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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Informativo STF 553 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Informativo STF


Brasília, 29 de junho a 1º de julho de 2009 - Nº 553.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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SUMÁRIO

Plenário
Extradição: Apropriação Indébita e Correspondência com Defraudação de Penhor - 1
Extradição: Apropriação Indébita e Correspondência com Defraudação de Penhor - 2
Ação de Improbidade Administrativa: Falta de Interesse da União e Atribuição do Parquet Estadual
1ª Turma
Natureza do Crime de Estelionato contra a Previdência
ED: Inquérito Policial e Direito de Vista
Serviço Público: Cessação de Relação Jurídica e Contraditório
Concurso Público: Vinculação ao Edital e Ingresso na Carreira
2ª Turma
Imunidade: ICMS e Serviço Social Autônomo - 1
Imunidade: ICMS e Serviço Social Autônomo - 2
Imunidade: ICMS e Serviço Social Autônomo - 3
Homicídio: Compatibilidade entre Dolo Eventual e Qualificadora da Torpeza
Transcrições
Tribunal de Contas Estadual - Conselheiro - Crime de Responsabilidade (ADI 4190 MC/RJ)
Inovações Legislativas
Outras Informações


PLENÁRIO

Extradição: Apropriação Indébita e Correspondência com Defraudação de Penhor - 1

O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido de extradição instrutória formulado pelo Governo da República da Coréia, para entrega de nacional coreano, acusado da suposta prática dos crimes de fraude, falsificação de títulos, uso indevido de títulos falsificados, furto, apropriação indébita e violação à legislação trabalhista. Deferiu-se o pleito relativamente às imputações dos delitos de falsificação de títulos, uso indevido de títulos falsificados, fraude e apropriação indébita, indeferindo-o no que tange ao crime de furto, ante a prescrição da pretensão punitiva, e ao de violação das leis trabalhistas, por ausência do requisito da dupla tipicidade. Considerou-se que os primeiros três seriam equivalentes ao crime de estelionato e o quarto, ao de defraudação de penhor (art. 171, caput, e § 2º, III, do Código Penal brasileiro). Quanto àqueles, asseverou-se extrair-se da descrição das condutas típicas praticadas pelo extraditando que o seu objetivo único seria o de obter vantagem indevida em prejuízo alheio, e ressaltou-se orientação firmada pela Corte no sentido de que, quando os crimes de falso e de utilização de documento falso constituem meramente um meio, um artifício para a obtenção da vantagem indevida, se exaurindo no estelionato, por este são absorvidos.
Ext 1143/Governo da República da Coréia, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.7.2009. (Ext-1143)

Extradição: Apropriação Indébita e Correspondência com Defraudação de Penhor - 2

No tocante ao crime de apropriação indébita, consubstanciado no fato de o extraditando ter alienado máquinas de sua propriedade, instaladas em sua empresa, não obstante elas consistirem objeto de “hipoteca”, entendeu-se que tal fato não corresponderia ao crime de apropriação indébita previsto no art. 168 do CP brasileiro. Explicou-se que a conduta típica prevista no nosso ordenamento jurídico seria a de apropriar-se o agente de coisa alheia, dispondo dela como se proprietário fosse. Observou-se, também, que esse delito não corresponderia ao delito de alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria, constante do art. 171, § 2º, II, do CP brasileiro, haja vista que a autoridade policial sul-coreana sequer conseguira identificar os compradores das máquinas hipotecadas, sendo elementar do citado tipo o fato de o sujeito ativo silenciar a respeito da garantia real como meio de ludibriar os demais, auferindo vantagem indevida. Assentou-se que a dita “hipoteca” referir-se-ia, em nosso ordenamento jurídico, ao instituto do penhor industrial, disposto nos artigos 1.447 a 1.450 do Código Civil brasileiro, porquanto em tal forma especial de penhor, as máquinas, aparelhos, materiais e instrumentos instalados e em funcionamento nas indústrias, quando empenhados, continuam em poder do devedor, conforme preceitua o art. 1.431 do aludido diploma legal. Em razão disso, concluiu-se que a imputação feita, nesse ponto, encontraria equivalente no tipo penal denominado defraudação de penhor, previsto no art. 171, § 2º, III, do CP brasileiro, que configura um tipo especial de estelionato e consiste na defraudação, mediante alienação não consentida pelo credor, da garantia pignoratícia, quando se tem a posse do objeto empenhado. Vencido o Min. Marco Aurélio que deferia o pleito em menor extensão, divergindo do voto do relator quanto ao crime de apropriação indébita, ao fundamento de não ser possível confundir os institutos da fraude ao penhor com o que seria a fraude à hipoteca, segundo a legislação coreana, a qual não teria similar na legislação brasileira.
Ext 1143/Governo da República da Coréia, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.7.2009. (Ext-1143)

Ação de Improbidade Administrativa: Falta de Interesse da União e Atribuição do Parquet Estadual

O Tribunal resolveu conflito negativo de atribuição entre o Ministério Público do Estado de São Paulo e o Ministério Público Federal, no sentido de reconhecer a atribuição do primeiro para propor ação de improbidade administrativa contra ex-Prefeito de cidade paulista a respeito de aplicação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - FUNDEF. Considerou-se que os recursos em questão, durante a gestão do citado ex-Prefeito, não continham complementação de verbas federais, mas somente de verbas do Estado e do Município, razão por que eventual ressarcimento não reverteria aos cofres da União, a qual, por conseguinte, não teria nenhum interesse específico no caso.
ACO 1156/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 1º.7.2009. (ACO-1156)


PRIMEIRA TURMA

Natureza do Crime de Estelionato contra a Previdência

Ante o empate na votação, a Turma deferiu habeas corpus para, reconhecendo a prescrição da pretensão punitiva do Estado, declarar extinta a punibilidade de denunciado como incurso no art. 171, § 3º, do CP, por haver, na qualidade de representante do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural - FUNRURAL, supostamente autorizado o recebimento, de forma fraudulenta, de benefício previdenciário. Entendeu-se que a situação dos autos revelaria crime instantâneo de efeitos permanentes, embora tivesse repercutido no tempo e beneficiado terceiro. Aduziu-se, nesse sentido, que a fraude perpetrada surtira efeitos imediatos, nos idos de 1980. Vencidos os Ministros Cármen Lúcia, relatora, e Ricardo Lewandowski, que indeferiam o writ por considerar que o delito imputado ao paciente teria natureza permanente e, por isso, o prazo prescricional começaria a fluir a partir da cessação da permanência e não do primeiro pagamento do benefício.
HC 95564/PE, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 30.6.2009. (HC-95564)

ED: Inquérito Policial e Direito de Vista

A Turma iniciou julgamento de embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal contra acórdão que deferira habeas corpus para permitir o acesso dos acusados a procedimento investigativo sigiloso — v. Informativo 529. O embargante sustenta que a concessão da ordem, sem ressalvas na parte dispositiva, pode levar o juízo de 1ª instância ao engano de autorizar o acesso a todos os atos do procedimento investigatório e não somente àqueles referentes às diligências já concluídas. O Min. Ricardo Lewandowski, relator, acompanhado pela Min. Carmén Lúcia, acolheu os declaratórios, sem os efeitos modificativos. Inicialmente, em face da importância do tema, considerou oportuna a explicitação a fim de evitar qualquer equívoco quanto ao alcance da decisão embargada e salientou que o exame do writ ocorrera antes da aprovação da Súmula Vinculante 14 (“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”). Assim, recebeu os embargos exclusivamente para esclarecer, com base inclusive na referida Súmula Vinculante 14, que o alcance da ordem concedida refere-se ao direito assegurado ao indiciado — bem como ao seu defensor — de acesso aos elementos constantes em procedimento investigatório que lhe digam respeito e que já se encontrem documentados nos autos, não abrangendo as informações concernentes à decretação e à realização das diligências investigatórias pendentes, em especial, as que digam respeito a terceiros eventualmente envolvidos. O Min. Marco Aurélio, enfatizando que o sigilo diz respeito a terceiros, divergiu para possibilitar à defesa o conhecimento do todo existente nos autos e não apenas às peças que estariam ligadas ao envolvido. Após, pediu vista dos autos o Min. Carlos Britto.
HC 94387 ED/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 30.6.2009. (HC-94387)

Serviço Público: Cessação de Relação Jurídica e Contraditório

A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute se servidores que não possuíam, há época da promulgação da CF/88, o requisito temporal necessário para a estabilidade prevista no art. 19 do ADCT poderiam ser demitidos sem prévio procedimento administrativo. O Min. Marco Aurélio, relator, negou provimento ao recurso por considerar que a cessação de relação jurídica regida pela CLT, no tocante a servidor público que não detenha estabilidade, dispensa a formalização de processo administrativo e, portanto, do contraditório. Enfatizou que o devido processo administrativo relativo a tal desligamento pressuporia a estabilidade que, inexistente na espécie, permitiria ao ente federal cessar essa relação sem a observância do contraditório. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista da Min. Cármen Lúcia.
RE 289321/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 30.6.2009. (RE-289321)

