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quarta-feira, 15 de julho de 2009

JURID - Serviços de coleta de lixo. Empresa concessionária. Tarifa. [15/07/09] - Jurisprudência

Jurisprudência Tributária
Ação de cobrança. Serviços de coleta de lixo prestado por empresa concessionária de serviço público. Tarifa.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Dados do acórdão

Classe: Apelação Cível

Processo: 2008.059434-3

Relator: Rui Fortes

Data: 14/07/2009

Apelação Cível n. 2008.059434-3, de Balneário Camboriú

Relator: Des. Rui Fortes

APELAÇÃO CÍVEL - TRIBUTÁRIO - AÇÃO DE COBRANÇA - SERVIÇOS DE COLETA DE LIXO PRESTADO POR EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO - TARIFA - PREÇO PÚBLICO - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 30 E 175 DA CARTA MAGNA, E ART. 9º DA LEI N. 8.987/95 - PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - COBRANÇA DE TARIFA DE SERVIÇOS GERAIS DE LIMPEZA DE VIAS PÚBLICAS - AUSÊNCIA DE DIVISIBILIDADE E ESPECIFICIDADE DO SERVIÇO - INEXIGIBILIDADE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

"1 A compulsoriedade, por si só, não pode servir de critério absoluto para estabelecer a natureza jurídica da denominada "Taxa de Coleta de Lixo". A obrigatoriedade da utilização do serviço colocado à disposição dos usuários, como critério para distinguir a taxa do preço público, só se mostra relevante quando esse serviço é prestado diretamente pelo próprio Município, e não quando realizado através de concessão, até porque, como sabido, é vedada a delegação dos serviços típicos do Município.

"Teoricamente, não há óbice à cobrança por meio de tarifa, tudo dependendo do regime jurídico que disciplina a prestação do serviço, pois tarifa é a sua contraprestação, sendo justa a remuneração do capital investido em favor dos usuários.

"2 A caracterização da contraprestação dos serviços de coleta de lixo como "preço público" legitima a empresa concessionária a promover a cobrança dos respectivos débitos.

"3 "Os serviços de limpeza pública, como os de capinação, varrição, limpeza de bocas-de-lobo e pintura de meio-fio atendem a interesses gerais (uti universi) de usuários não identificados e não a interesses individuais (uti singuli) dos moradores, sendo inespecíficos e indivisíveis, daí porque o seu custeio só pode ocorrer por meio de impostos e não por tarifa ou taxa" (AC n. 2006.032942-7, Des. Jaime Ramos)" (AC n. 2008.061229-4, de Balneário Camboriú).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.059434-3, da comarca de Balneário Camboriú (3ª Vara Cível), em que é apelante Paulo Xavier Pereira, e apeladas Coneville Serviços e Construções Ltda e Ambiental Saneamento e Concessões Ltda:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime, dar parcial provimento ao recurso. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

Coneville Serviços e Construções Ltda. e Ambiental Saneamento e Concessões Ltda. ajuizaram ação de cobrança contra Paulo Xavier Pereira eSebastião Camilo Braga, objetivando, em síntese, a percepção de valoresreferentes à prestação de serviços de coleta e transporte de resíduos domiciliares, limpeza de vias urbanas e logradouros públicos, cuja remuneração é realizada por tarifa (preço público), paga pelos munícipes usuários, entre eles, os réus indicados na demanda. Afirmaram que os demandados não vêm cumprindo suas obrigações, não obstante continuem fazendo uso dos serviços de recolhimento de lixo e limpeza urbana. Nesses termos, após outras considerações, pugnaram pela condenação dos réus ao pagamento dos valores devidos, acrescidos de juros e correção monetária, mais custas e honorários.

Citados, o réu Sebastião Camilo Braga deixou transcorrer in albis o prazo para a contestação, e o réu Paulo Xavier Pereira apresentou defesa (fls. 112 a 134) arguindo, preliminarmente, ilegitimidade ativa ad causam, ao argumento de que o objeto da cobrança é tributo da espécie taxa. No mérito, sustentou que o serviço de coleta de lixo tem natureza jurídica tributária, pois imposto coativamente a todos os proprietários de imóveis localizados na cidade de Balneário Camboriú, independentemente da efetiva utilização dos serviços, tratando-se, assim, de taxa e não tarifa, não podendo ser exigida pela empresa concessionária. Insurgiu-se, ainda, contra os valores pretendidos pelas autoras, afirmando serem excessivos, notadamente quando comparados aos que é cobrado em municípios da região. Defendeu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, afirmando que o serviço não pode ser prestado sem prévia solicitação do usuário. Aduziu a inconstitucionalidade das lei federais que autorizam a concessão do serviço de coleta de lixo e limpeza urbana, bem como a inconstitucionalidade das Leis Municipais que regulam a concessão. Por fim, pugnou pelo reconhecimento da ilegitimidade ativa ad causam, e, consequentemente, a extinção do processo nos termos do art. 329 do CPC, ou pela improcedência do pedido, com a declaração de inconstitucionalidade das leis federais e municipais que tratam da questão, bem como a ilegalidade das mesmas e do contrato de concessão frente ao Código Tributário Nacional.

Após a réplica (fls. 155 a 183), sobreveio a r. sentença (fls. 298 a 307) que julgou parcialmente procedentes os pedidos, para condenar os réus ao pagamento dos valores relativos à tarifa de coleta de lixo a partir de janeiro de 1999, e os demais vencidos e vincendos (art. 290 do CPC), acrescidos de juros legais de 6% (seis por cento) ao mês durante a vigência do Código Civil de 1916, e 1% (um por cento) ao mês na vigência do novo Código Civil, atualizados monetariamente pela variação do INPC, ambos a partir do respectivo vencimento. Por fim, em face da sucumbência mínima, condenou os réus ao pagamento das custas e honorários, estes fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, § 3º, do CPC.

Irresignado, o réu Paulo Xavier Pereira interpôs recurso de apelação (fls. 315 a 336) reeditando os fundamentos inseridos na defesa. Apresentadas as contrarrazões (fls. 347 a 388), os autos ascenderam a esta instância recursal.

VOTO

O recurso merece parcial provimento.

Na espécie, a solução da demanda tem como ponto central definir a natureza jurídica da contraprestação decorrente dos serviços de coleta de lixo e de limpeza pública, equivalente à remuneração do serviço público prestado pelas empresas autoras, ou seja, estabelecer se a contraprestação pelo serviço é paga por meio de "taxa" ou "tarifa" (preço público).

