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quinta-feira, 30 de julho de 2009

JURID - Consórcio é condenado a devolver valor. [30/07/09] - Jurisprudência


Consórcio é condenado a devolver valor pago para aquisição de imóvel.


Circunscrição: 1 - BRASÍLIA
Processo: 2008.01.1.127926-9
Vara: 1403 - TERCEIRO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

Processo: 2008.01.1.127926-9
Ação: RESSARCIMENTO
Autor: MÁRCIA ROSANA FERREIRA ALVES DE AZEVEDO
Réu: CONSÓRCIO MULTIMARCAS

Sentença

Dispensado o relatório, conforme autorização legal (Artigo 38, caput, Lei 9.099/95).

Cuida-se de ação de restituição ajuizada por MÁRCIA ROSANA FERREIRA ALVES DE AZEVEDO em desfavor da MULTIMARCAS ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIO LTDA, em que formula a parte autora o pedido de restituição de parcelas pagas em virtude de contrato de consórcio de bem imóvel entabulado entre as partes.

Passo a fundamentar e a decidir, em observância ao disposto no Artigo 93, inciso IX, da Constituição da República:

Presentes os requisitos legais (Artigo 330, inciso I, do CPC), passo ao julgamento imediato da lide.

Reconhece-se a competência deste Juízo, pois, conforme entendimento proclamado pela egrégia Primeira Turma Recursal, "o valor da causa, com vistas a se avaliar a competência dos juizados especiais, deve ser o proveito econômico perseguido pelo autor e não a importância total do contrato." (20070110455267ACJ, Relator LEILA ARLANCH, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, julgado em 20/05/2008, DJ 05/08/2008 p. 182)

Ademais, em rigor, não há falar na espécie em rescisão do contrato, porquanto esse já se acha rescindido de pleno direito com a manifestação de desistência pela parte autora, autorizado no instrumento de contrato.

Passo ao exame do mérito.

Os documentos de fls. 20/23 atestam o vínculo contratual consorcial estabelecido entre as partes.

Por sua vez, o documento de fl. 24 comprovam o pagamento efetuado pela autora.

Na hipótese, a parte autora manifestou a desistência do negócio, alegando perda de interesse na sua continuidade.

Deve-se ressaltar que a possibilidade de desistência unilateral quanto ao negócio jurídico não integra a normalidade dos contratos bilaterais, devendo ser reconhecida como medida excepcionalíssima e somente admissível quando o contrato expressamente a preveja.

No caso dos autos, o contrato prevê expressamente a possibilidade de o consorciado não contemplado desistir de participar do grupo de consórcio (Cláusula 45), com o condicionamento de que os valores vertidos em favor da administradora somente lhe serão restituídos no final do grupo.

Contudo, mostra-se evidentemente abusivo restringir o direito à restituição - consectário lógico do direito de desistir do contrato - ao encerramento do grupo de consórcio, haja vista que essa disposição estabelece "obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade." (Artigo 53, inciso IV, CDC).

Tal determinação de restringir a devolução dos valores vertidos ao grupo de consórcio somente ao seu encerramento não encontra qualquer amparo jurídico ou principiológico. Nem mesmo há de se invocar a função social do contrato nem o princípio da justiça social que rege a atividade econômica (Artigo 170, caput, da Constituição da República), haja vista que a devolução imediata dos valores pagos em nada prejudicará o grupo de consorciados, haja vista que, em contrapartida, o grupo não mais estará obrigado à aquisição do bem prometido em valor correspondente, restando minorados os seus encargos.

A questão ora em debate foi excelentemente examinada em precedente da Primeira Turma Recursal, assim ementado:

DIREITO DO CONSUMIDOR. CONSÓRCIO. DESISTÊNCIA. NULIDADE DE CLÁUSULA QUE DETERMINA A DEVOLUÇÃO DA QUANTIA PAGA PELO CONSUMIDOR NO PRAZO DE SESSENTA DIAS APÓS O ENCERRAMENTO DO GRUPO. DEVOLUÇÃO IMEDIATA. REDUÇÃO PROPORCIONAL DA TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. CLÁUSULA PENAL AFASTADA.

[...]

IV. A exigência excessiva de que o consumidor desistente aguarde o fim de um grupo estabelece obrigação que coloca, arbitrariamente, a parte mais fraca da relação jurídica em desvantagem exagerada, sendo, portanto, abusiva, segundo o entendimento das regras protetivas do consumidor.

