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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

JURID - Agravo de instrumento. Comercialização de bebidas alcoólicas [06/08/09] - Jurisprudência


Agravo de instrumento. Comercialização de bebidas alcoólicas próximo aos estádio de futebol. Portaria expedida pelo Comandante da Polícia Militar. Incompetência para legislar sobre a matéria. Ofensa ao princípio da livre iniciativa.


Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Agravo de Instrumento n. 2008.039474-3, da Capital

Relator: Des. Pedro Manoel Abreu

Agravo de instrumento. Comercialização de bebidas alcoólicas próximo aos estádio de futebol. Portaria expedida pelo Comandante da Polícia Militar. Incompetência para legislar sobre a matéria. Ofensa ao princípio da livre iniciativa.

A Portaria expedida pelo Comandante Geral da Polícia Militar, que proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas no interior e nas imediações dos estádios de futebol, configura ilegalidade manifesta, seja pela usurpação da função legislativa, privativa do Poder Legislativo, seja pelo vício de forma insanável, uma vez que a Portaria é ato ordinatório e interno, seja pela ofensa ao postulado constitucional da livre iniciativa. (Agravo de Instrumento n. 2008.040718-1, da Capital, Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 20.11.08)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2008.039474-3, da comarca da Capital (Unidade da Fazenda Pública), em que é/são agravante Estado de Santa Catarina, e agravada Arena Futebol Indoor:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Público, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso.

RELATÓRIO

Inconformado com o teor da decisão interlocutória proferida nos autos do mandado de segurança n. 023.08.031632-0, impetrado por Arena Futebol Indoor, o Estado de Santa Catarina interpôs o presente recurso.

Afirmou que o decisum, que deferiu medida liminar em favor da impetrante, autorizando a venda de bebidas alcoólicas no interior e nos arredores dos estádios de futebol, prejudica a atuação da Polícia Militar no combate à violência e preservação da ordem pública.

Postulou a convalidação da Portaria n. 0356/PMSC/2008, expedida pelo Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, que proibiu a comercialização de bebidas alcoólicas naquelas condições.

O pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal foi indeferido por intermédio do despacho de fls. 114/120.

A agravada deixou transcorrer in albis o prazo para oferecimento de contraminuta.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Doutor Francisco José Fabiano, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do reclamo

VOTO

A matéria já foi objeto de análise por esta Câmara, em recente voto da lavra do Exmo. Des. Luiz Cézar Medeiros:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - COMERCIALIZAÇÃO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS NOS ESTÁDIOS DE FUTEBOL - PROIBIÇÃO - PORTARIA EXPEDIDA PELO COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR - USURPAÇÃO DE FUNÇÃO - VÍCIO DE FORMA - OFENSA AO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA - ILEGALIDADE FLAGRANTE

A Portaria expedida pelo Comandante Geral da Polícia Militar, que proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas no interior e nas imediações dos estádios de futebol, configura ilegalidade manifesta, seja pela usurpação da função legislativa, privativa do Poder Legislativo, seja pelo vício de forma insanável, uma vez que a Portaria é ato ordinatório e interno, seja pela ofensa ao postulado constitucional da livre iniciativa. (Agravo de Instrumento n. 2008.040718-1, da Capital, Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 20.11.08)

Retira-se do corpo do citado acórdão:

"Da análise que se faça dos autos, o Comandante Geral da Polícia Militar expediu a Portaria n. 0356/PMSC/2008, proibindo a comercialização, a distribuição e o consumo de bebidas alcoólicas no interior e nas imediações dos estádios de futebol de Santa Catarina.

"Fácil perceber que o ato ordinatório assumiu feições de legislativo, impondo vedação inexistente no ordenamento jurídico, para o que não se presta a Portaria e não possui competência o Comandante Geral da Polícia Militar.

"Como cediço, a Portaria é ato administrativo interno, que visa a disciplinar o funcionamento da Administração e a conduta de seus agentes. Logo, "não atingem nem obrigam aos particulares, pela manifesta razão de que os cidadãos não estão sujeitos ao poder hierárquico da Administração Pública" (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33. ed. Malheiros: 2007, p. 185).

