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segunda-feira, 27 de julho de 2009

JURID - Execução penal. Falta disciplinar de natureza grave. [27/07/09] - Jurisprudência


Execução penal. Falta disciplinar de natureza grave. Elaboração de novo cálculo de liquidação de penas.

Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.

EXECUÇÃO PENAL - Falta disciplinar de natureza grave - Elaboração de novo cálculo de liquidação de penas, adotando-se a data da infração como termo inicial para a contagem do prazo necessário para obtenção de novos benefícios - Descabimento - Criação de causa interruptiva do prazo legal, ao arrepio da Lei de Execução Penal, silente a respeito - Inadmissibilidade, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da legalidade em matéria penal - Prática de falta grave que só pode repercutir em desfavor do condenado na avaliação do mérito quando da apreciação de eventuais pedidos, servindo, eventualmente, de fundamento para indeferi-los - Recurso provido para cassar a decisão impugnada, afastando-se a determinação de reinício da contagem do prazo de cumprimento de pena para fins de benefícios.

EXECUÇÃO PENAL - Falta disciplinar de natureza grave - Inocorrência - Posse de aparelho de telefonia celular antes da vigência da Lei n. 11.466/2007, que acrescentou o inciso VII ao artigo 50 da LEP - Observância da garantia prevista no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal - Impossibilidade, ademais, de se alargar o alcance do referido dispositivo da Lei de Execução Penal, cuja enumeração é taxativa, sendo inadmissível a interpretação extensiva em desfavor do condenado, mormente quando se tratar de posse de meros fones de ouvido para telefone celular - Aplicação do princípio da reserva legal também em sede de execução penal - Necessidade - Recurso provido para cassar a decisão impugnada, determinando-se a exclusão da falta disciplinar do prontuário do agravante.

EXECUÇÃO PENAL - Falta disciplinar de natureza grave - Reconhecimento - Impossibilidade - Companheira do sentenciado preso que, ao ser submetida à revista em dia de visita, foi flagrada trazendo maconha e fone de ouvido para aparelho de telefonia celular - Inexistência de prova vinculando o condenado aos objetos apreendidos com sua amásia, que, além de não afirmar ter o sentenciado solicitado tais bens, não fez alusão a quem pretendia entregá-los - Impossibilidade de se imputar ao agravante a prática de tráfico de drogas pelo simples fato de sua companheira haver sido detida com substância entorpecente, sob pena de inaceitável violação ao princípio constitucional da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal no campo penal - Recurso provido para cassar a decisão impugnada, determinando-se a exclusão da falta disciplinar do prontuário do agravante.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Em Execução Penal nº 990.08.124300-8, da Comarca de Assis, em que é agravante OSMAR PERES BAZAN, sendo agravado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte DECISÃO IMPUGNADA, DETERMINANDO-SE A EXCLUSÃO DA FALTA DO PRONTUÁRIO DE OSMAR PERES BAZAN, AFASTADAS, EM CONSEQUÊNCIA, AS DETERMINAÇÕES DE PERDA DOS DIAS REMIDOS E DE REINÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO DE CUMPRIMENTO DE PENA PARA FINS DE BENEFÍCIOS. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores BRENO GUIMARÃES (Presidente sem voto), PAULO ROSSI E ANGÉLICA DE ALMEIDA.

São Paulo, 04 de fevereiro de 2009,

VICO MAÑAS
RELATOR

AGRAVO Nº 990.08.124300-8

COMARCA: ASSIS

VOTO Nº 13.953

Osmar Peres Bazan interpõe recurso de agravo contra decisão do MM. Juiz de Direito da Vara das Execuções Criminais da Comarca de Assis que, reconhecendo a prática de falta disciplinar de natureza grave, determinou a perda dos dias por ele remidos ou a remir, bem como a atualização do cálculo de liquidação de penas, adotando-se a data da infração como termo inicial para a contagem do prazo para obtenção de novos benefícios.

Inconformado, pretende a reforma da decisão, pois insuficientes as provas de materialidade e autoria da infração disciplinar. Além disso, o agravante não poderia ser responsabilizado por ato de terceiro. Alega, ainda, que, uma vez declarada a remição por sentença, a decretação de perda dos dias remidos violaria a garantia da coisa julgada. Por fim, aduz que, por ausência de previsão legal, a prática de falta disciplinar de natureza grave não teria o condão de interromper o prazo para a obtenção de benefícios. Pleiteia, dessa forma, que se afaste a anotação de seu prontuário e, se assim não for, que se determine a manutenção da remição decretada anteriormente à falta apurada e que esta seja desconsiderada como causa interruptiva para a obtenção de benefícios.

