Anúncios


quarta-feira, 15 de julho de 2009

JURID - Negado pedido de obrigação. [15/07/09] - Jurisprudência


Juiz nega pedido que obrigaria ex-prefeito a depor.


ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PODER JUDICIÁRIO - COMARCA DE NATAL
SÉTIMA VARA CRIMINAL

PROCESSO Nº 001.09.02164-3
REQUERENTE: CÂMARA MUNICIPAL DO NATAL( CEI - COMISSÃO ESPECIAL DE INQUÉRITO)
REQUERIDO: CARLOS EDUARDO NUNES ALVES


SENTENÇA

PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL - COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - PODERES INVESTIGATÓRIOS - LIMITES - CONDUÇÃO COERCITIVA DE TESTEMUNHA - RESERVA DA JURISDIÇÃO - CONVOCAÇÃO DE EX-PREFEITO - AUSÊNCIA DE SIMETRIA COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - NORMA PREVISTA NA LEI ORGÂNICA QUE SE AFIGURA INCONSTITUCIONAL - PRECEDENTES DO STF - INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA - PEDIDO QUE SE JULGA IMPROCEDENTE.

1. Ao Juiz, no âmbito do Estado Democrático de Direito, incumbe o exercício do controle difuso de constitucionalidade, o que deve, inclusive, ser procedido de ofício.

2. Por força dos princípios da simetria constitucional e da separação de poderes, é inviável a convocação de prefeito para depor como testemunha em Comissão Especial de Investigação, o que se estende ao ex-prefeito, desde que o fato investigado diga respeito à sua administração.

3. Julga-se antecipadamente de lide sempre que se trate de matéria exclusivamente de direito, em que não haja fatos a serem objeto de prova, o que é o caso dos autos.

Vistos.

I - RELATÓRIO:

01. A CÂMARA MUNICIPAL DO NATAL, órgão representativo do Poder Legislativo do Município do Natal, através de sua Procuradoria Jurídica, promove a AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO PARA CONDUÇÃO COERCITIVA DE TESTEMUNHA FALTOSA, o que faz com supedâneo no art. 218 C/C art.240, § 1º, alínea ?h?, e art. 3º do Código de Processo Penal, com pedido de liminar, em desfavor de CARLOS EDUARDO NUNES ALVES.

02. Em suma, aduz a promovente:

a) No dia 19 de maio de 2009, foi instituída a Comissão Especial de Inquérito, através do Ato nº 005/2009 do Presidente da Câmara do Natal, publicado no DOM em 19.05.2009, originária do requerimento nº 1507/2009, apresentado pelos Vereadores daquela casa legislativa, conforme ata da Sessão constante dos autos.

b) A Comissão Especial de Inquérito - CEI foi particularmente criada para apurar denúncia referente aos medicamentos vencidos, adquiridos pelo Poder Público Municipal e o armazenamento de forma irregular em galpão da Prefeitura Municipal do Natal.

c) Em resposta a "CEI DOS MEDICAMENTOS", foi enviada cópia do ofício requisitado pelo Serviço Auditoria do Ministério da Saúde, cujo conteúdo do ofício, datado de 08.01.2008, informa ao Ex-Prefeito Carlos Eduardo Nunes Alves, que teria sido ?constatadas situações características de impropriedades/irregularidades, citadas no Relatório de Auditoria n° 6213, item IV - NÃO CONFORMIDADES que necessitam de justificativas?

d) Tendo em vista a auditoria apresentada,a oitiva do Senhor CARLOS EDUARDO NUNES ALVES, faz-se necessária para sanar todas as dúvidas sobre o armazenamento e compra de medicamentos adquiridos próximos a data de vencimento durante a gestão do então Prefeito.

e) O Ex-Prefeito foi convocado, na qualidade de testemunha, para comparecer no dia 06.07.2009, visando esclarecer fatos relativos ao objeto de instalação da CEI.

f) Embora notificado, inclusive da condição em que seria ouvido, bem como dos seus direitos e garantias, dentre os quais a assistência de advogado, garantia da não auto-incriminação, direito ao silêncio, o Ex-Prefeito não compareceu nem justificou sua ausência.

g) Notificado uma vez mais, com o realce da mesma condição e garantias, para comparecimento no dia 09.07.2009, às 09:00h, o Ex-Prefeito não compareceu nem justificou sua ausência.

h) Nos últimos dias, o requerido tem ocupado à imprensa televisiva, radiofônica e, através de sítios da internet, tentando desmoralizar o trabalho da CEI dos Medicamentos, menosprezando seus membros e todos os convidados a acompanhar os trabalhos, tais como o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, a Controladoria da União, o Conselho Municipal de Saúde e a Procuradoria Geral do Município.