"Ainda que assim não fosse, o Comandante Geral da Polícia Militar não detém competência legislativa, donde se conclui que extrapolou suas atribuições.

O Magistrado a quo, Dr. Luiz Antonio Zanini Fornerolli, com os seus elucidativos e precisos argumentos deu o correto equacionamento à questão, razão pela qual adota-se seus fundamentos como razão de decidir:

"O embate do mandamus reside na legalidade da vedação, pela Portaria n. 356/2008, da Polícia Militar de Santa Catarina, da comercialização, consumo e distribuição de bebidas alcoólicas no interior de Estádios de Futebol e logradouros públicos adjacentes, num raio de 400 metros dos estádios.

"É sabido, consabido e ressabido que o ato administrativo, no Estado Democrático de Direito, está subordinado ao princípio da legalidade (CRFB, arts. 5°, inc. II, 37, caput), o qual assenta que a Administração poderá somente atuar de acordo com o que a lei determina.

"'Na clássica e feliz lição de Celso Antônio Bandeira de Mello o princípio 'implica subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que lhe ocupe a cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das finalidades normativas.' (RPD n. 90, p. 57-58)

"Assim, ao expedir um ato administrativo não pode a Administração inovar na ordem jurídica, impondo obrigações ou cerceio de direitos de terceiros, diverso de parâmetros legais postos.

"Sendo a Portaria n. 356/2008 um ato administrativo, deve ele atender, para assim ter validade, uma série de requisitos, quais sejam: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Caso haja desatendimento de quaisquer deles o ato será considerado nulo, não produzindo, validamente, efeitos jurídicos.

"Nessa esfera, nenhum ato administrativo pode ser editado validamente sem que o agente público disponha de poder legal para tanto, já que a competência resulta de norma e é por ela delimitada.

"In casu, verifica-se que a Portaria n. 356/2008 inovou na ordem jurídica, impondo vedações não previstas em lei, afrontando totalmente o princípio da legalidade.

"A imposição de vedação a venda de bebidas alcoólicas nos arredores dos estágios de futebol não pode ser inaugurada por portaria com conteúdo normativo, eis que por ser ato administrativo de caráter ordinatório, fica subordinado ao ordenamento jurídico hierárquico superior, in casu, à lei e à Constituição Federal.

"Não bastasse isso, a Polícia Militar não detém atribuições constitucionais que venha a habilitá-la a editar a mencionada portaria questionada. A Constituição Federal, no § 5, art. 144, estabelece que seja reservado às polícias militares a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.

"Portanto, por isso se tira que, na atividade de policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, não calha a atribuição funcional dentro da estrutura de Estado a normatização, por 'portaria', de atividade ligada a ordem econômica-financeira, que é o comércio e a liberdade comerciar.

"'Para tal mister, observando o princípio de reserva legal, o Estado dispõe de instituição e instrumentos apropriados para o fim colimado. Ao editar portaria para observância de público externo, o senhor Comandante-Geral da PMSC, usurpou atividade legislativa do qual não conta com legitimidade para tal.

"Só em situações excepcionais e, regiamente previstas, é que outros Poderes envergam legitimidade para normatizar. Uma vez que, o princípio de reserva de lei entranha uma garantia essencial de nosso Estado de Direito. Seu significado último e o de assegurar que a regulação dos âmbitos de liberdade que correspondem aos cidadãos dependa única e exclusivamente da vontade de seus representantes, em razão do que, tais âmbitos devem ficar isentos da ação do Executivo e, em conseqüência, de seus produtos normativos próprios, que são os regulamentos (di-lo assim, o professor de Direito Constitucional, Francisco Rubio LLorente, ex-magistrado do Tribunal Constitucional da Espanha, na sentença 83/1984).

"Diante disso, a ausência de competência legislativa do senhor Comandante-Geral da PMSC, torna o ato administrativo por ele editado nulo, eis que resta desatendido um dos requisitos intrínseco do ato administrativo.

