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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

JURID - Ação de improbidade arquivada [17/08/09] - Jurisprudência


Joinville: julgada improcedente ação por improbidade contra Juarez Machado
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Nº 2005.72.01.002666-0/SC

AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL E MINISTERIO PUPLICO ESTADUAL

RÉU: EDSON BUSCH MACHADO

RÉU: JUAREZ BUSCH MACHADO

ADVOGADO: CARLOS ALBERTO FARRACHA DE CASTRO

SENTENÇA

1. Relatório:

Trata-se de ação civil pública de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Federal e Ministério Público de Santa Catarina, em litisconsórcio ativo, contra Edson Busch Machado e Juarez Busch Machado, objetivando a decretação da nulidade do Procedimento de Inexigibilidade de Licitação n.º 04/98, e a condenação dos réus, solidariamente, ao ressarcimento ao erário dos valores recebidos para a elaboração do painel do Centreventos Cau Hansen.

Informaram que foi instaurado Procedimento Administrativo perante a 7ª Promotoria da Justiça da Comarca de Joinville (41/98/7ª PJ), a fim de apurar irregularidade no bojo do Procedimento de Inexigibilidade de Licitação n.º 09/98, que autorizou a realização do contrato n.º 04/98, firmado entre a Fundação Cultural de Joinville e Juarez Busch Machado, pelo qual este último se obrigou a fornecer à primeira um mural para o Centreventos Cau Hansen.

Referiram que a avença obrigava o contratado a criar portal/mural para o Centreventos Cau Hansen contendo 6 (seis) painéis medindo 130 cm X 97 cm cada, de material cerâmico, a ser utilizada na entrada do pavilhão de eventos. Destacaram, também, que a cláusula segunda do contrato previu o pagamento ao réu Juarez Machado o valor de R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais), sem amparo legal para fazê-lo, uma vez que não houve efetivamente a compra das obras de arte. Relatam que o ente público ficara apenas com a concessão do direito de posse dos seis painéis e do direito de uso das imagens.

Referiram que o Contrato n.º 04/98 firmado entre a Fundação Cultural de Joinville e Juarez Busch Machado apenas previa a realização da pintura em cerâmica, a colocação da obra de arte na entrada do Centreventos Cau Hansen e o acompanhamento técnico e artístico na realização da pintura sobre a cerâmica. No entanto, informam que "os trabalhos efetivamente desempenhados para a constituição da obra mural, realizada em cerâmica, contaram com outros atores, quais sejam, a empresa Cerâmica Portobello S/A e a empresa Studio A. Lenzi", fato comprovado pelo recibo de pagamento feitos pela Portobello.

Asseveraram que a obra artística em questão pode ser dividida em dois momentos: a) projeto com os painéis doados e, portanto, não custeados pela Fundação Cultural de Joinville e b) reprodução, da obra, em tamanho maior, 120m2, que foi executada por uma empresa especializada, a Studio Lenzi, cujo trabalho foi custeado pela Cerâmica PortoBello S/A.

Os autores afirmam não haver razão para o pagamento feito a Juarez Machado, pois: 1) ele cedeu os painéis e os direitos autorais à Fundação Cultural de Joinville; 2) a PortoBello cedeu os materiais cerâmicos à Fundação Cultural de Joinville, bem como as queimas e a execução do mural; 3) a Studio Lenzi foi contratada pela PortoBello, ao encargo exclusivo desta, para realizar a reprodução dos desenhos de Juarez em cerâmica.

A partir desses fatos, os autores alegam que os réus violaram diversos princípios da Administração Pública, tendo o réu Edson Busch Machado incorrido nos atos de improbidade administrativa previstos no art. 10, incisos VIII, XI e XII, da Lei 8.429/92, bem como no art. 11 da mesma lei. No que diz respeito ao réu Juarez Busch Machado, referem ter incorrido na previsão do art. 3º da Lei 8.429/92, por ter concorrido e se beneficiado diretamente dos atos imputados.