03. Com a peça pórtica juntou os documentos de fls. 17/124.

04. Através de advogados, o requerido, simultaneamente ao protocolo da inicial, juntou sua resposta acompanhada dos documentos de fls.163/265.

05. É o que basta relatar.

II - FUNDAMENTAÇÃO:

06. A questão fustigada nos presentes autos gravita em torno dos Poderes, limites e competências das Comissões Parlamentares de Inquérito, cuja normatização inserta no art. 58, § 3°, da Constituição Federal, serve de parâmetro para orientar as Comissões Especiais de Investigação no âmbito dos Estados e Municípios por força de simetria constitucional.

07. Após descortinar essas nuances, impõe-se o exame acerca da pertinência dos requisitos para concessão da medida cautelar requerida, qual seja: a busca e apreensão com o fim de conduzir coercitivamente o requerido para oitiva no dia 16.07.2009, às 09:00h, pela Comissão Especial de Investigação.

08. É sabido que a atividade dos órgãos legislativos não se exaure na função de legislar. Ao lado dessa atividade primeira, outras atividades atípicas, porquanto não ordinárias, estão inseridas no plexo de atribuições do Poder Legislativo. Assim é que se observa que o Poder de investigar é inerente ao Poder de Legislar - diria mesmo que não é possível conceber o Poder de Legislar sem o corolário Poder de investigar.

09. Nessa perspectiva, tem-se que as Comissões Parlamentares de Inquérito são, portanto, essenciais para que o Legislativo possa bem desenvolver suas atividades, máxime aquelas relacionadas à fiscalização e controle de atos do Poder Público.

10. Evidente que não basta a concessão de Poderes investigatórios ao parlamento. É necessário que a outorga de poderes venha acompanhada com os respectivos meios para sua efetivação. Diz-se, então, que quem concede poderes deve transmitir os respectivos instrumentos para seu exercício de forma otimizada.

11. Dúvida não há que os Poderes investigatórios conferidos às Comissões Parlamentares de Inquérito não são ilimitadas. Não há Poder absoluto. O Poder é sempre e necessariamente limitado, no âmbito de um Estado de Direito, uma vez que o Estado, conquanto seja o agente responsável pela institucionalização dos costumes por meio da elaboração das normas jurídicas, plasmadas nas leis, simultaneamente, submete-se às normas que estabeleceu.

12. Da análise da situação normada disposta no art. 58, § 3º, da Constituição da República, bem como do exame da doutrina e Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, possibilita-se sintetizar os limites das Comissões Parlamentares de Inquéritos em : a) limites quanto ao objeto; b) limites temporais; c)limites quanto ao âmbito de atuação; d)limites quanto aos meios investigatórios utilizáveis; e) limites formais.

13. Na presente hipótese, para o efeito da presente motivação e tendo em mira os contornos do debate travado nos presentes autos, examinarei os limites relacionados os itens a, b, c e d.

14. O limite quanto ao objeto da investigação está previsto no art. 58, § 3º, ao estabelecer que as comissões parlamentares de inquérito terão por objeto a apuração de fatos determinados. À instauração válida de uma comissão de investigação exige-se que a matéria a ser investigada seja determinada e delimitada.

15. A esse respeito, o Ministro Francisco Campos enfatizou que - O poder de investigar não é genérico ou indefinido, mas eminentemente específico, ou há de ter um conteúdo concreto, suscetível de ser antecipadamente avaliado na sua extensão, compreensão e alcance pelas pessoas convocadas a colaborar com as comissões de inquérito?1.

16. Seguindo esse norte, quanto à sua extensão, a investigação deverá cingir-se a fato específico que lhe deu origem ou em razão do qual fora convocada, não podendo examinar fatos outros alheios e estranhos ao seu objeto. Nesse quesito, o fato que ensejou a convocação deverá ser examinado em dupla dimensão: no plano horizontal e vertical, este ligado a sua profundidade, ao passo que aquele relacionado a sua extensão. Afirma-se, então, que o fato que desencadeou a investigação deverá ser de interesse público, relacionado às atribuições legislativas. Nunca em relação a negócios de índole privada, ou mesmo relacionados à vida privada ou íntima das pessoas.

