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quinta-feira, 9 de julho de 2009

JURID - Perícia médica não é objeto de comércio. [09/07/09] - Jurisprudência


Perícia médica não é objeto de comércio.


13ª Subseção Federal - 2º Vara Federal de Franca - São Paulo

Ação de Indenização

Autos n.º: 2007.61.13.002578-8

Autora: ISABELA ALMEIDA CARRIJO,

Réus: FUNDAÇÃO CIVIL CASA DE MISERICÓRDIA DE FRANCA, UNIÃO FEDERAL e PAULO JORGE ABRAHAO.

NON DAMNATIO SED CAUSA HOMINEM TURPEM FACIT

(“Não é a condenação que traz vergonha ao homem, mas sim a sua causa”)
.

Vistos em decisão,

Trata-se de ação ordinária com pedido de indenização por danos morais e materiais, bem ainda de prestação alimentícia, em razão de alegada negligência ocorrida na prestação de serviços médicos e hospitalares, interposta por ISABELA ALMEIDA CARRIJO, através de sua representante legal, Amanda Cristina de Almeida Silva, em face da FUNDAÇÃO CIVIL CASA DE MISERICÓRDIA DE FRANCA, UNIÃO FEDERAL e PAULO JORGE ABRAHÃO.

Após regular tramitação e processamento, o feito foi saneado, com designação de perícia a ser realizada no dia 15 de julho de 2009, às 09:00 horas, sendo nomeado o perito judicial o

Dr. Ricardo de Carvalho Cavalli, portador do CPF n. 705.704.006-78, PIS n.190.10425.30-7, com consultório no Hospital das Clínicas- Setor de Atendimento da Clínica Civil Convênio FAEPA, Av. Bandeirantes, nº3.900, na cidade de Ribeirão Preto.

Nos termos da informação de fls. 600, o Dr. Ricardo de Carvalho Cavalli se dispôs a realizar a perícia, agendando a data, dia e horário, de acordo com a sua disposição e conveniência, nada mencionando acerca dos valores que seriam arbitrados a título de honorários advocatícios. Somente ao ser comunicado pela Secretaria desta Vara Federal, que os autos estariam disponíveis para retirada com uma semana antes da realização da perícia, é que o perito manifestou-se, indagando sobre os valores dos honorários que seriam arbitrados, conforme documento de fls. 603.

Ao ser comunicado por telefone sobre os valores R$ 500,00 (quinhentos reais) o Dr. Ricardo de Carvalho Cavalli informou que não realizaria a perícia por menos de R$ 3.000,00 (três mil reais), conforme informação de fls. 601, valor este, superior em muito, ao máximo previsto na Tabela da Resolução n 558/2007, do E. Conselho da Justiça Federal, mesmo com a elevação autorizada pelo artigo 3º, § 1º, da mencionada Resolução 558/2007.

Fundamento e decido.

Em se tratando de questão que depende de conhecimento especial de técnico para o esclarecimento da verdade, útil e necessária é a realização da perícia.

Cuidando-se, pois, de matéria técnica, a prova pericial se impõe, a representar cerceamento de defesa o seu indeferimento, em oposição ao princípio do contraditório, da ampla defesa e do livre acesso ao Poder Judiciário, ex vi do disposto no art. 5º XXXV e LV da Constituição Federal. (AC. Um. da 3ª Câm. Do TAMG de 18.09.1993, no Ag 158.873-2, rel. Juiz Ximenes Carneiro; RDC 71/209).

Decerto, conquanto possa não depender, necessariamente, a prova do fato do exame pericial, basta que seja útil à formação do convencimento do Juiz para que o mesmo seja realizado.

Impende relevar que eventualmente o fato de o perito oficial deixar de assinar termo de compromisso constitui tão-somente mera irregularidade, não acarretando nulidade do processo, uma vez que não se demonstrou prejuízo para qualquer das partes; ademais, de acordo com a Lei 8.455, de 24.08.1992, já não mais se exige este compromisso. (AC. Um. Da 1ª Câm. Do TJMG de 21.12.1993, na AP. 16.304/8, rel. Des. Orlando Carvalho; Jurisp. Min. 126-127/234).