In casu, a prestação do serviço de coleta de lixo e de limpeza pública do município de Balneário Camboriú, foi repassada à empresa Coneville Serviços e Construções Ltda., após regular processo licitatório, mediante concessão - Convênio n. 083/97, confirmado pelas Leis Municipais ns. 1.610/96 e 1.810/98, consoante o disposto nos arts. 30, V, e 175, da Constituição Federal.

Com efeito, a Constituição Federal, e a legislação infraconstitucional - Lei n. 9.074/95 (art. 2°) e Lei n. 8.987/95 (art. 9º), que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos - estabelece ser "tarifa" (preço público) a natureza jurídica da remuneração paga pelos usuários nas modalidades de prestação de serviço público, realizados mediante concessão.

A matéria, em verdade, foi amplamente abordada pelo eminente Des. Luiz Cézar Medeiros, nos autos da AC n. 2008.061229-4, também de Balneário Camboriú, que, por partilhar do mesmo entendimento, adota-se como razões de decidir, in verbis:

"(...).

"2 Da tarifa de coleta de lixo

"Conforme se deduz dos documentos trazidos aos autos e da legislação de regência, no Município de Balneário Camboriú, a prestação dos serviços de coleta de lixo e limpeza pública incumbia à Coneville Serviços e Construções Ltda., sendo atualmente realizados pela concessionária Engepasa Ambiental Ltda.Nesse sentido são os termos do Contrato de Concessão de serviços n. 083/97 (fls. 29/50), celebrado com respaldo no art. 175, da Constituição Federal, nas Leis 8.987/95 e 9.074/95, e chancelado através das Leis Municipais n. 1.610/96 e 1.810/98.

"De qualquer forma, o ponto central de toda a controvérsia, inclusive pretoriana, reside no correto estabelecimento da natureza jurídica da nominada 'Taxa de Coleta de Lixo' que serve de base para a cobrança, pela Coneville Serviços e Construções Ltda., da contraprestação dos serviços de coleta de lixo prestados aos munícipes.

"A tese sustentada no presente voto é a de que a compulsoriedade, por si só, não pode servir de critério absoluto para estabelecer a natureza jurídica da denominada "Taxa de Coleta de Lixo". A obrigatoriedade da utilização do serviço colocado à disposição dos usuários, como critério para distinguir a taxa do preço público, só se mostra relevante quando esse serviço é prestado diretamente pelo próprio Município, e não quando realizado através de concessão, até porque, como sabido, é vedada a delegação dos serviços típicos do Município.

"Vale repetir: a distinção quanto à natureza jurídica do valor cobrado a título de 'Taxa de Coleta de Lixo', somente tem sentido quando é o próprio Município quem diretamente presta o serviço. Se há delegação através de concessão ou permissão, o que exsurge é a contraprestação em forma da cobrança do preço público ou tarifa.

"A culta e renomada administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro, patrocina com vigor a defesa desse entendimento:

"'Ao meu ver, a distinção quanto à natureza da imposição com base no conceito constitucional de taxa, só é cabível quando o serviço seja prestado diretamente pelo próprio Estado. Porém, não tem nenhum sentido quando o serviço é prestado por meio de concessão ou permissão, porque a esses institutos é inerente a cobrança de tarifa. Se a Constituição permite a prestação de serviço público por meio de concessão ou permissão, também está permitindo a cobrança de tarifa. Impor a instituição de taxa (sujeita ao princípio da legalidade) aos serviços públicos concedidos tornaria inviável a utilização da concessão, já que a taxa é inadequada como meio de assegurar ao concessionário o seu direito ao equilíbrio econômico-financeiro.

"'Afirmar que determinado serviço só pode ser remunerado por meio de taxa é o mesmo que afirmar que esse serviço não pode ser objeto de concessão ou permissão" (In parecer elaborado sobre contrato celebrado entre a SABESPe o Município de Avaré, tendo por objeto a execução e exploração de serviços de saneamento básico e a natureza jurídica da remuneração paga pelos usuários).

"Conforme demonstrado anteriormente, o contrato de concessão celebrado entre o Município de Balneário Camboriú e a Coneville Serviços e Construções Ltda., deu-se sob os ditames da legislação vigente em harmonia com a redação do art. 175, da Constituição Federal, que rege a matéria nos seguintes termos:

"'Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos".

"O art. 30, inc. V, também da Carta Magna, no que tange à competência dos Municípios para outorgar concessão ou permissão, preconiza:

"'Art. 30. compete aos Municípios:

"'(...)

'"V- organizar e prestar, diretamente ou em regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o transporte coletivo, que tem caráter essencial'.

"É ainda a ilustre professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro quem chama a atenção para o fato da não distinção, pela Constituição Federal, dos serviços que podem e os que não podem ser executados por meio de concessão. Na verdade, obtempera, 'o conceito de concessão, ao qual é inerente a remuneração por meio de tarifa, é possível para qualquer tipo de serviço de natureza comercial ou industrial, ou seja, para qualquer tipo de serviço que permita a remuneração pelo usuário; só é incompatível com aqueles serviços públicos em que se impõe a gratuidade. Nestes, os encargos são assumidos pelos cofres públicos.' (Parecer, cit.)

"Referindo-se às divergências doutrinárias acerca da distinção entre taxa e preço público, ensina a autora citada:

"'Na realidade, nenhum dos critérios apontados pelos tributaristas permite distinção segura entre as duas imposições. Levar em conta o interesse - público ou particular - que prevalece é impossível, diante da consideração de que o Estado tem sempre que atender, preferencialmente, ao interesse público, ainda que, indiretamente, beneficie o interesse individual de cada cidadão. O critério da obrigatoriedade ou não também é insuficiente, uma vez que, se a atividade é prevista em lei como serviço público, ela é sempre obrigatória para o Poder Público, constituindo-se em poder-dever irrenunciável pelo ente ao qual a Constituição o atribui; por sua vez, o critério baseado na interpretação literal do artigo 145, II, da Constituição (correspondente ao art. 18, II, da Constituição de 1967) considera apenas uma parcela da realidade e do sistema constitucional brasileiro.

"'Com efeito, o artigo 145 cuida dos tributos, estabelecendo as suas modalidades e os respectivos conceitos. Em face do inciso II, se o Poder Público prestar um serviço público com as características de especificidade e divisibilidade, cabe a instituição de taxa, desde que o serviço seja posto à disposição do contribuinte, ainda que não utilizado efetivamente.

