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quinta-feira, 30 de julho de 2009

JURID - Dano moral e dano material. Medicamento. Causa dependência. [30/07/09] - Jurisprudência


Dano moral e dano material. Medicamento com notável potencial de causar dependência.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL E DANO MATERIAL. MEDICAMENTO COM NOTÁVEL POTENCIAL DE CAUSAR DEPENDÊNCIA. VENDA SEM INFORMAÇÕES SUFICIENTES E ADEQUADAS A RESPEITO DO RISCO.

Medicamento, com reconhecido potencial de causar dependência, que foi vendido, durante razoável período, sem conter as informações necessárias a respeito do risco que causava, sendo de livre acesso aos consumidores. Comprovado o defeito do produto, há o dever de o laboratório réu indenizar o dano moral e o dano material provocados.

Apelo provido em parte.

Apelação Cível Nº 70028742997

Quinta Câmara Cível

Comarca de Porto Alegre

SILVIO EDUARDO VIETRI
APELANTE

SERVIER DO BRASIL LTDA
APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento, em parte, ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Jorge Luiz Lopes do Canto e Des. Gelson Rolim Stocker.

Porto Alegre, 15 de julho de 2009.

DES. LEO LIMA,
Relator.

RELATÓRIO

Des. Leo Lima (RELATOR)

SÍLVIO EDUARDO VIETRI ajuizou ação de indenização contra SERVIER DO BRASIL LTDA. Refere que, a partir do ano de 1993, com 27 anos de idade, em razão de estado depressivo, passou a fazer uso do medicamento Survector, produzido pelo laboratório réu. Menciona que o fármaco contém o elemento ativo Amineptina e, na ocasião, era vendido sem a apresentação de tarja de segurança indicativa de que provocava dependência. Salienta que, utilizando o medicamento sem as advertências já conhecidas pela fabricante, peregrinou sucessivas internações. Diz que a primeira ocorreu em setembro de 1995 e o laudo psiquiátrico atestou quadro de dependência a Amineptina há cerca de dois anos, além de quadro depressivo, insônia e inapetência. Registra que foi baixado em unidade fechada do Centro Psiquiátrico de Pronto Atendimento do Pavilhão São José. Destaca que, após curto período de melhora, retornou ao trabalho, havendo recaída meses depois, em face da dependência. Enaltece que, em junho de 1998, foi demitido e, ironicamente, o empregador que o demitiu foi o próprio laboratório réu. Menciona que, três anos mais tarde, foi novamente internado com diagnóstico de dependência à Amineptina. Pondera que, desde então, estigmatizado e com aparência em desacordo com sua atividade profissional, não consegue emprego e não dispõe de meios para custear um tratamento efetivo. Frisa que suas dívidas aumentaram e seu casamento terminou. Alega que, em 1997, pressionado pela comunidade científica internacional, o laboratório réu inscreveu o produto entre os psicotrópicos que exigem rigoroso controle. Requer a condenação da requerida ao pagamento de indenização por dano material, no valor de R$ 45.231,84, acrescidos, mensalmente, de R$ 2.663,43, a título de indenização pelos salários que vem deixando de receber em razão da patologia adquirida. Pede, também, a condenação da demandada ao pagamento de indenização por dano moral, na quantia de R$ 100.000,00; ao encaminhamento a tratamento em clínica particular e a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.

A gratuidade de justiça foi deferida.

