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quinta-feira, 27 de agosto de 2009

JURID - Apelação cível. Mera permissão do proprietário. [27/08/09] - Jurisprudência


Apelação cível. Ação possessória. Artigo 1208, CC. Mera permissão do proprietário. Não configuração de posse. Recurso desprovido.


Tribunal de Justiça do Mato Grosso - TJMT

APELANTE:DAVID VENÂNCIO PEREIRA

APELADA:CLUBE DA LAGOA - ASSOCIAÇÃO ESPORTIVA E RECREATIVA

Número do Protocolo: 118093/2008

Data de Julgamento: 12-8-2009

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO POSSESSÓRIA. ARTIGO 1208, CC. MERA PERMISSÃO DO PROPRIETÁRIO. NÃO CONFIGURAÇÃO DE POSSE. RECURSO DESPROVIDO.

"Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância (…)" (artigo 1208 do CC/2002, correspondente ao artigo 497 do CC/1916).

RELATÓRIO

EXMO. SR. DR. JOSÉ M. BIANCHINI FERNANDES

Egrégia Câmara:

Apelação cível de sentença de procedência da ação de reintegração de posse, com a confirmação da liminar, e condenação do réu no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios arbitrados em R$5.000,00 (cinco mil reais).

Alega o apelante que os proprietários abandonaram o imóvel, não impedindo que o recorrente permanecesse no local pacificamente e de forma ininterrupta, e que ficou claro nos autos que "permaneceu no imóvel por sua conta e risco, com o abandono do imóvel pelos detentores do título, após ter sido demitido, onde passou a exercer todos os direitos inerentes a propriedade, desde o ano de 1997" (fls. 418/419).

Aduz que ficou amplamente comprovado que é possuidor da área, onde exerce todos os poderes inerentes a propriedade, por período superior a 10 anos, passando a ser proprietário de fato e legítimo possuidor.

Assevera que a notificação extrajudicial só foi efetuada em 23-11-2007, ou seja, dez anos após a ocupação.

Requer o provimento do recurso para que a ação seja julgadaimprocedente, e seja declarada a propriedade do imóvel em favor do recorrente, notificando o Cartório para que proceda à averbação junto ao registro do imóvel (fls. 414/432).

A apelada, nas contrarrazões, rebate as alegações do apelante e requer o desprovimento do recurso (fls. 434/440).

É o relatório.

VOTO

Trata-se de reintegração de posse proposta pelo Clube da Lagoa - Associação Esportiva e Recreativa, da área onde se localiza o clube contra David Venâncio Pereira, ao argumento de que o réu lá reside por comodato verbal e, após a notificação extrajudicial, se negou a devolver o imóvel.

O réu afirma que ficou morando por mais de dez anos, sem qualquer interrupção dos associados, e sem qualquer pagamento pela manutenção, o que afirma ter lhe dado o caráter de possuidor de fato, exercendo todos os poderes inerentes à propriedade há mais de 10 anos.

A liminar foi deferida, sob o seguinte fundamento:

"(…) o réu ocupava o imóvel em decorrência de mera permissão do clube, razão pela qual chegando ao fim tal permissão e sendo aquele notificado para desocupar o imóvel não poderia o mesmo, na qualidade de mero detentor, permanecer no imóvel na medida em que, por não exercer a posse, já que exercia o controle sobre a coisa em nome de outrem." (fl. 72).

E, por isso, considerou que a manutenção do réu na posse do imóvel deixou de ser mera detenção, mas injusto e de má-fé, pelo que foi deferida a liminar, e, ao final, a ação foi julgada procedente.

Na ação de reintegração de posse, de acordo com o artigo 927 do CPC, incumbe ao autor provar:

"I - a sua posse;

II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho;

IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração."

No caso, ficou demonstrado nos autos que o réu morou no Clube com o consentimento dos associados, e na confiança deles de que estava cuidando do local, impedindo qualquer invasão. Tanto é que o réu afirma que nunca foi pago pelos dias trabalhados, donde se conclui que ele mesmo acredita que agia no local como detentor, e não como posseiro.

