimo legal, por infração ao disposto no art. 157, § 2º, I e II, e art. 307, ambos do Código Penal, em concurso material. Por fim, foram-lhe negados a substituição da reprimenda e o sursis, porque incabíveis na espécie (fls. 79/92).

Inconformada com a prestação jurisdicional, a sentenciada interpôs recurso de apelação (fl. 95). Pleiteou, em síntese, a absolvição quanto ao crime de falsa identidade, ao argumento de que indicou nome falso na Delegacia de Polícia em sua autodefesa, pelo que não estaria configurado o delito. No que tange à imputação por roubo, pretende a sua absolvição por insuficiência de provas da materialidade e autoria delitivas. Subsidiariamente, requer a desclassificação para o crime de furto, com fulcro no princípio in dubio pro reo, e a recognição da modalidade tentada, por entender que não esteve na posse mansa e pacífica da res subtraída e porque o bem foi restituído à vítima. No tocante à dosimetria, insurge-se acerca do reconhecimento da agravante prevista no art. 61, II, alínea 'g', do Código Penal, sob a assertiva de que não foi articulada nos autos, como também pugna pela aplicação da fração mínima (1/3) de aumento de pena.

Com as contrarrazões (fls. 109/124), ascenderam os autos a esta Corte, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e parcial provimento do apelo, a fim de que a acusada seja absolvida do crime de falsa identidade, bem como seja a pena do crime de roubo ajustada, mediante o afastamento da aludida agravante (fls. 129/135).

VOTO

Cuida-se de recurso de apelação interposto por Jussara Ortiz de Campos contra a decisão que a condenou pela prática dos crimes de roubo circunstanciado pelo emprego de arma e concurso de agentes, e de falsa identidade, em concurso material (art. 157, § 2º, I e II, e art. 307, ambos do Código Penal).

Busca, em síntese, a sua absolvição quanto à falsa identidade, ao argumento de que agiu em autodefesa. No que tange ao crime de roubo, pugna pela reforma do édito condenatório, sob a alegada insuficiência de provas da autoria e materialidade delitivas. Subsidiariamente, pretende a desclassificação para furto e a recognição da modalidade tentada. Por fim, no pertinente à dosimetria, requer o afastamento da agravante prevista no art. 61, II, 'g', do Estatuto Repressivo, e a aplicação da fração mínima de aumento de pena.

1 Do crime de falsa identidade

Infere-se dos autos que Jussara foi condenada pela prática delitiva descrita no art. 307 do Código Penal, pois, ao ser conduzida à delegacia pelo crime contra o patrimônio, apresentou-se à autoridade policial como se fosse a pessoa de "Jucélia de Campos", denominação que posteriormente verificou-se pertencer a sua irmã.

A materialidade e autoria da infração penal exsurgem clarividentes no processado, possuindo arrimo principalmente nos depoimentos dos policiais que procederam à lavratura do boletim de ocorrência (fls. 09, 50 e 51), além da confissão da ré (fl. 16). Pretende a apelante, todavia, a sua absolvição, ao argumento de que a conduta agasalha-se no direito de autodefesa.

Malgrado a existência de posicionamento em sentido contrário, filio-me à corrente jurisprudencial segundo a qual o falseamento a respeito da identidade, com vistas à obtenção de vantagem em proveito próprio, não representa o exercício da autodefesa.

In casu, infere-se que a falseta engendrada pela acusada efetivamente dificultou as investigações policiais, tanto que, como salientou a testemunha Jandira Faccio, Comissária de Polícia, a real identificação de Jussara só foi descoberta posteriormente (fl. 51).

Ora, é lógico que alguém, ao se apresentar à autoridade policial com nome diverso do que possui, busca obter uma vantagem com tal atitude, pois "escondendo a sua real identidade, mediante a atribuição de outra, o agente logra manter em erro a autoridade pública, conseguindo, assim, vantagem fática evidente, já que evita sejam pesquisados seus antecedentes, bem como a existência de eventual prisão preventiva anteriormente decretada" (Recurso Criminal n. 2008.079738-9, rel. Des. Irineu João da Silva).