Na contestação, a ré suscita, em preliminar, a inépcia da inicial. No mérito, tece considerações a respeito do medicamento Survector, destacando que, desde o seu lançamento no Brasil, somente poderia ser consumido mediante receita médica. Enaltece que o medicamento possui excelente segurança de uso e que todos os estudos clínicos demonstram eficácia semelhante à dos antidepressivos de referência. Acrescenta que somente pode ser vendido mediante prescrição e sob orientação e acompanhamento médico. Frisa que, para a aquisição de qualquer produto dessa classe terapêutica, faz-se necessária a apresentação do respectivo receituário. Alega que, em 30.08.1995, requereu ao Ministério da Saúde a protocolização de novo modelo de bula, com a inclusão mais expressa nas precauções de uso dos dizeres relativos ao risco de dependência e aumento da dose por parte do paciente em caso de tratamento prolongado e em pacientes com antecedentes de adição ou com transtornos de conduta alimentar. Salienta que, através da Portaria DIMED nº 97, de 04.10.1997, o produto Survector teve sua classificação alterada para venda sob prescrição médica, com retenção de receita. Menciona que tal Portaria foi revogada pela Portaria SVS 344 de 12.05.1998, ocasião em que o medicamento foi classificado na lista C1, de produtos com venda sob prescrição médica, com retenção de receita. Enaltece que, em nenhum momento, o medicamento teve sua venda livre no mercado. Pondera que o risco de dependência por consumo exagerado é real e está expresso na bula. Argumenta que, se o autor utilizou o medicamento abusivamente, em desacordo com as prescrições e especificações expressas na bula, sem acompanhamento médico, essa circunstância não lhe pode ser imputada. Observa que, se por meios ilícitos, o demandante adquiriu o produto e, em função de seu uso indevido, tornou-se dependente, está-se diante de hipótese de culpa exclusiva do consumidor. Ressalta que a dependência sequer está comprovada. Pede a improcedência do pleito e a condenação do autor como litigante de má-fé.

A ré também impugnou o valor atribuído à causa e a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita. Os incidentes foram julgados improcedentes (autos em apenso).

O autor se manifestou sobre a contestação.

A AXA Seguros Brasil S/A, em apenso, requereu sua intervenção no feito, na condição de assistente da demandada. Diante da concordância do autor com a assistência litisconsorcial, houve a homologação da desistência do incidente.

À fl. 234, a seguradora postula a intimação do IRB - Instituto de Resseguros do Brasil S/A, o que restou deferido.

O IRB veio aos autos, reconhecendo a obrigação de resseguro, porém, sustentando que sua intervenção deve acontecer como assistente litisconsorcial.

Designada audiência, inexitosa a conciliação, foram colhidos depoimentos pessoais e testemunhais.

As partes apresentaram memoriais.

Lançada a sentença, julgou improcedente a ação, condenando o autor ao pagamento das custas e honorários de 10% sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade, por litigar ao abrigo da gratuidade de justiça.

Inconformado, o demandante apelou, reforçando argumentos para requerer a procedência do pleito.

Respondido o recurso, os autos vieram à apreciação desta Corte.

Registro que foi observado o disposto nos arts. 549, 551 e 552 do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOS

Des. Leo Lima (RELATOR)

O apelo merece prosperar, mas em parte.

De acordo com o art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do laboratório demandado é objetiva, isto é, independe de culpa, estando condicionada simplesmente à prova de que o produto colocado no mercado era defeituoso e que causou dano ao consumidor.

Outrossim, o § 1º do apontado art. 12 estabelece que o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre elas, o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam.

Pois bem. Na situação em exame, os elementos de convicção demonstram que a empresa ré comercializou um medicamento antidepressivo com notável potencial de dependência, sem prestar informações suficientes e adequadas a respeito do risco esperado.

A respeito do potencial de nocividade do Survector, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 971.845/DF, lembrado pelo autor em seu apelo, o STJ apresenta dados que não podem ser ignorados.

No voto condutor de tal acórdão, a eminente Ministra Nancy Andrighi começa enaltecendo a polêmica estabelecida, em nível mundial, a partir da introdução no mercado do Cloridrato de Amineptina, substancia ativa do Survector, tendo em vista o grande índice de dependência apresentado pelos pacientes que a utilizaram. Acrescenta que, no ano de 2003, a Organização Mundial da Saúde, baseada em relatório com significativo alerta quanto aos problemas causados pela Amineptina e quanto à sua baixa eficácia terapêutica, recomendou a seus membros, restringir a fabricação e distribuição dessa substância.

Em sua esclarecedora manifetação, a ilustre Ministra do STJ também dá destaque à matéria constante do "Boletim de Fármaco Vigilância", publicado pelo Ministério da Saúde de Portugal no 1º trimestre de 1999. Um exemplar desse boletim foi juntado pelo autor às fls. 376/377, sendo possível constatar que o risco de dependência era conhecido no mercado internacional, inclusive no período anterior à comercialização do produto no Brasil, havendo referência acerca da suspensão definitiva de sua venda em Portugal em junho de 1999.