Destarte, a simples declaração de aceitação do encargo bastaria para obrigar o perito a desempenhá-lo bem e fielmente, sendo certo que consoante preconiza o art. 422 do Estatuto Processual Civil Pátrio, o perito deverá cumprir escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente mesmo do termo de compromisso.

Dispõe o inciso II do art. 424 também do Código de Processo Civil que o perito pode ser substituído quando sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado, sendo certo que o respectivo parágrafo único do aludido artigo estatui que nesta hipótese, o juiz comunicará a ocorrência à corporação profissional respectiva, podendo, ainda, impor multa ao perito, fixada tendo em vista o valor da causa e o possível prejuízo decorrente do atraso no processo.

É da livre escolha do juiz o profissional apto a promover a defesa da parte, uma vez que determinados processos, máxime aqueles em que figuram hipossuficientes, o dito processo é regido pelo princípio da prevalência de tal interesse, bem como pelo devido processo legal, que envolve a ampla defesa como seu corolário obrigatório. Por isso, o juiz deve zelar pelo fiel exercício da ampla e eficaz defesa, cuidando de garantir à parte misera todos os meios possíveis e legítimos para tanto.

Curial é que se aduza, ad instar e analogicamente que o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) dispõe no seu art. 34, inciso XII que constitui infração disciplinar recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade de defesa pública.

Aliás, consoante o disposto no art. 264 do Código de Processo Penal, salvo motivo relevante, os advogados e solicitadores serão obrigados, sob pena de multa a prestar seu patrocínio aos acusados quando nomeados pelo juiz. Por outro lado, a Lei Federal nº 7.346/85, reformando leis anteriores, disciplinou a defesa dativa, dispondo que o advogado ou o provisionado, indicado pelo Serviço de Assistência Judiciária, pela Ordem, ou pelo juiz, será obrigado, salvo motivo justo, a patrocinar gratuitamente a causa dos necessitados, até o final, sob pena de censura e multa.

Não obstante, poder-se-ia, in casu, aludir-se até mesmo ao instituto da requisição, pelo qual se possibilita a utilização coativa de bens ou serviços particulares pelo Poder Público por ato de execução imediata e direta da autoridade requisitante e indenização ulterior.

De efeito, além da desapropriação, também a requisição retrata hipótese de sacrifício de direito, sendo que no magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello, litteris:

Requisição é o ato pelo qual o Estado, em proveito de um interesse público, constitui alguém, de modo unilateral e auto-executório, na obrigação de prestar-lhe um serviço ou ceder-lhe transitoriamente o uso de uma coisa in natura, obrigando-se a indenizar os prejuízos que tal medida efetivamente acarretar ao obrigado”. (Bandeira de Mello, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 18ª ed, Malheiros, 2005) (Destaquei).

A requisição funda-se no art. 5º, XXV, do Texto Constitucional brasileiro, sendo certo que há diversas espécies de requisição de serviços, tais como, v.g, para prestação de serviço militar a que se sujeitam todos os jovens do sexo masculino que completem 18 anos ou para prestação de serviço eleitoral nas mesas receptoras de votos, além de outras hipóteses podem ser mencionadas ainda algumas hipóteses como o caso da obrigação, que alcança qualquer pessoa, de prestar assistência, desde que possa fazê-lo sem risco, em caso de acidente.

Observe-se que na docência de Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, 27ª ed, editora Malheiros, págs. 598/599, quanto à requisição de serviços, não há os óbices constitucionais existentes no tocante à de bens, cuja atividade está condicionada à existência de perigo comum iminente, como ocorre, p. ex., com a sonegação de gêneros de primeira necessidade que, comprometendo a subsistência da população, põe em risco a saúde e até mesmo a vida.

Insta verificar, inclusive, que a Lei 6.439/77, no seu art. 25 autoriza requisições em caso de calamidade pública, perigo público iminente ou ameaça de paralisação das atividades de interesse da população, a cargo de entidades da Previdência e Assistência Social.

Tal a relevância da questão que o art. 342 do Código Penal assevera ser crime fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral, estatuindo pena de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, sem se olvidar que o perito judicial é equiparado para efeitos penais, a funcionário público.

Não obstante, por seu turno, segundo o art. 146 do Código de Processo Civil, tem o expert o dever de cumprir o ofício, no prazo que lhe assinala a lei, empregando toda a sua diligência, sendo certo, ainda, que em consonância com o art. 147 do referido diploma legal, o perito que, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas, responderá pelos prejuízos que causar à parte, ficará inabilitado, por 2 (dois) anos, a funcionar em outras perícias e incorrerá na sanção que a lei penal estabelecer.

Da mesma forma ocorre com o perito que cometer erro crasso na execução de julgado, posto que uma vez comprovada a culpa ou o dolo, deverá o mesmo indenizar a parte que se viu prejudicada pela sua desídia, imprudência ou negligência.

Deveras, sendo uma incumbência intuitu persoane, tendo em vista as qualidades e aptidões técnicas especificas do profissional escolhido, sendo, portanto uma obrigação infungível, malgrado ao Órgão Judicial não seja dado constranger o recalcitrante, manu militari, à prestação a qual se encontra jungido, poder-se-ia pensar mesmo na eventual hipótese de execução do expediente por outrem às expensas do perito reticente.

Lado outro, também por alusão, no caso em face ao art, 461 do Estatuto Adjetivo Pátrio, considerando-se que se tem um facere, poder-se-ia dizer-se acerca de eventual tutela específica do respectivo munus público, determinando-se providências que assegurem o resultado prático equivalente à sua realização, tal como a imposição ex oficio de astreintes, até mesmo em elevadas quantias, posto que o escopo das mesmas não é o pagamento do valor da multa diária, senão compelir o expert ao cumprimento de suas incumbências, tendo, pois, a sanção tão-somente natureza inibitória.

Nesse diapasão, coligimos o seguinte julgado, in verbis:

“O perito é um auxiliar da Justiça, recebendo um munus público para, transitoriamente, auxiliar o Juiz no deslinde da demanda. Assim, o Magistrado tem competência para aplicar sanções, arrimando-se no chamado princípio da verdade sabida, pelo qual, ao tomar conhecimento pessoal de uma falta ou omissão de um dos seus auxiliares, pode aplicá-las, de acordo com a lei.” (AC. Um. Da 2ª T. do TRF da 4ª R. no MS92.04.09702-7-PR, rel. Juiz Dória Furquim; ADV, de03.09.1995,n.70.666).

(Destaquei).

Entrementes, ressalte-se que a Lei n.º 1.060/50, justamente a qual estabelece normas para a concessão de assistência jurídica aos necessitados reza expressamente em seu art. 14 que os profissionais liberais designados para o desempenho de defensor ou de perito, conforme o caso, tirante hipótese de justo motivo previsto em lei ou, na sua omissão, a critério da autoridade judiciária competente, são obrigados ao respectivo cumprimento de suas incumbências, pena de multa, sem prejuízo da sanção disciplinar eventualmente cabível.

E o simples fato de que poderá haver interesse pecuniário do perito no desate da questão para a percepção de honorários, sem qualquer outro elemento probatório capaz de definir sua suspeição ou impedimento, não poderá ser indicativo da procedência de uma eventual exceção processual, porquanto têm as partes, ainda, o direito de indicar assistente técnico para rechaçar qualquer desvio de conduta do perito oficial e ao laudo não está adstrito o julgador, podendo abandonar o oficial e acatar o particular do assistente.

Com efeito, é preciso que se entenda ser a saúde um bem público, inalienável que não pode ser tratada ocasionalmente ou com restrições, como quem trata de atividades meramente mercantis. Dentro do contexto analisado, essa é a única forma de ajustamento aos princípios constitucionais de um Estado Democrático de Direito, no qual a saúde seja um patrimônio indivisível e social e onde certas práticas empresariais não transformem pessoas doentes ou agonizantes em objeto de mercancia, tão ao gosto do apetite do lucro fácil e injusto.