"'Porém, essa possibilidade de instituição de taxa, como receita decorrente do exercício da soberania do Estado, convive com a possibilidade de cobrança de tarifa (preço público), quando o serviço for prestado por meio de concessão" (Ibid - não sublinhado no original)

"Na Constituição de 1967, a exemplo da atual, a possibilidade de instituição de taxa, prevista no art. 18, I, convivia com o instituto da concessão de serviço público, ao qual é inerente à cobrança de preço público. Ao mesmo tempo em que o art. 18, I, previa a taxa em termos iguais aos do atual art. 145, II, o art. 8º, inc. XV, atribuía à União competência para explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão, vários tipos de serviços, concessão essa regrada pelo art. 167, que dispunha:

"'Art. 167. A lei disporá sobre o regime das empresas concessionárias de serviços públicos federais, estaduais e municipais, estabelecendo:

"'I - obrigação de manter o serviço adequado;

"'II - tarifas que permitam a justa remuneração do capital, o melhoramento e a expansão dos serviços e assegurem o equilíbrio econômico e financeiro do contrato; e

"'III - fiscalização permanente e revisão periódica das tarifas, ainda que estipuladas em contrato anterior" (grifou-se).

"Vê-se, pois, já naquela época, o instituto da concessão se mostrava incompatível com a taxa modalidade de tributo. Se o serviço público fosse delegado a empresas particulares mediante concessão, a remuneração não poderia ser através do recolhimento de taxa e sim de preço público, sob pena de inevitável descumprimento do estabelecido no citado art. 167 da Lei Maior de então. As diretrizes do atual art. 175 da Constituição Federal de 1988 não discrepam em muito do preconizado na Carta anterior. Por isso, inviável o estabelecimento de taxa como remuneração dos serviços executados mediante concessão do Poder Público.

Anota Jorge Miranda, que 'a Constituição deve ser tomada, a qualquer instante, como um todo na busca de uma unidade e harmonia de sentido. O apelo ao elemento sistemático consiste aqui em procurar as recíprocas implicações de preceitos e princípios em que aqueles fins se traduzem em situá-los e defini-los na sua inter-relacionação e em tentar, assim, chegar a uma idônea síntese globalizante, credível e dotada de energia normativa' (Manual de Direito Constitucional. Coimbra Editora Ltda. V. II, p. 228-229)

"E complementa:

"'A constituição deve assentar-se no postulado de que todas as normas constitucionais são verdadeiras normas jurídicas e desempenham uma função útil no ordenamento. A nenhuma pode dar-se uma interpretação que lhe retire ou diminua a razão de ser. Mais: a uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê: a cada norma constitucional é preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o máximo de capacidade de regulamentação [...].'

O fato de a Constituição prever expressamente a prestação do serviço público através do instituto da concessão ou da permissão impõe, como resultado de uma análise sistêmica e harmônica entre os dispositivos do art. 145, inc. II e o art. 175, a conclusão de que a Lei Maior não veda a sua remuneração por meio de tarifa, se mostrando, como já dito anteriormente, irrelevante a obrigatoriedade ou não da utilização do serviço pelo particular.

"Além das características nitidamente publicistas, traduzidas pela previsão de prerrogativas públicas à empresa concessionária, como v.g., a desapropriação no interesse público, bem assim, a sua submissão aos princípios pertinentes à prestação de serviços públicos - continuidade, mutabilidade, igualdade dos usuários -, desponta na figura jurídica da concessão a natureza contratual das cláusulas financeiras, cuja finalidade maior é a garantia do concessionário ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

"Atualmente o art. 175 da Constituição Federal, em seu parágrafo único, inc. III, refere apenas que a lei disporá sobre a política tarifária. Cumpre essa tarefa a Lei n. 8.987, de 13.2.95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, determinando em seu art. 9º que a tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato. O § 2º do mesmo artigo preceitua: 'Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico-financeiro'.

"Em complemento, o art. 11 do mesmo diploma legal cuida da possibilidade de no edital de licitação serem previstas outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas.

"As disposições contidas na atual Lei que trata da política tarifária pela prestação de serviços em regime de concessão ou permissão muito bem ilustra e reforça a base central da argumentação ora desenvolvida, no sentido de que a tarifa é inerente à concessão, tendo o seu valor e a sua forma de reajuste e revisão fixadas no próprio contrato (Lei n. 8.987/95, art. 23, inc. IV).

"A concessão de serviço público pressupõe a sua remuneração mediante tarifa = preço público. A adoção da taxa implicaria a descaracterização da concessão, restando tão-somente um contrato de prestação de serviço remunerado pelos cofres públicos, o que, sem sombra de dúvidas, não é a situação da relação jurídica estabelecida entre o apelado e o Município de Balneário Camboriú.

"A idéia de taxa é totalmente avessa à estipulação contratual. O art. 150, I, da Constituição Federal veda a sua instituição por outra forma que não seja a lei. Assim, não há como aceitar-se uma concessionária cobrando taxa em vez de tarifa. Não tem competência para isso, com o gravame de que a fixação através de lei, observada a obediência ao princípio da anterioridade, choca-se com a natureza da concessão e principalmente com a natureza contratual das cláusulas financeiras que objetivam o equilíbrio econômico-financeiro a ser mantido precisamente por meio da tarifa. Impraticável seria a utilização da taxa para essa finalidade.

"De outro vértice, aceitar-se que o Poder Público institua e cobre a taxa e repasse o respectivo valor ao concessionário, como dito linhas atrás, descaracterizaria totalmente o contrato de concessão, transformando-o em simples contrato de prestação de serviço. O concessionário passaria então à condição de mero locador de mão-de-obra para a execução do serviço público, o que é impraticável e inaceitável nos termos do art. 175 de nossa Constituição.

"As posições sustentadas por Marçal Justen Filho não destoam das idéias aqui defendidas:

"'[...] não se admite que da prestação direta pelo Estado de serviços públicos específicos e divisíveis, de consumo espontâneo ou compulsório, possa resultar em outra exação que não a taxa com o regime tributário correspondente.

"'A situação muda de figura quando se tratar de serviço público delegado a particulares, por via de concessão ou permissão. Alguns aspectos fundamentais do problema passaram desapercebidos aos tributaristas. A peculiaridade não reside em que o serviço concedido continua a ser público - o que é inquestionável. O ponto nodal reside em que o concessionário assume o serviço por conta e risco próprios estruturando-os segundo os postulados de direito privado.

"'O regime jurídico da prestação dos serviços públicos concedidos continua a ser público. Mas o particular os exercita de acordo com as regras privadas. Promove investimento às custas de seu patrimônio, custeia as atividades necessárias. Tudo se faz para a obtenção de lucro, o que é assegurado contratualmente.

"'A concessão do serviço público produz, portanto, inovações no regime jurídico aplicável. Passa-se a considerar cabível o dado da lucratividade - o que é inconcebível na atividade administrativa desempenhada pelo Estado. O particular tem assegurado o direito à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial. Enfim o insucesso será arcado pelo particular.