Por outro lado, do depoimento pessoal da representante da demandada, extrai-se que o Survector começou a ser comercializado no mercado brasileiro em 1989, com a ressalva de que a venda deveria ocorrer sob prescrição médica. Todavia, somente a partir de 1995 o fármaco passou à classe dos medicamentos com tarja preta, com retenção de receita (fls. 333/334).

A par disso, o médico Raul Fernando Izerhard esclarece, à fl. 336, que, apesar da recomendação acerca da necessidade de prescrição médica, o produto era de venda livre, podendo ser adquirido, sem qualquer restrição, em balcão de farmácia.

Por sua vez, a bula do medicamento, juntada pelo autor à fl. 11, embora mencionando o risco de dependência, não advertiu o consumidor de forma veemente, na medida em que apenas sugeriu, sem destaque, sua ocorrência meramente nos casos de tratamentos por período superior a 12 meses e de pacientes com outros transtornos.

Tanto é que, em 1995, o laboratório demandado requereu, junto ao Ministério da Saúde, a protocolização de novo modelo de bula, com inclusão mais expressa, nas precauções de uso, dos dizeres relativos ao risco de dependência e aumento da dose por parte do paciente, na hipótese de tratamento prolongado (fl. 22).

Frise-se que, pela experiência comum, é seguro afirmar que a simples alusão, na bula do medicamento, à obrigação de prescrição médica, não causa no consumidor a advertência necessária. Em primeiro lugar, porque até os medicamentos mais singelos e inofensivos trazem, em suas bulas, tal recomendação. Em segundo lugar, porque é do conhecimento geral que há uma tendência do consumidor de se automedicar.

No caso do autor, com diagnóstico de depressão, uma terceira circunstância se revela. Desenvolvida a dependência ao medicamento, por mais esclarecido que fosse o paciente, não era razoável esperar que desse importância à prescrição médica e a uma singela possibilidade de efeito colateral. Acima de tudo, o que interessava era o bem estar proporcionado pelo fármaco, ou, como bem enalteceu o médico Raul Fernando Izerhard, havia a necessidade orgânica de busca do bem estar anterior (fls. 338/339).

Daí, a importância de condicionar a venda de certos medicamentos à retenção da receita, protegendo os usuários do consumo indevido ou abusivo dos fármacos e os obrigando a se submeter, efetivamente, à prescrição médica.

Nesse contexto, tem-se que, durante um determinado período, mais precisamente entre 1989 e 1995, o Survector foi comercializado livremente, sem maiores cautelas e sem retenção de receita, o que não se coaduna com o potencial de nocividade que apresentava à saúde do consumidor e que, por certo, era do conhecimento do laboratório demandado.

Induvidosamente, o autor utilizou o medicamento em questão antes de 1995, já que, nesse ano, foi internado em clínica psiquiátrica com diagnóstico de "quadro de dependência a drogas (amineptina) há cerca de 02 anos" (fl. 43 e seguintes).

Ou seja, resta claro que o demandante foi vítima do produto defeituoso colocado no mercado pela ré, sem ter informações adequadas sobre os riscos dele esperados.

O dano moral é evidente e está consubstanciado na lesão emocional e no sofrimento oriundo da dependência causada pelo medicamento. Frise-se que o autor chegou a enfrentar internações psiquiátricas e, ainda que a tendência depressiva seja anterior, não há negar, que a dependência ao fármaco causou uma desestruturação em sua vida.

Relativamente ao valor da indenização do dano moral, vale destacar conhecida lição de Caio Mário da Silva Pereira:

"A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva" (Responsabilidade Civil, nº 49, pág. 60, 4ª edição, 1993).

Diante de tais parâmetros, o valor da reparação do dano moral deve ser fixado em R$ 40.000,00, equivalentes, hoje, a aproximadamente 85 salários mínimos nacionais, com correção pelo IGP-M desde esta data e juros de 6% ao ano, a partir da data da primeira internação psiquiátrica até o advento do novo CC, quando passam a ser de 1% ao mês, tendo em vista o teor da Súmula nº 54 do STJ.

Agora, quanto ao dano material, procede, apenas em parte, a pretensão indenizatória.

