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sexta-feira, 17 de julho de 2009

JURID - Arma de fogo de uso permitido. Porte ilegal. [17/07/09] - Jurisprudência


Arma de fogo de uso permitido. Porte ilegal. Descaracterização.

Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.

VOTO Nº 14.020

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 993.06.014620-3

APELANTE: RODRIGO ANTÔNIO RAMOS SOARES CORRÊA

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO

ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO - Porte ilegal - Descaracterização - O fato da arma apreendida estar desmuniciada descaracteriza a adequação típica da ação de portar arma de fogo, em desacordo com determinação legal, posto que tal fato torna ausente um dos elementos do tipo penal, a saber o próprio objeto material do tipo penal - Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal Com Revisão nº 993.06.014620-3, da Comarca de Duartina, em que é apelante RODRIGO ANTÔNIO RAMOS SOARES CORRÊA sendo apelado MINISTÉRIO PUBLICO.

ACORDAM, em 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO APELO PARA ABSOLVER RODRIGO ANTÔNIO RAMOS SOARES CORRÊA DA ACUSAÇÃO QUE LHE FOI FEITA NO PROCESSO Nº 344/04, DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE DUARTINA/SP, COM FUNDAMENTO NO DISPOSTO NO ARTIGO 386, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ANGÉLICA DE ALMEIDA (Presidente sem voto), CELSO LIMONGI E VICO MAÑAS.

São Paulo, 12 de novembro de 2008.

BRENO GUIMARÃES.

RELATOR

Ao relatório da r. sentença de fls. 89/91, que se adota e fica fazendo parte integrante do presente, acrescenta-se que RODRIGO ANTÔNIO RAMOS SOARES CORRÊA, qualificado nos autos, foi condenado como incurso no artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/03, às penas de 03 (três) anos de reclusão, em regime prisional inicial aberto, e pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo, substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade.

Inconformado, recorre da r. sentença postulando a absolvição, por entender que agiu em legitima defesa ou por atipicidade de conduta, já que a arma estava desmuniciada (fls. 95/100).

Recurso regularmente processado, com resposta, subiram os autos a esta E. Corte, manifestando-se a d. Procuradoria Geral de Justiça pelo seu improvimento (fls. 112/116).

É o relatório.

RODRIGO ANTÔNIO RAMOS SOARES CORRÊA foi condenado como incurso no artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/03, porque, no dia 03 de outubro 2004, por volta das 17h50min, na rua Gaspar Ricardo, defronte ao numeral 244, na cidade de Ubirajara, comarca de Duartina, portava um revólver marca Taurus, calibre 38, com numeração suprimida, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

O inconformismo procede.

Silente na fase policial (fls. 24), o acusado, em Juízo, admitiu o porte de arma, alegando que era época de eleições e o partido para o qual trabalhava havia sido derrotado, sendo que passou a sofrer ameaças. Declarou, também, que ficou preocupado que a oposição soltasse fogos em direção a sua casa, que era um imóvel cedido através de comodato (fls. 38).

Os policiais militares Benedito Cardoso de Oliveira Filho e Jair Marcondes Ramos, ouvidos em juízo, informaram que estavam em patrulha quando avistaram o acusado portando uma arma na cintura, pelas costas e sobre a camisa. Ao perceber a aproximação da viatura, o acusado adentrou em sua residência, sendo seguido pelos policiais que, efetuando diligências no local, encontraram, escondida no guarda roupas, a referida arma, que estava desmuniciada (fls. 50 e 52).

O Policial militar Claudimar Petenucci, alegou que além da arma, logrou encontrar cinco cartuchos dentro de um maleiro (fls. 51), porém, tal depoimento não encontra respaldo no auto de exibição e apreensão de fls. 09, bem como no laudo pericial de fls. 12/14, nos quais constaram que a arma foi encontrada sem a respectiva munição.

Em conclusão apressada, poder-se-ia decretar a condenação do réu, pelo simples fato de ter sido ele surpreendido transportando a arma, sem a devida autorização.

No entanto, de se observar que o legislador, ao descrever o tipo penal previsto nos artigos 12 e 16, "caput", da Lei 10.826/03, estabeleceu como objeto material do delito "arma de fogo".

Outrossim, nos termos de decisão j á proferida por órgão deste E. Tribunal:

"A lei efetivamente não faz a distinção entre arma de fogo e arma não municiada. E nem precisaria fazê-lo. Ao deliberadamente usar a expressão "arma de fogo" definiu com precisão o tipo penal. Ao dizer "arma de fogo" está delimitando a conduta. Pois, só tem fogo a arma que estiver municiada. Forma cria função, função cria forma. A forma "arma de fogo" só poderá ter função (disparar projétil, "mandar" fogo) se estiver municiada, ou com munição à disposição, perto ou longe (com a apreensão respectiva)." (Apelação nº 1.119.639-7 - Acórdão - Relator: Cláudio Caldeira - Recurso julgado em 17/03/1999).

Assim, o fato da arma apreendida estar desmuniciada descaracteriza a adequação típica da ação de portar arma de fogo, em desacordo com determinação legal, posto que tal fato torna ausente uma das elementares do tipo penal, a saber o próprio objeto material do tipo penal.

