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quinta-feira, 2 de julho de 2009

JURID - Apropriação indébita previdenciária. [02/07/09] - Jurisprudência


Apropriação indébita previdenciária. Artigo 168-a do Código Penal. Crime omissivo próprio ou puro.


PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO GRANDE DO NORTE
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAICÓ
9ª VARA FEDERAL

PROCESSO Nº 2007.84.02.000189-4
CLASSE: 31 - Ação Penal Pública
CLASSIFICAÇÃO: Sentença tipo "D"

SENTENÇA

EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 168-A DO CÓDIGO PENAL. CRIME OMISSIVO PRÓPRIO OU PURO. DOLO GENÉRICO. DIFICULDADES FINANCEIRAS DA EMPRESA GERIDA PELOS DENUNCIADOS. CAUSA EXCLUDENTE DA CULPABILIDADE NÃO CARACTERIZADA. CONDENAÇÃO DOS ACUSADOS.

1. O crime de apropriação indébita previdenciária, tipificado no artigo 168-A do Código Penal, consuma-se uma vez presente o dolo genérico, isto é, com o ato omissivo do agente materializado na conduta de deixar de repassar à previdência social as contribuições previdenciárias recolhidas dos seus empregados e prestadores de serviços, não se fazendo necessário, para a consumação do ilícito, a demonstração do animus do agente de se apropriar das contribuições em apreço.

2. Sendo demonstrado, pelas provas constantes dos autos, que o repasse das contribuições previdenciárias não comprometeria a subsistência da empresa administrada pelos réus, não merece acolhimento a tese da inexigibilidade de conduta diversa como causa excludente da culpabilidade dos agentes.

3. Procedência da denúncia e condenação dos réus nas penas cominadas no art. 168-A c/c art. 71 do Código Penal.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou EDSON DA CUNHA MEDEIROS e EDMUNDO DA CUNHA MEDEIROS, como incursos nas sanções previstas no artigo 168-A, do Código Penal.

Narra, em síntese, que os acusados, sócios diretores da empresa MEDEIROS S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO, efetivaram a retenção de contribuições previdenciárias nos vencimentos dos empregados da aludida empresa, durante o período compreendido entre março de 2003 e outubro de 2004, sem, no entanto, repassarem os valores recolhidos para a Previdência Social, na forma e prazo definidos na legislação. Argumenta que, em face da referida conduta, os denunciados incorreram no tipo penal previsto no artigo 168-A do Código Penal, razão pela qual devem ser sancionados nos termos delimitados em tal dispositivo legal.

A denúncia foi recebida em 05 de junho de 2007 (fls. 11/12).

Os acusados foram interrogados (fls. 23/24) e, por meio de defensores constituídos, apresentaram suas defesas prévias, oportunidade em que arrolaram testemunhas (fls. 27/29).

Em decisão constante às fls. 22, foi deferida a reunião do presente processo ao de nº 2005.84.01.001174-2.

Inquirição das testemunhas arroladas pela defesa às fls. 59/60, 74/75, 83/84 e 96/97 dos autos.

Na fase do então vigente artigo 499 do Código de Processo Penal, o Ministério Público Federal requereu a juntada de certidões atualizadas de distribuição de feitos e de antecedentes criminais dos réus (fls. 132/133). Os acusados, por sua vez, pugnaram pela realização de perícia contábil (fls. 136/138 e 145/147).

A diligência requerida pelo Ministério Público Federal foi deferida e a pleiteada pelos réus restou denegada (fls. 149/150).

O Ministério Público Federal, em alegações finais, reiterou os termos da denúncia, pugnando pela condenação dos acusados pela prática do delito tipificado no art. 168-A, c/c o art. 71 do Código Penal (fls. 176/188).