A jurisprudência deste Tribunal vem se posicionando pelo entendimento de que possibilidade do réu faltar com a verdade, em sua autodefesa, deve se restringir aos fatos que lhe são imputados, mas não à sua identificação, sob pena de tornar inócua a norma inscrita no art. 307 do Código Penal e acobertar a prática de outros crimes, senão vejamos:

[...] FALSA IDENTIDADE. ART. 307 DO CÓDIGO PENAL. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO. AUTODEFESA. IMPOSSIBILIDADE. INSTITUTO QUE NÃO SE APLICA À IDENTIFICAÇÃO DO AGENTE, INCIDINDO APENAS SOBRE OS FATOS CRIMINOSOS PERPETRADOS. RECURSO DESPROVIDO.

"Configura o delito de falsa identidade a conduta do agente que, ao ser preso, fornece nome falso à Polícia para esconder seus antecedentes, uma vez que age com o propósito de obter proveito próprio, consistente na preservação de sua liberdade, não se podendo falar em autodefesa, na qual a mentira é admitida apenas para contestar fatos trazidos pela Acusação, pois o exercício da ampla defesa não acoberta, nem justifica a prática de crimes (TACRIM-SP - Ap. 1.082.983-1 - Rel. Devienne Ferraz - j. 27.01.1998 - RJTACrim 37/177)" (Franco, Alberto Silva; Silva Júnior, José; Betanho, Luiz Carlos; Stoco, Rui; Feltrin, Sebastião Oscar; Guastini, Vicente Celso da Rocha, e Ninno, Wilson, Código penal e sua interpretação jurisprudencial, volume 2: parte especial, 7. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 3788). [...] (Apelação Criminal n. 2008.079147-3, rel. Des. Sérgio Paladino).

E mais:

[...] CRIME DE FALSA IDENTIDADE. RÉU QUE SE APRESENTOU PERANTE AS AUTORIDADES POLICIAL E JUDICIAL COM NOME FALSO, A FIM DE OMITIR REGISTROS CRIMINAIS. ARGÜIDA LEGÍTIMA DEFESA. GARANTIA CONSTITUCIONAL QUE NÃO PODE LEGITIMAR A PRÁTICA DE CRIME. CONDENAÇÃO MANTIDA. [...] (Apelação Criminal n. 2008.036900-1, rel. Des. Torres Marques).

Logo, o pleito absolutório pela imputação de falsa identidade não merece prosperar.

2 Do crime de roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo e concurso de agentes

Consta dos autos que, na data de 08 de setembro de 2006, por volta das 14h30min, a ré Jussara Ortiz de Campos, em companhia de uma adolescente, agindo em acordo de vontades e união de desígnios, abordou a vítima Pedro Bedim Savariz, de 75 anos de idade à época dos fatos, convidando-o para um programa sexual. Diante da recusa do ofendido, fizeram com que o mesmo entregasse-lhe a quantia em dinheiro que trazia consigo, mediante ameaça perpetrada com o uso de uma faca. Ainda, na tentativa de se livrar das agressoras, o ofendido acabou ferido na mão e veio ao chão, pelo que sofreu escoriações no rosto e no joelho, mas conseguiu fugir e solicitou ajuda a um morador das proximidades. Ato contínuo, juntamente com este terceiro, conseguiu localizar as duas agentes e acionou a autoridade policial, que as conduziu até a Delegacia de Polícia.

A materialidade delitiva está devidamente consubstanciada nos autos, decorrendo do boletim de ocorrência (fls. 03/04), do termo de reconhecimento e entrega (fl. 11), do auto de exibição e apreensão (fl. 19), do laudo pericial de lesão corporal (fl. 20) e dos depoimentos colhidos ao longo da instrução criminal, os quais são suficientes a atestar a existência material do delito.