"'A concessão estrutura-se sobre o pressuposto de uma modalidade de remuneração norteada por princípios distintos que disciplinam a remuneração do serviço desempenhado pelo próprio Estado. O concessionário tem direitos perante o Estado, no tocante à remuneração pela prestação dos serviços públicos, que se retratam na impossibilidade de modificação da equação econômico-financeira do contrato, na garantia de lucro e na recomposição compulsória de valores. Somente é possível atribuir ao particular o desempenho dos serviços por conta e risco próprios se a remuneração a ele atribuída estiver sujeita a um regime jurídico específico.

"'Esse regime jurídico específico pressupõe mutabilidade a qualquer tempo. Como o particular não é dotado de estruturas e garantias inerentes ao Estado, há risco de sua insolvência. A contrapartida de assumir o serviço por conta e risco próprios é a garantia estatal de alteração da tarifa a qualquer tempo. Quando reconhece o direito à manutenção da equação econômico-financeira e o cabimento de sua recomposição, constrói-se um regime jurídico distinto do tributário" (Concessões de Serviços Públicos - Comentários às Leis 8.987 e 9.074, de 1995, São Paulo: Dialética, 1997. p. 143-144).

"Mais adiante, complementa:

"'O regime tributário é incompatível com o regime jurídico da remuneração ao concessionário (permissionário). Quando o Estado outorga concessão, não se altera o regime jurídico da prestação do serviço público, mas se modifica o regime jurídico da sua remuneração. A Constituição Federal, ao tutelar a intangibilidade da equação econômico-financeira do contrato administrativo, produz uma espécie de redução da amplitude eficacial do sistema tributário. Retira do seu âmbito a remuneração atinente aos serviços públicos outorgados aos particulares por via de concessão ou permissão" (Ob. cit., p. 144).

"O festejado tributarista Geraldo Ataliba (Hipótese de incidência tributária. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 161), critica com insistência e muita propriedade a doutrina e jurisprudência que sustentam ter o legislador a faculdade de poder escolher o regime de remuneração dos serviços públicos. Supõe-se por essa interpretação ter o legislador liberdade para escolher o regime de taxas, ou de preço público.

"Acentua o citado doutrinador que a única liberdade que a Constituição dá ao legislador é para decidir se a prestação de dado serviço público típico será remunerado ou não. Em se tratando de serviço público divisível e específico, ou seja, que possa ter prestação individual e fruição singular pelos destinatários, caso o legislador decida pela remuneração, obrigatoriamente terá que optar pela taxa (ATALIBA, Geraldo. Op. cit. p.161).

"Ressalta, ainda, que a atividade que a Constituição qualifica como serviço público é originariamente pública, que se apresenta como conteúdo de uma prestação da qual advém uma utilidade ao destinatário. Esse tipo de atividade, típica do Estado, é distinta daquelas inerentes à produção de riqueza, à exploração de atividade econômica que não incumbe necessariamente ao Poder Público e que a Constituição reservou à iniciativa privada na conformidade das disposições contidas no art. 173. Nesse tipo de atividade a remuneração é a finalidade e a garantia do equilíbrio econômico-financeiro. Na prestação de serviço público pelo próprio Município a remuneração é meio de seu custeio, vedada a perspectiva de lucro.

"Objetando o critério da compulsoriedade como elemento de distinção entre taxa e preço público (tarifa), e valendo-se dos argumentos de Hamilton Dias de Souza e Marco Aurélio Greco (A natureza jurídica das custas judiciais, ed. OAB-SP e Resenha Tributária, 1983, p.54), professa:

"'Atualmente, o discrimen entre taxa e preço é fornecido pelo Texto Maior na medida em que separa os campos próprios da atuação pública ou particular, reservando à primeira o instrumento gerador de receitas que é a taxa. (ob. cit. p.110)

"'E prosseguem: 'Portanto, toda a discussão doutrinária a respeito da distinção entre taxa e preço público não pode mais calcar-se na compulsoriedade ou facultatividadeda figura, pela simples razão que a discussão tinha origem num dispositivo constitucional que não mais existe. Aquilo que, em 1946, era tratado de forma separada (taxas e outras rendas), hoje é englobado no art. 18, I que prevê as taxas por serviço posto à disposição e efetivamente utilizado' (p.111)

"'Para advertirem, com ênfase: "Se o dado normativo mudou - e substancialmente - a interpretação do direito positivo não pode permanecer a mesma' (idem).

"'E concluírem categoricamente: 'Destarte, na Constituição vigente o critério para identificar a taxa e o preço não é mais a compulsoriedade ou a facultatividade, mas o tipo de atividade exercida. Se for uma atividade econômica, tal como definida no Título III da Constituição Federal, haverá preço; se for uma atividade própria do Estado teremos taxa' (p.111)' [grifou-se] (Op. cit. p.172).

"E arremata peremptoriamente:

"'Pondo esta corretíssima conclusão em termos da Constituição de 1988, impõe-se afirmar que:

"'Se se tratar de atividade pública (art. 175) o correspectivo será taxa (art. 145, II); se se tratar de exploração de atividade econômica (art. 173) a remuneração far-se-á por preço' [grifou-se] (Ibid. id).

"Com efeito, assinalam Souza e Greco na obra acima citada, que é totalmente inconsistente o critério tradicional adotado para diferenciar a taxa do preço público, visto não oferecer uma distinção segura a ser utilizada nos casos práticos.

"Relatam que essa dificuldade não escapou a eminentes membros do próprio Supremo Tribunal Federal, tanto que o Ministro Rodrigues Alckmin, após invocar a Súmula n. 545 e adotar o critério tido como clássico, segundo o qual há coerção nas taxas e não nos preços, observa que, se doutrinariamente o critério é de fácil compreensão, não o será na prática. Daí porque conclui que 'a rigor, é a disciplina jurídica aposta à espécie que permitirá configurá-la como obrigação ex-lege ou como prestação facultativa' (ALCKMIN, José Geraldo Rodrigues de. Os tributos e sua classificação. São Paulo: IBDT, Resenha Tributária, 1975, p.18-19).

"Verdade que Hamilton Dias de Souza e Marco Aurélio Greco, contrariamente à posição de Maria Sylvia Di Pietro, perfilham-se ao entendimento de que o fato de o serviço ser prestado por concessionário não o desnatura como essencialmente público. Aduzem que o intuito lucrativo do concessionário não interfere com a finalidade e mesmo a forma de prestação do serviço, pois este - o conces-sionário - é utilizado como meio para atingir-se uma finalidade eminentemente pública. Mesmo assim, deixam claro que a remuneração desses serviços será por tarifa, cujo valor máximo será estabelecida pelo Poder Público (In A natureza jurídica das custas judiciais. São Paulo: OAB-SP/ Resenha Tributária, 1983. p.92).