V. A disposição contratual que condiciona a repetição da entrada vertida pelo consorciado desistente somente para o final da atividade do grupo sujeita-o a uma condição potestativa, uma vez estabelecida ao exclusivo critério e benefício da administradora.

VI. A posição de desvantagem exagerada da parte recorrida é visível, haja vista que, além de não angariar qualquer proveito com a adesão, pois não poderá adquirir o bem objeto do contrato, continuará sujeita a um condicionamento que beneficia apenas a administradora. Por outro lado, o grupo consorciado será adequadamente remunerado (mediante retenção proporcional da taxa de administração).

VII. Ademais, não haverá prejuízo aos demais consorciados, tendo em vista que, se por um lado a arrecadação do grupo é reduzida, por outro lado, o grupo adquirirá um bem a menos, havendo ainda a possibilidade da substituição do desistente por outro associado.

VIII. Dessa forma, a função social do contrato é observada, tendo em vista que a saída da parte recorrida do grupo não afetará conclusão do contrato para os outros integrantes.

IX. Por esses motivos, tal cláusula afigura-se desprovida de eficácia e legitimidade diante das disposições do Código de Defesa do Consumidor, pois atenta contra os princípios de probidade e boa-fé. Correta a r. sentença que afasta a aplicabilidade da aludida norma contratual e determina a restituição imediata da quantia paga pela parte recorrida... (20060110991482ACJ, Relator HECTOR VALVERDE SANTANA, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, julgado em 14/08/2007, DJ 05/09/2007 p. 126)

Nessa perspectiva, o Fórum Nacional dos Juizados Especiais editou o seu Enunciado nº 109, firmando o entendimento de que "é abusiva a cláusula que prevê a devolução das parcelas pagas à administradora de consórcio somente após o encerramento do grupo. A devolução deve ser imediata, os valores atualizados desde os respectivos desembolsos e os juros de mora computados desde a citação."

Por essas razões, mostra-se ilegal a disposição constante do Artigo 21 da Circular BACEN nº 3.084/2002, haja vista seu manifesto confronto com o que determina o Artigo 51, inciso IV, do CDC.

Por sua vez, no que diz respeito ao direito à restituição em si, acrescida da necessária correção monetária, a questão já foi pacificada pelo colendo STJ (AgRg no REsp 324.147/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 09.05.2006, DJ 29.05.2006 p. 227).

Quanto à taxa de administração, a jurisprudência desta Corte, por analogia ao que dispõe o Código Civil relativamente à cláusula penal (Artigo 413 do CCB/2002), tem admitido que o juiz proceda à redução equitativa da aludida taxa, tendo em vista a finalidade e a natureza do negócio jurídico, para patamar mais razoável, o que, segundo a mesma jurisprudência tem-se estabilizado em 10% (dez por cento), a exemplo do seguinte julgado:

CIVIL - CDC - CONSÓRCIO - DESISTÊNCIA - DEVOLUÇÃO IMEDIATA DA QUANTIA VERTIDA, DEDUZINDO-SE APENAS A TAXA DE ADMINISTRAÇÃO - INVIABILIDADE DA RETENÇÃO PRETENDIDA PELA ADMINISTRADORA - RECURSO IMPROVIDO. 1 - A título de taxa de administração, somente podem ser retidos, valores razoáveis, devidos pelo desistente como justa remuneração pelos serviços prestados pela administradora. Por conseguinte, não há qualquer reparo a se fazer em relação a taxa de administração fixada em 10%... (20060110135229APC, Relator VASQUEZ CRUXÊN, 3ª Turma Cível, julgado em 07/05/2008, DJ 17/06/2008 p. 74)

Por conseguinte, como a taxa de administração visa a reparar a administradora pelos custos concernentes ao contrato de consórcio, não há amparo jurídico na cobrança de taxa de adesão, notadamente quando o contrato foi entabulado diretamente com a administradora, e não por intermediação de terceiro.

Ademais, é correto o entendimento de que essa taxa adicional se confunde com a própria taxa de administração, de forma que sua cobrança implica abusivo bis in idem, como já se pronunciou o egrégio TJDFT, in verbis:

CIVIL. CONSÓRCIO. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. DIREITO À RESTITUIÇÃO IMEDIATA. DEDUÇÃO DA TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. SEGURO. PROVA DA CONTRATAÇÃO. MULTA. DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. [...] 5. Inexistindo prova da intermediação da venda do consórcio, não há que se falar em retenção da taxa de adesão. 6. Recurso conhecido e improvido. (20060111127270ACJ, Relator SANDOVAL OLIVEIRA, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, julgado em 27/11/2007, DJ 24/01/2008 p. 801)

Ressalto que, quanto ao seguro prestamista, a jurisprudência desta Corte também o tem reputado abusivo.