Neste tocante, urge frisar que muito embora o laudo pericial ateste que a ofensa à integridade corporal da vítima - "escoriações em mãos, região do mento e joelho direito" - foi produzida por "instrumento contundente" (fl. 20), nada mencionando acerca da utilização de "instrumento cortante", como uma faca, tal circunstância, por si só, não exclui a validade das palavras da vítima, especialmente porque há nos autos outros elementos probantes dando conta de que Pedro sofreu um corte em sua mão, tanto que sangrava quando foi socorrido por um morador da localidade, além do que o crime imputado à apelante estaria caracterizado independentemente de eventual lesão.

Da mesma forma, a autoria, malgrado a negativa da apelante, deflui inexoravelmente da prova testemunhal que, aliada às demais circunstâncias evidenciadas no processado, fornecem a necessária certeza de que Jussara perpetrou a conduta delituosa que lhe é imputada.

Pedro Bedim Savariz, em ambas as oportunidades em que foi ouvido, relatou o procedimento sequencial dos fatos contra si executados e não titubeou em reconhecer Jussara como uma das agentes que realizou a subtração, ao observar que, naquela data, a ré e uma adolescente aproximaram-se e "lhe convidaram para fazer um 'programa' ao que respondeu que não", mas, "diante de sua negativa, uma delas sacou de uma faca de mesa cabo de cor bege e investiu contra si dizendo 'entregue o dinheiro'". Assim foi que, "na tentativa de defesa ergueu a mão direita para se proteger quando então foi atingida pela faca causando-lhe lesão na sua mão direita" e, "ato contínuo, caiu no chão sofrendo mais lesões nas mãos e no rosto devido à queda e conseguiu escapar, indo pedir socorro" (fl. 10 - sic).

Sob o crivo do contraditório, ratificando o depoimento alhures transcrito, afirmou que:

[...] em dado momento viu que a acusada, a qual reconhece neste ato, e uma outra feminina vieram de encontro ao informante; que achou que elas fossem lhe pedir alguma informação, no entanto, cada uma se postou ao lado do informante e uma delas disse que o informante teria que fazer "o serviço com elas" ou entregar o dinheiro; que o "serviço" era manter um programa sexual com o informante, sendo que o mesmo disse que não iria aceitar aquilo; que então elas disseram que o informante teria que entregar o dinheiro; que entregou tudo o que tinha, entre R$ 80,00 e R$ 100,00; que elas disseram que o informante tinha mais dinheiro para entregar; e assim que o informante disse que não tinha mais, foi agredido fisicamente com uma faca; que para evitar de levar facadas no corpo ou em regiões vitais o informante levantou a mão direita para se proteger, tendo sido atingido pela faca na palma da mão direita; [...] que foi um corte profundo e com isso o informante conseguiu escapar; [...] (fl. 48 - sic - destacou-se).

Ora, é cediço que nos crimes contra o patrimônio, praticados normalmente de maneira ardilosa, sem constituir testemunha, as declarações coerentes da vítima apresentam extrema relevância e alto valor probatório, máxime quando reconhecido o agente, de modo que, em harmonia com os demais elementos constituídos no processo, como no presente caso, autorizam a prolação da sentença condenatória.

Neste diapasão, colhe-se precedente desta Corte:

APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO CIRCUNSTANCIADO (CP, ART 157, §2º, II) - CONCURSO DE PESSOAS - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - AGENTES FLAGRADOS EM PODER DA RES FURTIVA - CONFISSÃO - RECONHECIMENTO DOS ACUSADOS - DEPOIMENTO DA VÍTIMA E DOS POLICIAIS MILITARES CONDIZENTES COM A REALIDADE DOS AUTOS - CONDENAÇÃO MANTIDA.

I - Os crimes contra o patrimônio são, por sua natureza, praticados às escuras, de forma a ocultar os autores e os produtos do crime, a ponto de não se mostrar possível, muitas vezes, precisar-se com exatidão todos os pormenores que circundaram o delito. Portanto, não há falar-se em insuficiência de provas quando presentes nos autos elementos aptos a demonstrar, de forma inequívoca, a autoria do delito, tais como o depoimento da vítima e posterior reconhecimento dos réus, aliado ao testemunho dos policiais militares que efetuaram a detenção dos acusados. [...] (Apelação Criminal n. 2008.042942-4, rela. Desa. Salete Silva Sommariva).