Oferecidas as contrarrazões (fls. 64/70) e mantida a decisão combatida (fl. 74), a D. Procuradoria da Justiça opina pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

1. Segundo apurado, em 13.08.05, Daiana Patrícia Ramos, companheira do agravante, ao ser submetida à revista em dia de visita na Penitenciária de Valparaíso, foi flagrada trazendo, em preservativo acondicionado no interior de sua vagina, cem gramas de maconha e fone de ouvido para aparelho de telefonia celular (fl. 04).

Em decorrência, determinou-se o isolamento preventivo do sentenciado, bem como a instauração de procedimento apuratório disciplinar (fl. 06).

Ouvido, o recorrente refutou a prática da falta, alegando que, na data dos fatos, sequer esperava visita. Acredita que, por ser usuário de drogas, a companheira pretendia "fazer uma surpresa". Nunca pediu que trouxesse qualquer objeto (fl. 22).

Os agentes de segurança Izabel Manoel e Lucimar Catelan relataram que, pelo detector de metais, constataram que Daiana Patrícia trazia, na região genital, objeto desta natureza. Instada a respeito, confessou que portava droga e fones de ouvido, retirando-os da vagina (fls. 23/24).

Concluída a sindicância, entendeu-se que o agravante praticou, em tese, o crime previsto no artigo 12 da Lei 6.368/76, cometendo, assim, falta disciplinar de natureza grave, impondo-se sanção de 30 dias de isolamento celular, por ter infringido os artigos 39, VI, 50, VI, e 52, todos da Lei de Execução Penal (fl. 36).

O quadro produzido, entretanto, não autorizava o reconhecimento da infração.

Com efeito, nenhuma prova foi produzida que vinculasse o sentenciado com os objetos apreendidos.

Daiana Patrícia, por ocasião da revista a que foi submetida, apenas admitiu que trazia a droga e os fones. Não afirmou que o companheiro teria solicitado tais bens, nem fez alusão a quem pretendia entregá-los.

Os funcionários da penitenciária, por sua vez, tão-somente confirmaram a apreensão das coisas em poder da visita.

Impossível, dessa forma, imputar ao agravante a prática de tráfico de drogas pelo simples fato de sua amásia haver sido detida com a substância, sob pena de inaceitável violação ao princípio constitucional da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal no campo penal.

Segundo ensina Nilo Batista, "o princípio da culpabilidade impõe a subjetividade da responsabilidade penal. Não cabe, em direito penal, uma responsabilidade objetiva, derivada tão-só de uma associação causal entre conduta e um resultado de lesão ou perigo para um bem jurídico. É indispensável a culpabilidade. No nível do processo penal, a exigência de provas quanto a esse aspecto conduz ao aforisma 'a culpabilidade não se presume'. A responsabilidade penal é sempre subjetiva" (Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, Revan, 1990, p. 104).

Com relação aos fones de ouvido para celular, ainda que o sentenciado tivesse sido surpreendido na posse do acessório, não haveria que se falar em falta grave.

Embora a Lei 11.466, de 28 de março de 2007, tenha alterado o artigo 50 da Lei nº 7.210/84, incluindo como falta disciplinar de natureza grave a posse, utilização ou fornecimento de aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo, tal não pode retroagir para alcançar episódio anterior à sua vigência, sob pena de ofensa à garantia prevista no artigo 5º, XL, da Constituição Federal, já que se trata de lei penal mais gravosa.

Assim, no caso em exame, deve continuar prevalecendo o entendimento reiteradas vezes esposado por esta C. Câmara acerca da inconstitucionalidade de decisões que reconheciam como falta disciplinar de natureza grave o porte de aparelho de telefonia celular, tendo em conta que inexistia prévia disposição legal a respeito (HCs 507.470/8. 511.929/1 e 850.497-3/1 e AE 491.828/7).

E nem poderia ser de outra forma.

O artigo 50 da Lei de Execução Penal define e enumera as situações que configuram falta grave e, por mais que se pretenda alargar o alcance do dispositivo, nele não se consegue inserir a posse de aparelho de telefonia celular, nem mesmo frente ao previsto no artigo 39, II e V, da LEP. Com muito menos razão se poderia, como feito no caso em tela, inserir a posse de meros fones de ouvido.

Como é cediço, em matéria penal, não se permite interpretação extensiva em desfavor do acusado ou do condenado. Logo, a enumeração do artigo 50 da LEP só pode ser considerada taxativa.

O princípio da reserva legal também vige em sede de execução penal. Não há como negar que a prática de falta grave acarreta sérias restrições ao sentenciado, como a regressão de regime e, para alguns, a perda dos dias remidos, sanções de caráter nitidamente penal.

Conforme já ressaltado, com o costumeiro brilho, pelo Des. Eduardo Pereira, "não é por meio de mero ato da administração que se pode, à evidência, criar nova figura de falta grave. Comenta-se hoje a utilização de celulares para fins criminosos desde as prisões. Este é um fato deveras preocupante que exige das autoridades competentes a devida atenção. Impõe-se, então, a providência legislativa cabível e se ocorre omissão, no tema, não deve ser debitada na conta do judiciário. Não cabe a este engendrar soluções artificiosas e até inconstitucionais para tratar de assunto da alçada de outra esfera. Não se prestará o juiz a impor sanção ou medida que fira o ordenamento jurídico e as garantias individuais como a da reserva legal para, deixando sua alta função que deve primar pela isenção, tomar partido e travestir-se na de bastião da segurança pública. O risco emergente de dada situação é nada mais do que um valor a ser considerado no momento de decisão, ao lado de muitos outros. Como o respeito aos direitos constitucionais, que evidentemente avulta. Não é do juiz, portanto, este papel de paladino da segurança, que o desconhecimento dos leigos às vezes proclama. Não se pode pôr em risco a garantia individual do cidadão, conquista do humanismo e atributo das sociedades desenvolvidas porque o Estado, como legislador, foi omisso nas suas funções" (HC 511.828-1).

De rigor, portanto, a exclusão da falta do prontuário do recorrente.

2. Ainda que assim não fosse, vale ressaltar que a decisão impugnada, ao determinar a elaboração de novo do cálculo de liquidação de penas, adotando-se como termo inicial para contagem do lapso para eventual benefício a data da falta, criou causa interruptiva do prazo legal, ao arrepio da Lei de Execução Penal, silente a respeito, com ofensa, por conseguinte, ao princípio constitucional da legalidade em matéria penal.

A omissão legislativa, como é cediço, por força da referida garantia constitucional, só pode ser interpretada em favor do acusado ou do sentenciado, e nunca de molde a prejudicá-lo, como ocorre com a determinada fixação de causa de interrupção de prazo legal, sem o devido amparo legal.

A falta grave praticada só poderá repercutir em desfavor do condenado na avaliação de mérito quando da apreciação de eventuais pedidos, servindo, por hipótese, de fundamento para indeferi-los.

O extinto Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo já decidiu que "o cometimento da falta grave não interrompe a contagem de tempo para progressão de regime prisional, pois sua consequência será considerada apenas no exame do mérito do sentenciado, não podendo repercutir na constatação do preenchimento de requisito objetivo" (TACRIM-SP - RA - Rel. Renato Nalini - j. 23.11.1998 - RT 763/600).

No mesmo sentido, salientou-se que "a falta grave, inseria no conceito de comportamento (requisito subjetivo), pode ou não prejudicar o merecimento para a progressão de regime. Não modifica, porém, o requisito objetivo do tempo (pelo menos 1/6) da pena cumprida, como se fora anômala causa interruptiva ou de perda, que a LEP não deixaria de prever, informada como está pelo princípio da legalidade" (TJPR - RA - Rel. Luiz Viel - RT 630/330).

Este também é o entendimento pacificado na jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça:

"Em sede de execução penal, deferido o benefício de progressão de regime prisional e decretada a regressão em face da ocorrência de fuga do condenado, o novo pedido de progressão não se subordina ao cumprimento de um sexto da pena a partir da falta grave, à míngua de previsão legal. (...) Não existe previsão legal exigindo nova recontagem de um sexto após a falta grave. A Lei de Execução Penal estabelece as condições à progressão de regime e à regressão, não prevê a necessidade de novo cumprimento de prazo quando o réu comete falta grave. Porquanto, a circunstância da fuga acarreta a regressão, mas não impede a progressão (RSTJ, vol. 146, p. 543/546, outubro/2001, rel. Min. Vicente Leal, Sexta Turma, 14/12/2000).

"Após o cometimento de falta grave, não é necessário o cumprimento de um sexto da pena pelo condenado, a contar da transgressão, para que possa postular por nova progressão do regime carcerário, tendo em vista a ausência de previsão legal" (RSTJ, vol. 149, p. 458/460, janeiro/2002, rel. Min. Edson Vidigal, Quinta Turma, 3/5/2001).

Frente ao exposto, dá-se provimento ao recurso para cassar a decisão impugnada, determinando-se a exclusão da falta do prontuário de Osmar Peres Bazan, afastadas, em consequência, as determinações de perda dos dias remidos e de reinicio da contagem do prazo de cumprimento de pena para fins de benefícios.

VICO MAÑAS
Relator




JURID - Execução penal. Falta disciplinar de natureza grave. [27/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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