Recurso em sentido estrito. Homicídio qualificado. Motivo fútil. Sentença de pronúncia. Irresignação defensiva.
Tribunal de Justiça de Mato Grosso - TJMT.
TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 93632/2007 - CLASSE CNJ - 426 - COMARCA DE ÁGUA BOA
RECORRENTE: LÁZARO CORREA SOBRINHO
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO
Número do Protocolo: 93632/2007
Data de Julgamento: 06-7-2009
EMENTA
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO - MOTIVO FÚTIL - SENTENÇA DE PRONÚNCIA - IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA - PLEITO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA MEDIANTE RECONHECIMENTO DA TESE DE LEGÍTIMA DEFESA - INADMISSIBILIDADE - PROVAS QUE NÃO APONTAM COM PRECISÃO A EXCLUDENTE DE ILICITUDE DA LEGÍTIMA DEFESA - AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA IMPUTADA - ANÁLISE QUE CABERÁ SOMENTE AO CONSELHO DE SENTENÇA - ATENÇÃO AO PRINCÍPIO DO IN DÚBIO PRO SOCIETATE - RECURSO IMPROVIDO - DECISÃO UNÂNIME.
- O reconhecimento da legítima defesa só é admitido quando não pairam quaisquer dúvidas acerca do animus do agente. Atenção ao princípio do in dubio pro societate.
- O mesmo raciocínio deve ser aplicado em relação ao pedido de exclusão da qualificadora imputada, qual seja, o motivo fútil, de modo que não se mostra oportuna sua apreciação neste momento, por também não se mostrar ausente, estreme de dúvidas, sendo a competência, para tanto, do respectivo Conselho de Sentença.
RECORRENTE: LÁZARO CORREA SOBRINHO
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO
R E L A T Ó R I O
EXMO. SR. DR. CIRIO MIOTTO
Egrégia Câmara:
Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto por LÁZARO CORREA SOBRINHO em face da r. decisão proferida pelo douto Juízo da 2ª Vara da Comarca de Água Boa - MT, que pronunciou o ora Recorrente pela infração tipificada no artigo 121, § 2°, inciso II, do Código Penal, submetendo-o a julgamento perante o egrégio Tribunal do Júri da respectiva Comarca.
Em sede de razões recursais, aduz a i. Defesa que não há provas suficientes nos autos a fim de caracterizar a materialidade do delito, bem como a qualificadora imputada, uma vez que inexistem testemunhas oculares dos fatos.
Alega ainda, que a prática de tal delito se deu em razão de legítima defesa, requerendo, desta feita, a absolvição sumária, com fulcro no antigo artigo 411 do Código de Processo Penal.
Sobrevindas as contra-razões recursais, o douto Parquet requer seja negado provimento ao recurso, mantendo-se incólume a r. sentença de pronúncia. Em sede de Juízo de retratação, o i. Juízo a quo, a fls. 234, concluiu pela manutenção integral da r. decisão recorrida.
A Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do ilustre Procurador de Justiça, Dr. Waldemar Rodrigues dos Santos Júnior, manifesta-se pelo improvimento do recurso em sentido estrito.
É o relatório.
P A R E C E R (ORAL)
O SR. DR. BENEDITO XAVIER DE SOUZA CORBELINO
Ratifico o parecer escrito.
VOTO
EXMO. SR. DR. CIRIO MIOTTO (RELATOR)
Egrégia Câmara:
Consoante relatado, cuida-se de recurso em sentido estrito manejado por LÁZARO CORREA SOBRINHO em face da r. decisão proferida pelo douto Juízo da 2ª Vara da Comarca de Água Boa - MT, que pronunciou o ora Recorrente pela infração tipificada no artigo 121, § 2°, inciso II, do Código Penal, submetendo-o a julgamento perante o egrégio Tribunal do Júri da respectiva Comarca.
Em sede de razões recursais, aduz a i. Defesa que não há provas suficientes nos autos a fim de caracterizar a materialidade do delito, bem como a qualificadora imputada, uma vez que inexistem testemunhas oculares dos fatos.
Alega ainda, que a prática de tal delito se deu em razão de legítima defesa, requerendo, desta feita, a absolvição sumária, com fulcro no antigo artigo 411 do Código de Processo Penal.
O recurso não merece prosperar.
Inicialmente, vislumbro que a materialidade do crime de homicídio encontra-se devidamente comprovada pelo Exame Necroscópico a fls. 11, visto a conclusão de que a causa mortis deu-se por um projétil de arma de fogo.
Com relação à autoria, vê-se no interrogatório do próprio Recorrente, às fls. 49/50, a confissão acerca dos fatos, in verbis:
"(...) Que passado uns 20 minutos de quando o interrogando chegou em casa o interrogando ouviu chutes na porta da cozinha; Que o interrogando percebeu que era Paraíba e disse-lhe que não precisava daquilo porque a porta estava só no trinco e que o interrogando já ia abrir a porta; Que assim que entrou em casa do interrogando o Paraíba passou a destratar o interrogando, referindo-se a um débito que o interrogando tinha com a vitima; Que o interrogando disse para a vítima que pudesse ficar calmo pois iria vender a camionete e lhe pagaria; Que reconhece a arma apreendida nos autos, que lhe é exibida a qual pertence ao interrogando e foi por ele utilizado na ocasião do evento; (..) Que o interrogando estava tentando acalmar a vítima e esta se mostrava sempre mais exaltada até que a vítima aproximou-se do interrogando, apontando a arma para o interrogando e este lembrou-se que tinha a sua arma sobre a geladeira e pegou a mesma e disparou contra a vítima por umas duas ou três vezes, não se recordando bem; que logo em seguida o interrogando pegou sua camionete e fugiu." (Grifo nosso).