17. Um segundo limite que se impõe às comissões parlamentares de inquérito é o limite temporal. Assim, a Constituição exige que as Comissões Parlamentares de Inquéritos sejam criadas por prazo certo, consoante dispositivo antes mencionado. Não obstante seja admitida a prorrogação, no próprio ato de sua criação deve está consignado o prazo de sua duração. Em hipótese alguma, esse prazo poderá superar o prazo da legislatura em que instalada, consoante previsão inserta no art. 5º, 2º, da Lei nº 1.579/52.

18.Quanto ao âmbito de atuação, também experimentam limites as comissões parlamentares de inquérito, que devem se ater ao âmbito de competência constitucional dentro do qual são criadas. Nesse particular, impõe-se, primeiramente, a restrição relacionada a separação dos poderes. Assim, dentre as funções constitucionais do Poder Legislativo encontra-se a fiscalização dos atos do Poder Executivo.

19. Todavia, em respeito a separação dos poderes, não é admitido que a Comissão Parlamentar convoque o Presidente da República para ser ouvido como testemunha. De igual modo, não é permitida a convocação de membros do Poder Judiciário como testemunha para depor acerca de seus atos jurisdicionais, ou seja, não se admite a instauração de comissões parlamentares de inquérito com o fim de investigar atribuições constitucionais típicas do Poder Judiciário.

20. Ainda quanto à limitação relacionada ao âmbito de atuação, há restrições relativas ao fracionamento de competência constitucional dentro do próprio Legislativo. Observa-se, desse modo, que é inviável a instauração de Comissão Parlamentar no âmbito do Poder Legislativo da União, em relação a matérias que a Constituição reservou aos Estados ou Municípios. Da mesma forma, o Senado não poderá instaurar Comissão Parlamentar de Investigação acerca de matéria afeta a competência privativa da Câmara, sendo a recíproca igualmente verdadeira.

21. Quanto aos meios de investigação, as Comissões Parlamentares também sofrem delimitações. Não obstante tenha o constituinte afirmado que as comissões parlamentares terão poderes próprios das autoridades judiciais, certamente, a dicção constante do art. 58, § 3º, da Constituição da República revela indisfarçável atecnia. É que, em razão da eleição constitucional do modelo acusatório de processo, que separa as funções de acusar, defender e julgar, não possui o juiz brasileiro poderes investigatórios.

22. Na verdade, pretendeu o constituinte afirmar que as comissões parlamentares de inquérito terão poderes instrutórios. Tanto que poderá ouvir testemunhas, indiciados, requisitar documentos e demais atos pertinentes a efetividade de seus trabalhos.

23. Aqui reside, certamente, um dos pontos de maior controvérsia doutrinária e jurisprudencial: qual seria a extensão dos poderes das comissões parlamentares?

24. Evidente que o constituinte pretendeu dotar as Comissões Parlamentares apenas dos poderes instrutórios dos juízes. Jamais iria conferir-lhe todos aqueles poderes peculiares à função jurisdicional em sua essência.

25. Assim, afora os Poderes instrutórios atribuídos às Comissões Parlamentares, outros existem que, pela sua própria dimensão e relevância, não foram compartilhados. Por exemplo, existem algumas medidas cautelares, como a interceptação telefônica, a busca e apreensão, a prisão cautelar, dentre outras, que pela sua própria índole e em razão de implicar limitação a direitos fundamentais, que não foram confiadas às Comissões Parlamentares. Essas medidas de natureza cautelar estão acobertadas pelo princípio da reserva da Jurisdição, significando dizer que somente o Poder Judiciário poderá impor limitações a direitos fundamentais.

26. Mesmo em relação aos poderes cometidos às Comissões Parlamentares, estes devem ser exercidos com prudência, equilíbrio e temperamento. Assim não é dado exigir das testemunhas e investigados que se auto-incriminem. Isso porque a Constituição expressamente adotou o princípio nemo tenetur se detegere no art. 5º, LXIII, de sorte que a testemunha, ainda que tenha prestado o compromisso da verdade, não comete crime ao calar ou prestar informação inverídica para não se incriminar. De igual modo, o investigado não poderá ser compelido a falar, podendo optar, durante sua oitiva, em permanecer calado ou até mesmo não comparecer ao interrogatório, inclusive judicial, abdicando de sua auto-defesa.