"Especificamente sobre os termos da Súmula n. 545 do Supremo Tribunal Federal e a sua inaplicabilidade após a edição da Constituição de 1967, que, sobre a matéria aqui ventilada, guarda similitude com a Carta em vigor, esclarecem Souza e Greco:

"'A observação fundamental a ser feita é a de que esta Súmula consagra concepções normativas compatíveis com o regime constitucional vigente sob a égide da Constituição de 1946.

"'Com efeito, quando a Súmula se refere à 'prévia autorização orçamentária' o faz em atendimento ao que dispunha o § 34 da Constituição de 1946. Esta exigência, porém, desapareceu com a Emenda Constitucional n. 18, de 1965 que a substituiu pela simples anterioridade em relação ao exercício financeiro, e que, depois de outras alterações, encontra-se explícita no atual § 29 do artigo 153.

"'Isto já é o suficiente para mostrar que devemos compreender e interpretar esta Súmula em função do contexto que a originou e segundo as normas constitucionais vigentes na época em que foram proferidos os acórdãos que a fundamentaram' (Op. cit. p.104-105).

"E mais à frente, logo após minucioso estudo acerca das modificações das disposições tributárias da Constituição de 1946 pela Emenda Constitucional n. 18/65 que, conforme já referido, com pequenas alterações foram recepcionadas pela Carta de 1967, bem assim pela atual, argumentam:

"'Por estas razões entendemos que, hoje, a concepção consagrada na Súmula n. 545 deve ser reestudada. Ela era perfeita à época em que foi editada, pois no regime de 1946, a compulsoriedade e a facultatividade eram os elementos possíveis para explicar o item III do artigo 30. Mas, hoje, o artigo 18, I da Constituição Federal e a existência dos dois campos constitucionais não comportam a aplicação desse critério" [grifou-se] (Op. cit., p.111-112).

"Na verdade, a força da Súmula n. 545 arrefeceu, não só pela mudança operada na doutrina, mas principalmente em razão do fato de o próprio Excelso Pretório ter entendido como insuficiente o critério nela estabelecido (RTJ 98/23-C), porque existem taxas que são impostas obrigatoriamente ao particular, que só as pagará se facultativamente quiser se utilizar de um serviço público, como é o caso da taxa judiciária.

"Importante e elucidativa é a lição extraída do julgado da 2ª Câmara de Direito Privado do Estado de São Paulo, referente à Apelação Cível n. 021.552.4/7, da Comarca de Presidente Epitácio, na qual figuram como partes a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo e o Ministério Público:

"'Ação Civil Pública - Exoneração do pagamento de tarifa de esgoto - Propositura pelo Ministério Público - Admissibilidade - Defesa de interesses coletivos - Improcedência, no entanto, porque legal a remuneração por tarifa, inexistindo óbice para tanto, havendo base em lei federal que instituiu o PLANASA - serviço público, outrossim, concedido nos termos do artigo 175 da Constituição Federal permitindo a remuneração (...)'.

"E do corpo do acórdão extrai-se ilustrativo excerto:

"'O art. 175 da Constituição Federal, em que se baseia o pedido para justificar que, sendo serviço público primário a coleta e tratamento de esgotos, não deve ser remunerada, é exatamente o dispositivo que trata dessa remuneração, ao referir-se à possibilidade de que os serviços públicos sejam repassados por concessão ou permissão, sempre através de licitação. Ora, quem fala em licitação, fala em valor, em preço, no caso, tarifa.

"'Teoricamente, não há óbice à cobrança por meio de tarifa, tudo dependendo do regime jurídico que disciplina a prestação do serviço, pois tarifa é a sua contraprestação, sendo justa a remuneração do capital.

"'Para que fosse remunerado por taxa, que integra, a arrecadação do Poder Público, a receita pública, aí sim, haveria necessidade de lei específica, o que não ocorre no caso, posto que a SABESP é uma empresa e a tarifa é a forma adequada.

"'Isto é o que ocorre, aliás, na maioria dos municípios paulistas e na própria capital, onde se paga tarifa de água e esgotos, correspondendo a medição do consumo de água e proporcional, no caso oitenta por cento, nada havendo de arbitrário em sua fixação, que leva em conta critérios técnicos, não sendo impossível aferir-se sua medição exatamente por essas considerações, que parece, não percebeu o apelado, posto que a apelante é composta por técnicos de mais elevado padrão, nada constando em seu desabono.

"'Acaso entenda o consumidor que a cobrança do serviço está sendo supervalorizada, poderá buscar seus direitos no âmbito administrativo ou mesmo judicial, porém no caminho adequado, e não por meio desta ação que, absurdamente, pretende a isenção do pagamento de um serviço, pura e simplesmente'.

"E prossegue o decisum:

"'Saliente-se que, embora a remuneração possa ser feita por taxa, posto que há lei, a cobrança não se afigura a mais adequada porque, em tese, injustamente faria o pequeno consumidor de água pagar o mesmo que aquele de grande consumo. Ainda que a lei dispusesse o pagamento por faixas sociais, ainda assim, haveria injustiças, ao passo que a tarifa, que considera a medição de consumo, apresenta-se mais justa, porque mais próxima da realidade'.

"2.1 Assim, seja por considerar que em se tratando de serviço prestado mediante concessão torna-se impraticável a remuneração por taxa do gênero tributo, seja pela inocorrência de norma constitucional obstativa à contraprestação via preço público = tarifa, de acordo com a melhor doutrina, a tarifa cobrada pelo coleta de lixo é preço público, não possuindo, via de conseqüência, caráter tributário. Não padece, portanto, de qualquer ilegitimidade a Coneville Serviços e Construções Ltda. e sua sucessora Engepasa Ambiental Ltda. efetuarem a cobrança da denominada TARIFA DE COLETA DE LIXO.

"3 Em relação a cobrança de tarifa concernente aos serviços de limpeza urbana, cumpre tecer-se algumas considerações.

"3.1 Ao contrário do defendido pelas apelantes, são incontáveis as decisões fulminando as leis municipais que instituíram a taxa de limpeza pública, em razão de sua impropriedade legal:

"'TRIBUTÁRIO - ANULATÓRIA DO DÉBITO FISCAL - IPTU, TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA E TAXA DE EXPEDIENTE, COBRADOS POR MEIO DE CARNÊ - LEIS QUE INFRINGIRAM O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE (ART. 150, III, B, DA CF/88) - DÉBITO ANULADO - INEXISTÊNCIA DE REEXAME NECESSÁRIO - RECURSO DESPROVIDO.