Ao final, requereram: a) a decretação da indisponibilidade dos bens dos requeridos a fim de garantir o futuro ressarcimento ao erário; b) decretação da quebra do sigilo bancário dos réus; c) a declaração da nulidade do procedimento de inexigibilidade de licitação n.º 09/98 e do respectivo contrato n.º 04/98, haja vista a fraude supra apontada; d) a condenação dos réus Edson Busch Machado e Juarez Busch Machado às sanções previstas na Lei n.º 8.429/92, a ressarcirem, solidariamente, os danos causados ao erário no montante de R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais), ou, alternativamente, ao ressarcimento dos prejuízos representados pelos valores pagos indevidamente pelo artista, estimados, à época, em R$ 260.000,00 (duzentos e sessenta mil), com a devida correção, a serem apurados em liquidação de sentença.

Juntaram inúmeros documentos, dentre os quais destaco: 1) Estatuto da Fundação Cultural de Joinville (fls. 21-26); 2) Termo de Contrato n.º 004/98, entabulado entre Fundação Cultural de Joinville e Juarez Machado para a confecção do mural/painel (fls. 48-50); 3) Termo de Inexigibilidade de Licitação n.º 009/98 (fl. 51); 4) Notas de Empenho em nome do réu Juarez Machado (fls. 54-72); 5) Termo de Doação firmado entre Cerâmica PortoBello S/A e Fundação Cultural de Joinville pelo qual aquela doa para a Fundação Cultural de Joinville materiais e insumos cerâmicos para a reprodução de um painel artístico, de aproximadamente 120m2, projetado pelo artista plástico Juarez Machado (fls. 109).

Instados a se manifestar para os fins do art. 17, § 7º da Lei 8.429/92, os réus apresentaram defesa preliminar em separado. Em sua defesa, Edson Busch Machado alegou, preliminarmente (fls. 1120-1170): a) ausência de interesse de agir; b) inadequação da via eleita, pois os pedidos formulados na inicial não podem ser objeto de ação civil pública; c) inépcia da inicial, pois da narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão. No mérito, alegou estar prescrita a pretensão dos autores. Ademais, afirmou inexistirem atos de improbidade administrativa e que o contrato impugnado não só cede o direito de uso das obras de arte (e das suas imagens) à Fundação Cultural de Joinville, mas que a partir da avença a Fundação Cultural de Joinville passou a ser proprietária dos bens podendo utilizá-los da forma como lhe aprouvesse, sem que fossem devidos quaisquer valores ao autor das obras de arte - Juarez Machado. Esclarece que o "Sr. Juarez Machado foi contratado para CRIAR (elaborar o projeto - 6 telas pintadas em óleo) e REALIZAR o mural do Centreventos (pintura cerâmica da obra). Além disso, consta do Contrato Administrativo que a materialização do projeto (6 telas pintadas em óleo) foi doada à Fundação Cultural de Joinville e que o direito de uso da imagem, tanto do projeto quanto do Mural, foi cedido de modo não oneroso à Administração Pública Municipal de Joinville".

Afirmou, ainda, que o procedimento de Inexigibilidade de Licitação n.º 009/98 é dotado de plena legalidade porquanto impossível haver competição para a espécie, nos termos do art. 25, III, da Lei n.º 8.666/93, ante a notoriedade do réu Juarez Busch Machado como artista.

Juarez Busch Machado também apresentou defesa preliminar (fls. 1174-1231), alegando, inicialmente, os mesmos argumentos que o réu Edson Busch Machado. Por fim, tratou da inexistência de requisitos que autorizem a concessão de medida liminar e, ao final, postulou pela extinção do feito, sem julgamento do mérito, com base no art. 267, I c/c 295, III, do CPC, e art. 17, § 8º da Lei n.º 8.429/92. Sucessivamente, requereu fosse o pedido julgado improcedente, condenando os autores às penas da litigância de má-fé.

Juntou documentos (fls. 1233-1315).