Saliente-se, por necessário, que não se vislumbra qualquer incoerência nos depoimentos de Pedro capaz de retirar-lhes a credibilidade, pois, ao contrário do que alega a defesa, a versão apresentada em Juízo em nada difere daquela prestada na etapa policial, já que nesta o ofendido apenas deixa de esclarecer se o ataque foi antes ou depois de ter entregado às agentes a quantia que trazia consigo, enquanto que, sob o crivo do contraditório, acaba por evidenciar que foi agredido em momento posterior, quando se negou a fornecer-lhes mais dinheiro.

E revestindo de veracidade as palavras da vítima, contemplam-se as declarações de José Soares dos Santos, que a socorreu por ocasião dos fatos. Afirmou, sem hesitar, que Pedro chegou em sua casa clamando por ajuda, depois de ter sido assaltado, e tinha sangramento aparente. Observou, também, que ao conduzi-lo até o hospital, Pedro avistou a apelante e uma outra mulher e reconheceu-as como as autoras do crime, pelo que foram ao encalço das mesmas e conseguiram detê-las até a chegada da guarnição policial (fls. 15 e 49).

Presente nos autos, ainda, o depoimento dos milicianos Gelson Schneider e Altair José dos Santos, que diligenciaram no caso e confirmaram ter a vítima apontado Jussara como uma das agentes que praticou a subtração, utilizando-se de uma faca, que foi apreendida após buscas no local dos fatos (fls. 07, 08 e 50).

Por outro lado, Jussara sequer trouxe justificativa plausível para a conduta ilícita que lhe é imputada, porquanto apresentou duas versões divergentes e sem respaldo em qualquer outra prova segura (fls. 16 e 35/36), pelo que insuficientes a descredibilizar a tese acusatória.

Assim, porque as evidências apuradas em desfavor da acusada na instrução, em especial os testemunhos do ofendido, que prontamente a reconheceu na delegacia e em juízo, e as declarações do agente que o socorreu e dos policiais militares que diligenciaram no caso, bastam à formação de um juízo de convicção acerca da autoria delitiva, deve ser conservado o édito condenatório.

Da mesma forma, há de ser rechaçado o intento de desclassificação para o crime de furto.

É cediço que a diferenciação entre furto e roubo repousa na existência ou não de violência ou grave ameaça como elemento necessário para a subtração da coisa.

Sobre o tema, esclarece a doutrina de Damásio E. de Jesus: "Roubo é a subtração de coisa móvel alheia mediante violência, grave ameaça ou qualquer meio capaz de anular a capacidade de resistência da vítima (CP, art. 157, caput)" (in Direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 339).

No que tange à ameaça, elucida Julio Fabbrini Mirabete: "denominada também violência moral (vis compulsiva ou vis animo illata), é a promessa da prática de um mal a alguém, dependente da vontade do agente, perturbando-lhe a liberdade psíquica e a tranqüilidade" (in Manual de direito penal, 23. ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 53).

Como se viu, o ofendido confirmou que as agentes, no intuito de garantirem a subtração da res, valeram-se de grave ameaça, efetivada com arma branca (faca), inclusive empunhando-a ostensivamente, o que, sem sombra de dúvidas, impediu-o de esboçar qualquer reação e facilitou a perpetração do ilícito. E ainda que não fosse Jussara a pessoa que portava o aludido armamento, certo é que agiu em união de desígnios com outra agente, aderindo à conduta desta, devendo, assim, responder pelo resultado gravoso.

Soma-se a isso o fato de que a vítima, um senhor de 75 anos de idade, chegou a ser agredido fisicamente, tanto que, na tentativa de escapar de suas algozes, sofreu um corte em sua mão e caiu ao chão, machucando-se também no rosto e na perna, de modo que plenamente configurada a prática delitiva em comento.