"'É írrita a cobrança, pela municipalidade, de taxa de limpeza pública, que não corresponde ao exercício do poder de polícia nem à utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição" (AC n. 2005.001261-5, Des. Jaime Ramos).

"'TRIBUTÁRIO - TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA E CONSERVAÇÃO DE PAVIMENTAÇÃO (TLPCP) - TAXA DE EXPEDIENTE (TE) - LANÇAMENTO - NULIDADE -REPETIÇÃO DO INDÉBITO - JUROS MORATÓRIOS

"'1. Por não se revestir das características da divisibilidade e da especificidade (CF, art. 145, II) é inconstitucional lei que institui taxa pela prestação de "serviços de limpeza pública e de conservação de pavimentação'.

"'2. Responde o ente tributante pelas despesas, lançadas a título de preço público ou de taxa de expediente, relativas à confecção do carnê e com a sua remessa ao contribuinte.

"'3. Na repetição do indébito de tributos, os juros de mora fluem do trânsito em julgado da sentença (CTN, art. 167, parágrafo único)' (AC n. 2005.011193-7, Des. Newton Trisotto).

"'TRIBUTÁRIO - TAXA DE LIMPEZA E CONSERVAÇÃO - BASE DE CÁLCULO - SERVIÇO PÚBLICO INESPECÍFICO E INDIVISÍVEL.

"'A cobrança de taxa de limpeza e conservação é ilegal, por não configurar serviço público específico, nem divisível, exatamente por ser prestado uti universi e não uti singuli" (AC n. 2006.023859-7, Des. Volnei Carlin).

"'TRIBUTÁRIO - TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA DE SERVIÇOS DE VARRIÇÃO, LAVAGEM E CAPINAÇÃO DE VIAS E LOGRADOUROS PÚBLICOS - SERVIÇO PÚBLICO INDIVISÍVEL E NÃO ESPECÍFICO - COBRANÇA INDEVIDA - EXCLUSÃO DO VALOR CORRESPONDENTE - HIGIDEZ DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO REMANESCENTE - REEXAME - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.

"'Os serviços de limpeza pública, como os de capinação, varrição, lavagem de vias e logradouros públicos, bem como a limpeza de córregos, bueiros e galerias pluviais atendem a interesses gerais (uti universi) do povo usuário e não a interesses individuais (uti singuli) dos moradores, sendo inespecíficos e indivisíveis, daí porque o seu custeio só pode ocorrer por meio de impostos e não por tarifa.

"'Não obstante, não se declara a nulidade da totalidade do lançamento e nem sequer da constituição do crédito tributário, apenas deve ser excluído o valor correspondente à taxa de limpeza pública, se há outros créditos que permanecem hígidos' (AC n. 2005.039947-6, Des. Jaime Ramos).

"O serviço de limpeza e de conservação de pavimentação prestado pela municipalidade, justamente por ser público, pelo seu caráter geral, é um serviço prestado uti universi e, como tal, não pode ser cobrado individualmente, uti singuli. Não há critério de cobrança que se enquadre em uma possível sistemática que possa dividir as despesas públicas entre os cidadãos, em uma espécie de concurso universal. Insuscetível, pois, de ser considerado como fato gerador da modalidade de tributo taxa, pois beneficia a toda coletividade e não a particulares individualizados.

"Conclui-se, pois, que a taxa de limpeza e conservação tem caráter de prestação universal, implicando, assim, uma obrigação que deve ser suportada pelo Município por conta dos tributos arrecadados. A limpeza pública e a conservação de vias e logradouros são benefícios de que desfrutam toda a coletividade e não determinados usuários.

"A limpeza pública e a conservação de pavimentação, importante repetir, não são serviços específicos e divisíveis; não podem ser cobrados, justamente por afrontar os princípios contidos na legislação e erigidos em nível constitucional.

"Com efeito, vale ainda ressaltar que em caso análogo, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2000.009133-2, movida pelo representante do Ministério Público contra o Município de São Domingos, o Colendo Órgão Especial do Tribunal Pleno desta Corte decidiu, por votação unânime, pela "inconstitucionalidade do § 2º e incisos I a VIII e dos §§ 3º e 4º do art. 133 e do art. 139, caput e §§ 1º e 2º, da Lei Municipal PAN/1.085/97, assim como dos arts. 4º e 5º da Lei Municipal PAN/1.119/98, determinando-se a exclusão dos termos "Conservação de Vias e Logradouros Públicos" e "Iluminação Pública" do caput do art. 133 e do caput do art. 137, da Lei PAN/1.085/97, do Município de São Domingos'.

"3.2 Compulsando-se os autos, verifica-se que os serviços prestados pela concessionária, quais sejam, os de 'capinação manual, capinação química, raspagem, varrição, lavagem de piso pavimentado, pintura de meio fios, limpeza de bocas-de-lobo em vias urbanas, praças, jardins públicos e limpeza de praias com remoção' (fl. 30), são claramente indivisíveis.

"Guardadas as calorosas discussões deste Pretório a respeito da natureza jurídica da nominada 'Tarifa de Limpeza Urbana' que serve de base para a cobrança pela concessionária da contraprestação dos serviços de limpeza pública prestados aos munícipes de Balneário Camboriú, há que se perquirir, neste item específico, somente o descabimento da referida exigibilidade por não configurar serviço público específico, nem divisível, porquanto prestado uti universi e não uti singuli, à luz das premissas anteriormente ventiladas.

"Discorrendo sobre a ilegalidade da tarifa sob enfoque, em caso semelhante ao vertente, do Município de Joinville, sustentou de maneira irretorquível o Desembargador Jaime Ramos:

"'2. Acontece que entre os serviços concedidos se encontram alguns que são insuscetíveis de individualização e mensuração, como deixa ver o Contrato de Concessão n. 378/2002, itens 1.1.3, 1.1.3.1, 1.1.3.2, 1.1.6 e 1.1.8. Entre eles, os de limpeza de vias urbanas pavimentadas, a varrição simples e a operação manual de recolhimento dos resíduos junto ao meio-fio e canteiros não ajardinados, a varrição mecanizada e recolhimento dos resíduos junto ao meio-fio; os serviços gerais de limpeza de vias urbanas e jardins públicos capinação manual, química, raspagem, varrição, pinturas de meios-fios de limpezas de boca-de-lobo; capinação mecanizada em vias urbanas pavimentadas; que têm sua prestação marcada pela característica da universalidade e se constituem em benefício para toda a população indistintamente, não possibilitando a mensuração da sua utilização individual, daí porque há de ser custeado por imposto e não por tarifa ou taxa.