Na decisão de fls. 1320-1331, o Juízo: 1) acatou a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito porque parte da verba utilizada para a construção do Centreventos Cau Hansen foi suportada com doações que importaram em redução de carga tributária que incluía tributos federais, nos termos da Lei 8.313/91, evidenciando-se interesse da União em figurar no feito; 2) afastou a preliminar de inadequação da via eleita, por ser de entendimento jurisprudencial dominante a viabilidade da ação civil pública como meio adequado de proteção ao erário e à moralidade publica, sendo possível a integração da Lei de Improbidade Administrativa e da Lei de Ação Civil Pública; 3) reconheceu a legitimidade ativa do Ministério Público para a defesa do patrimônio público; 4) afastou a alegação de inépcia da inicial; 5) determinou o processamento do feito, por não haver, naquele momento, prova patente da inexistência de atos de improbidade; 6) postergou a análise do pedido de indisponibilidade de bens para após a vinda das contestações.

Os réus apresentaram contestação em conjunto (fls. 1361-1419), repisando os argumentos deduzidos nas defesas prévias acostadas, ressaltando que não houve co-autoria na criação/elaboração do painel/mural Centreventos Cau Hansen entre Juarez Busch Machado e o Sr. Adoaldo Lenzi, sendo a criação/elaboração de autoria exclusiva do réu Juarez Busch Machado. Aduzem que houve respeito à impessoalidade na contratação, pois ainda que a Fundação Cultural de Joinville estivesse sob de outra pessoa, que não o réu Edson Busch Machado, a contratação do co-réu para a elaboração da obra artística ocorreria de qualquer forma, diante da notoriedade de Juarez Machado.

Asseveraram que o princípio da eficiência foi respeitado, tendo a obra de arte sido executada nos exatos termos do contrato em análise, atendido, ainda, a economicidade da contratação, haja vista ter o co-réu Juarez Busch Machado aceitado desenvolver os trabalhos em comento recebendo montante inferior ao de mercado, porque pretendeu homenagear, com isso, "a cidade em que passou os primeiros anos de sua vida" (fl. 1399).

Houve réplica à contestação (fls. 1423-1449).

Na instrução, colheu-se o depoimento pessoal dos réus, tendo, ainda, sido ouvidas testemunhas.

As partes apresentaram suas alegações finais (fls. 1533-1554 e 1556-1567).

Era o que cabia relatar. Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO:

Por ocasião do despacho saneador de fls. 1320-1331 foram analisadas as preliminares de incompetência do Juízo, ilegitimidade ativa do Ministério Público, carência de ação por inadequação da via eleita e inépcia da inicial. Restaram por analisar a ausência de interesse de agir dos autores por terem ciência do fato notório de que a pintura do mural em questão foi feita pelo artista plástico Juarez Machado, não havendo alicerce fático a embasar a pretensão declinada na inicial; e a nulidade do procedimento administrativo por ausência de contraditório e ampla defesa. Passo a enfrentá-las.

A preliminar de ausência de interesse de agir, no modo em que formulada, confunde-se com o mérito e será oportunamente analisada.

Quanto à alegada nulidade do procedimento administrativo, há de se ter em mente que, como o próprio nome diz, trata-se o inquérito civil de procedimento de natureza inquisitiva, destinado primordialmente à colheita de subsídios para a propositura de ação civil pública. Não tem este procedimento administrativo a aptidão de impor sanções aos administrados ou de influir na esfera de direitos destes. Portanto, não há de se falar em nulidade por ausência de contraditório.

Prejudicial de mérito - prescrição:

Em prejudicial de mérito, os réus sustentaram estar consumada a prescrição.

Dispõe a Lei n.º 8.429/92:

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

No caso concreto, analisando o estatuto da Fundação Cultural de Joinville, observo que os cargos componentes da Diretoria, especialmente por serem de livre nomeação e exoneração, ostentam a natureza jurídica de cargos em comissão, motivo pelo qual a prescrição é regulada pelo inciso I do artigo 23 supra. Da leitura do art. 16 do Estatuto, é possível concluir também que a Diretoria consistia no órgão executor das finalidades da Fundação.

À fl. 639 consta o Decreto que nomeou Edson Busch Machado para o cargo de Diretor-Presidente da Fundação Cultural de Joinville, datado de 1º de janeiro de 1997. Em seu depoimento pessoal em juízo, à fl. 1515, o referido réu afirma ter sido presidente da Fundação Cultural de Joinville no período de janeiro de 1997 a dezembro de 2002.