Quanto à cláusula penal, sua incidência somente poderia ser reconhecida se demonstrado prejuízo adicional, não reparado pela taxa de administração, considerando-se que os custos havidos pela administração já são remunerados por essa taxa.

Portanto, não havendo a prova de prejuízos adicionais, não há falar na retenção da cláusula penal estipulada no contrato, como já entendeu o egrégio STJ:

CONSÓRCIO. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PAGAS. REDUTOR. ART. 53, § 2º, DO CDC. PROVA DO PREJUÍZO. ÔNUS DA ADMINISTRADORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICE APLICÁVEL. I - A possibilidade de se descontar dos valores devidos percentual a título de reparação pelos prejuízos causados ao grupo (art. 53, §2º, do CDC) depende da efetiva prova do prejuízo sofrido, ônus que incumbe à administradora do consórcio... (REsp 871.421/SC, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11.03.2008, DJ 01.04.2008 p. 1) [destaques não constantes do original]

Outra não poderia ser a conclusão, em face do que determina o Artigo 53, §2º, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, segundo o qual "nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis, a compensação ou a restituição das parcelas quitadas, na forma deste artigo, terá descontada, além da vantagem econômica auferida com a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo."

Na hipótese versada nos autos, não se demonstraram os prejuízos ou danos outros capazes de justificar a incidência da cláusula penal estipulada no contrato, razão por que essa se mostra indevida.

Por fim, consigne-se que, conforme a jurisprudência predominante, a correção monetária deve incidir a partir da data dos pagamentos (desembolsos) dos valores cuja restituição se pleiteia (20080610031177ACJ, Relator SANDOVAL OLIVEIRA, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 11/11/2008, DJ 16/01/2009 p. 123).

Com essas considerações, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, para condenar a ré (MULTIMARCAS ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS LTDA) a pagar à parte autora, a título de restituição, o valor de R$2.391,00 (dois trezentos e noventa e um reais), assegurada à ré exclusivamente a dedução do percentual de 10% (dez por cento) sobre esse valor, a título de taxa de administração, vedada a cobrança de qualquer valor referente a cláusula penal, taxa de adesão ou seguro prestamista, devendo o montante remanescente ser acrescido de correção monetária a partir da data do pagamento efetuado pela autora (26/11/2007, fl. 24) e juros de mora a partir da citação, os quais serão calculados, conglobadamente, pela taxa SELIC (Artigo 406 do CCB/2002 e Artigo 219 do CPC), deduzindo-se do valor apurado pela SELIC o montante equivalente aos juros de mora calculados pelo percentual de 1% (um por cento) ao mês entre a data do desembolso (26/11/2007) e a data da citação, período em que os juros de mora não são devidos (AgRg no REsp 976.127/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/09/2008, DJe 07/10/2008; REsp 984.121/PE, Rel. MIN. CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 13/05/2008, DJe 29/05/2008).

DETERMINO que a ré promova o pagamento do valor da condenação no prazo máximo de 15 (quinze) dias, contados do trânsito em julgado, independentemente de nova intimação pessoal ou ao advogado constituído, ou da intimação pessoal, na hipótese de o autor requerer a execução provisória, sob pena de multa de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado, nos termos do Artigo 52, caput, da Lei 9.099/95 c/c Artigo 475-J do CPC, e execução de ofício, independentemente de novo requerimento da parte credora.

Sem despesas processuais ou honorários advocatícios (Artigos 54 e 55 da Lei 9.099/95).

Declaro extinta essa fase processual, com resolução de mérito, nos termos do Artigo 269, inciso I, do CPC.

Sentença registrada eletronicamente, nesta data.

Operando-se o trânsito em julgado e cumprida a obrigação resultante da sentença, defiro o desentranhamento dos documentos juntados.

Em seguida, promova-se a baixa e arquivem-se.

Intimem-se.

Brasília - DF, quarta-feira, 15/07/2009 às 19h46.

Ruitemberg Nunes Pereira
Juiz de Direito Substituto



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