Em hipótese assemelhada, esta Corte já se pronunciou:

[...] Para a configuração do delito de roubo (CP, art. 157), imprescindível a existência de violência ou grave ameaça à pessoa, a ponto de impossibilitar sua resistência. No que tange, especificamente, à grave ameaça, configura-se quando esta causar ao sujeito passivo um temor iminente, físico ou moral, suficiente à intimidá-lo. Neste norte, pode-se afirmar que o fato de o acusado portar ostensivamente uma faca e apontá-la em direção à vítima, no intuito de obstar uma possível reação, por si só, já representa circunstância necessária à configuração da conduta delitiva descrita no art. 157, §2º, I, do CP. [...] (Apelação Criminal n. 2008.047989-0, rela. Desa. Salete Silva Sommariva) (grifou-se).

Ainda:

APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - PALAVRAS DA VÍTIMA CORROBORADAS POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA - SUBTRAÇÃO COMETIDA MEDIANTE VIOLÊNCIA - EMPURRÃO QUE LEVOU A VÍTIMA AO SOLO - EXPEDIENTE QUE CONFIGURA O CRIME DE ROUBO - CONDENAÇÃO MANTIDA - PRETENSA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - BENS JURÍDICOS DIVERSOS - IMPOSSIBILIDADE - PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUBSTITUÍDA POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS - VEDAÇÃO DO ART. 44, I, DO CP - REFORMA QUE SE IMPÕE - RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. [...] Para a configuração do crime de roubo é necessário haver o emprego de violência ou grave ameaça contra a vítima. Entretanto, a violência não precisa ser de tal gravidade a ponto de ensejar lesões corporais, como nas vias de fato. (Min. Felix Fischer). [...] (Apelação Criminal n. 2006.035270-1, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho).

Tampouco restam dúvidas de que o crime se consumou, pois, como cediço, tal modalidade, no roubo, não pressupõe a posse mansa e pacífica da res fora da esfera de vigilância da vítima, bastando a mera aquisição de coisa alheia móvel mediante violência ou grave ameaça, ainda que ela seja imediatamente recuperada, pelo próprio vitimado ou por meio de diligência policial.

Na presente hipótese, tal situação é facilmente inferida das provas testemunhais, mormente pelas palavras de Pedro, dando conta de que a agente garantiu a subtração da res mediante o uso de grave ameaça e esteve na posse mansa e pacífica do bem, até que fosse alcançada e detida pelo ofendido.

Assim, porque "consuma-se o crime de roubo quando, cessada a violência ou grave ameaça, o assaltante torna-se possuidor da coisa subtraída, pouco importando que, na seqüência, seja preso no curso da perseguição policial" (Apelação Criminal n. 2003.026420-5, rel. Juiz Newton Janke), inafastável o reconhecimento da figura consumada.

Infere-se, portanto, que os elementos de convicção constituídos no caderno processual caminham de forma tranquila a evidenciar a ocorrência do crime de roubo circunstanciado pelo emprego de arma e concurso de agentes (art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal), na modalidade consumada, de sorte que inviável acolher os intentos desclassificatórios sugeridos pela defesa.

3 Da pena aplicada pela prática do crime de roubo

Por fim, insurge-se a apelante especificamente quanto à reprimenda que lhe foi outorgada pelo delito patrimonial, pretendendo, em suma, o afastamento da agravante prevista no art. 61, II, alínea 'g', do Código Penal, porque não articulada nos autos, bem como a aplicação da fração mínima de aumento de pena diante das duas majorantes (emprego de arma e concurso de pessoas).

E, pelo que se vê, razão assiste, em parte, à recorrente.

Na primeira fase da dosimetria, porque devidamente analisados em seu desfavor os antecedentes, a conduta social e as consequências do crime, restou a pena-base fixada acima do mínimo legal - 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa.

Já na segunda etapa, embora inexistentes circunstâncias atenuantes, reconheceu-se a incidência da agravante prevista no art. 61, II, alínea 'g', do Estatuto Repressivo, o que elevou a pena em 02 (dois) meses.