Além disso, o réu admite que vários sócios freqüentaram o Clube como se proprietários fossem de 1997 até os dias de hoje, conforme se das suas declarações em audiência:

"A esposa do Paulo Toledo usou a piscina do clube como sócia em 1997 ou 1998. A esposa do Paulo Toledo usou a piscina como sócia por 02 anos, enquanto o depoente já estava no clube "por sua própria conta". A Silva, professora do FISK, usou o clube em 2003, como sócia. Não lembra quanto tempo a Silvia usou o clube. A Silvia comprou material para piscina. De 1997 até hoje outros sócios usaram o clube. Essas pessoas eram sócias contribuintes. O Moises também usou o clube de 1997 até 2004, como sócio contribuinte. O Moises, a Silvia e a esposa do Paulo Toledo pagavam a contribuição do clube para o depoente. O depoente se dizia dono do clube. A Silvia realizou evento no clube. A Silvia não recebia mensalidade. (…) De 1997 pra cá o Clóvis freqüentou o clube várias vezes. O Clóvis é sócio do clube até hoje." (fls. 353/354).

Por esse depoimento fica claro que o réu permaneceu por todo esse período no Clube com a permissão dos sócios, e estes não abandonaram o Clube, uma vez que os sócios da Associação usufruíam do Clube como sócios-proprietários.

O Sr. Clóvis, o Presidente da Associação no ano de 1997, ano em que tudo começou, na audiência de instrução afirmou:

"O depoente pediu para que o réu cuidasse do clube em janeiro ou fevereiro de 1997. O clube pagou o salário do réu por 06 meses. Como o clube não tinha mais dinheiro para pagar o salário do réu, o depoente comunicou ao réu que não iria mais pagar salário. O depoente disse que a saída que o réu tinha era abandonar o clube. Esses fatos aconteceram em 1997. No período de 1998 a 1999, a Silvia colaborou com o réu na administração do clube. Enfim, o réu permaneceu no imóvel por mera liberalidade de todos os sócios, já que os sócios não retiraram ele. Os sócios não tiveram interesse em retirar o réu do clube. Os sócios não se importaram com a permanência do réu no clube. O réu comentou que colocou gado na área do clube. Não colocou gado na área do clube. Nenhum sócio imaginava que o réu fosse se passar como dono do clube. Para o depoente, o réu é mero funcionário do clube e está sem receber salário até hoje."

Verifica-se que essa situação se instalou devido à comodidade existente entre ambas as partes. De um lado, a associação tinha quem cuidasse do Clube sem precisar pagar nada, e de outro lado o Sr. David recebeu moradia e os rendimentos inerentes ao uso do Clube, como o aluguel para festas, que ficou bem demonstrado que era pago diretamente a ele.

O Sr. David ficou morando no clube por todos esses anos, com a tolerância dos sócios, e o pagamento do seu salário pela manutenção do local se dava com os frutos recebidos do imóvel. Não há falar em posse exercida plenamente pelo David, pois a posse era indiretamente exercida pela Associação.

E o Sr. David se manteve no imóvel com a permissão dos sócios do clube, configurando a situação do artigo 1208, do Código Civil/2002, correspondente ao artigo 497 do Código Civil/1916, que estabelece:

"Art. 1208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade."

E a doutrina:

Atos de mera tolerância. Os atos de mera permissão ou tolerância não induzem posse por serem decorrentes de um consentimento expresso ou de concessão do dono, sendo revogáveis pelo concedente. Ante a precariedade da concessão não há que se falar em posse. Por exemplo, se alguém tolera que vizinho retire água da fonte, ter-se-á simples licença ou autorização revogável por aquele que a concedeu (RT, 530:131, 328:478 e 588:213, RJTJSP, 60:43, Adcoas, n. 74.988, 1981, 1º TARJ, e n. 81.648, 1982, 1º TARJ). (In Código Civil Anotado, Maria Helena Diniz, Saraiva, 12. ed., 2006, p. 948).

E não tendo o réu obedecido à notificação extrajudicial, está caracterizado o esbulho possessório praticado por ele, pelo que deve ser mantida a sentença.

Ante o exposto, desprovejo o recurso.

É como voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. LEÔNIDAS DUARTE MONTEIRO, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DR. JOSÉ M. BIANCHINI FERNANDES (Relator convocado), DES. SEBASTIÃO DE MORAES FILHO (Revisor) e DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA (Vogal), proferiu a seguinte decisão: RECURSO IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.

Cuiabá, 12 de agosto de 2009.

DESEMBARGADOR LEÔNIDAS DUARTE MONTEIRO
PRESIDENTE DA QUINTA CÂMARA CÍVEL

DOUTOR JOSÉ M. BIANCHINI FERNANDES
RELATOR

Publicado em 19/08/09




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