27. Demarcadas essas limitações, é possível afirmar que todas as vezes que, durante os trabalhos das Comissões Parlamentares, não se observem os freios ora tratados, certamente aquele que se achar prejudicado poderá recorrer ao Poder Judiciário para salvaguardar seus direitos e recolocar as atividades investigativas no seu devido lugar.

28. Volvendo ao centro do debate, após os esclarecimentos necessários, superada a leitura demorada da inicial e respectiva resposta, cumpre observar que tudo que foi dito em relação as comissões parlamentares de inquérito (famosas CPI?S no âmbito federal e estadual), tem aplicação em relação às Comissões Especiais de Investigação - CEI?S - levadas a efeito no âmbito municipal, evidente que com suas respectivas peculiaridades.

29. Partindo dessa premissa, dúvida não há quanto ao cabimento de instauração de Comissão Especial de Inquérito para apuração de FATO DETERMINADO relacionado a Interesse Público no âmbito municipal.

30. No ponto, vale conferir posição sufragada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal sob a relatoria do eminente ministro OSCAR DIAS CORRÊA:

"(...) parece-nos indubitável que as Câmaras Municipais podem criar Comissões Parlamentares de Inquérito sobre fato determinado e prazo certo, nos moldes que a Constituição Federal autoriza à Câmara e ao Senado, as Constituições estaduais autorizam as Assembléias Legislativas e a Lei Orgânica dos Municípios dos Municípios do Estado de São Paulo autoriza às Câmaras Municipais, ou, mais longe ainda, o próprio Regimento Interno destas pode prever, respeitados os parâmetros federal e estadual".

31. Na esteira desse antigo julgado, assim como nos Estados-Membros e no Distrito Federal, o poder de investigar, observada a finalidade de fiscalização e controle e de produção legislativa, atribuída ao Poder Legislativo Municipal, exercido pela Câmara de Vereadores, decorre da própria Constituição Federal, conforme ecoa do art. 58, § 3º.

32. Superada essa premissa, impende verificar se efetivamente a COMISSÃO ESPECIAL DE INQUÉRITO poderia ou não convocar o EX-PREFEITO CARLOS EDUARDO NUNES ALVES para depor, ainda que na condição de TESTEMUNHA.

33. Aqui reside o ponto central da querela. Somente após examinar essa questão, caso a resposta seja positiva, será possível verificar acerca da viabilidade de sua condução, através de medida cautelar, para oitiva pela COMISSÃO ESPECIAL DE INQUÉRITO.

34. O exame exige que se revisitem conceitos: especialmente o de prova testemunhal.

35. Nesse particular, impende conferir a lição de GUILHERME NUCCI acerca da prova testemunhal:

Testemunha é a pessoa que declara ter tomado conhecimento de algo, podendo, pois, confirmar a veracidade do ocorrido, agindo sob compromisso de estar sendo imparcial e dizendo a verdade.

36. Dúvida não há que a testemunha é meio de prova. Resta saber quem pode ser testemunha. Segundo o Código de Processo Penal, art. 202, toda pessoa pode ser testemunha. Então, a princípio, o EX-Prefeito poderia ser testemunha.

37. Ocorre que o objeto da convocação da Comissão Especial de Inquérito é exatamente o fato determinado, OCORRIDO EM SUA ADMINISTRAÇÃO, consistente em denúncia referente aos medicamentos vencidos, adquiridos pelo Poder Público Municipal e armazenados de forma irregular em galpão da Prefeitura Municipal de Natal.

38. Evidente que a posição jurídica do EX-Prefeito Carlos Eduardo Nunes Alves, não obstante convocado na condição de testemunha e realçadas suas garantias, conforme mandados constantes dos autos, não se compatibiliza com o objeto da convocação da presente Comissão Especial de Inquérito.