"'Ensina Hely Lopes Meirelles que 'esses serviços satisfazem individualmente a população sem que se erijam em direito subjetivo de qualquer administração à sua obtenção para o seu domicílio, para sua rua ou para seu bairro. Estes serviços são indivisíveis, isto é, não mensuráveis na sua utilização. Daí por que, normalmente, os serviços 'uti universi' devem ser mantidos por imposto (tributo geral) e não por taxa ou tarifa que é remuneração mensurável e proporcional ao uso individual do serviço'. (Direito Administrativo, 28. ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p.322)

"'Bernardo Ribeiro de Moraes, define os serviços públicos específicos e divisíveis como 'aqueles que proporcionam vantagem ao indivíduo ou a grupos de indivíduos, embora haja sempre um interesse público em jogo. Conquanto o serviço público tenha uma feição geral, que origina benefícios à coletividade, neste tipo de atividade estatal há uma utilidade específica para determinada pessoa, que goza dele de forma ut singuli, individualmente, particularmente, como o serviço de limpeza pública, que atinja a frente dos imóveis ou lhes remova os lixos; divisível é o serviço público que pode ser prestado a indivíduos ut singuli. É o serviço que é suscetível de dividir-se em prestações individualmente utilizadas' (apud Eduardo Marcial Ferreira Jardim, Manual de Direito Financeiro e Tributário, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1994, p. 82).

"'A matéria aqui discutida, aliás, não é nova nesta Corte, que assim tem orientado:

"'TRIBUTÁRIO - TAXA DE CONSERVAÇÃO, DE PAVIMENTAÇÃO E DE LIMPEZA -- SERVIÇOS INESPECÍFICOS E INDIVISÍVEIS - INEXIGIBILIDADE - DESPESAS COM A EMISSÃO DO CARNÊ DE RECOLHIMENTO DE TRIBUTOS - COBRANÇA INDEVIDA - DESPROVIMENTO DO RECURSO.

"'1. Não é cabível a cobrança de taxa de conservação de calçamento de via pública, ou de taxa de conservação e limpeza de logradouros e vias públicas, por não configurar serviço público específico, nem divisível, exatamente por ser prestado uti universi e não uti singuli.

"'2. As despesas com a confecção e a remessa do carnê para a cobrança de tributos é ônus que deve ser suportado pelo órgão arrecadador, e não repassado ao contribuinte' (TJSC, ACMS n. 2004.010212-7, de Blumenau, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, julgada em 08.06.2004).

"'TRIBUTÁRIO - CONSTITUCIONAL - TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA E CONSERVAÇÃO DE PAVIMENTAÇÃO (TLPCP) - TAXA DE COLETA DE LIXO (TCL) - BASE DE CÁLCULO - METRAGEM DO PRÉDIO (METRO QUADRADO) - LEI MUNICIPAL 1.989/73 - AUSÊNCIA DE ESPECIFICIDADE E DIVISIBILIDADE - INCONSTITUCIONALIDADE.

"'1. 'Não é legítima a cobrança de taxa quando vinculada não apenas à coleta de lixo domiciliar, mas também à limpeza de logradouros públicos, em benefício da população em gral, sem possibilidade de individualização dos respectivos usuários" (AgRgRE n.º 250.946, Min. Carlos Velloso; RE n.º 245.539, Min. Ilmar Galvão)' (TJSC, ACMS n. 2002.009282-2, de Blumenau, Rel. Des. Newton Trisotto, julgada em 25.11.2002).

"'Apelação Cível. Taxa de limpeza e conservação de vias elogradouros. Serviço público indivisível e não específico. Inexigibilidade. Recurso desprovido.

"'A limpeza e conservação de vias e logradouros, por não constituir serviço específico e divisível, não configura fato gerador de taxa, de modo que o preceito que institui essa modalidade tributária afronta os arts. 145, inc. II, da Constituição da República e 79 do Código Tributário Nacional, sendo indevida sua cobrança' (TJSC, Apelação Cível n. 2004.022001-4, de Araranguá, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, julgada em 14/06/2005).

"Apenas por reflexão, cumpre dizer que causa estranheza o fato de a apelante pretender valorar o preço público de acordo com o número de vezes em que a coleta de lixo é realizada, mas por outro lado afirme que a tarifa não se sujeita aos princípios de direito tributário, entre os quais avulta o da especificidade e divisibilidade. Em síntese: para quantificar o preço a ser cobrado da população a apelante se vale dos princípios da especificidade e da divisibilidade (de acordo com o número de coletas de lixo semanais, entre outros), mas quando define a natureza jurídica da tarifa, procura arredar dela aqueles mesmos princípios de direito tributário, na tentativa de salvar a cobrança dos serviços de limpeza pública que presta em proveito de uma universalidade de pessoas, identificadas ou não, pagantes ou não, proprietários de imóveis circunvizinhos ou não. Aproveita-se do bônus e dispensa o ônus, para dizer o mínimo.

"Embora inaplicável, o argumento da apelante faz lembrar, en passant, o art. 354, do Código de Processo Civil:

"'Art. 354. A confissão é, de regra, indivisível, não podendo a parte, que a quiser invocar como prova, aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que lhe for desfavorável'.

"Também soa estranho que se o Município prestasse o serviço público diretamente, mediante a cobrança de taxa, não poderia cobrar pelos serviços de limpeza urbana, já que inespecíficos e indivisíveis; e, de outro lado, se o Ente Público faz a concessão desses serviços, o concessionário estaria autorizado a cobrar, agora mediante tarifa, por esses mesmos serviços inespecíficos e indivisíveis. O contra-senso é evidente.

"Não há dúvida de que é possível a concessão dos serviços de saneamento básico e limpeza urbana, nos moldes propostos pela Lei n. 9.074/1995 (art. 2º), bem como a cobrança de tarifa, pela concessionária, por serviços por ela prestados em prol da comunidade.

"Como se disse, esta Corte de Justiça já reconheceu a legitimidade ativa da empresa apelada para o ajuizamento de ações de cobrança visando ao recebimento da remuneração correspondente aos serviços que prestou em regime de licitação.