"Portanto, além da Polícia Militar não deter competência para expedir atos de conteúdo normativo relacionados à comercialização de bebidas alcoólicas, não poderia impor tal proibição por meio de simples ato administrativo, mormente quando inexiste lei que disponha sobre a proibição de tais produtos.

"Desse modo, resta inequívoco que a autoridade coatora, sem a devida competência, adentrou em esfera legiferante, violando o princípio constitucional da reserva legal.

"'Não bastasse isso, atento ao fim imediato a que se destinava, pode-se dizer que a Administração Pública criou um ato administrativo assemelhado ao normativo para legislar, o que por sua própria dinâmica e alvo, não pode ser nominado por portaria.

"A bem da verdade, a portaria é um ato administrativo ordinatório que tem o condão de disciplinar o funcionamento da Administração e a conduta funcional de seus agentes, no sentido de orientá-los no desempenho de suas atribuições (lição de Hely Lopes Meirelles).

"Isso quer dizer que, como ato administrativo limitado e inferior, não cria direitos ou obrigações, e muito menos não obrigam a particulares e só vige para o público interno, só alcançando os servidores diretamente hierarquizados à chefia expedidora da norma, observando os limites da competência administrativa, gerando para esses deveres e observância.

"Assim, como ato Administração nitidamente interno e expedido com atendimento a hierarquia funcional, não atinge ou obriga a terceiros fora da Administração, vez que esses, não se encontram sujeitos à hierarquia da chefia que o produziu.

"Como se vê, não se pode através do que a doutrina convencionou chamar de portaria, espécie de ato administrativo ordinatório, impor restrição de conduta lícita a público externo.

"De outro quadrante, verifica-se que o objetivo central do presente norma é a preservação da ordem pública em decorrência da pândega provocada pelo consumo de bebida alcoólica. Ocorre que a proibição de venda desses produtos certamente não vai evitar a sua ingestão, seja dentro ou fora, da arena de futebol.

"Faço por bem constar que, o que se necessita hodiernamente, não é a proibição do consumo de bebida alcoólica nem tampouco a sua venda, que são medidas paliativas e que atacam a conseqüência, mas, sobretudo, políticas públicas efetivas que visem garantir a segurança dos torcedores e demais cidadãos, residentes ou não na vizinhança dos estádios. E isso se dá através efetiva atuação do Estado, como ente capaz de preservar com eficência a ordem pública, atendendo os verdadeiros reclamos sociais.

"A violência, por si só, se mostra intolerável, mas igualmente odiosa o é, é o desrespeito ao Estado Democrático de Direito.

"Assim, face a evidente violação aos princípios constitucionais, configurado está o fumus boni juris.

"Por sua vez, o periculum in mora está consubstanciado na impossibilidade do impetrante de desenvolver regularmente suas atividades comerciais, determinado prejuízo na ordem de seu direito fundamental.

"Por fim, cabe gizar, que a portaria não só ofende o princípio da legalidade, como também tangência negativamente outros direitos fundamentais. Porém, por envergar na inquietação papel preponderante, opta-se agora, de só se expor o ferimento à legalidade, deixando outras nuances para composição final.

"'Diante do todo o exposto, DEFIRO a liminar pleiteada, para determinar que a autoridade coatora se abstenha de praticar qualquer ato dirigido à impetrante no que tange à Portaria 356/PMSC/2008."

Assim, em desacerto a portaria lavrada pelo Comandante da Polícia Militar de Santa Catarina por três motivos: a) a autoridade não possui competência legislativa para tratar da matéria em foco; b) a questão não pode ser objeto de portaria; e c) a determinação fere frontalmente o princípio da livre iniciativa.

DECISÃO

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.

O julgamento, realizado no dia 17 de fevereiro de 2009, foi presidido pelo signatário, com voto, e dele participaram os Exmos. Des. Luiz Cézar Medeiros e Rui Fortes.

Florianópolis, 30 de junho de 2009.

Pedro Manoel Abreu
RELATOR

Publicado em 29/07/09




JURID - Agravo de instrumento. Comercialização de bebidas alcoólicas [06/08/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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