39. Nesse particular, evidencia-se que o requerido certamente nutre indisfarçável interesse na apuração e esclarecimento dos fatos - diria mesmo que dificilmente, caso ouvido, mesmo prestando compromisso, o fizesse de forma desinteressada e imparcial. Isso porque o objeto da apuração irá projetar de forma positiva ou negativamente os índices de aceitação ou rejeição de sua administração, tudo isso com reflexo direto em sua atividade política.

40.Diante desse quadro, não se pode pretender que pudesse, caso não houvesse intransponível óbice de índole constitucional, prestar depoimento como testemunha na Comissão Especial de Inquérito. Evidente que não.

41.Ora, se não pode ser ouvido como testemunha, como mais forte razão, não poderia ser ouvido como investigado, mesmo porque ao investigado é dado o direito ao silêncio, não mais sendo possível a aplicação da condução coercitiva prevista no art. 260 do Código de Processo Penal, visto que, realçada a natureza jurídica do interrogatório do investigado como meio de defesa, sendo esta a mais emblemática manifestação da autodefesa, naturalmente pode ser renunciável.

42. Conforme anteriormente mencionado, as Comissões Especiais de Inquérito no âmbito municipal, por força de simetria constitucional e em decorrência do princípio da separação dos poderes, sofrem as mesmas limitações que as Comissões Parlamentares de Inquérito no âmbito federal.

43. Assim é que os limites enfocados quanto ao âmbito de atuação das CPI?s igualmente são projetados em relação as Comissões Especiais de Investigação, em relação a matéria de competência legislativa e fiscalizadora do Município.

44. Nessa quadra, importa destacar, que o Presidente da República, seu substituto, o Vice-Presidente, não podem ser intimados para depor perante Comissões Parlamentares de Inquérito, à luz do Princípio da Separação dos Poderes, da mesma forma que os membros do Poder Judiciário sobre atos e fatos inerentes à sua atividade-fim.

45. Nesse compasso, vaticina Yuri Carajelescov que, pelo princípio da Simetria e do Federalismo, o Governador de Estado e seu substituto, o Vice-Governador, o Prefeito e o Vice-Prefeito igualmente não estão sujeitos ao comparecimento perante a Comissão Parlamentar de Inquérito, seja local(na Assembléia ou na Câmara de Vereadores) ou de âmbito federal 5.

46. O citado autor, vai além:

Esse privilégio, que é do cargo e não da pessoa que o ocupa, cessa com o término do mandado na chefia do Executivo, permanecendo, no entanto, se a razão da intimação decorrer de fatos ou atos praticados no exercício das funções inerentes ao cargo.

47. No mesmo sentido, lecionam MANOEL MESSIAS PEIXINHO e RICARDO GUANABARA ao comentar acerca das pessoas obrigadas a prestar depoimento:

(...)Todavia, é vedada a convocação de autoridade estaduais e municipais para prestarem depoimento sobre matéria afeta à competência privativa dos Estados e Municípios, porque tal ato significaria afronta e violação do princípio federativo da independência dos poderes previsto no art. 2º da Magna Carta.

(...) Da mesma forma se torna impossível juridicamente a intimação, para comparecer como testemunha, ante uma Comissão parlamentar de inquérito, do Presidente da República, do Presidente do Supremo Tribunal Federal, do Presidente do Congresso Nacional, de Governadores de Estado, do Governador Distrito Federal e de Prefeitos municipais
.

48. Em oportunidades variadas, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL examinando a questão ventilado no âmbito da separação dos poderes assim se manifestou:

"HABEAS CORPUS - COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. CONVOCAÇÃO DE MAGISTRADO PARA PRESTAR DEPOIMENTO EM FACE DE DECISÕES JUDICIAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO.

1.Configura constrangimento ilegal, com evidente ofensa ao princípio da separação dos poderes, a convocação de magistrado a fim de que preste depoimento em razão de decisões de conteúdo jurisdicional atinentes ao fato investigado pela comissão parlamentar de inquérito. Precedentes.

2. Habeas corpus deferido.
( STF, Plenário, HC 80539/PA, Rel. Min. Maurício Correa. J. 21.03.2001.)

49. Na mesma linha de entendimento, em julgado que se apresenta emblemático a hipótese ora sustentada, quanto à aplicação do princípio da separação de poderes, sob a relatoria do eminente Ministro CELSO DE MELO o Colendo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL assim pontuou:

A Constituição do Estado-membro, em norma dela constante, não pode impor, ao Prefeito Municipal, o dever de comparecimento perante a Câmara de Vereadores, pois falece, ao Estado-membro, competência para assim dispor em sede normativa,considerada a autonomia dos Municípios, que se qualifica como pedra angular da organização institucional da Federação brasileira.