Portanto, tendo Edson Busch Machado exercido a presidência da Fundação Cultural de Joinville até dezembro de 2002 e tendo a presente ação sido ajuizada em 1º de junho de 2005, verifica-se não ter transcorrido o prazo prescricional de cinco anos, previsto no artigo 23, I, da Lei nº. 8.429, de 1992.

Quanto ao réu Juarez Busch Machado, trata-se terceiro que, em tese, beneficiou-se do ato de improbidade, devendo receber, quanto à prescrição, tratamento idêntico ao dispensado ao agente público com quem se relaciona na prática do ilícito. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECEBIMENTO DA INICIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - POSSIBILIDADE DE CUMULAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA E A AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PRESCRIÇÃO - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - LEGITIMIDADE ATIVA - SÚMULA 329 DO STJ - TERCEIRO - PESSOA JURÍDICA - LEGITIMIDADE PASSIVA - ART. 3º DA LEI 8.429/92 - RECEBIMENTO DA INICIAL.

I - "Afigura-se perfeitamente idôneo o manejo de ação civil pública para apurar supostos atos de improbidade administrativa, não havendo que se falar em inadequação da via eleita, sobretudo quando se atenta para a circunstância de a probidade administrativa ter natureza de interesse difuso. Precedentes do eg. Superior Tribunal de Justiça". (Ag. 2007.01.00.021769-4/PA, Rel. Juíza Federal convocada Rosimayre Gonçalves de Carvalho, 4ª T. do TRF/1ª Região, unânime, in DJU de 28/09/2007, pág. 48)

II - A ação civil de improbidade administrativa é regida pela Lei 8.429/92 e a legitimidade do Ministério Público para propô-la decorre da Constituição Federal (art. 129, inciso III) e é prevista também na própria Lei 8.429/92 (art. 17) e na Lei Complementar 75/93 (art. 6º, inciso XIV, alínea "f").

III - "O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público." (Súmula 329 do STJ)


IV - O terceiro beneficiário do ato ilícito, ainda que pessoa jurídica, pode figurar no pólo passivo da ação de improbidade administrativa, com fundamento no art. 3º, parte final, da Lei 8.429/92, respondendo pelos ônus civis e administrativos respectivos (arts. 5º e 6º e 12 da Lei 8.429/92).

V - A prescrição relativa ao terceiro rege-se pelas regras aplicáveis ao servidor público com quem se relaciona na prática do ilícito. In casu, tratando-se de relações ilícitas envolvendo servidor público federal, lato sensu, a prescrição dá-se no prazo de cinco anos, contados do conhecimento do fato (art. 23, inciso II, da Lei 8.429/92, c/c o art. 142, inciso I e § 1º, da Lei 8.112/90). Em tal sentido o entendimento do egrégio STJ: REsp 965340/AM, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 08/10/2007, pág. 256, e REsp 704323/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU de 06/03/2006, pág. 197.

VI - A Lei de Improbidade Administrativa, na fase de admissibilidade da ação, exige do Juiz maior rigor nos fundamentos, não para aceitar, mas para rejeitar a ação. Não é ela admitida em três hipóteses: se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. Se o magistrado, no juízo prévio de delibação que caracteriza a fase preliminar da ação de improbidade, não verifica a presença de qualquer dessas hipóteses, deve receber a inicial e dar regular prosseguimento ao feito.

VII - Agravo desprovido.(AG 2007.01.00.054858-0/DF, Rel. Desembargadora Federal Assusete Magalhães, Terceira Turma,e-DJF1 p.79 de 31/10/2008) (grifos acrescidos)

Não se verificando a prescrição em relação a Edson Busch Machado, o mesmo ocorre quanto a Juarez Busch Machado.

Mérito propriamente dito

Conceito de improbidade

Segundo José Afonso da Silva, a probidade administrativa consiste no dever de o "funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer". Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada, isto é, a imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem (destaquei).

Discorrendo acerca do elemento psíquico/volitivo como requisito para a configuração do ato de improbidade, o STJ já se pronunciou: "A má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. Consectariamente, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade, o que não restou comprovado nos autos pelas informações disponíveis no acórdão recorrido" (REsp. 480.387/SP, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16.03.2004).

A Lei nº. 8.429, de 1992, que dispõe sobre sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de improbidade administrativa, também estende as sanções para aqueles que, mesmo não estando na titularidade de cargo ou função pública, aufiram vantagem indevida quando em conluio com o agente público, de forma direta ou indireta (PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada. São Paulo: Atlas, 2007, p. 27).

Ao dispor sobre atos de improbidade administrativa no seu Capítulo II, a Lei n.º 8.429/92 classificou-os em três categorias, a saber: os que importem enriquecimento ilícito (Seção I); os que causem prejuízo ao erário (Seção II); os que atentem contra os Princípios da Administração Pública. Analisando o rol exemplificativo das condutas passíveis de sanção por improbidade, vê-se que, de regra, as ações tachadas de ímprobas têm em sua essência a inobservância de um dever de ordem moral, devendo o controle jurisdicional incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração.

Procedimento de Inexigibilidade de Licitação

No presente caso, o ato de improbidade imputado aos réus diz respeito inicialmente ao Procedimento de Inexigibilidade de Licitação n.º 09/98, que autorizou a realização do contrato n.º 04/98, firmado entre a Fundação Cultural de Joinville e Juarez Busch Machado, pelo qual este se obrigava a criar portal/mural para o Centreventos Cau Hansen, cujo pagamento ficou acertado em R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais), às expensas da Fundação Cultural de Joinville.

Para analisar a subsunção da norma aos fatos narrados, cabe inicialmente discorrer sobre a dinâmica da inexigibilidade da licitação na sistemática legislativa brasileira, a qual está prevista no art. 25 da Lei n.º 8.666/93:

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

§ 1o Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

§ 2o Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.

Segundo lição de Marçal Justen Filho, "a inexigibilidade da licitação deriva da inviabilidade de competição". O referido jurista acrescenta que a lei se limitou a fornecer um elenco hipóteses abertas que caracterizam a inviabilidade, e que existe grande dificuldade de sistematizar todos os casos que conduzem à inviabilidade de competição, por conta da complexidade do mundo real, derivada da "realidade extranormativa", que torna a licitação inútil ou contraproducente (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2008. p. 343).

No caso dos autos, perfeitamente aplicável o artigo 25, III, da Lei de Licitações, pois não há dúvidas sobre a consagração de Juarez Busch Machado como artista plástico de projeção nacional e internacional. Trata-se do artista plástico de indiscutível renome, bastando uma simples consulta na internet em sites de busca para obter inúmeros resultados contendo seu nome listado em diversas galerias de arte, tais como: http://www.artnet.com/artist/592889/juarez-machado.html; http://www.gallerydirectart.com/artist-list.html, http://www.galeriacontemporanea.com.br/conteudo/artistas_foco.aspx?AID=146; http://www.itaucultural.org.br; http://www.discoverfrance.net/Boutique/Art/Bestsellers/bestseller_index.shtml.

Assim, diante de sua notoriedade como artista, tenho que o nome de Juarez Machado seria cogitado para a confecção do mural mesmo que o presidente da Fundação Cultural de Joinville fosse outro, que não Edson Busch Machado, não podendo a contratação direta, no caso dos autos, ser considerada como ofensiva à probidade e à moralidade públicas.

Quanto à ausência de justificativa de preço, deve ser considerado que o dispositivo legal que obriga a Administração a decliná-la nas contratações diretas, tem por objetivo evitar a prática de superfaturamento. Desse modo, se o objetivo da lei tiver sido alcançado, o que será verificado quando análise do preço praticado, descabe a declaração por vício de forma, ainda mais em um caso como o dos autos, em que longo tempo decorreu entre a contratação e o ajuizamento da ação.

Valor do contrato

Alegam os autores que nada deveria ter sido pago ao artista, uma vez que as telas referentes ao projeto do painel foram doadas, não fazendo sentido remunerar o artista apenas por acompanhar a transposição dos desenhos das telas para a cerâmica, processo conduzido por Adoaldo Lenzi e custeado pela Cerâmica Portobello S/A.

Do contrato n.º 004/98 entabulado entre a Fundação Cultural de Joinville e Juarez Busch Machado extrai-se que seu objeto consistia, de fato, em prestação de serviços, referente à criação do mural, com fornecimento do projeto - com pintura em óleo sobre tela em seis painéis - e acompanhamento técnico e artístico durante e após o processo de transposição da pintura para a cerâmica, de um lado; e uma "concessão" do direito de posse das telas que compuseram o projeto, de outro.

Com efeito, os termos do documento de fls. 92/94 tratam de contratação de Juarez Busch Machado para a criação e realização do Portal/Mural para o Centreventos Cau Hansen, com o fornecimento do projeto, pesquisa e pintura em óleo sobre tela em 6 (seis) painéis medindo 130 x 097 cm cada, formado em escala reduzida, sendo a composição total da obra [mural] a ser realizada em cerâmica, pintada e aplicada no portal de entrada do Centreventos Cau Hansen, assessoria estética e visual após a queima das peças em cerâmica, para a aplicação nas paredes do 'portal' do Centreventos Cau Hansen, e por fim, a assinatura do artista, com o devido acabamento. O parágrafo único da cláusula primeira trata da doação das seis telas, in verbis: o contratado [Juarez Busch Machado] concede o direito de posse à Fundação Cultural de Joinville das 06 (seis) telas, bem como o total direito de uso da imagem tanto das telas quanto do Portal/Mural, como bem lhe convier, definitivamente, dando total e plena quitação à contratante (grifos acrescidos).

Embora o contrato seja atécnico ao definir o objeto da avença, o que dá margem a dúvidas, uma vez que não esclarece se a tal "concessão" é gratuita ou onerosa, dos autos transparece que a intenção dos contratantes convergia para uma doação. É o que se verifica das notícias de jornal da época, conforme fls. 27 e 28 dos autos, bem como do depoimento dos réus. Entretanto, a par da falta de rigor técnico na elaboração do contrato, é certo que do fornecimento do projeto para realização do mural não decorre necessariamente a cessão dos direitos de autor das telas que serviram de base à confecção do aludido mural.

Quanto ao acompanhamento técnico e artístico do processo de transposição da pintura para cerâmica, que os autores entendem desnecessário, por se tratar de procedimento que coube a terceiro realizar, também não prospera a alegação exposta na inicial. Com efeito, fosse desnecessário o acompanhamento, o artista não teria passado semanas nessa tarefa, conforme relatado por ele e confirmado por testemunhas na instrução. Extraio dos depoimentos prestados em juízo:

Juarez Busch Machado - fls. 1515-1529:

"que fez o projeto da obra ainda em Paris durante o ano de 1997 e depois trabalhou com a cerâmica em Curitiba durante o ano de 1998; [...] as seis telas que acabaram sendo utilizadas no projeto final do Portal foram doadas pelo depoente à Fundação Cultural de Joinville e as demais telas produzidas para o projeto e que faziam parte da referida exposição estão com o depoente; que tem certeza que a doação das telas para a Fundação está formalizada em instrumento próprio; que sempre costuma formalizar as doações e assim também procedeu às telas doadas para o museu de Arte Moderna de Joinville e para o teatro Juarez Machado; que a doação que fez para a Fundação Cultural de Joinville em relação ao projeto do Portal do Centreventos incluía apenas as seis telas" [...]que o Sr. LENZI e o filho ajudava na preparação das tintas e os pincéis; que o talvez o Sr. LENZI tenha pintado algum fundo chapado em degrades; que não contou com a ajuda de nenhum outro artista plástico; que o Sr. LENZI não é um artista plástico, mas um artesão, que trabalha com vitrais de igreja e fez muitas reproduções de trabalhos a nanquim do artista paranaense Potty; que o Sr. LENZI não cria as obras mas apenas as reproduz; que no caso do Portal do Centreventos; que quando foi trabalhar no Atelier do Sr. LENZI até imaginou que poderia ser mais bem auxiliado por ele mas quando lá chegou e pediu que o Sr. LENZI reproduzisse um pedaço da tela o depoente não gostou do trabalho apresentado e resolveu fazer todo o trabalho pessoalmente embora com grande sacrifício físico" [...] "que acha que a proposta inicial para o trabalho apresentada para o depoente foi de 500 mil reais mas como houve "pechincha" acabou saindo por menos acha que por 300 ou 330 mil reais; que nada sabe da origem dos recursos utilizados para o pagamento do depoente mas acha que tinha alguma coisa com a Lei Ruanè ou a Lei Patrocínio; que não fez pessoalmente a contratação do Studio LENZI e não sabe bem se ele foi contratado pela Fundação Cultural de Joinville ou pela Portobelo" [...] "que a afirmação grifada no documento da fl. 46 é verdadeira entendendo como orientação técnica do LENZI e sua equipe a preparação das tintas e dos pincéis para pintura em cerâmica; que antes do trabalho do mural do Portal do Centreventos fez pequenos trabalhos em cerâmica como pratos e outros, mas em brincadeira e exercício; que para o trabalho na extensão do painel precisava de alguém que preparasse as tintas no tom de cor adequado sendo esse o trabalho do Sr. LENZI; que reafirma que não houve outras pessoas executando o trabalho de pintura, sendo toda a parte artística e de execução feita pelo próprio depoente não tendo ocorrido "o acompanhamento técnico e artístico na realização na pintura sobre a cerâmica, feito por profissionais especializados nesse domínio de trabalho como referido no contrato às fls. 48; que não conhece a pessoa de nome Alfredo Júnior que fez a representação à fl. 19".

Adoaldo Renato Lenzi - fls. 1486-1487:

"que Juarez Machado e seu 'marchand', Sr. Valdir Simões procuraram a testemunha para executar alguns painéis para a Fundação Cultural de Joinville. Que já fez trabalhos com Juarez Machado. Que apresentou um orçamento de R$ 70.000,00 para execução dos painéis, que foram pagos pela Portobello" [...] "que seu processo de trabalho é o seguinte: é feito um projeto e, depois, esse projeto é passado para a cerâmica; em seguida, há pintura e a cerâmica vai ao forno para que a tinta seja fixada; segue instalação da pela local. Que no caso do projeto em questão, as telas foram fotografadas e, com base nelas, a testemunha executou os painéis. Que, geralmente, exige que o parceiro participe da execução de seu trabalho. Que Juarez Machado mexeu na tinta e ajudou a pintar os painéis". [...] "Que Juarez Machado ia todos os dias ao seu estúdio, com exceção dos finais de semana, reservados para o descanso". [...] Que foi um projeto a quatro mãos." [...] Que a técnica que Juarez Machado não dominava é a específica do transporte do desenho para a cerâmica. Que o autor do projeto foi Juarez Machado. Que a responsabilidade da testemunha consistia na execução de pintura em cerâmica, que exige um material e uma técnica específico".

Maria Augusta Maia Almeida Douat - fl. 1524:

"viu o réu Juarez agachado com o macacão branco pintando umas cerâmicas no chão;[...] que viu o Sr. Lenzi auxiliando, que não reparou se havia outros artistas ajudando na pintura no local mas acha que não; que lembra apenas de um menino pequeno ajudando o LENZI sendo que o único que estava pintando era o Juarez [...]

Vicente Jair Mendes - fl. 1528:

"[...]que não participou da contratação do artista Juarez Machado para a obra do Portal do Centreventos mas foi consultado sobre a indicação do Sr. LENZI para a realização da obra do Juarez Machado em cerâmica; que na época da consulta já informou que conhecia o trabalho do LENZI e que ele não teria condições de fazer a transposição da obra do Juarez Machado para a cerâmica porque ele não teria habilidade pictórica para fazer o mesmo traçado e a mesma textura de cores; que não sabe se foi feita alguma contratação com o LENZI mas sabe que a pintura do painel foi executada no Atelier do LENZI em Curitiba; que quem executou a pintura foi o próprio Juarez Machado; que esteve uma única vez no Atelier do LENZI na execução da pintura do painel e viu o próprio Juarez Machado executando a pintura; que é testemunha ainda de que o réu Juarez Machado teve um problema sério de coluna e foi submetido a uma cirurgia em razão de a pintura do painel ser feita toda no chão, na horizontal para que a tinta não escorresse na cerâmica [...]" (fl. 1528).