Adite-se que com fulcro na Constituição Federal, na medida em que esta instituiu uma cláusula geral de tutela da dignidade da pessoa humana, impondo, desta forma, o reconhecimento da influência de interesses não-patrimoniais – tal como a saúde - sobre a conformação jurídica das relações pecuniárias passa a tornar importante distinguir àquelas situações patrimoniais - especificamente as relações econômicas e financeiras - daquelas necessárias à mantença de um padrão mínimo de dignidade à pessoa humana, sendo certo, outrossim, que deve ser levado em conta o poder negocial das partes processuais em face do discrimem das relações entre elas havidas.

E no sentido segundo o qual todo direito a fim de ser tutelado deve cumprir sua teleologia, podemos asseverar, na esteira da função social da propriedade e da função social do contrato que, in veritas, todo e qualquer direito possui sua função social, de tal sorte que não subsiste mais aquele modelo absolutamente liberal, sob o prisma do Estado mínimo, porquanto o ordenamento jurídico é um fenômeno social, de modo que, para serem lídimos, é necessário que os interesses particulares estejam em consonância com os gerais, de maneira a promover o bem comum e realizar um valor de utilidade social, e não simples e meramente atinados à fins espúrios ou egoísticos.

Acrescente-se que segundo o art. 1º c/c art. 9º da Resolução n.º 1.246 de 8 de janeiro de 1988, do Conselho Federal de Medicina, a qual dispõe acerca do Código de Ética Médica, a medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade, devendo ser exercida sem discriminação de qualquer natureza, não podendo, em qualquer circunstância ou de qualquer forma, ser exercida como comércio.

Mais, nessa seara reza-se que é vedado ao médico aproveitar-se de situações decorrentes da relação médico-paciente para obter vantagem financeira, receber remuneração pela prestação de serviços profissionais a preços extorsivos, chegando mesmo o respectivo art. 95 a pregar ser proscrito a cobrança de honorários de pacientes assistidos em instituição que se destina à prestação de serviços públicos

Aduza-se, ainda, que na forma da resolução em epigrafe, não pode o médico deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico do qual participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente, isentar-se de responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado, de modo a deixar de atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou auditor, como prevê o seu respectivo art. 118.

Assim penso que se é verdade o brocardo segundo o qual o trabalho enobrece o homem, muito mais régio é o labor altruístico que, outrossim, auxilia e ajuda quem dele necessita, sendo, pois, extremamente honorífico todo o trabalho filantrópico e voluntariado.

Portanto, entendo que para além de não ser lícito a todas e a ninguém se recusar a colaborar com o Poder Judiciário, a designação e nomeação de um profissional como perito, muito mais do que um munus público é, de fato, móvel de honra, não apenas por denotar a confiança que lhe é depositada pela Justiça, como, outrossim, viabilizar-lhe participar de tão importante mister cívico.

Ex positis, determino seja realizada a perícia médica, como devidamente agendada pelo Dr. Ricardo de Carvalho Cavalli , portador do CPF n. 705.704.006-78, PIS n. 190.10425.30-7, no dia 15 de julho de 2009, às 9:00, em seu consultório situado no Hospital das Clínicas -Setor de Atendimento da Clínica Civil Convênio FAEPA, Av. Bandeirantes, nº 3.900, na cidade de Ribeirão Preto, pena de multa diária no valor de R$ 234,80 (duzentos e trinta e quatro reais e oitenta centavos).

Determino, ademais, seja o laudo pericial prontamente entregue dentro do prazo impostergável de 10 (dez) dias, pena de multa diária no valor de R$ 234,80 (duzentos e trinta e quatro reais e oitenta centavos) por dia de atraso.

Arbitro a importância de R$ 500,00 (quinhetos) reais a título de honorários periciais.

Dê-se vista da presente decisão ao Ministério Público Federal.

Intimem-se.

Cumpra-se.

Franca, 07 de julho de 2009.

Bernardo Wainstein.
Juiz Federal Substituto.



JURID - Perícia médica não é objeto de comércio. [09/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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