Tal prescrição normativa também implica clara transgressão ao princípio da separação dos poderes, pois expõe o Chefe do Executivo a um estado de submissão institucional ao Poder Legislativo municipal, sem guardar qualquer correspondência com o modelo positivado na própria Constituição da República.

À semelhança do Presidente da República e do Governador do Estado, que não podem ser constrangidos a comparecer perante órgãos parlamentares, também o Prefeito do Município não se submete - em obséquio ao postulado da divisão funcional do poder - ao dever de apresentar-se, compulsoriamente, mediante convocação do Legislativo, à Câmara de Vereadores
(STF, Plenário, ADIn 687/PA. Rel. Min. Celso de Melo. J.02.02.1995).

50. Evidente, então, por força da aplicação do Princípio da Separação de Poderes, que as Comissões Parlamentares de Investigação sofrem essa limitação quanto ao âmbito de atuação, de sorte a inviabilizar a convocação do Chefe do Executivo federal, estadual e municipal, visto que esses agentes Públicos não se subordinam ao Poder Legislativo, não obstante seus atos passíveis de controle e fiscalização pelo Parlamento.

51. Não vale dizer, por outro lado, que a situação aqui delineada não se aplica ao ora requerido, visto que não mais ostenta a condição de Prefeito Municipal. Evidente que a objeção não prospera. Isso porque o objeto da deflagração da presente Comissão Especial de Inquérito é exatamente o fato determinado originado durante sua administração municipal, ou seja, quando e enquanto o mesmo ainda gozava da condição de PREFEITO MUNICIPAL.

52. Embora cediço que a gestão administrativa e financeira da pasta da Saúde - responsável pela contratação, compra e armazenamento do medicamento - confiada a um de seus auxiliares, não se pode concluir, todavia, que o requerido não tomava conhecimento de absolutamente nada do que se passava no âmbito daquela secretaria, tanto que notificado acerca da constatação das supostas irregularidades pela auditoria, conforme documentação hospedada aos autos.

53. Pois bem. Tomando conhecimento do resultado da auditoria que apontou as supostas irregularidades, o fez certamente porque ostentava a condição de Chefe do Poder Municipal - titular do Poder -, e em relação a fatos ocorridos ainda quando na situação de Prefeito, não pode ser compelido a comparecer para depor na Comissão Especial de Investigação, sob pena de afronta ao princípio da separação dos poderes, encartado no art. 2º da Constituição da República, porquanto teria que dar explicações em relação a atos e fatos decorrentes de sua atividade enquanto administrador público.

54. Importa destacar que a convocação do requerido CARLOS EDUARDO NUNES ALVES, além de malferir o princípio da separação dos Poderes, não encontra lastro no ordenamento jurídico nacional, não obstante tenha se baseado em norma insculpida no art. 73, III, do Regimento Interno da Câmara e art. 22 da Lei Orgânica do Município do Natal, visto que ambas ostentam duvidosa constitucionalidade sob o víeis ora enfocado.

55. Conforme anteriormente sustentado, as normas que lastreiam a convocação do requerido, a medida que atritam com o princípio republicano da separação dos poderes, padecem do vício de inconstitucionalidade, não servindo para autorizar a pretendida condução, mesmo porque, tecnicamente, não se enquadra no conceito de testemunha.

56. A propósito, embora porte certo nível de autonomia para definição da organização municipal, a Lei Orgânica do Município encontra significativa limitação imposta pela própria Constituição Federal, que, no caput do art. 29 preceitua:

"O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias,e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos".

57. Dessa limitação imposta pelo constituinte, percebe-se que a Constituição Federal funciona, em relação às Constituições estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios, como verdadeira fonte jurídica do seu Poder Constituinte, visto que é ali residem as linhas estruturantes dos Estados e Municípios, servindo mesmo de guia para definição de suas bases, organização e competências.