De acordo com a inicial, o autor busca a reparação dos danos emergentes e dos lucros cessantes, estes caracterizados pela perda da remuneração mensal decorrente de sua demissão.

A indenização dos lucros cessantes, porém, não é devida, porquanto não há como estabelecer, com segurança, o nexo de causalidade entre a dependência do demandante ao fármaco e a demissão noticiada na inicial. Convém enaltecer que o autor buscou o uso do medicamento justamente porque enfrentava depressão, doença que, certamente, já vinha provocando alterações em sua profissão.

Com relação ao dano emergente, corresponde à efetiva e imediata diminuição no patrimônio do ofendido, em razão do ato ilícito. Portanto, o dano emergente, além do nexo causal, exige a prova do efetivo prejuízo. No caso, as despesas satisfatoriamente demonstradas estão representadas pelos recibos médicos das fls. 96, 103 e 107, e pelos recibos da clínica psiquiátrica, juntados às fls. 97/100 e 102.

No que concerne às despesas com farmácias, a mera referência a valores não é bastante para comprovar o nexo causal, uma vez ausente a discriminação das mercadorias adquiridas.

Sobre as quantias representadas pelos recibos acima apontados, deve incidir correção pelo IGP-M desde o efetivo desembolso e juros nos mesmos moldes fixados para a reparação do dano moral.

Finalmente e para que se possa fixar a condenação e os ônus sucumbenciais, à luz do art. 54 do CPC, importa esclarecer que a seguradora atuou como assistente simples da ré, pois a presente decisão em nada influi na relação jurídica entre a assistente e o adversário da assistida, isto é, o autor. Aliás, sequer existe relação jurídica entre a seguradora e o demandante. Assim, não se cuidando de assistência litisconsorcial, não há responsabilidade solidária da seguradora em face do autor. A obrigação securitária e, por conseqüência, o resseguro, são questões a serem resolvidas exclusivamente entre a ré, a seguradora e o IRB.

No tópico, cabe esclarecer que as disposições do art. 52 do CPC não interferem em tal conclusão, até porque, os ônus processuais a que esse dispositivo alude são aqueles relacionados com os atos do processo, conforme se extrai da lição de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo, SP:RT, 2008, nota 1 ao art. 52).

Em face do exposto, dou provimento, em parte, ao apelo, para julgar procedente, em parte, a ação, nos moldes acima delineados, condenando a ré a arcar com 80% das custas e honorários de 15% sobre o montante indenizatório, cabendo, ao autor, o pagamento do restante das custas e de honorários de R$ 800,00, suspensa a exigibilidade, por litigar ao abrigo da gratuidade de justiça, admitida a compensação.

Des. Jorge Luiz Lopes do Canto (REVISOR)

Eminentes colegas, acompanho integralmente o posicionamento adotado no bem lançado voto de lavra do ilustre Relator, o qual com a sua costumeira percuciência dissecou o tema objeto dos recursos intentados com acuidade jurídica e equidade. Considerando, ainda, as peculiaridades do caso em tela, porquanto o medicamento Survector foi comercializado livremente entre os anos de 1989 e 1995, momento em que adquirido pelo autor, sem a informação adequada sobre seu alto grau de dependência.

Ademais, segundo os elementos de convicção trazidos ao feito e ressaltados pelo Insigne Desembargador Relator em seu voto, somente a partir de 1995 os consumidores começaram a ser alertados de maneira mais eficiente sobre os riscos do consumo da droga em questão, inobstante os avanços nesta área no mercado internacional, onde já tinha sido constatado há tempos o potencial nocivo da droga.

Assim, a falta de informação clara e precisa quanto aos efeitos colaterais do referido medicamento, bem como a conseqüência nefasta advinda daqueles quanto à dependência causada no autor, bem demonstra a existência dos elementos necessários para responsabilização da parte ré.

É o voto.

Des. Gelson Rolim Stocker

Acompanho o voto do E. Relator tendo em vista as peculiaridades do caso concreto.

DES. LEO LIMA - Presidente - Apelação Cível nº 70028742997, Comarca de Porto Alegre: "PROVERAM, EM PARTE, O APELO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau:

Publicado em 23/07/09




JURID - Dano moral e dano material. Medicamento. Causa dependência. [30/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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