Concurso Público: Vinculação ao Edital e Ingresso na Carreira

O edital relativo a concurso público obriga não só a candidatos como também a Administração Pública. Com base nesse entendimento, a Turma proveu recurso extraordinário para reconhecer, com as conseqüências próprias, o direito da recorrente à nomeação no cargo em que aprovada, observados classe e padrão descritos no edital do certame. Na espécie, o edital do concurso público previra que o ingresso no cargo de Técnico em Arquivo dar-se-ia na Classe “D”, Padrão “IV”. Entretanto, a recorrente fora nomeada para o padrão inicial da carreira, em virtude de portaria editada pelo Secretário de Recursos Humanos da Secretaria da Administração Federal da Presidência da República, a qual determinara que os provimentos em cargo público seriam feitos na inicial da classe e padrão de cada nível. Ressaltou-se, de início, que o edital fora publicado em data anterior a esse ato administrativo. Em seguida, aduziu-se que deveria ser adotado enfoque que não afastasse a confiança do cidadão na Administração Pública e que a glosa seria possível caso houvesse discrepância entre as regras do concurso constantes do edital e a nomeação verificada ou descompasso entre o que versado no edital e a lei de regência. Nesse ponto, registrou-se que a restrição contra a qual se insurgira a recorrente estaria fundada em portaria considerada discrepante, pelo tribunal a quo, do art. 12, § 1º, da Lei 8.112/90 (“§ 1º O prazo de validade do concurso e as condições de sua realização serão fixados em edital, que será publicado no Diário Oficial da União e em jornal diário de grande circulação.”). Concluiu-se que a alteração ocorrida, olvidando-se a previsão do edital de estar o concurso voltado ao preenchimento de cargo no padrão IV e não no padrão I, conflitaria com a disciplina constitucional a direcionar a observância dos parâmetros firmados, desde que estes atendam aos requisitos estabelecidos em lei. Determinou-se, ainda, a satisfação das diferenças vencidas e vincendas, que deverão ser atualizadas, com incidência de juros.
RE 480129/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 30.6.2009. (RE-480129)


SEGUNDA TURMA

Imunidade: ICMS e Serviço Social Autônomo - 1

A Turma desproveu recurso extraordinário em que o Serviço Social da Indústria - SESI sustentava ser imune à tributação pela incidência de impostos (CF, 150, VI, c) ao argumento de que a extensão da proteção constitucional às operações de venda de mercadorias diretamente ao consumidor permitiria a venda de produtos a preços mais acessíveis, auxiliando na melhoria do padrão de vida de seus filiados. Na espécie, o tribunal local assentara que o ICMS não gravaria o patrimônio, nem as rendas, nem os serviços do SESI, uma vez que ele recairia sobre a comercialização de bens de consumo, sendo, na verdade, pago pelo consumidor. Inicialmente, reputou-se desnecessária, conforme sugerido pela Procuradoria Geral da República, a submissão do feito ao Plenário do STF, dado que não haveria pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade de norma estadual, bem como seria pacífica a jurisprudência da Corte pertinente à matéria.
RE 202987/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 30.6.2009. (RE-202987)

Imunidade: ICMS e Serviço Social Autônomo - 2

Observou-se que — não obstante as partes tivessem centrado sua atenção na caracterização, ou não, do SESI como entidade imune e de suas operações como beneficiadas pela garantia constitucional — haveria uma questão subjacente a qual deveria ser apreciada, sob pena de o eventual provimento do recurso extraordinário violar, por outro modo, o art. 150, VI, c, da CF (“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: ... VI - instituir impostos sobre: ... c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;”). Asseverou-se que a controvérsia de fundo estaria em se saber se a imunidade tributária se aplicaria às relações jurídicas formadas com fundamento na responsabilidade tributária ou na substituição tributária, que levariam à sujeição passiva indireta. Tendo em conta que o citado dispositivo constitucional refere-se somente às operações realizadas pela entidade imune, aduziu-se que o Estado não poderia colocar o SESI como contribuinte de imposto que grave o seu patrimônio, sua renda ou seus serviços, desde que imanentes às funções institucionais que lhe são atribuídas pela Constituição e pela legislação de regência. Ressaltou-se que a sujeição passiva tributária compreenderia os sujeitos passivos diretos — chamados pela legislação tributária de contribuintes — e os sujeitos passivos indiretos — os quais poderiam ser substitutos ou responsáveis tributários. Esclareceu-se que, nos termos do art. 121, parágrafo único, I, do CTN, somente poderia ser considerado contribuinte a pessoa que estivesse em relação pessoal e direta com a situação que constituiria o fato gerador e, da leitura conjunta dos artigos 121, parágrafo único, I e 128 do CTN, extrair-se-ia que a legislação tributária justificaria a sujeição passiva indireta, em termos econômicos, derivada da circunstância de o terceiro que for chamado a responder pela obrigação tributária estar ligado — economicamente ou por outro tipo de nexo causal — ao fato jurídico tributário. Consignou-se que, na hipótese versada nos autos, a operação tributada consistiria na venda de feijão — por contribuinte localizado no Estado de São Paulo — ao SESI. Acrescentou-se que a legislação vigente à época estabelecia que, em tais operações de circulação de mercadoria, a cobrança do tributo seria diferida para o momento da entrada do bem no estabelecimento varejista adquirente. Aduziu-se que, no diferimento, a cobrança do tributo seria postergada para uma etapa posterior do ciclo produtivo, sem, contudo, acarretar mudança do referencial fático da tributação. Destarte, registrou-se que, em razão do uso da técnica de tributação mencionada, a entidade recorrente fora apontada como substituta pelo pagamento do valor devido originalmente pelo contribuinte.
RE 202987/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 30.6.2009. (RE-202987)

Imunidade: ICMS e Serviço Social Autônomo - 3

Concluiu-se que, seja na substituição, seja na responsabilidade tributária, não haveria o deslocamento da sujeição tributária passiva direta, eis que os substitutos e os responsáveis não seriam, nem passariam a ser, contribuintes do tributo. Asseverou-se que responsabilidade e substituição tributária versariam normas voltadas a garantir a máxima efetividade do crédito tributário, mediante a eleição de outros sujeitos passivos para garantir o recolhimento do valor devido a título de tributo. Assim, o responsável ou o substituto responderiam por obrigação própria, mas totalmente dependente da existência, ou possibilidade de existência, e da validade, da relação jurídica tributária pertinente ao contribuinte. Assentou-se que a imunidade tributária não alcançaria a entidade na hipótese de ser ela eleita responsável ou substituta tributária, porquanto, em ambas as hipóteses, a entidade não seria contribuinte do tributo, pois não seriam suas operações que se sujeitariam à tributação. Enfatizou-se que os fatos jurídicos tributários referir-se-iam a outras pessoas, contribuintes, como o produtor-vendedor, no caso dos autos, e que, se tais pessoas não gozarem da imunidade, descaberia estender-lhes a salvaguarda constitucional. Afirmou-se não se tratar, também, de investigar quem suportaria a carga tributária para estabelecer o alcance da imunidade, pois, no quadro ora examinado, a busca pelo contribuinte de fato seria irrelevante, na medida em que existiria um contribuinte de direito, que seria o produtor-vendedor, descabendo estender-lhe o benefício, se ele não gozar da imunidade.
RE 202987/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 30.6.2009. (RE-202987)

Homicídio: Compatibilidade entre Dolo Eventual e Qualificadora da Torpeza

O dolo eventual pode coexistir com a qualificadora do motivo torpe do crime de homicídio. Com base nesse entendimento, a Turma desproveu recurso ordinário em habeas corpus interposto em favor de médico pronunciado pela prática dos delitos de homicídio qualificado e de exercício ilegal da medicina (artigos 121, § 2º, I e 288, parágrafo único, ambos c/c o art. 69, do CP, respectivamente), em decorrência do fato de, mesmo inabilitado temporariamente para o exercício da atividade, havê-la exercido e, nesta condição, ter realizado várias cirurgias plásticas — as quais cominaram na morte de algumas pacientes —, sendo motivado por intuito econômico. A impetração sustentava a incompatibilidade da qualificadora do motivo torpe com o dolo eventual, bem como a inadequação da linguagem utilizada na sentença de pronúncia pela magistrada de primeiro grau. Concluiu-se pela mencionada compossibilidade, porquanto nada impediria que o paciente — médico —, embora prevendo o resultado e assumindo o risco de levar os seus pacientes à morte, praticasse a conduta motivado por outras razões, tais como torpeza ou futilidade. Afastou-se, também, a alegação de excesso de linguagem, ao fundamento de que a decisão de pronúncia estaria bem motivada, na medida em que a juíza pronunciante — reconhecendo a existência de indícios suficientes de autoria e materialidade do fato delituoso — tivera a cautela, a cada passo, de enfatizar que não estaria antecipando qualquer juízo condenatório, asseverando que esta seria uma competência que assistiria unicamente ao Tribunal do Júri.
RHC 92571/DF, rel. Min. Celso de Mello, 30.6.2009. (RHC-92571)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno1º.7.2009299
1ª Turma30.6.2009346
2ª Turma30.6.2009124



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Tribunal de Contas Estadual - Conselheiro - Crime de Responsabilidade (Transcrições)

ADI 4190 MC/RJ*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: CONSELHEIROS DO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. A QUESTÃO DAS INFRAÇÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS E DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PARA TIPIFICÁ-LOS E PARA ESTABELECER O RESPECTIVO PROCEDIMENTO RITUAL (SÚMULA 722/STF). DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. PRERROGATIVA DE FORO DOS CONSELHEIROS DO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL, PERANTE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NAS INFRAÇÕES PENAIS COMUNS E NOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE (CF, ART.   105, I, “a”). EQUIPARAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS À MAGISTRATURA. GARANTIA DA VITALICIEDADE: IMPOSSIBILIDADE DE PERDA DO CARGO DE CONSELHEIRO DO TRIBUNAL DE CONTAS LOCAL, EXCETO MEDIANTE DECISÃO EMANADA DO PODER JUDICIÁRIO. A POSIÇÃO CONSTITUCIONAL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS. ÓRGÃOS INVESTIDOS DE AUTONOMIA. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER VÍNCULO DE SUBORDINAÇÃO INSTITUCIONAL AO PODER LEGISLATIVO. ATRIBUIÇÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS QUE TRADUZEM DIRETA EMANAÇÃO DA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PROMULGAÇÃO, PELA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA  DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, DA EC Nº 40/2009. ALEGADA TRANSGRESSÃO, POR ESSA EMENDA CONSTITUCIONAL, AO ESTATUTO JURÍDICO-INSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL E ÀS PRERROGATIVAS CONSTITUCIONAIS DOS CONSELHEIROS QUE O INTEGRAM. SUSPENSÃO CAUTELAR DA EFICÁCIA DA EC Nº 40/2009. DECISÃO DO RELATOR QUE, PROFERIDA “AD REFERENDUM” DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, TEM PLENA EFICÁCIA E APLICABILIDADE IMEDIATA. LIMINAR DEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de ação direta, com pedido de medida cautelar, que, proposta pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil - ATRICON, visa à declaração de inconstitucionalidade dos §§ 5º e 6º do art. 128 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, acrescentados pela Emenda Constitucional nº 40/2009.
Os preceitos normativos em questão possuem o seguinte conteúdo material (fls. 60):

“Art. 128 – (...)
(...)
§ 5º - São infrações administrativas de Conselheiro do Tribunal de Contas, sujeitas a julgamento pela Assembléia Legislativa e sancionadas, mesmo na forma tentada, com o afastamento do cargo:
I – impedir o funcionamento administrativo de Câmara Municipal ou da Assembléia Legislativa;
II – desatender, sem motivo justo, pedido de informações, de auditoria ou de inspeção externa, formulado por Câmara Municipal ou pela Assembléia Legislativa;
III – não cumprir prazo constitucional ou legal para o exercício de sua atribuição;
IV – deixar de prestar contas à Assembléia Legislativa;
V – incidir em quaisquer das proibições do art. 167 da Constituição da República;
VI – praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática;
VII – omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses, sujeitos à administração do Tribunal de Contas;
VIII – proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo.
§ 6º - Assegurados o contraditório e ampla defesa, o processo administrativo por fato descrito no parágrafo anterior obedecerá ao seguinte rito:
I – a notícia, por escrito e com firma reconhecida, poderá ser formulada por qualquer pessoa;
II – a instauração do processo administrativo dependerá de aprovação pela maioria absoluta da Assembléia Legislativa, após a leitura da notícia em Plenário;
III – constituir-se-á comissão processante especial, composta por cinco Deputados sorteados, os quais elegerão o Presidente e o Relator;
IV – recebidos os autos, o Presidente determinará a citação do noticiado, remetendo-lhe cópia integral do processo administrativo, para que, no prazo de cinco  dias, apresente defesa prévia, por escrito, indique as provas que pretender produzir e arrole testemunhas, até o máximo de dez;
V – o noticiado deverá ser intimado de todos os atos do processo, pessoalmente, ou na pessoa de seu procurador, com a antecedência, pelo menos, de vinte e quatro horas, sendo-lhe permitido assistir às diligências e audiências, bem como formular perguntas e reperguntas às testemunhas e requerer o que for de interesse da defesa;
VI – concluída a instrução, será aberta vista do processo ao noticiado, para razões escritas no prazo de cinco dias, após o que a comissão processante emitirá parecer final, pela procedência ou improcedência da notícia;
VII – havendo julgamento, o parecer final será lido com Plenário e, depois, o noticiado, ou seu procurador, terá o prazo máximo de uma hora para produzir sua defesa oral;
VIII – concluída a defesa, proceder-se-á a tantas votações quantas forem as infrações articuladas na notícia, considerando-se afastado do cargo, o noticiado que for declarado, pelo voto aberto da maioria absoluta dos Deputados, como incurso em qualquer das infrações especificadas na notícia;
IX – o processo será concluído em noventa dias, contados da data em que se efetivar a notificação do acusado, sob pena de arquivamento.” (grifei)

Sustenta-se, na presente sede de controle abstrato, em síntese, que a Emenda Constitucional nº 40/09, ao acrescentar os §§  5º e 6º ao art. 128 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, teria incorrido em transgressão à Constituição da República, considerados os seguintes fundamentos: (a) ausência de “competência do Estado-membro para legislar sobre ‘crimes de responsabilidade’ de Conselheiro do Tribunal de Contas” (fls. 09); (b) “violação da competência do E. Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar crimes de responsabilidade dos Conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais” (fls. 18); (c) ”existência de vício de iniciativa” (fls. 20); (d) “violação do princípio da separação de poderes (ou funções)” (fls. 24); e (e) ”ofensa à garantia de vitaliciedade dos Conselheiros dos Tribunais de Contas” (fls. 34).
O E. Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, invocando sua qualidade de “(...) colaborador na defesa das prerrogativas e garantias dos seus membros e, por extensão, da sua própria autonomia e da independência das suas decisões (...)” (fls. 64/65), requereu, nos termos do art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, fosse admitido a manifestar-se, formalmente, na presente causa (fls. 63/65), tendo reiterado tal pedido a fls. 68/70, oportunidade em que advertiu sobre “o ‘periculum in mora’ subjacente ao ato normativo vergastado pela via da presente ação” (fls. 69)
Admiti, na condição de “amicus curiae”, a E. Corte de Contas do Estado do Rio de Janeiro (fls. 73).
A Augusta Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro,  ao prestar as informações que lhe foram solicitadas (Lei  nº 9.868/99, art. 10, “caput”, “in fine”), manifestou-se pela improcedência da presente ação direta, propugnando, em conseqüência, pelo reconhecimento da plena validade constitucional das normas ora impugnadas (fls. 91/107), alegando, em síntese, que as condutas  tipificadas na Emenda Constitucional estadual nº 40/09 não configurariam “crimes de responsabilidade” (fls. 96), mas, sim, infrações administrativas, e que “não há precedente” desta Suprema Corte “que impeça o Poder Legislativo de legislar sobre processo administrativo, dispondo sobre garantias processuais das partes” (fls. 99).
Ante a relevância do tema versado na presente ação direta, determinei, nos termos do art. 10, § 1º, da Lei nº 9.868/99, a audiência prévia do eminente Advogado-Geral da União, que se pronunciou “pela concessão da medida cautelar postulada, tendo em vista a presença de seus pressupostos” (fls. 130).
O eminente Procurador-Geral da República, por sua vez, ao opinar na presente sede de fiscalização normativa abstrata, manifestou-se em parecer assim ementado (fls. 180):

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO QUE TIPIFICAM AS INFRAÇÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS DE CONSELHEIROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS, SUBMETENDO-OS AO JULGAMENTO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. IMPOSIÇÃO DA PENA DE AFASTAMENTO DO CARGO. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA DISPOR SOBRE DIREITO PENAL. COMPROMETIMENTO DA INDEPENDÊNCIA DOS MEMBROS DA CORTE DE CONTAS. PARECER PELA CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR.” (grifei)

Sendo esse o contexto, e subsistindo as razões de urgência invocadas pela autora (ATRICON), eis que se inicia, a partir de amanhã (02/07/2009), o período de férias forenses, passo a apreciar, “ad referendum” do E. Plenário deste Tribunal (Lei nº 9.868/99, art. 10, “caput”, c/c o art. 21, V, do RISTF), o pedido de suspensão cautelar de eficácia da Emenda Constitucional ora impugnada.
Cumpre destacar, preliminarmente, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 1.873/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO (RTJ 188/519), reconheceu qualificar-se, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil - ATRICON, como entidade de classe de âmbito nacional, investida de legitimidade ativa “ad causam” para a instauração de processo de controle normativo abstrato perante esta Suprema Corte:

“LEGITIMIDADE - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ASSOCIAÇÃO DE CLASSE DE ÂMBITO NACIONAL. Tem-na, por ser uma associação de classe de âmbito nacional, a ATRICON - Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil.” (grifei)

Na realidade, a legitimação ativa da ATRICON para a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade tem sido reconhecida – e reafirmada - pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como o evidenciam os seguintes precedentes: ADI 1.934-MC/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES; ADI 1.994/ES, Rel. Min. EROS GRAU; ADI  2.208/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES; ADI  2.361-MC/CE, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA; ADI 2.546-MC/RO, Rel. Min. SYDNEY SANCHES; ADI  2.596/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE; ADI 2.597/PA, Rel. p/ o acórdão Min. EROS GRAU e ADI 3.361/MG, Rel. Min. EROS GRAU.
De outro lado, entendo configurado, na espécie, o requisito da pertinência temática, que se caracteriza pela existência do nexo de afinidade entre os objetivos institucionais da entidade que ajuizou a ação direta e o conteúdo material dos dispositivos por ela impugnados.
Com efeito, como referido, existe, no caso, o nexo de pertinência temática, eis que o conteúdo da emenda constitucional ora questionada - que versa a tipificação de infrações político-administrativas cometidas por membros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro e disciplina a ordem ritual de seu processo perante a própria Assembléia Legislativa local - relaciona-se, de modo direto, com a finalidade institucional da entidade de classe autora, como resulta claro do art. 2º, I, do seu estatuto social, que prevê, dentre os objetivos da ATRICON, o de “representar e defender, em juízo ou fora dele, direitos ou interesses dos Ministros, Conselheiros e Substitutos de Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas” (fls. 45 - grifei).
Cabe relembrar, no ponto, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o alcance da cláusula inscrita no art. 103, inciso IX, da Carta Política - e após definir o vínculo de pertinência temática como requisito caracterizador da própria legitimidade ativa “ad causam” das entidades de classe e das confederações sindicais para o processo de controle abstrato de constitucionalidade (ADI 138-MC/RJ, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – ADI  396-MC/DF, Rel. Min. PAULO BROSSARD – ADI 1.037-MC/SC, Rel. Min. MOREIRA ALVES - ADI 1.096-MC/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 1.159-MC/AP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - ADI 1.414-MC/RS, Rel. Min. SYDNEY SANCHES) -, firmou orientação no sentido de atribuir, à ATRICON, qualidade para agir em sede jurisdicional concentrada, sempre que o conteúdo normativo da regra estatal impugnada suscitar, como na espécie, discussão sobre questões concernentes às prerrogativas institucionais, direitos e interesses dos membros dos Tribunais e dos Conselhos de Contas.
Assiste razão, portanto à ATRICON, quando sustenta dispor de legitimação para agir, perante o Supremo Tribunal Federal, em sede de fiscalização abstrata de constitucionalidade, e, ainda, quando afirma registrar-se, na espécie, a presença do vínculo de pertinência temática (fls. 04/06):

“Destarte, induvidoso que a ATRICON é uma entidade de classe de âmbito nacional, detendo legitimidade para instaurar o controle concentrado de constitucionalidade de leis, obviamente atendido o requisito da pertinência temática.
E, no que tange à pertinência temática, tampouco resta alguma dúvida quanto à motivação de sua presença no caso em tela, porquanto os dispositivos maculados de inconstitucionalidade, contra os quais a ATRICON ora se insurge, dizem respeito à aventada instauração e aplicação, por iniciativa da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, de ‘processo e sanção’ por crimes de responsabilidade supostamente praticados por membros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, a serem julgados pelos próprios Deputados Estaduais, em frontal e inequívoca dissonância com o que a respeito estabelecem os arts. 22, I, 73, § 3º, 75, 85, p. único, 95, inciso I, 96, inciso I, e 105, I, ‘a’, além do princípio da separação de poderes, todos consagrados no texto da Constituição da República.
Ou seja, a discussão ora proposta está intimamente relacionada à finalidade institucional da ATRICON, assim delineada no art. 2º do seu Estatuto, no que concerne à defesa das prerrogativas e competências atribuídas pelo texto da Lei Maior aos Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios (estes, onde houver), defesa esta, se necessário, a ser exercida judicialmente.
O fato é que a nova redação do art. 128, §§ 5º e 6º, da Constituição fluminense interfere, diretamente, com as mencionadas prerrogativas e garantias constitucionais, ao instituir um procedimento para a apuração e o julgamento de Conselheiros da Corte de Controle estadual, por supostos ‘crimes de responsabilidade’, pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, cominando-lhes como ‘pena’ (a ser decretada pelos Senhores Deputados Estaduais) a ‘perda do cargo’.
Tal procedimento, a par de infringir as normas da Constituição da República que atribuem competência para tal processamento e julgamento ao E. Superior Tribunal de Justiça e definem que a competência legislativa para definir o que sejam os ‘crimes de responsabilidade’ incumbe privativamente à União, tem o nítido objetivo de empanar a autonomia e independência dos membros do Tribunal de Contas no exercício de seus misteres, colocando-os, por vias espúrias, em autêntica posição de subalternidade perante os seus órgãos fiscalizados.
Transparece nítida, pois, a pertinência temática, de vez que a Emenda Constitucional em questão atina com as prerrogativas e garantias dos membros dos Tribunais de Contas.” (grifei)

Tenho para mim, desse modo, que a ATRICON possui legitimidade ativa “ad causam” para promover a presente ação direta de inconstitucionalidade.
Passo, em conseqüência, a apreciar o pedido de suspensão cautelar de eficácia da Emenda Constitucional nº 40/2009, promulgada pela Augusta Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
A questão pertinente à definição da natureza jurídica dos denominados “crimes de responsabilidade” (conceito a que se subsumiriam as infrações político-administrativas) tem suscitado intensa discussão de ordem teórica, com conseqüente repercussão no âmbito jurisprudencial, notadamente no que concerne ao reconhecimento da pessoa política competente, no plano legislativo, para tipificá-los e para disciplinar a respectiva ordem ritual de seu processo e julgamento.
Não desconheço, por isso mesmo, que se registra, na matéria em exame, como venho de referir, amplo dissídio doutrinário em torno da qualificação jurídica do “crime de responsabilidade” e do processo a que dá origem, pois, para uns, o “impeachment” constitui processo eminentemente político, enquanto que, para outros, ele representa processo de índole criminal (como sucedeu sob a legislação imperial brasileira - Lei de 15/10/1827), havendo, ainda, os que nele identificam a existência de um processo de natureza mista, consoante revela o magistério de eminentes autores (PAULO BROSSARD DE SOUZA PINTO, “O Impeachment”, p. 76/88, 3ª ed., 1992, Saraiva; PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 3/596-600, 1992, Saraiva; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 1/453, 3ª ed., 2000, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 550/552, 32ª ed., 2009, Malheiros; JOSÉ  CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição de 1988”, vol. V/2.931-2.947, 2ª ed., 1992, Forense Universitária; PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda  nº 1 de 1969”, tomo III/351-361, 3ª ed., 1987, Forense; MICHEL TEMER, “Elementos de Direito Constitucional”, p. 167/171, 22ª ed., 2007, RT; JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Elementos de Direito Processual Penal”, vol. III/443-450, itens n. 864/868, 2ª ed., 2003, revista e atualizada por Eduardo Reale Ferrari, Forense; JOÃO BARBALHO, “Constituição Federal Brasileira – Comentários”, p. 133, 2ª ed., 1924; CARLOS MAXIMILIANO PEREIRA DOS SANTOS, “Comentários à Constituição Brasileira de 1891”, p. 542/543, Coleção História Constitucional Brasileira, 2005, Senado; AURELINO LEAL, “Teoria e Prática da Constituição Federal Brasileira”, p. 480, Primeira Parte, 1925; GUILHERME PEÑA DE MORAES, “Curso de Direito Constitucional”, p. 413/415, item n. 2.1.3.2.2.1, 2ª Ed. 2009, Impetus).
Parte expressiva da doutrina, ao examinar a natureza jurídica do crime de responsabilidade, situa-o no plano político-constitucional (PAULO BROSSARD, “O Impeachment”, p. 83, item n. 56, 3ª ed., 1992, Saraiva; THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, “A Constituição Federal Comentada”, vol. II/274-279, 3ª ed., 1956, Konfino; CASTRO NUNES, “Teoria e Prática do Poder Judiciário”, vol. 1/40-41, item n. 2, 1943, Forense; GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Curso de Direito Constitucional”, p. 968/969, item n. 7.2, 4ª ed., 2009, IDP/Saraiva; WALBER DE MOURA AGRA, “Curso de Direito Constitucional”, p. 460/461, item 24.3.2, 4ª Ed., 2008, Saraiva; DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR, “Curso de Direito Constitucional”, p. 935/939, item n. 3.6, 2ª Ed., 2008, JusPodivm; SYLVIO MOTTA e GUSTAVO BARCHET, “Curso de Direito Constitucional”, p. 721/723, item  n. 8.4, 2007, Elsevier, v.g.).
Há alguns autores, no entanto, como AURELINO LEAL (“Teoria e Prática da Constituição Federal Brasileira”, Primeira Parte, p. 480, 1925), que qualificam o crime de responsabilidade como instituto de direito criminal.
Por entender que a natureza jurídica do “crime de  responsabilidade” permite situá-lo no plano estritamente político-constitucional, revestido de caráter evidentemente extrapenal, não posso deixar de atribuir, a essa figura, a qualificação de ilícito político-administrativo, desvestida, em conseqüência, de conotação criminal, o que me autoriza concluir, tal como o fiz em voto vencido (Pet 1.954/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA) - dissentindo, então, da orientação jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte (RTJ 166/147, Rel. Min. NELSON JOBIM – RTJ  168/729, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RTJ 176/199, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, v.g.) –, que o impropriamente denominado “crime de responsabilidade” não traduz instituto de direito penal, viabilizando-se, por isso mesmo, a possibilidade de o Estado-membro exercer, nessa matéria, fundado em sua autonomia institucional, competência legislativa para definir, mediante cláusula de tipificação, os denominados crimes de responsabilidade, que nada mais são (excluídos, no entanto, os delitos funcionais) do que ilícitos ou infrações de índole político-administrativa.
Registro, neste ponto, por todos, no sentido que ora venho de expor (embora não desconheça tratar-se de posição minoritária nesta Corte), o magistério do eminente Ministro PAULO BROSSARD (“O Impeachment”, p. 90/91, item n. 64, 3ª ed., 1992, Saraiva), que reconhece a competência legislativa do Estado-membro (e, também, a do Município) para legislar sobre os crimes de responsabilidade, cuja natureza jurídica – por mostrar-se desvestida de caráter penal – autoriza qualificá-los como típicas infrações político-administrativas:

“Com efeito, sob a Constituição de 24 de fevereiro, embora competisse à União, como agora, legislar privativamente sobre direito penal, ela nunca definiu crimes de responsabilidade de autoridades locais - do Estado ou do Município - e, livre e validamente, fizeram-no os Estados-Membros, com chancela dos poderes federais.
Tal sucede na Argentina. Lá, a despeito de competir ao Congresso Nacional, com exclusividade, legislar sobre direito criminal, às Províncias jamais se negou a competência para regular o ‘juicio político’ e aplicá-lo conforme as disposições do direito estadual.
De resto, os mais autorizados jurisconsultos, penalistas inclusive, nunca puseram em dúvida a competência estadual a respeito. De Ruy Barbosa a João Barbalho, de José Higino a Galdino Siqueira, de Clóvis Bevilacqua a Pedro Lessa, de Epitácio Pessoa a Amaro Cavalcanti, de Afrânio de Melo Franco a Prudente de Moraes Filho, de Carlos Maximiliano a Viveiros de Castro, de Afonso Celso a Laudelino Freire, de Pisa e Almeida a Eneas Galvão, de Lúcio de Mendonça a Oliveira Ribeiro, em quase-unanimidade, dissertando ou decidindo, todos prestigiaram, direta ou indiretamente, explícita ou implicitamente, as práticas vigentes nesse sentido.” (grifei)

Essa visão do tema assenta-se no reconhecimento de que se revela imprópria a locução constitucional “crimes de responsabilidade”, que compreende, na realidade, infrações de caráter político-administrativo, em oposição à expressão (igualmente inscrita no texto da Constituição) “crimes comuns”.
Com efeito, o crime comum e o crime de responsabilidade são figuras jurídicas que exprimem conceitos inconfundíveis. O crime comum é um aspecto da ilicitude penal. O crime de responsabilidade refere-se à ilicitude político-administrativa. O legislador constituinte utilizou a expressão crime comum, significando ilícito penal, em  oposição a crime de responsabilidade, significando infração político-administrativa.
Nesse sentido, a correta observação de ADILSON ABREU DALLARI (“Crime de Responsabilidade do Prefeito”, “in” “Revista do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo”, vol. 72/146-148):

“Portanto, não pode haver dúvida. Uma coisa é infração penal, comum, disciplinada pela legislação penal. O Código Penal está em vigor, cuidando dos crimes contra a administração pública, que podem ser cometidos, inclusive por Prefeitos. O Prefeito pode perfeitamente ser julgado, pelo Tribunal de Justiça, no caso de cometer peculato, emprego irregular de verbas públicas, concussão, prevaricação, tudo isso não é crime de responsabilidade; tudo isso é crime comum que o Prefeito pode cometer e ser julgado pelo Poder Judiciário.
Ao lado disso, existe o crime de responsabilidade, que é uma infração político-administrativa (...).
.......................................................
Na sistemática constitucional, (...) fica claro que crime de responsabilidade não é infração penal, mas infração político-administrativa (...).” (grifei)

Essa mesma compreensão quanto à impropriedade da expressão constitucional “crimes de responsabilidade” traduz-se na lição do eminente Professor e Desembargador JOSÉ FREDERICO MARQUES (“Elementos do Direito Processual Penal”, vol. III/444-445, item n. 864, 2ª ed./2ª tir., 2003, Millennium):

“No Direito Constitucional pátrio, o ‘crime de responsabilidade’ opõe-se ao ‘crime comum’ e significa ‘a violação de um dever do cargo, de um dever de função’, como o dizia JOSÉ HIGINO. Mas a ‘sanctio juris’ contra essa infração não consiste em ‘pena criminal’, pois que seu julgamento e os efeitos jurídicos deste advindos são de outra espécie e moldam-se pela forma do instituto do ‘impeachment’.
.......................................................
Não nos parece que o ‘crime de responsabilidade’ de que promana o ‘impeachment’ possa ser conceituado como ‘ilícito penal’. Se a sanção que se contém na regra secundária pertinente ao ‘crime de responsabilidade’ não tem natureza penal, mas tão-só o caráter de ‘sanctio juris’ política, tal crime se apresenta como ‘ilícito político’ e nada mais.” (grifei)

Não obstante essa minha pessoal convicção sobre o tema, devo ressaltar que diverso é o entendimento consagrado na jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal (Pet  85/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES - Pet 1.104-AgR-ED/DF, Rel. Min.  SYDNEY SANCHES – Pet 1.954/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, v.g.), que tem reconhecido que os crimes de responsabilidade refogem à competência dos Estados-membros, incluindo-se, ao contrário, na esfera das atribuições legislativas da União Federal:

“Liminar. Constituição do Estado de Santa Catarina e Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado.
Impeachment: (a) Competência para julgar; (b) Regras de procedimento.
A definição de crimes de responsabilidade e a regulamentação do processo e do julgamento são de competência da União (Constituição Federal, art. 85, parágrafo único, e 22, I). Vigência da Lei n.º 1079/50 e aplicação de seus dispositivos, recepcionados com modificações decorrentes da Constituição Federal.
Liminar deferida, em parte, por unanimidade.”
(RTJ 166/147, Rel. Min. NELSON JOBIM - grifei)

“Crime de responsabilidade: definição: reserva de lei.
Entenda-se que a definição de crimes de responsabilidade, imputáveis embora a autoridades estaduais, é matéria de Direito Penal, da competência privativa da União - como tem prevalecido no Tribunal (...).”
(RTJ 168/729, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

“Inscreve-se na competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e a disciplina do respectivo processo e julgamento.
Precedentes do Supremo Tribunal: ADIMC 1.620, ADIMC 2.060 e ADIMC 2.235.”
(RTJ 176/199, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI - grifei)

“(...) 4. São de competência da União a definição jurídica de crime de responsabilidade e a regulamentação dos respectivos processo e julgamento. Precedente.
Pedido de liminar deferido.”
(ADI 2.050-MC/RO, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - grifei)

Cumpre registrar, ainda, por necessário, no que se refere à competência para legislar sobre crimes de responsabilidade, que o Supremo Tribunal Federal aprovou, na Sessão Plenária de 26/11/2003, o enunciado da Súmula 722/STF, que assim dispõe:

“São da competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento.” (grifei)

A orientação consolidada na Súmula 722/STF, hoje prevalecente na jurisprudência desta Suprema Corte, conduz ao reconhecimento de que não assiste, ao Estado-membro, mediante regramento normativo próprio, competência para definir tanto os crimes de responsabilidade (ainda que sob a denominação de infrações administrativas ou político-administrativas) quanto o respectivo procedimento ritual:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART.  136-A DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL DE RONDÔNIA, INTRODUZIDO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 21, DE  23.08.2001, E QUE DEFINE, COMO CRIME DE RESPONSABILIDADE DO GOVERNADOR DO ESTADO, ‘A NÃO EXECUÇÃO DA PROGRAMAÇÃO ORÇAMENTÁRIA, DECORRENTE DE EMENDAS PARLAMENTARES’.
ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 22, INCISO I, E 85, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A jurisprudência do S.T.F. é firme no sentido de que compete à União legislar sobre crime de responsabilidade (art. 22, I, e art. 85, parágrafo único, da C.F.).
2. No caso, a norma impugnada violou tais dispositivos.
3. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.
4. Plenário. Decisão unânime.”
(ADI 2.592/RO, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - grifei)

“Inscrevem-se, na competência legislativa da União, a definição dos crimes de responsabilidade e a disciplina do respectivo processo e julgamento.
Precedentes do Supremo Tribunal: ADIMC 1.620, ADIMC 2.060 e ADIMC 2.235.”
(ADI 2.220-MC/SP, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI - grifei)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 657/1996 DO ESTADO DE RONDÔNIA, ARTS. 1º; 2º; 3º; 4º; 5º; 6º, ‘CAPUT’ E PARÁGRAFO ÚNICO; 7º; 8º; 25; 26; 27; 28, ‘CAPUT’ E PARÁGRAFO ÚNICO; 29; 30 E 46. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO PARA A DEFINIÇÃO DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE.
Aplicação da Súmula 722.
Ação julgada procedente.”
(ADI 1.879/RO, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - grifei)

“(...) CRIME DE RESPONSABILIDADE. DEFINIÇÃO JURÍDICA DO DELITO, REGULAMENTAÇÃO DO PROCESSO E DO JULGAMENTO: COMPETÊNCIA DA UNIÃO.
.......................................................
4. São de competência da União a definição jurídica de crime de responsabilidade e a regulamentação dos respectivos processo e julgamento. Precedente.
Pedido de liminar deferido.”
(ADI 2.050-MC/RO, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - grifei)

“Liminar. Constituição do Estado de Santa Catarina e Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado.
Impeachment: (a) Competência para julgar; (b) Regras de procedimento.
A definição de crimes de responsabilidade e a regulamentação do processo e do julgamento são de competência da União (Constituição Federal, art. 85, parágrafo único, e 22, I). Vigência da Lei n.º 1079/50 e aplicação de seus dispositivos, recepcionados com modificações decorrentes da Constituição Federal.
Liminar deferida, em parte, por unanimidade.”
(ADI 1.628-MC/SC, Rel. Min. NELSON JOBIM - grifei)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PARÁGRAFOS 1.º E 2.º DO ARTIGO 162 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, COM A REDAÇÃO DADA PELA EMENDA  Nº 31, DE 30.12.97. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 22, I; E 84, II, DA CARTA DA REPÚBLICA.
.......................................................
Já o segundo, tipificando novo crime de responsabilidade, invade competência legislativa privativa da União, nos termos do inciso I do art. 22 da referida Carta. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
Procedência da ação.”
(ADI 1.901/MG, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - grifei)

Cabe assinalar que têm sido reiteradas as decisões proferidas por esta Suprema Corte, cujo magistério jurisprudencial se orienta - considerados os precedentes mencionados - no sentido da impossibilidade de outros entes políticos, que não a União, editarem normas definidoras de crimes de responsabilidade, ainda que sob a designação formal de infrações político-administrativas ou infrações administrativas:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – AUTONOMIA DO ESTADO-MEMBRO – A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO-MEMBRO COMO EXPRESSÃO DE UMA ORDEM NORMATIVA AUTÔNOMA – LIMITAÇÕES AO PODER CONSTITUINTE DECORRENTE (...) – PRESCRIÇÃO NORMATIVA EMANADA DO LEGISLADOR CONSTITUINTE ESTADUAL – FALTA DE COMPETÊNCIA DO ESTADO-MEMBRO PARA LEGISLAR SOBRE CRIMES DE RESPONSABILIDADE (...).
.......................................................
INFRAÇÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS: INCOMPETÊNCIA LEGISLATIVA DO ESTADO-MEMBRO.
- O Estado-membro não dispõe de competência para instituir, mesmo em sua própria Constituição, cláusulas tipificadoras de ilícitos político-administrativos (...).”
(RTJ 198/452-454, 452, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

“I - Crime de responsabilidade: tipificação: competência legislativa da União mediante lei ordinária: inconstitucionalidade de sua definição em constituição estadual.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (malgrado a reserva pessoal do relator) está sedimentada no sentido de que é da competência legislativa exclusiva da União a definição de crimes de responsabilidade de quaisquer agentes políticos, incluídos os dos Estados e Municípios.”
(ADI 132/RO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

“Segundo a orientação do Supremo Tribunal, é da competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade bem como a disciplina do respectivo processo e julgamento (cfr. ADIMC 1268, DJ 26-9-97; ADIMC 2050, DJ 1-10-99).
Relevância jurídica também da argüição de inconstitucionalidade de Decreto-legislativo editado para tornar insubsistente norma de lei formal (ADIMC 1254, DJ de 17-3-2000).”
(ADI 2.235-MC/AP, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI - grifei)

Essa diretriz jurisprudencial apóia-se no magistério de autores - como PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969”, tomo III/355, 3ª ed., 1987,  Forense), MARCELO CAETANO (“Direito Constitucional”, vol. II/547-552, item n. 179, 2ª ed., revista e atualizada por Flávio Bauer Novelli, 1987, Forense) e OSWALDO TRIGUEIRO (“Direito Constitucional Estadual”, p. 191, item n. 101, 1980, Forense) - que reconhecem, unicamente, na matéria ora em análise, a competência legislativa da União Federal, advertindo que a regulação do tema, pelo Estado-membro, traduz usurpação das atribuições que a Constituição da República outorgou, com exclusividade, à própria União Federal.
O que me parece incontroverso, no entanto, a partir da edição da Súmula 722/STF, é que resultou superada, agora, prestigiosa corrente doutrinária (PAULO BROSSARD DE SOUZA PINTO, “O Impeachment”, p. 88/112, 2ª ed., 1992, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 629/630, 32ª ed., 2009, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Municipal Brasileiro”, p.  805, 16ª ed., item n. 4.2.1, 2008, Malheiros), que admite a possibilidade de os Estados-membros ou os Municípios definirem, eles próprios, os modelos tipificadores dos impropriamente denominados crimes de responsabilidade.
É por essa razão - considerada a jurisprudência hoje prevalecente nesta Suprema Corte - que a ATRICON sustenta a inconstitucionalidade da EC estadual nº 40/2009 ora impugnada (fls. 16/18):

“(...) identificando-se, como de fato se tem por identificado, que o objeto da Emenda em apreço é a regulamentação do processo e julgamento de infrações ‘de responsabilidade’, forçoso fica concluir que falta, ao Estado, competência legislativa para criá-las e disciplinar seu julgamento, ‘ex vi’ do disposto no art. 22, I, e 85 da Constituição da República.
Por sua vez, pouco importa que se tenham atribuído às infrações em questão natureza meramente ‘administrativa’, porquanto o que as define como tal, ou ‘de responsabilidade’, não é a vontade do legislador, e, sim, a sua aderência à natureza do cargo e da sanção. Daí que, vinculando-se à conduta do Conselheiro no exercício das suas funções, as infrações tipificadas, em tese, na Emenda  em apreço, deixam entrever que consubstanciam verdadeiras infrações políticas, distanciando-se, e muito, do caráter tipicamente funcional dos ilícitos administrativos.
Destarte, na hipótese em exame, falta, ao Estado, por sua Assembléia Legislativa, competência para legislar acerca da matéria, ‘tipificando’ ao seu talante atos infracionais em relação aos quais a sanção correlata é a perda do cargo e estabelecendo as normas procedimentais respectivas.
Além do mais, fosse possível (‘ad argumentandum tantum’) conferir às infrações acima referidas caráter estritamente ‘administrativo’, conforme enunciado na Emenda sob comento, então o vício que a inquina seria outro, mas igualmente idôneo para fulminar a sua validade por isso que, como é curial, o Tribunal de Contas não compõe a estrutura orgânico-administrativa da Assembléia Legislativa, ao revés, justapondo-se a ela, cada qual no exercício das suas atribuições e competências moldadas pelo texto constitucional (o que impõe a cada um deles a mais estrita observância das prerrogativas e poderes conferidos ao outro).
Assim sendo, nada há que autorize a iniciativa de emenda constitucional atinente ao julgamento de possíveis infrações ‘administrativas’ cometidas por Conselheiros do Tribunal de Contas pelos membros do Poder Legislativo. Até porque, caso (‘ad argumentandum’, repita-se) tais infrações revestissem a propalada natureza ‘administrativa’, só deteria poderes para ‘julgá-las’ quem, ‘administrativamente’, ocupasse escalão hierárquico superior, DENTRO DE UMA MESMA ÓRBITA FUNCIONAL, o que evidentemente não sucede no concernente a ambos os órgãos em apreço.
Tenha-se presente, por ser importante e expressar consonância com os princípios e a ordem jurídica que se quer preservar, que a Constituição do Estado do Rio de Janeiro dispõe no parágrafo 4º do seu artigo 128 que ‘Os  Conselheiros, nos casos de crimes comuns e nos de responsabilidade, serão processados e julgados, originariamente, pelo Superior Tribunal de Justiça’.” (grifei)

Daí a observação feita pelo eminente Advogado-Geral da União, no ponto em que destaca, a esse respeito, a orientação jurisprudencial desta Corte, consolidada na Súmula 722/STF (fls. 127/130):

“(...) a tipificação dos crimes de responsabilidade, bem assim o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento, são de competência privativa da União, nos termos da pacífica jurisprudência desse Supremo Tribunal Federal, consubstanciada nos seguintes precedentes:

‘SÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO A DEFINIÇÃO DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE E O ESTABELECIMENTO DAS RESPECTIVAS NORMAS DE PROCESSO E JULGAMENTO.’ (Súmula 722);

‘A expressão ‘e julgar’, que consta do inciso XX do artigo 40, e o inciso II do § 1º do artigo 73 da Constituição catarinense consubstanciam normas processuais a serem observadas no julgamento da prática de crimes de responsabilidade. Matéria cuja competência  legislativa é da União. Precedentes. Lei federal n. 1.079/50, que disciplina o processamento dos crimes de responsabilidade. Recebimento, pela Constituição vigente, do disposto no artigo 78, que atribui a um Tribunal Especial a competência para julgar o Governador. Precedentes. Inconstitucionalidade formal dos preceitos que dispõem sobre processo e julgamento dos crimes de responsabilidade, matéria de competência legislativa da União.’
(ADI 1.628, Rel. Min. Eros Grau, Pleno, DJ de 24-11-06). [...];

‘Segundo a orientação do Supremo Tribunal, é da competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade bem como a disciplina do respectivo processo e julgamento (cfr. ADI 1.628-MC, DJ 26-9-97; ADI 2.050-MC, DJ de 1º-10-99).’
(ADI 2.235-MC, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 7-5-04). [...];

‘Entenda-se que a definição de crimes de responsabilidade, imputáveis embora a autoridades estaduais, é matéria de Direito Penal, da competência privativa da União - como tem prevalecido no Tribunal (...).’
(ADI 834, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 18-2-99, DJ de 9-4-99). [...].

A propósito, existe a Lei Federal nº 1.079, de 1950, com a redação conferida pela Lei nº 10.028, de 19 de outubro de  2000, que dispõe sobre os denominados crimes de responsabilidade praticados pelos agentes políticos. Esse diploma legal, conforme orientação dessa Corte Suprema, fora recepcionado pela nova Ordem Constitucional e cuida dos crimes de responsabilidade do Presidente da República (art. 4º); de Ministros de Estados (art. 13); dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 39); Presidentes de Tribunais Superiores ou não, que exercem cargo de direção ou equivalentes, no que diz respeito aos aspectos orçamentários (art. 39-A); do Procurador-Geral da República (art. 40); do Advogado-Geral da União (art. 40-A, parágrafo único, I), dos Procuradores-Gerais do Trabalho, Eleitoral e Militar, dos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, dos Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal, dos membros do Ministério Público da União e dos Estados, da Advocacia-Geral da União, das Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, quando no exercício de funções de chefia das unidades regionais ou locais das respectivas instituições (art. 40-A, parágrafo único, II) e dos Governadores dos Estados e seus Secretários (art. 74).
Há, também, no âmbito da legislação federal, o Decreto- -lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, alterado pela Lei   nº 10.028, de 2000, que cuida dos crimes de  responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores e pela Lei  nº 7.106, de 28 de junho de 1983, a qual trata dos crimes de responsabilidade dos Governadores do Distrito Federal e dos Territórios Federais e seus Secretários; tudo a demonstrar a competência da União para legislar sobre a matéria.
Dessa maneira, conclui-se que o ato normativo hostilizado ofende o art. 22, inciso I, da Constituição Federal, ao dispor sobre matéria penal, bem como o art. 105, inciso I, ‘a’, da referida Carta, porquanto atribui ao Poder Legislativo estadual a competência para julgar os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro.
Por conseguinte, encontra-se presente, também, o ‘fumus boni iuris’ necessário à concessão da liminar.” (grifei)

Também o eminente Procurador-Geral da República põe em destaque esse aspecto, ressaltando que, no tema disciplinado na EC nº 40/2009, promulgada pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, esta Suprema Corte tem reconhecido a competência exclusiva da União Federal (fls. 184/185):

“17. Os dispositivos da Constituição do Estado do Rio de Janeiro parecem, num exame preliminar, ofender a competência da União para dispor sobre direito penal, bem como vulnerar a competência assegurada ao Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar os membros dos Tribunais de Contas dos Estados nos crimes de responsabilidade (art. 105, I, ‘a’, CF).
.......................................................
21. A despeito de utilizar a nomenclatura ‘infrações administrativas’, o que se observa é que os dispositivos elencam condutas que se enquadram, de forma perfeita, no conceito de crimes de responsabilidade, donde decorre certa a violação à competência constitucionalmente atribuída à União para dispor sobre Direito Penal.
.......................................................
24. Evidente, portanto, estar caracterizada a plausibilidade jurídica do pedido, tanto porque a norma da Constituição Estadual ofende o art. 22, I, da Constituição Federal, haja vista tratar de tema afeto ao Direito Penal (...).” (grifei)

O Estado-membro, portanto, considerada a jurisprudência predominante nesta Suprema Corte, não dispõe de competência para estabelecer normas definidoras de crimes de responsabilidade (ainda que sob a designação de infrações administrativas ou político-dministrativas), bem assim para disciplinar o respectivo procedimento ritual.
Mesmo que se reconhecesse, no entanto, a competência estadual para tipificar crimes de responsabilidade, para efeito de decretação da perda de cargo de Conselheiro de Tribunal de Contas do Estado, por deliberação da Assembléia Legislativa local, ainda assim a Emenda Constitucional estadual nº 40/2009 ora em exame pareceria incidir em outra inconstitucionalidade, pois – como sustenta a ATRICON (fls. 18) – o diploma normativo em questão provocaria usurpação da competência originária do Superior Tribunal de Justiça, a quem se atribui, constitucionalmente, o poder de processar e julgar os membros dos Tribunais de Contas estaduais não só nos “crimes comuns”, mas, também, nos “crimes de responsabilidade”, abrangentes, segundo entendimento jurisprudencial desta Corte, das infrações político-administrativas (CF, art. 105, I, “a”).
Orienta-se, nesse sentido, o magistério, sempre valioso, de JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Comentário Contextual à Constituição”, p. 567, itens ns. 2 e 3, 6ª ed., 2009, Malheiros):

“2. GENERALIDADE SOBRE A COMPETÊNCIA DO STJ. A competência do STJ está distribuída em três áreas: (a) competência ‘originária’ para processar e julgar as questões relacionadas no inciso I do art. 105 (...).
3. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. É de sua ‘competência originária processar e julgar’ (...), nos ‘crimes comuns’ e ‘de responsabilidade’, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos TRFs, dos TREs e dos TRTs, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais (...).” (grifei)

Correta, portanto, a advertência do eminente Advogado-Geral da União, que, ao manifestar-se pela “concessão da medida cautelar postulada” (fls. 130), põe em destaque esse específico aspecto da controvérsia (fls. 125/131):

“Há que se ressaltar, ainda, que o art. 105 da Constituição Federal, igualmente, deixa evidente que os Conselheiros dos Tribunais de Contas são agentes políticos, na medida em que insere tais autoridades entre os sujeitos ativos dos crimes de responsabilidade sujeitos ao julgamento originário pelo Superior Tribunal de Justiça. Prevê o dispositivo em questão:
...................................................
Dessa forma, os Conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais podem ser processados e julgados por crime de responsabilidade, ou, no dizer de alguns doutrinadores, ‘por infrações de natureza político-administrativa’. Tal enquadramento substitui a responsabilidade meramente administrativa, que é aplicável aos agentes públicos comuns.
..........................................................
Dessa maneira, conclui-se que o ato normativo hostilizado ofende o art. 22, inciso I, da Constituição Federal, ao dispor sobre matéria penal, bem como o art. 105, inciso I, ‘a’, da referida Carta, porquanto atribui, ao Poder Legislativo estadual, a competência para julgar os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro.” (grifei)

Cabe assinalar, ainda, que, mesmo que não incidisse, na espécie, a competência originária do Superior Tribunal de Justiça, ainda assim pareceria haver, em referida emenda à Constituição estadual, uma outra eiva de inconstitucionalidade.
É que o Conselheiro do Tribunal de Contas dispõe, como garantia de ordem subjetiva destinada a proteger-lhe a independência funcional, da prerrogativa jurídico-constitucional da vitaliciedade (CF, art. 73, § 3º, c/c o art. 75).
Todos sabemos que essa garantia estende, em favor dos magistrados, representante do Ministério Público e membros dos Tribunais de Contas, significativa proteção contra a demissão funcional, somente permitindo a decretação de perda do cargo mediante decisão judicial.
Isso significa que os Conselheiros dos Tribunais de Contas, cujas prerrogativas são equiparadas às dos Desembargadores dos Tribunais de Justiça, possuem a garantia de indemissibilidade, que só deixa de prevalecer em face de decisão emanada do Poder Judiciário, não, porém, de decisão proferida pelas Casas legislativas.
Esse entendimento – que tem apoio em autorizado magistério doutrinário (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 933/934, item n. 17, 26ª ed., 2009, Malheiros; THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, “A Constituição Federal Comentada”, vol. II/191-192, 3ª ed., 1956, Konfino, v.g.) - foi exposto pelo eminente Advogado-Geral da União, em passagem de sua manifestação (fls. 124/125):

“(...) Saliente-se, também, que o § 3º do art. 73 da Constituição da República, de observância obrigatória na estruturação dos Tribunais de Contas estaduais, por força do art. 75 da mesma Carta política, lhes confere as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado.
Isso demonstra que os membros dos Tribunais de Contas dos Estados não são agentes públicos comuns, mas verdadeiros agentes políticos que gozam de independência, nas matérias de sua competência, pois equiparados aos desembargadores, principalmente no que concerne às garantias a estes asseguradas, entre elas a da vitaliciedade que impede a perda de cargo, por parte dos Conselheiros de Contas, a não ser mediante sentença judicial transitado em julgado.” (grifei)

JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES, em obra sobre os Tribunais de Contas (“Tribunais de Contas do Brasil – Jurisdição e Competência”, p. 717/719, item n. 6.1.1, 2ª ed./1ª reimpressão, 2008, Fórum), ao referir-se às prerrogativas constitucionais de seus membros, tanto no âmbito da União (Ministros) quanto no dos Estados (Conselheiros), também enfatiza que a perda do cargo, por tais autoridades, somente será possível em decorrência de sentença judicial:

“6.1.1. dos Ministros e Conselheiros
(...)
No Brasil, por equiparação, a Constituição Federal assegurou a estes as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos ministros do Superior Tribunal de Justiça, sendo aplicadas, para aposentadoria e pensão, as normas do art. 40. As garantias correspondem às gerais da magistratura, referidas também na Constituição Federal: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio.
A vitaliciedade, no caso de ministros do Tribunal de Contas da União, é garantida desde a nomeação e posse (...).
A mesma se aplica aos conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais e municipais, bem como do Distrito Federal, por força do art. 75 da Constituição Federal (...).
Desde a posse, portanto, os ministros do TCU e os conselheiros dos Tribunais de Contas só podem perder o cargo por sentença transitada em julgado ou na forma da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.” (grifei)

Vale referir, por pertinente, fragmento da decisão que a eminente Ministra ELLEN GRACIE – perfilhando o entendimento de que os membros dos Tribunais de Contas possuem as mesmas prerrogativas da magistratura, inclusive a vitaliciedade (ADI 375-MC/AM, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI - ADI 1.170/AM, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.) - proferiu no exercício da Presidência desta Suprema Corte, nos autos da SS 3.024/PE:

“(...) a determinação de afastamento imediato de Conselheiro do Tribunal de Contas, antes do trânsito em julgado da ação mandamental proposta com vistas à desconstituição do ato de sua posse, contraria o disposto no art. 75 c/c os arts. 73, § 3º, e 95, I, todos da Constituição da República. É dizer, o Conselheiro do Tribunal de Contas nomeado e empossado, por gozar da garantia da vitaliciedade equivalente à dos desembargadores do Tribunal de Justiça estadual, só poderá ser afastado do cargo por sentença judicial transitada em julgado.” (grifei)

Cabe enfatizar, neste ponto, uma vez mais, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - considerado o teor da Emenda Constitucional estadual 40/2009 -, que inexiste qualquer vínculo de subordinação institucional dos Tribunais de Contas ao respectivo Poder Legislativo, eis que esses órgãos que auxiliam o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas, a Câmara Legislativa do Distrito Federal e as Câmaras Municipais possuem, por expressa outorga constitucional, autonomia que lhes assegura o autogoverno, dispondo, ainda, os membros que os integram, de prerrogativas próprias, como os predicamentos inerentes à magistratura.
Revela-se inteiramente falsa e completamente destituída de fundamento constitucional a idéia, de todo equivocada, de que os Tribunais de Contas seriam meros órgãos auxiliares do Poder Legislativo.
Na realidade, os Tribunais de Contas ostentam posição eminente na estrutura constitucional brasileira, não se achando subordinados, por qualquer vínculo de ordem hierárquica, ao Poder Legislativo, de que não são órgãos delegatários nem organismos de mero assessoramento técnico, como o reconhecem autorizadíssimos doutrinadores (LUCAS ROCHA FURTADO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 1.085/1.086, item n. 18.5.2, 2007, Fórum; JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES, “Tribunais de Contas do  Brasil - Jurisdição e Competência”, p. 139/144, item n. 9, 2ª ed./1ª reimpressão, 2008, Fórum; CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “in” Revista de Direito Público, vol. 72/133-150, 136-137; ODETTE MEDAUAR, “Direito Administrativo Moderno”, p. 411, item n. 18.5, 2ª ed., 1998, RT; MARÇAL JUSTEN FILHO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 1.000/1.001, item XV.7.3, 4ª ed., 2009, Saraiva; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 771, item n. 7.1, 35ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmannuel Burle Filho, 2009, Malheiros, v.g.).
Daí a corretíssima observação que o eminente Ministro OCTAVIO GALLOTTI fez, como Relator, no julgamento final da ADI 375/DF:

“Creio ser hoje possível afirmar, sem receio de erro, que os Tribunais de Contas são órgãos do Poder Legislativo, sem, todavia se acharem subordinados às Casas do Congresso, Assembléias Legislativas ou Câmaras de Vereadores. Que não são subordinados, nem dependentes, comprovam-no o dispositivo da Constituição Federal que lhes atribui competência para realizar, por iniciativa própria, inspeções e auditorias nas unidades administrativas dos três Poderes (art. 71, IV), bem como as garantias da magistratura, asseguradas aos seus Membros (art. 73, § 3º), além de extensão da autonomia inerente aos Tribunais do Poder Judiciário (art. 73, combinado com o art. 96).
Acresce que a competência dos Tribunais de Contas não resulta de delegação das Câmaras Legislativas, mas, originariamente, da Constituição.” (grifei)

Essa visão em torno da autonomia institucional dos Tribunais de Contas, dos predicamentos e garantias reconhecidos aos membros que os integram e da inexistência de qualquer vínculo hierárquico dessas mesmas Cortes de Contas ao respectivo Poder Legislativo tem sido constante na jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, como resulta claro do voto que o eminente Ministro OCTAVIO GALLOTTI proferiu no julgamento, por esta Suprema Corte, da Representação nº 1.002/SP:

“O Tribunal de Contas da União, padrão obrigatório das Cortes estaduais correspondentes, composto de Ministros investidos das mesmas garantias da magistratura e dotado da prerrogativa de autogoverno conferida aos Tribunais do Poder Judiciário, tem sua esfera própria de atuação direta, estabelecida na Constituição.
A despeito da ambigüidade da expressão ‘auxílio do Tribunal de Contas’, utilizada, pela Constituição, ao estabelecer o modo de exercício do controle externo, pelo Poder Legislativo, é patente, no sistema, a autonomia do Tribunal, que não guarda vínculo algum de subordinação para com o Congresso, nem deve ser entendido como mera assessoria deste.” (grifei)

Concluo a minha decisão. E, ao fazê-lo, entendo, consideradas as razões que expus e tendo em vista, ainda, os pronunciamentos dos eminentes Senhores Advogado-Geral da União (fls. 117/130) e Procurador-Geral da República (fls. 180/185) - ambos favoráveis à concessão da medida cautelar -, que se reveste de densa plausibilidade jurídica a pretensão ora deduzida pela ATRICON.
Concorre, por igual, a meu juízo, o requisito pertinente ao “periculum in mora”, especialmente se se considerar a alegação da autora de que é “exíguo o prazo de 90 dias fixado para a conclusão do processo de afastamento de Conselheiros do Tribunal de Contas” (fls. 201).
Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro, ”ad referendum” do E. Plenário do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 9.868/99, art. 10, “caput”, c/c o art. 21, V, do RISTF), o pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação direta, suspender, cautelarmente, a eficácia da Emenda Constitucional nº 40, de 02/02/2009, promulgada pela Augusta Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, que acrescentou os §§ 5º e 6º ao art. 128 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
Assinalo que a presente medida cautelar reveste-se de plena eficácia e dispõe de imediata aplicabilidade e exeqüibilidade, assim permanecendo até que o Plenário do Supremo Tribunal Federal venha a apreciá-la nos termos e para os fins a que se refere o art. 21, inciso V, do RISTF.
Comunique-se, com urgência, encaminhando-se, à Augusta Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, cópia da presente decisão.

Publique-se.
Brasília, 1º de julho de 2009 (22:30h).

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão publicada no DJE de 4.8.2009

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS

29 de junho a 1º de julho de 2009

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Súmula Vinculante - Servidor Público - Remuneração
Súmula Vinculante nº 16 - Os artigos 7º, IV, e 39, § 3º (redação da EC 19/98), da Constituição, referem-se ao total da remuneração percebida pelo servidor público. Publicada no DJE de 1/7/2009, n.121, p.1. Publicada também no DOU de 1/7/2009, Seção 1, p.1.

Súmula Vinculante - Servidor Público - Gratificação
Súmula Vinculante nº 15 - O cálculo de gratificações e outras vantagens do servidor público não incide sobre o abono utilizado para se atingir o salário mínimo. Publicada no DJE de 1/7/2009, n.121, p.1. Publicada também no DOU de 1/7/2009, Seção 1, p.1.

OUTRAS INFORMAÇÕES

TRATADO INTERNACIONAL - Aprovação - Transferência - Condenado - República Federativa do Brasil - República do Suriname
Decreto Legislativo nº 346, de 2009* - Aprova o texto do Tratado sobre Transferência de Pessoas Condenadas entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Suriname, celebrado em Paramaribo, em 16 de fevereiro de 2005. Publicado no DOU de 29/6/2009, Seção 1, p.2.
* texto do Acordo está publicado no DSF de 13/11/2008.


Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos
informativo@stf.jus.br

 
Praça dos Três Poderes - Brasília - DF - CEP 70175-900 Telefone: 61.3217.3000

Informativo STF - 553 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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