Todavia, a aludida majorante, que diz respeito aos crimes praticados "com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão", não encontra respaldo nos autos e sequer foi articulada na sentença, pelo que evidente o equívoco levado a cabo pela togada.

Destarte, imperioso o afastamento da agravante, resultando a sanção, nesta etapa, em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa.

Por outro lado, na derradeira fase, não sufraga a pretendida aplicação da fração mínima de aumento de pena (1/3), porque devidamente reconhecidas as majorantes decorrentes do emprego de arma e do concurso de pessoas, circunstâncias que, consoante jurisprudência majoritária desta Corte, são o bastante a justificar o incremento da pena na fração de 3/8 (três oitavos), senão vejamos: "[...] para se chegar a uma reprimenda justa, o sentenciante deve observar o intervalo correspondido entre o mínimo e o máximo e variar a graduação de acordo com o número de causas especiais de aumento, e como estas são em número de cinco, a majoração será: de 1/3, se presente uma causa, de 3/8, se presentes duas causas; de 5/12, se presentes três causas; de 7/16, se presentes quatro causas, e de 1/2 se presentes as cinco causas especiais de aumento (voto vencido)" (RJTACRIM 36/304) (destacou-se).

A propósito, colhem-se os seguintes precedentes:

[...] DOSIMETRIA. ALMEJADA REDUÇÃO DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS QUE AUTORIZAM O INCREMENTO NA PENA-BASE. MANUTENÇÃO. CONCURSO DE CAUSAS DE ESPECIAL AUMENTO (EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE AGENTES). ACRÉSCIMO DE 3/8 (TRÊS OITAVOS), DE ACORDO COM CRITÉRIO PROGRESSIVO, ADOTADO NESTA SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL. [...] (Apelação Criminal n. 2008.064459-0, rel. Des. Irineu João da Silva).

[...] DOSIMETRIA - PENA-BASE JÁ FIXADA NO MÍNIMO LEGAL - EXASPERAÇÃO NA TERCEIRA ETAPA À ORDEM DE 3/8 (TRÊS OITAVOS) - RESPEITO AOS CRITÉRIOS OBJETIVOS CONSAGRADOS PELA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE PARA O AUMENTO DECORRENTE DA INCIDÊNCIA DE DUAS MAJORANTES DO CRIME DE ROUBO - MITIGAÇÃO DA REPRIMENDA INVIÁVEL. (Apelação Criminal n. 2008.007796-4, rela. Desa. Marli Mosimann Vargas).

Logo, efetivando-se a correção devida, pelos motivos alhures mencionados, e aplicado o aumento em 3/8 (três oitavos) na terceira etapa, resta a pena aplicada a Jussara Ortiz de Campos em 06 (seis) anos, 02 (dois) meses e 07 (sete) dias de reclusão, e 22 (vinte e dois) dias-multa.

Mantêm-se incólumes as demais cominações da sentença.

DECISÃO

Ante o exposto, em Segunda Câmara Criminal, por unanimidade de votos, dá-se parcial provimento ao recurso, apenas para afastar a agravante prevista no art. 61, II, alínea 'g', do Código Penal, adequando a reprimenda aplicada a Jussara Ortiz de Campos pelo crime de roubo para 06 (seis) anos, 02 (dois) meses e 07 (sete) dias de reclusão, e 22 (vinte e dois) dias-multa, mantidas as demais cominações da sentença.

O julgamento, realizado no dia 14 de julho de 2009, foi presidido pelo Exmo. Des. Sérgio Paladino, com voto, e dele participou o Exmo. Des. Rodrigo Collaço. Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça lavrou parecer o Exmo. Dr. Demétrio Constantino Serratine.

Florianópolis, 14 de julho de 2009.

Tulio Pinheiro
RELATOR

Publicado em 19/08/09




JURID - Apelação criminal. Falsa identidade e roubo a mão armada. [21/08/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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