Dessa forma, verifico que, além de ter sido Juarez Machado o autor do projeto, o que não se discute no caso, houve a sua efetiva participação na transposição das pinturas de sua autoria para a cerâmica, pois o réu esteve por semanas em Curitiba para executar o trabalho do portal/mural, e, segundo as fotografias acostadas às fls. 1265-1310, é seguro afirmar que estava cumprindo os exatos termos da cláusula primeira do contrato n.º 004/98, quais sejam:

"acompanhamento técnico e artístico na realização da pintura sobre cerâmica, feito por profissionais especializados neste domínio de trabalho [no caso, colaboradores da Studio Lenzi]; assessoria visual e estética após a queima das peças em cerâmica, para aplicação nas paredes do 'portal' do Centreventos Cau Hansen".

Mesmo que a Studio Lenzi fizesse a total pintura do mural, (o que não ocorreu, pois o próprio Sr. Adoaldo Lenzi admite que Juarez Busch Machado procedeu à pintura da obra de arte), houve a constante presença do réu na execução da obra, tendo ele se deslocado de onde reside (possui domicílio em Paris e Rio de Janeiro) para ficar em Curitiba por semanas, acompanhando o projeto, para sua fiel execução. Esse fato, por si só, já autoriza a Administração proceder à remuneração do réu, eis que, do contrário, estaria enriquecendo ilicitamente à custa de outrem.

No que tange à discussão sobre o preço ajustado no contrato, se excessivo ou não, cabe inicialmente considerar que, tratando-se o objeto do contrato de uma obra de arte, mostra-se inviável estabelecer uma valoração em termos absolutos.

Com efeito, sabe-se que o mercado das artes é suscetível a inúmeros fatores, tais como: época de criação das obras, fase dos autores/artistas/pintores, e até mesmo a capacidade do homem de compreender o valor intrínseco das obras, não sendo raros os casos de artistas que morreram à míngua e tiveram seu trabalho reconhecido somente post mortem.

Entretanto, em que pesem essas dificuldades de avaliação, observo que é possível obter um parâmetro do valor das obras de Juarez Machado, a partir dos elementos por ele trazidos aos autos. Consta à fl. 1262 informação prestada por uma galeria de arte francesa contendo os valores pelos quais as obras do referido artista são comercializadas na França, sendo um quadro de 130 x 97 cm avaliado em 26.000 Euros. Com base nesses valores, os quais transpostos para uma obra das proporções do grande mural resultariam seguramente em cifra superior aos R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais) pagos ao réu Juarez Busch Machado, não se pode concluir que o preço contratado destoa da razoabilidade ou da proporcionalidade.

Em suma, da instrução do feito não restou configurada a mácula à probidade. A condição de irmãos dos réus não é capaz, por si só, de conduzir à conclusão de que contratação de Juarez Busch Machado para a feitura do Mural do Centreventos configura ato atentatório à moralidade administrativa, embora se trate de circunstância espinhosa para a Administração.

Analisando as peculiaridades da avença, o objetivo da Administração era contratar um artista renomado nascido em Joinville e que contribuísse com sua criatividade e inventividade para embelezar a arena multiuso do Centreventos Cau Hansen.

Nesse contexto, a contratação de Juarez Busch Machado se daria mesmo que a presidência da Fundação Cultural de Joinville não estivesse sendo exercida por Edson Busch Machado. Quanto ao valor pago ao artista, não foi comprovada a alegada abusividade no preço contratado.

Por fim, não tendo sido comprovada a má-fé dos autores, mostra-se incabível a condenação destes às penas da litigância de má-fé.

3. Dispositivo:

Ante o exposto, resolvo o mérito da presente demanda e, com base no art. 269, I, do CPC, julgo os pedidos improcedentes.

Sem honorários e sem custas, nos termos do artigo 18 da Lei nº. 7.347, de 1985.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Joinville, 12 de agosto de 2009.

GIOVANA GUIMARÃES CORTEZ
Juíza Federal Substituta na Titularidade Plena



JURID - Ação de improbidade arquivada [17/08/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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