E mais, convergem os fatos com o depoimento da testemunha ouvida na Instrução Criminal, senão vejamos:
"O depoente encontrava-se de plantão na delegacia de policia e foi procurado por volta de 01:00 da madrugada pela mulher do acusado e mais mis um outro rapaz dizendo da morte da vítima em sua casa; Que o declarante perguntou quem tinha sido o autor do homicídio e a mulher do acusado respondeu que foi o seu marido Lazinho." (TESTEMUNHA ANTÔNIO ALVES MONTEL - FLS. 62).
Muito embora exista a confissão do Recorrente, aduz a i. Defesa que o mesmo praticou tal ato ilícito para manter a sua própria sobrevivência, buscando, assim, a comprovação da tese de legítima defesa.
Da análise do conjunto probatório contido nos autos, não é possível aferir, de forma indubitável, a ocorrência ou inocorrência da excludente de ilicitude supramencionada, mesmo porque a legítima defesa exige uso de meios moderados e, diante de qualquer dúvida, deve a questão ser submetida à apreciação do Tribunal Popular, para que este, com a soberania que lhe é conferida, decida acerca da existência ou não de animus necandi.
Nesse diapasão:
"EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. PRONÚNCIA. AFASTAMENTO DE UMA QUALIFICADORA. DUPLA IRRESIGNAÇÃO. A) INCONFORMIDADE DEFENSIVA PRETENSÃO À DESPRONÚNCIA OU QUE OCORRA A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA ANTE A ALEGAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA. Tendo por base a prova produzida, não há como ocorrer o afastamento da pronúncia, ou mais precisamente, que se opere a absolvição sumária com base em legítima defesa, como pretende a defesa, incumbindo que o exame dos fatos e provas se processe pelo Conselho de Sentença, ao teor de expressa disposição da Lei Maior. Há que ser considerado, é bom que se relembre, o princípio do in dúbio pro societate, o que incide, na espécie, afastando-se, sob outro enfoque, a idéia também deduzida pela defesa quanto a que não deveria ter havido a pronúncia ante a falta de elementos comprobatórios do contido na peça incoativa. (...)" (Recurso em Sentido Estrito nº 70019023639 - Segunda Câmara Criminal - Tribunal de Justiça do RS - Relator: Laís Rogéria Alves Barbosa - Julgado em 03-5-2007).
"EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. Imputação: Artigo 121, § 2º, inc. I, duas vezes (promessa de recompensa e motivo torpe), e inciso IV, duas vezes (dissimulação e outro recurso que dificultou a defesa da vítima), ambos do Código Penal. 1. DESPRONÚNCIA. INVIABILIDADE - (...)- Por outro lado, como é sabido, a sentença de pronúncia é mero juízo de admissibilidade. Resulta, daí, que reclama somente indícios suficientes de autoria. Tais indícios, por sua vez, não precisam ser concludentes e unívocos, como para o efeito da condenação. O critério deve ser o 'in dubio pro societate'. (...) - A alegada ocorrência de legítima defesa não é estreme de dúvidas. Observa-se, então, que as Turmas (5ª e 6ª) componentes da 3ª Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça já firmaram orientação no sentido de que somente é admissível a absolvição sumária em caso de restar estreme de dúvida a incidência de excludente de ilicitude. Precedentes (...)" (Recurso em Sentido Estrito nº 70015131915 - Segunda Câmara Criminal - Tribunal de Justiça do RS - Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa - Julgado em 08-3-2007).
Assim, não há que se falar em absolvição sumária do Recorrente, em face da ausência de prova cabal e incontestável acerca da tese de excludente do ilícito, pela legítima defesa.
O mesmo raciocínio deve ser aplicado em relação ao pedido de exclusão da qualificadora imputada, qual seja, o motivo fútil, de modo que não se mostra oportuna sua apreciação neste momento, por também não se mostrar ausente, estreme de dúvidas, sendo a competência, para tanto, do respectivo Conselho de Sentença.
Destarte, norteia esta fase processual o princípio do in dubio pro societate, segundo o qual a dúvida opera sempre em favor da sociedade, não do réu.
Por fim, a finalidade da sentença de pronúncia restou-se cumprida, uma vez presente a autoria e materialidade do delito, não devendo que se falar em análise mais profunda dos fatos, pois cabe ao E. Tribunal do Júri analisar o mérito.
Com essas considerações, NEGO PROVIMENTO ao presente recurso em sentido estrito.
É como voto.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. JOSÉ JURANDIR DE LIMA, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DR. CIRIO MIOTTO (Relator), DES. JOSÉ JURANDIR DE LIMA (1º Vogal) e DES. JOSÉ LUIZ DE CARVALHO (2º Vogal), proferiu a seguinte decisão: NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER.
Cuiabá, 06 de julho de 2009.
DESEMBARGADOR JOSÉ JURANDIR DE LIMA - PRESIDENTE DA TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL
DOUTOR CIRIO MIOTTO - RELATOR
PROCURADOR DE JUSTIÇA
Publicado em 15.07.2009
JURID - RSE. Homicídio qualificado. Motivo fútil. Pronúncia. [20/07/09] - Jurisprudência
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