58. Assim sendo, não pode e não deve o Legislador Municipal desapegar-se da norma ápice, sob pena de militar em terreno movediço. Essa a razão porque estimo que quando a Lei Orgânica do Município do Natal, em seu art. 22, XXVI, autoriza a convocação do Prefeito para prestar informação em Comissão Especial de Inquérito, seja qual for a condição, mesmo que respeitadas suas garantias, viola flagrantemente o princípio da separação de Poderes encartado no art. 2º da Constituição Federal.

59. Nessa linha de princípio, estimo que a mácula reside em prever hipótese que não encontra simetria no Ordenamento Constitucional da República, razão porque não se deve conferir aplicabilidade ao referido dispositivo da Norma Municipal.

60. Sendo esse o quadro que se afigura nos presentes autos, enxergando que o art. 22, XXVI, da Lei Orgânica do Município do Natal, ao se afastar do comando idealizado pelo art. 29 da Constituição da República e atritar com o Princípio da Separação dos Poderes, positivado no art. 2º da Norma ápice, encontra-se maculado pelo vício de inconstitucionalidade.

61. Desse modo, afastada a incidência da norma municipal em razão de manifesta inconstitucionalidade ora proclamada, não vejo como atender ao pleito veiculado pela requerente, no sentido de determinar medida cautelar de busca e apreensão domiciliar para o fim de conduzir coercitivamente o EX-Prefeito CARLOS EDUARDO NUNES ALVES para ser ouvido na condição de testemunha pela Comissão Especial de Inquérito da Câmara Municipal do Natal.

62. Destarte, examinada a questão e verificada a inviabilidade jurídica, diante da situação acima exposta, e ainda diante da constatação e declaração da inconstitucionalidade da referida norma municipal, no caso vertente, cumpre a este Juízo julgar antecipadamente o mérito da causa.

63. Isso porque trata-se, exclusivamente, de matéria de direito, visto que apenas se faz necessário o exame de normas jurídicas, prescindindo-se de dilação probatória. Além disso, o contraditório e a ampla defesa foram efetivamente exercidos pelo requerido, que, espontaneamente, manifestou-se (fls. 126-162) e apresentou documentos (fls. 163-265), o que supre a ausência de ato citatório formal, visto que teve a oportunidade de influir na formação da convicção do Estado-Juiz.

64. Acresça-se a tanto que, ainda que não tivesse havido manifestação do requerido, não haveria de se falar em inconstitucionalidade, ilegitimidade ou qualquer irregularidade no julgamento antecipado da lide, visto que nenhum prejuízo adviria à sua defesa. Afinal, a pretensão está sendo julgada improcedente.

65. Por outro lado, é salutar o registro de que outro posicionamento não se poderia exigir deste Juízo, sob pena de mácula ao princípio constitucional da razoabilidade. Ora, em se tratando de matéria unicamente de direito, em que se verificou além da flagrante inconstitucionalidade da norma municipal, a inviabilidade jurídica da condução coercitiva, seria irrazoável apenas indeferir a medida liminar, para, posteriormente, dilargando-se desnecessariamente o procedimento, após trâmite do feito, julgar, por sentença, improcedente a pretensão, em manifesta afronta ao princípio constitucional do acesso à justiça e seus corolários, efetividade e economia processual.

III - DISPOSITIVO:

Isto posto, exercendo o controle difuso de constitucionalidade, dever do Juiz no Estado Democrático de Direito, DECLARO a inconstitucionalidade parcial, com redução do texto, do inciso XXVI do art. 22 da Lei Orgânica do Município do Natal, para excluir o Prefeito do rol de pessoas passíveis de convocação, o que faço com fundamento nos princípios constitucionais da separação dos poderes, da simetria constitucional e nas razões anteriormente expendidas. Em consequência, não havendo a premissa, qual seja, a obrigação de comparecimento pelo requerido, não se cogita da análise dos requisitos acerca da medida cautelar alvitrada, razão pela qual, INDEFIRO a liminar postulada e, antecipadamente, por se tratar de matéria exclusivamente de direito, julgo IMPROCEDENTE a pretensão vestibular, o que faço com fulcro nos princípios da razoabilidade, do acesso à justiça e da efetividade e economia processual, bem assim na motivação supra.

Sem custas e honorários.

Anotações de praxe.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Natal/RN, 14 de julho de 2009.

IVANALDO BEZERRA FERREIRA DOS SANTOS
Juiz de Direito em Substituição Legal



JURID - Negado pedido de obrigação. [15/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário