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segunda-feira, 27 de julho de 2009

JURID - Responsabilidade civil. Erro médico. Bebê prematuro. [27/07/09] - Jurisprudência


Responsabilidade civil. Erro médico. Bebê prematuro colocado em incubadora e submetido à fototerapia.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Cível n. 2008.011752-9, de Concórdia

Relator: Des. Subst. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva

RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. BEBÊ PREMATURO COLOCADO EM INCUBADORA E SUBMETIDO À FOTOTERAPIA. CEGUEIRA EM UM DOS OLHOS. DEFICIÊNCIA ATRIBUÍDA À INEXISTÊNCIA DE VENDA NOS OLHOS DA CRIANÇA DURANTE AS SESSÕES DE LUZ. PERÍCIA TÉCNICA QUE ATESTA A IMPOSSIBILIDADE DE ESSA CIRCUNSTÂNCIA SER A CAUSA DO PROBLEMA. DOENÇA MULTIFATORIAL. NEXO DE CAUSALIDADE INEXISTENTE. SENTENÇA CONFIRMADA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.011752-9, da comarca de Concórdia (2ª Vara Cível), em que é apelante Geferson Jorge Lohmann e apelada Beneficência Camiliana do Sul Hospital São Francisco e outros:

ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Público, por votação unânime, desprover o recurso. Custas de lei.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedentes os pedidos (f. 456/468) numa "ação ordinária de indenização" proposta pelo menor Geferson Jorge Lohmann, representado por sua mãe, em face de Carlos Schaefer Lehmkuhl, Beneficência Camiliana - Hospital São Francisco e Município de Concórdia.

Acolhidos os embargos de declaração (f. 473/474), o autor aponta, preliminarmente, nulidade da sentença, por cerceamento de defesa. No mérito, reeditando as teses articuladas na inicial, sustenta a responsabilidade dos réus pelos danos causados à sua visão. Persegue a condenação ao pagamento de indenização por danos patrimoniais, morais e estéticos (f. 476/498).

Com as contra-razões (f. 505/523, 526/544 e 545/548) e parecer ministerial (f. 549/555), os autos ascenderam, pronunciando-se a d. Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Dr. Jobél Braga de Araújo, pela nulidade da sentença (f. 560/564).

VOTO

Narra o autor que, por ocasião de seu nascimento prematuro, em 10-9-1991, ficou internado no Centro de Tratamento Intensivo do segundo requerido, sob os cuidados do primeiro réu.

Nos primeiros meses de idade notaram-se problemas de visão, diagnosticada posteriormente sua perda total no olho esquerdo.

Atribui a ocorrência da lesão irreversível à deficiência dos cuidados a que foi submetido à época de seu nascimento, visto que, na incubadora, seus olhos deveriam ter sido vendados, o que não ocorreu.

Persegue a condenação dos requeridos ao pagamento de indenização por danos patrimoniais, morais e estéticos.

Em primeiro grau, a magistrada considerou inexistente o nexo causal entre a conduta dos réus e o dano, ponderando, ainda, acerca da ausência de prova de culpa do médico responsável. Em arremate, assentou algumas questões técnicas:

Inicialmente, porque é de sabença, mesmo fora do âmbito da medicina, além de estatisticamente comprovado, que partos prematuros podem gerar deficiências ou consequências nefastas ao recém-nascido, pelo simples fato de que o neonato não se encontra devidamente preparado para enfrentar o meio externo, além de estar mais sujeito a contrair infecções graves e outras patologias, face à capacidade ainda reduzida do aparelho respiratório e demais órgãos em formação.

O prontuário de atendimento hospitalar referente ao autor elencado ao bojo dos autos, não apresenta qualquer irregularidade capaz de entrever descuido ou negligência ou imperícia nos procedimentos recomendados em se tratando de recém-nascidos, ao contrário, atesta que o neonato recebeu os cuidados clínicos e acompanhamento diários necessários, além de indicação clínica para tratamento subsequente (f. 461).

Alicerçou seu entendimento, ainda, na prova pericial, por meio da qual se atestou que a deficiência visual do autor decorreu de sua prematuridade, e não de descuido ou falha médica.

Inconformado, o autor argúi, em preliminar, nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, ao argumento de que não se oportunizou a realização de prova oral, tampouco houve manifestação do juízo acerca da impugnação à prova técnica, que se mostrou imprestável.

Isso porque, além de o perito não ter respondido a todos os quesitos formulados, deixou de fazê-lo em relação a outros por falta de aptidão técnica.

O órgão ministerial, em primeiro e segundo graus, pronunciou-se pela nulidade da sentença.

Não prospera a preliminar, data venia.

A insurgência do autor, tanto na ocasião da impugnação ao laudo pericial, quanto em sede recursal, é a mesma: não ter o expert se manifestado sobre vários quesitos, o que revelaria, além da inutilidade da prova, a parcialidade do profissional que a confeccionou.

São estes os quesitos do autor não respondidos pelo perito:

Quais os problemas de saúde apresentados pelo recém-nascido?

O autor esteve internado na UTI do Hospital São Francisco? Em que período?

Poderá ainda o autor sofrer, no futuro, algum transtorno em sua vida social em função da limitação visual? (f. 363).

Com efeito, quanto ao primeiro, a ausência de resposta satisfatória ("não apto a responder - f. 410) não compromete a solução do litígio, pois os problemas de saúde da criança ao nascer são de somenos importância para a investigação de seu problema de visão.

Mais de dez anos depois do nascimento do autor, interessa, ao contrário, partindo da deficiência detectada, investigar-lhe as possíveis causas.

Em relação ao segundo, a análise do prontuário médico (histórico da evolução clínica) bem responde à indagação: teve alta da UTI em 23-9-1991 (f. 102 verso). Assim, desde o nascimento, ficou 14 dias na unidade. E mais: iniciou a fototerapia em 12-9-1991 (f. 99), retirada em 20-9-1991 (f. 102).

No que tange à última pergunta, apesar de o perito atestar sua inaptidão para responder, foi esclarecedor em outros aspectos, dando a exata dimensão do quadro:

n) A deficiência visual do autor lhe causa ou poderá lhe causar transtornos?

R. O transtorno resume-se em visão monocular.

o) Pode ocasionar dificuldades aos estudos e aprendizado do requerente?

R. Não.

p) Poderá trazer, no futuro, limitações ao trabalho?

R. Apenas em trabalhos que exijam visão binocular.

q) Poderá o autor dirigir veículos automotores? Quais as probabilidades de obtenção de CNH quando atingir a idade?

R. Sim; até a categoria B.

r) O autor poderá sofrer perturbações físicas e/ou mentais em razão do problema?

R. Quanto as lesão físicas houve discreta assimetria facial em decorrência da atrofia do globo ocular, poderia ter sido minimizada se tivesse sido realizada a colocação de prótese na primeira infância. Quanto aos danos mentais não há associação com o quadro (f. 411).

[...]

t) Poderá o autor sofrer limitações em suas atividades físicas e/ou desportivas, tal como jogar futebol, tênis, etc.?

R. Não.

Como se vê, não há inconsistência; ao contrário, quanto ao que realmente interessa o perito bem exerceu sua função, qual seja, substituir o juiz na percepção e análise das fontes de prova, e contribuir, com isso, para a investigação dos fatos - ao mesmo tempo, substituto e auxiliar (DIDIER JÚNIOR, Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodium. v. 2, p. 225).

Em resposta a quesito formulado por um dos réus, acrescenta:

n) Após a análise pessoal do menor G., atualmente, é possível detectar alguma doença ou distúrbio visual nele? Qual(is)?

R. Sim; o paciente apresenta uma amaurose (cegueira) em Olho Esquerdo, possivelmente ocorrido em período peri-natal (conforme história colhida). Neste olho o paciente apresenta uma catarata total com indícios de descolamento de retina crônico e atrofia deste globo ocular. Em OD há sinais de um processo patológico antigo onde se observam alterações retinianas sequelares, possivelmente do mesmo processo patológico que envolveu OE, porém com evolução favorável. Neste olho o paciente apresenta visão útil 20/30 (80%) com correção. Em olho direito pode-se supor que houve alguma enfermidade intra-ocular no período neonatal, podendo ser desde infecção gestacional (tais como rubéola, toxoplasmose) retinopatia da prematuridade com evolução assimétrica ou mais raramente um quadro vítreo-retinopatia exsudativa familiar (f. 357 e 409).

l) A deficiência pode ter sido ocasionada pelo tratamento à base de fototerapia?

R. Não.

m) Pode o problema visual do autor ter sido ocasionado por outro procedimento aplicado ao autor enquanto permaneceu na incubadora? Explique.

R. Não exclusivamente por qualquer tratamento realizado na incubadora, conforme avaliação de prontuário; o único risco aumentado durante o período incubado é da oxigenioterapia; porém o tempo foi curto (12 dias) não significativo de risco (f. 411).

Ratificando esse diagnóstico, arremata, respondendo às impugnações:

Quanto à resposta categórica de não a este quesito. Tomei por surpresa a sugestão de minha incapacidade de avaliar um quadro oftalmológico afirmado pelos advogados do autor. Ora senhor juiz, a questão é clara e indiscutível a resposta.

A deficiência do menor pode ter sido ocasionada pelo tratamento à base de fototerapia?

Não.

O paciente apresenta degeneração vítrea exsudativa com tração retiniana e descolamento crônico. Solicito aos advogados que consigam qualquer artigo científico que afirme a possibilidade de tais alterações retinianas em prematuros, e mais, com acometimento unilateral.

Os senhores defensores do autor julgaram e destacaram que os artigos informativos de fototerapia poderiam lhes dar argumento para julgar um diagnóstico oftalmológico de especialista. Tal artigo refere, grifado, que a fototerapia pode prejudicar os olhos. Ora Excelência, em tal artigo não refere que danos são estes, e venho eu informar que é o fotostress já citado anteriormente, nenhum caso foi descrito na literatura médica de vítreo retinopatia exsudativa e processo inflamatório decorrente de fototerapia (f. 437).

Ora, o "não" categórico à tese principal do demandante, ao contrário de demonstrar parcialidade do perito, evidencia a impossibilidade de tal circunstância causar a cegueira de apenas um olho seu. Deduzir a suspeição do profissional em razão disso é, no mínimo, temerária.

E não se diga que, em virtude da insurgência das partes quanto ao laudo, bem como do protesto pela produção de outras provas, a magistrada a quo estaria obrigada a determinar a respectiva elaboração.

Isso porque, assim como a segunda perícia, a apreciação da necessidade de novos elementos de prova é da discricionariedade do julgador, seu destinatário. Se estiver convencido pelo panorama probatório instalado, é o que basta.

A propósito, colaciona-se do TJSC

O requerimento para realização de nova perícia fica a critério do juiz singular, devendo este determinar sua realização somente quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida, na exegese do artigo 437 do Código de Processo Civil. Se a perícia apresentada pelo perito nomeado for suficiente para formar sua convicção, não está o magistrado obrigado a acolher o pedido de uma segunda perícia, de modo a garantir a economia processual e evitar a ocorrência de diligências inúteis ao processo (art. 130, CPC) (TJSC - AC n.º 2006.020029-9, de Ibirama, Rel. Des. Cid Goulart, julgada em: 19.6.2007) (Apelação Cível n. 2007.058986-8, de Videira, rel. Des. Ricardo Roesler, Segunda Câmara de Direito Público, j. 4-11-2008).

Por isso, afasta-se a preliminar.

Do mérito:

À luz do art. 186 do CC, pode-se dizer que são pressupostos da responsabilidade civil subjetiva: dano, cabimento no âmbito de proteção de uma norma, fato gerador, nexo de causalidade e nexo de imputação.

A respeito, leciona Fernando Noronha:

Podemos ordenar os pressupostos da responsabilidade civil de forma mais didática dizendo ser necessário, para que surja a obrigação de indenizar: a) que haja um fato (ação ou omissão humana, ou um fato humano, mas independente da vontade, ou ainda um fato da natureza) que seja antijurídico (isto é, que não seja permitido pelo direito, em si mesmo ou nas suas conseqüências); b) que esse fato possa ser imputado a alguém, seja por se dever à atuação culposa da pessoa, seja por simplesmente ter acontecido no decurso de uma atividade realizada no interesse dela; c) que tenha sido produzidos danos; d) que tais danos possam ser juridicamente considerados como causados pelo ato ou fato praticado, embora em casos excepcionais seja suficiente que o dano constitua risco próprio da atividade do responsável, sem propriamente ter sido causado por esta. A estes quatro pressupostos da responsabilidade civil, sobre os quais estão de acordo praticamente todos os juristas, deve-se acrescentar uma condição suplementar (e que, aliás, em rigor, precede todos eles): e) é preciso que o dano esteja contido no âmbito da função de proteção assinada à norma violada. Isto é, exige-se que o dano verificado seja resultado da violação de um bem protegido (Direito das obrigações: volume 1 - fundamentos do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 468-469).

É certo que, no caso de responsabilidade objetiva, prescindível a análise do elemento subjetivo.

Todavia, o nexo de causalidade é elemento basilar, sem o qual é impossível reconhecer a própria existência da responsabilidade.

No caso, não se podendo reconhecer o elo entre dano e fato, impossível atribuir aos réus o dever de indenizar, quer objetiva, quer subjetivamente.

E ainda que se cogitasse a ocorrência de nexo de causalidade entre o dano havido e conduta imperita diversa, a exemplo, a oxigenioterapia, seria inviável reconhecer a responsabilidade, em virtude de a deficiência acometida ao apelante ser multifatorial.

Nesse sentido, já decidiu esta Corte de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ERRO MÉDICO - BEBÊ PREMATURO COLOCADO EM INCUBADORA - FIBROPLASIA RETROLENTICULAR (CEGUEIRA) - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DOS MÉDICOS - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - INSURGÊNCIA - PROCEDIMENTOS TÉCNICOS ADEQUADOS NA UTILIZAÇÃO DA OXIGENOTERAPIA - ESTUDOS MÉDICOS QUE DEMONSTRAM DIVERSAS CAUSAS PARA A OCORRÊNCIA DA DOENÇA - IMPOSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DO NEXO CAUSAL - RESPONSABILIDADE CIVIL DOS MÉDICOS NÃO EVIDENCIADA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO

A obrigação decorrente da atividade curativa do médico não é de resultado e sim de meio. Sua responsabilidade civil, nos termos do art. 1.545 do Código Civil de 1.916 (vigente à época dos fatos), é subjetiva, devendo, para tanto, ser provado que agiu com imprudência, negligência ou imperícia (Apelação Cível n. 2004.037509-5, de Xanxerê, rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 28-11-2006).

Nesses termos, a sentença de improcedência deve ser confirmada.

DECISÃO

Ante o exposto, nos termos do voto do Relator, nega-se provimento ao recurso.

O julgamento, realizado no dia 26 de maio de 2009, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Vanderlei Romer, com voto, e dele participou com voto vencedor o Excelentíssimo Senhor Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz.

Florianópolis, 26 de maio de 2009.

Paulo Henrique Moritz Martins da Silva
Relator

Publicado em 20.07.09




JURID - Responsabilidade civil. Erro médico. Bebê prematuro. [27/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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