"Deve ser afastado, na hipótese dos autos, o cometimento da figura típica, pois ausente a potencialidade lesiva do instrumento. Com efeito, deve predominar o entendimento de que o transporte de arma de fogo desmuniciada, desmontada ou acondicionada de forma a que afaste sua imediata utilização, não configura o tipo penal previsto no artigo 10 da Lei nº 9.437/97." (Habeas Corpus nº 332.150-2 - Acórdão - Relator Osni de Souza - Julgado em 26/ 11/ 1998).

De se ressaltar, também, que o legislador, por meio da criminalização da conduta de portar arma de fogo teve por objetivo conferir maior proteção à incolumidade pública, que, indiscutivelmente, está a mercê da disseminação indiscriminada do porte e do uso de armas na coletividade.

A segurança pública, é, pois, o bem jurídico que o legislador pretendeu proteger quando da criação do tipo penal em tela.

Ora, se há prova contundente nos autos de que o acusado portava arma de fogo, entretanto desmuniciada, não trazendo consigo, também, qualquer munição, forçoso concluir que o bem jurídico tutelado pelo tipo penal em momento algum chegou a sofrer lesão ou ameaça de lesão.

Por fim, como bem noticiou o ilustre jurista Luiz Flávio Gomes, "O STF (1ª Turma), desde 25 de maio de 2004, no ROHC 81.057-SP, firmou posição no sentido de que arma desmuniciada (e sem chance de ser municiada rapidamente) não constitui o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo. A jurisprudência assentada pelos tribunais brasileiros, antes, era no sentido contrário (cf: STJ, HC14.747, Gilson Dipp, DJU de 19.03.01, p. 127). Esse entendimento assim como os votos dos Ministros Ellen Grade e limar Galvão (no referido ROHC 81.057-SP) tinham como fundamento a natureza abstrata do perigo incriminado pelo legislador. Isso tudo perdeu validade dentro do moderno Direito penal, guiado pelo principio da ofensividade" (cf. GOMES, Luiz Flávio, Princípio da ofensividade no Direito Penal, São Paulo: RT, 2002). Todo tipo penal fundado literalmente em perigo abstrato deve ser interpretado e adequado à visão constitucional do Direito penal (assim: Sepúlveda Pertence, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso, que foram votos vencedores).

Arma desmuniciada e, ademais, sem nenhuma possibilidade de sê-lo, não ostenta nenhuma potencialidade lesiva, porque não é apta para efetuar disparos. O Min. Sepúlveda Pertence, com o costumeiro acerto, foi ao cerne da questão: se a arma está desmuniciada não conta com potencialidade lesiva, logo, não é arma de fogo. Falta o objeto material do delito (sobre o qual recai a conduta do agente). Arma desmuniciada é arma, porém, não é fogo. E o que a lei incrimina (no Estatuto do Desarmamento) é a arma de fogo.

Potencialidade lesiva não se confunde com poder de intimidação. Poder de intimidação também têm a arma de brinquedo, a arma inapta, a arma quebrada, a arma de sabão ou qualquer outro instrumento lesivo (real ou fictício). A criminalização da arma de fogo, considerada em si mesma, entretanto, não tem como fundamento esse poder de intimidação (fundado nas teorias subjetivistas, que alimentam o danoso Praventionstrafrecht), senão a sua potencialidade lesiva concreta (teorias objetivistas, que demarcam o Verletzstrafrecht).

A conduta, para criar um risco proibido relevante, nos termos da incriminação contemplada no Estatuto do Desarmamento, deve reunir duas condições: (a) danosidade efetiva da arma, leia-se, do objeto material do delito (potencialidade lesiva concreta) e (b) disponibilidade (possibilidade de uso imediato e segundo sua específica finalidade). O resultado da soma dessas duas categorias (ou exigências) nos dá a idéia exata da ofensa típica a um bem jurídico supra individual (certo nível de segurança coletiva) ou, mediatamente, aos bens individuais (vida, integridade física etc).

Não preenchem esses dois requisitos a munição desarmada (leia-se: munição isolada, sem chance de uso por uma arma de fogo) assim como a posse de acessórios de uma arma. Não contam com nenhuma danosidade real. São objetos (em si mesmos considerados) absolutamente inidôneos para configurar qualquer delito. Todas essas condutas acham-se formalmente previstas na lei (Estatuto do Desarmamento), mas materialmente não configuram nenhum delito. Qualquer interpretação em sentido contrário constitui, segundo nosso juízo, grave ofensa à liberdade e ao Direito penal constitucionalmente enfocado. (http://www.justicavirtual.com.br/artigos/artl37.htm - acessado em 14 de junho de 2005)

Assim, encontrando-se a arma desmuniciada e afastada a possibilidade de fácil municiamento da mesma, ressaltando que nenhuma munição foi formalmente apreendida nos autos, conclui-se que a conduta imputada ao acusada é atípica, impondo-se a sua absolvição.

Ante o exposto, DÁ-SE PROVIMENTO AO APELO para absolver RODRIGO ANTÔNIO RAMOS SOARES CORRÊA da acusação que lhe foi feita no processo nº 344/04, da Vara Criminal da comarca de Duartina/SP, com fundamento no disposto no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.

BRENO GUIMARÃES
Relator




JURID - Arma de fogo de uso permitido. Porte ilegal. [17/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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