"Isso, contudo, não autoriza a embargante a cobrar tarifas por serviços de natureza uti universi, manifestamente inespecíficos e indivisíveis. Se é verdade que se admite a concessão dos serviços públicos de limpeza urbana, conforme ditado pela Lei n. 9.074/1995, deve-se interpretar o dispositivo legal em consonância com o Texto Maior (art. 145, inciso II), que censura a cobrança de taxa e, conseqüentemente de tarifa, quando os serviços prestados não podem ser mensurados nem atribuíveis a algum usuário em particular, ou seja, não são específicos nem divisíveis.

"E é por isso que não ecoa bem a afirmação da embargante de que 'a Lei Federal definiu os serviços de limpeza urbana em seu todo e não apenas em uma parte'. A Lei 9.074/1995 não nominou os serviços de limpeza urbana passíveis de concessão, até porque o legislador jamais conseguiria prever todos eles. Assim, a interpretação que deve ser dada é no sentido de que somente os serviços de coleta de lixo, que integram a categoria de limpeza pública podem ser objeto de cobrança de tarifa pela concessionária apelante. Os demais, ainda que previstos na concessão, não podem implicar cobrança de tarifa de algumas pessoas, se foram prestados universal e indistintamente a outros usuários não pagantes.

"Não se pode desviar da Lei e da Constituição com base em mera questão semântica. Não é porque o texto legal se refere a 'limpeza urbana' que se admitirá qualquer espécie de serviço prestado pela concessionária como passível de cobrança de tarifa.

"Os serviços de limpeza urbana podem ser concedidos em sua inteireza, mas a cobrança de tarifa só atingirá aqueles que puderem ser mensurados. Os demais, devem ser custeados pela receita do Município, jamais por tarifa. Nesse passo, então, o contrato firmado entre a concessionária e o ente público, nessa parte, não passa de um contrato de prestação de serviços remunerado pelo último, já que não é possível transferir aos munícipes os ônus correspondentes. Não se pode determinar que alguns munícipes paguem pelos serviços que foram prestados a todos, inclusive a não munícipes, transeuntes e usuários de qualquer modo dos referidos serviços.

"É importante frisar que não é porque o Decreto Municipal n. 11.541, de 19.12.2003 estabelece o valor da tarifa de limpeza urbana, e o Decreto Municipal n. 12.172, de 30.12.2004, os critérios para o cálculo dos valores correspondentes à tarifa de limpeza urbana ("número de passadas" e "fator de utilização", p. ex.), que ser poderá ter os serviços de limpeza urbana, à exceção da coleta de lixo, como específicos e divisíveis. Seria impossível quantificar e atribuir a cada contribuinte, por exemplo, os recursos gastos com a limpeza de bocas-de-lobo e de vias urbanas pavimentadas, a operação manual de recolhimento dos resíduos junto ao meio-fio, a pintura de meios-fios. Essa manutenção muitas vezes decorre até de fatores externos e completamente imprevisíveis, como ventos, chuvas, etc.

"Veja-se que o artigo 13 da Lei das Concessões (8.987/95) dispõe que "as tarifas poderão ser diferenciadas em função das características técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento aos distintos segmentos de usuários".

"Se não é possível quantificar os custos com os serviços acima alinhados, já que causas externas e imprevisíveis estão associadas, não se pode cobrar tarifa em decorrência dessa atividade.

"Em face disso, torna-se necessário excluir da condenação o valor correspondente à tarifa da limpeza pública genérica mencionada, de modo que permaneça somente a tarifa da coleta de lixo, como o fez o MM. Juiz" (grifou-se).

Assim sendo, não há o que se reparar neste ponto na bem lançada sentença que excluiu do débito devido às insurgentes o valor relativo à tarifa de limpeza pública genérica.

4 A teor do disposto no art. 463, I, do Código de Processo Civil, é permitido ao Magistrado alterar a sentença "para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo". Sobre esse dispositivo prelecionam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:

"Erro material e de cálculo. Mesmo depois de transitada em julgado a sentença, o juiz pode corrigi-la dos erros materiais e de cálculo de que padece. Pode fazê-lo ex officio ou a requerimento da parte ou interessado" (Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 785).

Percebe-se, então, que, caso omissa, equivocada ou incompleta a sentença no que se refere aos critérios a serem utilizados para o cálculo da atualização monetária, essa regra autoriza o Tribunal a estabelecer, de ofício, estes parâmetros.

Desse modo, merece reparo o decisum quanto à aplicação da correção monetária e juros após o advento da Lei n. 10.406/2002 - Código Civil.

Deve ser esclarecido que antes da entrada em vigor no novo Código Civil os valores devidos serão acrescidos dos juros de mora de 6% (seis por cento) ao ano e correção monetária pelo INPC, como aliás registrou a sentença. Depois, nos termos do art. 406 e as normas de regência para a cobrança de débitos da Fazenda Pública, incidirá apenas a Taxa Selic, que compreende englobadamente os juros e a correção monetária.

5 Ante o exposto, nego provimento ao recurso e, de ofício, após o advento da Lei n. 10.406/2002 - novo Código Civil -, estabeleço a aplicação da Taxa Selic, que compreende os juros de mora e a correção monetária.

Destarte, a concessionária está legitimada a cobrar tão somente os serviços que são específicos e divisíveis relativos à "taxa de coleta de lixo".

E, neste ponto, a r. sentença merece um pequeno reparo, no que tange à cobrança da "taxa de limpeza urbana", porquanto equivocou-se o MM. Juiz ao consignar que a "denominada 'Taxa de Coleta de Lixo' inclui a cobrança de valores referentes à limpeza urbana, nesta compreendidas a limpeza da ruas e logradouros públicos, capinação, desentupimento de bueiros, etc., serviços passíveis de concessão, conforme já verificado anteriormente."

Com efeito, conforme se extrai do aresto citado, encontra-se pacificado o entendimento neste Tribunal de que não é cabível a cobrança da denominada "Tarifa de Limpeza Urbana", por não se configurar serviço público específico, nem divisível,justamente por ser prestado uti universi e não uti singuli.

Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao recurso para excluir da cobrança a taxa referente aos serviços de limpeza pública; mantendo-se a cobrança no que tange à cobrança da taxa referente aos serviços de coleta de lixo. Considerando que as autoras decaíram de parte substancial do pedido, fixam-se os honorários advocatícios na forma do art. 21, caput, do CPC, em R$ 600,00 (seiscentos reais) para cada advogado, compensando-se nos termos da Súmula 306 do STJ. Custas pro rata.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, decidiu a Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime, dar parcial provimento ao recurso.

O julgamento, realizado no dia 31 de março de 2009, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Pedro Manoel Abreu, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Substituto Jânio Machado.

Florianópolis, 21 de maio de 2009.

Rui Fortes
Relator




JURID - Serviços de coleta de lixo. Empresa concessionária. Tarifa. [15/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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