Em suas alegações finais, os réus suscitaram a inconstitucionalidade do artigo 168-A do Código Penal, por violação ao princípio da dignidade da pessoa humana e à natureza garantista do Direito Penal, uma vez que tal tipo representaria uma ação de cobrança revestida de ameaça de sanção penal. Arguiram, também, a ilegitimidade passiva do acusado Edmundo da Cunha Medeiros, uma vez que ele, na condição de diretor de produção, não teria qualquer ingerência na decisão de não recolhimento das contribuições previdenciárias retidas dos vencimentos dos empregados da empresa. Defenderam, ainda, a ocorrência de inexigibilidade de conduta diversa, em função da grave situação econômica da empresa, bem como sustentaram que o tipo penal previsto no artigo 168-A do Código Penal demanda a comprovação do dolo como elemento subjetivo do tipo, prova essa que não teria sido produzida pela acusação durante a instrução processual. Alegaram, ainda, cerceamento de defesa em virtude do indeferimento das diligências requeridas na fase do artigo 499 do CPP (fls. 195/207).

Relatei. Passo a decidir.

No tocante à suposta alegação de inconstitucionalidade do artigo 168-A do Código Penal, verifico que as razões esposadas pela defesa não merecem prosperar.

É que compete ao legislador, lastreado na própria natureza fragmentária e subsidiária do Direito Penal, destacar as condutas que repute mais lesivas à sociedade, a fim de inseri-las na esfera da persecução criminal.

Ademais, a tipificação penal da prática da apropriação indébita previdenciária, prevista no art. 168-A do Código Penal, encontra fundamento no próprio texto constitucional, que preconiza a proteção ao custeio da seguridade social, como meio assecuratório de implementação de políticas de saúde, seguridade e previdência para o conjunto da sociedade.

O Superior Tribunal de Justiça, à época em que se encontrava em vigor a redação originária do artigo 95 da Lei nº 8.213/1991, antes da alteração que foi promovida pela Lei nº 9.983/2000, já afirmara que a tipificação do crime de apropriação indébita previdenciária não viola a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), o que lança por terra qualquer argumentação no sentido de que a criminalização da referida conduta é incompatível com o aspecto garantista imposto pela tutela dos direitos humanos. Leia-se, nesse sentido, julgado em que se consigna o acerto de tal entendimento:

"PROCESSUAL PENAL. VERIFICAÇÃO ACERCA DE DIFICULDADES FINANCEIRAS DA EMPRESA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 07-STJ. OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ART. 95, D, LEI 8.212/91. ANIMUS REM SIBI HABENDI. COMPROVAÇÃO DESNECESSÁRIA. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. INAPLICABILIDADE. (omissis) Em tema de crime decorrente de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, inaplicável é o Pacto de São José da Costa Rica, visto que não se cuida de prisão civil, cuja finalidade é compelir o devedor de dívida alimentar ou o depositário infiel a cumprir a sua obrigação, mas sim de prisão de caráter penal, que objetiva a prevenção e repressão do delito.

Recurso especial desprovido." (STJ, 5ª T., REsp 529.755/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, julgado em 23.09.2003, DJ 28.10.2003 p. 351).

Por fim, há que se registrar que as leis gozam de presunção de constitucionalidade, não tendo sido apontadas máculas formais ou materiais que justifiquem a declaração de inconstitucionalidade do indigitado dispositivo legal.

No que se refere à questão preliminar da ilegitimidade passiva do acusado Edmundo da Cunha Medeiros, suscitada pela defesa, constato que ela não se coaduna com o que foi apurado durante a instrução processual.

O referido acusado, durante o seu interrogatório judicial, confirmou a prática do delito, asseverando, ainda, que tinha ciência de que o ilícito objeto da presente denúncia vinha sendo perpetrado na empresa MEDEIROS S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO, como se constata no trecho adiante destacado de seu depoimento:

"(...) 1- no período de março de 2003 a outubro de 2004, sabia que os recolhimentos para previdência não estavam sendo feitos, mas tomava conhecimento posteriormente, por meio dos balancetes, 2-ao tomar conhecimento a posteriori considerou que a medida tomada era a única possibilidade" (fls. 23).

Vê-se, portanto, que o réu Edmundo da Cunha Medeiros não somente demonstrou ter conhecimento da apropriação das contribuições previdenciárias retidas dos vencimentos dos empregados da empresa, como também deixou claro que anuiu em relação a tal decisão administrativa, justificando-a como medida necessária.

Some-se a isso a declaração prestada pela testemunha Cyro Alves da Silva Júnior, arrolada pela própria defesa, ao afirmar, de forma peremptória, que, quanto aos denunciados, "(...) eles se comunicavam de forma que um sempre estava a par do que o outro estava fazendo" (fls. 59/60).

Nota-se, outrossim, consoante bem destacado pelo Parquet em sede de alegações finais, que, quando da realização da fiscalização pela Delegacia da Receita Federal, foi Edmundo da Cunha Medeiros quem deu o ciente pela empresa, assinando o auto de fiscalização na condição de Diretor (fl. 16 do inquérito policial n.º 257/2005).

No mesmo sentido, percebem-se as atas da assembléia geral da empresa, em que se vê Edmundo da Cunha Medeiros qualificado como diretor executivo (fls. 11/12 do inquérito policial n.º 257/2005). Tais circunstâncias demonstram o total domínio do réu nos fatos relacionados à administração da pessoa jurídica em comento

No que tange ao argumento de que teria havido cerceamento do direito de defesa dos acusados em função do indeferimento de diligências apresentadas durante a fase do artigo 499 do CPP, entendo que ele é inconsistente.

Isso porque, quanto à alegação de que se faria necessária a realização de perícia contábil para demonstrar a situação de necessidade financeira da empresa, reporto-me aos fundamentos aduzidos na decisão prolatada às fls. 149/150 dos autos, segundo os quais a referida prova poderia ter sido produzida mediante a utilização de diversos outros elementos probatórios, tais como documentação contemporânea aos fatos.

Na situação em tela, mostra-se patenteada a dispensabilidade da produção de prova pericial para demonstrar o quadro de dificuldade financeira da empresa. Como se observa no aresto adiante transcrito, a realização de perícia, para aferir a excludente levantada pelos acusados, mostra-se como providência prescindível:

"RECURSO ESPECIAL. PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA CONTÁBIL. NULIDADE. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. DIFICULDADES FINANCEIRAS DA EMPRESA. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. SÚMULA N.º 7 DESTA CORTE. ARTIGO 168-A DO CP. CRIME OMISSIVO. DOLO ESPECÍFICO. DESNECESSIDADE. SÚMULA 83 DESTA CORTE. APLICAÇÃO RETROATIVA DE LEI MAIS GRAVOSA. INOCORRÊNCIA. RECURSO QUE SE CONHECE PARCIALMENTE E, NA EXTENSÃO, NEGA-SE PROVIMENTO.

1. Mostrava-se desnecessária a prova pericial no caso em apreço, para demonstração das dificuldades financeiras sofridas pela empresa, eis que outros elementos de prova puderam ser produzidos e exibidos pela defesa formando o convencimento do juiz; além disso, aplicável à espécie o princípio de que não há nulidade sem a demonstração do prejuízo, previsto no artigo 563 do Código de Processo Penal, pois a ausência da perícia contábil não enseja o reconhecimento de nulidade diante do teor da documentação já se encontrava nos autos, não restando comprovado o prejuízo sofrido pela parte;

2. De outra parte, o princípio do livre convencimento fundamentado, regente no direito processual penal brasileiro, permite ao juiz que aprecie livremente a prova, conforme o ditame principiológico contido no artigo 157 do Código de Processo Penal;

(omissis)

6. Recurso de que se conhece parcialmente e a que, nessa extensão, se nega provimento." (STJ, 6ª T., REsp 510.742/RS, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, julgado em 09/12/2005, DJ 13/02/2006 p. 855)

Em suas alegações finais, a defesa ainda asseverou que o princípio da ampla defesa também teria restado violado em razão do indeferimento de suposto pedido de expedição de ofício ao INSS para informar a situação fiscal da empresa após o ingresso nos planos de parcelamento de débitos.

Constata-se, contudo, que tal requerimento sequer foi formulado no bojo dos presentes autos ou do processo conexo, razão pela qual não merece apreciação a tese ora esposada pelos acusados.

Acresça-se, ainda, a título meramente argumentativo, que, ainda que tal pedido tivesse sido formulado, a referida informação seria irrelevante para a caracterização do tipo penal previsto no artigo 168-A do CP.

Superadas as questões prévias, passo ao exame da autoria e da materialidade do delito imputado aos réus na denúncia.

O crime de apropriação indébita previdenciária apresenta previsão legal no art. 168-A do Estatuto Penal, nos seguintes moldes:

"Art. 168 - A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiro ou arrecadada do público;

II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou a prestação de serviços;

III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social."

A materialidade do delito imputado aos réus encontra-se comprovada nos autos, como evidenciam os elementos probatórios coligidos ao presente feito. Senão, vejamos.

Às fls. 84/179 da Representação Fiscal para Fins Penais integrante do inquérito apenso (Inquérito nº 2005.84.00.009599-0), constam cópias das folhas de pagamento da empresa MEDEIROS S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO, por meio das quais resta comprovado que o valor referente às contribuições previdenciárias era efetivamente retido quando do pagamento dos salários dos trabalhadores e dos prestadores de serviços.

Constata-se, outrossim, do exame dos documentos que integram os presentes autos, que os valores descontados não eram repassadas ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, conforme demonstram as cópias dos relatórios discriminativos de débitos e dos relatórios de lançamentos integrantes da Representação Fiscal para Fins Penais acostada ao feito (fls. 19/43 -numeração da Representação Fiscal).

No que concerne à autoria do delito, a instrução processual mostrou induvidosa a responsabilidade dos denunciados.

Espancando quaisquer dúvidas que ainda pudessem pairar, os interrogatórios dos réus foram elucidativos quanto ao fato de que eles agiram conscientemente ao optar pela não efetivação do repasse ao INSS das contribuições sociais, argumentando que tal decisão fora tomada em virtude da grave situação econômica em que se encontrava a empresa.

Nesse sentido, afirmou o acusado Edson da Cunha Medeiros em seu depoimento (fls. 23/24):

"(...) 6-após o pagamento dos empregados não havia dinheiro em caixa para recolher ao INSS(...) 1- a decisão de priorizar o pagamento dos salários dos empregados e não a contribuição previdenciária foi do depoente, pois é ele o presidente e responsável pela parte financeira e comercial."

O denunciado Edmundo da Cunha Medeiros, por sua vez, também confirmou os fatos delituosos narrados na denúncia, tendo asseverado que:

"(...) Não ficou de fato dinheiro no caixa para pagar o INSS, 6- havia outras prioridades como pagar fornecedores, impostos, ICMS, água, luz e etc.(...), 1-no período de março de 2003 a outubro de 2004, sabia que os recolhimentos para previdência não estavam sendo feitos (...)"(fls. 23/24).

Verifica-se, portanto, que os acusados, sob o argumento de que a situação econômica da empresa inviabilizava o pagamento de todos os tributos, optaram, conscientemente, por deixar de repassar os valores devidos a título de contribuição previdenciária, embora o montante a eles correspondente houvesse sido retido dos salários pagos aos empregados e prestadores de serviços.

O Auditor responsável pela fiscalização que culminou na instauração do procedimento fiscal em desfavor da empresa MEDEIROS S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO, ao depor na qualidade de testemunha, declarou que (fls. 96/97):

"(...) 2- após o exame das folhas de pagamento, recibos de pagamentos autônomos, contracheques, dentre outros documentos, foi constatado o desconto das contribuições previdenciárias dos segurados empregados, sem que tivesse havido o respectivo repasse dos valores descontados para os cofres da Previdência Social; 3- as atas das assembléias da empresa Medeiros S. A Indústria e Comércio demonstram que os responsáveis por sua gerência, no período em que foi cometida a infração, eram os denunciados Edson da Cunha Medeiros e Edmundo da Cunha Medeiros (...)" (José Wagner de Lima Girão)".

Verifica-se, portanto, que a prática do delito de apropriação indébita previdenciária e a autoria dos réus encontram-se fartamente comprovadas nos autos, não tendo sido negada pelos próprios acusados durante o depoimento que prestaram em Juízo.

Quanto ao argumento de que os réus agiram sem dolo, a prova colhida nos autos torna tal tese inconsistente. Além do mais, o tipo penal previsto no artigo 168-A do Código Penal dispensa o dolo específico, materializado na intenção de reter para si os valores recolhidos a título de contribuição previdenciária. Isso porque, trata-se de crime omissivo próprio ou puro, que dispensa o animus rem sibi habendi, conforme ressaltado em reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça, dentre as quais transcrevo a ementa a seguir:

"RECURSO ESPECIAL. PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL. DEMONSTRAÇÃO DO ANIMUS REM SIBI HABENDI. DESNECESSIDADE.

1. O dolo do crime de apropriação indébita de contribuição previdenciária é a vontade de não repassar à previdência as contribuições recolhidas, dentro do prazo e das formas legais, não se exigindo o animus rem sibi habendi, sendo descabida a exigência de se demonstrar o especial fim de agir ou o dolo específico de fraudar a Previdência Social, como elemento essencial do tipo penal.

2. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, 5ª T., REsp 928.274/PE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, julgado em 18.09.2007, DJ 15.10.2007 p. 350).

Assim, tenho por configurada a presença do dolo, por parte dos denunciados, na prática da conduta delituosa narrada na denúncia.

Quanto à causa excludente de culpabilidade alegada pelos acusados, qual seja, a inexigibilidade de conduta diversa, verifico que os elementos constantes dos autos não conferem respaldo às razões invocadas pela defesa.

É que os réus não comprovaram que a sobrevivência da empresa MEDEIROS S.A INDÚSTRIA E COMÉRCIO restaria completamente inviabilizada caso as contribuições previdenciárias retidas dos seus empregados fossem devidamente repassadas ao INSS, tendo os acusados se limitado a suscitar tal tese, sem, no entanto, apresentar qualquer elemento probatório consistente, capaz de lhe emprestar verossimilhança.

Os depoimentos testemunhais colhidos ilustram percucientemente tal quadro, revelando que os réus tomaram a resolução de não realizar os recolhimentos previdenciários que sabiam ser devidos, embora gozassem de situação econômica que permitiria o cumprimento desse dever legal.

Nessa linha de raciocínio, impende destacar os seguintes trechos das inquirições testemunhais colhidas neste Juízo (fls. 59/60 do presente processo e 198/199 dos autos conexos - 2007.84.02.000189-4):

"1- trabalha na empresa dos réus como auxiliar de escritório, há 56 anos 2- sabe que do período apontado nas denúncias a empresa teve dificuldades financeira se deixou de pagar impostos 3- não sabe se chegou a atrasar salários na época de outubro de 2000 a outubro de 2004 (...)" (Ciro Alves da Silva).

"(...) não sabe a marca do carro dos sócios, eles chegam juntos à empresa num carro só, conduzido por um funcionário."(José Celestino dos Santos Filho)".

"1- trabalha como auxiliar de escritório na empresa dos réus desde 1969, trabalha na escrita fiscal (...)3- a empresa no período de outubro de 2000 a outubro de 2004, não houve atraso de salários, embora atualmente esteja acontecendo (...) 6- não sabe o carro dos réus pois eles moram em Natal 7- eles chegam à empresa em um carro grande salvo engano um CITROEN" (Gizélia Rodrigues de Oliveira).

Como se percebe, o padrão econômico dos réus se mostra confortável desde a época da apuração dos fatos.

E tal situação se constata ao verificar que, a teor dos depoimentos acima destacados, continuam trabalhando para os réus diversos empregados que já lhes prestavam serviço desde longa data; há funcionário destacado para função de motorista, circunstância que denota situação de evidente conforto; merecendo, destaque, ainda, o fato de que os réus ostentam bens que evidenciam razoável poder aquisitivo, como se constata do acima apurado.

Em abono ao convencimento ora esposado, no sentido da inexistência de circunstância que demonstre a presença da inexigibilidade de conduta diversa, servem de exemplos os arestos a seguir destacados, por amoldarem-se à situação em debate:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. RETROATIVIDADE PENAL. APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO. LEI POSTERIOR MAIS BENIGNA. COMPATIBILIDADE ENTRE O ARTIGO 168-A DO CÓDIGO PENAL E O ARTIGO 5º, LXVII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DISTINÇÃO ENTRE PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA E PRISÃO RESULTANTE DE CONDENAÇÃO PENAL. DIFICULDADES FINANCEIRAS NÃO COMPROVADAS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO VERIFICADA. IMPROVIMENTO DA APELAÇÃO.

(omissis)

III. A inexigibilidade de conduta diversa capaz de excluir a culpabilidade do agente, consubstanciada na impossibilidade de recolher aos cofres da Previdência Social os valores recolhidos dos salários dos empregados, não pode ser apenas alegada, necessário se faz produzir prova do que se afirma, já que a autoria e materialidade criminosa restaram indubitáveis. (omissis)." (TRF 5ª Região, 4ª Turma, ACR 4423/SE, Rel. Des. Federal José Lázaro Guimarães, unânime, DJ 27/05/2008, p. 421, n. 99).

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. DECURSO DO PRAZO PARA OFERECIMENTO DE RAZÕES. INTEMPESTIVIDADE. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. AUSÊNCIA DE PROVA.

(omissis)

II. A alegação de inexigibilidade de conduta diversa, suscitada como excludente do crime de apropriação indébita previdenciária do art. 168-A do CP, deve ser provada pela defesa de modo claro e suficiente. A mera indicação de débitos e ações judiciais antes e depois do período de não-recolhimento não indica a incapacidade de honrar os compromissos para com a seguridade social. Precedentes do TRF/5ª: ACR nº 4629/CE, Quarta Turma, Rel. Lázaro Guimarães, DJ 21/06/2007, p. 1449; ACR nº 4729/CE, Quarta Turma, Rel. Ivan Lira de Carvalho (convocado), DJ 19/04/2007, p. 604.

III. Apelações improvidas." (TRF 5ª Região, 4ª Turma, ACR 5090/CE, Rel. Des. Federal Margarida Cantarelli, unânime, DJ 24/10/2007, p. 772, n. 205).

"PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. DOLO GENÉRICO. PROVA QUANTO AO NÃO REPASSE DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. SUFICIÊNCIA. DESNECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE DOLO ESPECÍFICO DE FRAUDAR A PREVIDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE CRISE FINANCEIRA. GRAVIDADE HÁBIL A ENSEJAR A EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE POR INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO DEMONSTRADA. CULPABILIDADE CONFIGURADA. MATERIALIDADE E AUTORIA AMPLAMENTE COMPROVADAS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA QUE MERECE REFORMA. CONDENAÇÃO.

- Em que pese a alegação de dificuldades financeiras aptas a afastarem a culpabilidade da conduta dos agentes, por inexigibilidade de conduta diversa, estes não cuidaram de comprovar a gravidade efetiva, a ponto de compeli-los a agirem de forma criminosa.

- Autoria delitiva e materialidade comprovadas deforma satisfatória.

- Sentença absolutória que merece reforma.

- Apelo do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL provido." (TRF 5ª Região, 1ª Turma, ACR 4212/PB, Rel. Des. Federal César Carvalho, por maioria, DJ 07/04/2006, p. 1137, n. 68).

Verificou-se, portanto, que a sobrevivência da empresa em questão não dependia da prática do delito de apropriação indébita de contribuições previdenciárias por eles praticado, e que, caso assim desejassem os réus, seria possível realizar um planejamento econômico seguro, capaz de garantir o recolhimento das contribuições previdenciárias.

Logo, o não-recolhimento das contribuições previdenciárias, no caso dos autos, é decorrente de uma conduta refletida e dolosa dos réus, que consideraram tais tributos como despesas secundárias e que, embora retidos na folha de pagamento dos seus empregados e prestadores de serviços, poderiam simplesmente ser apropriadas pela empresa para custear outras despesas correntes.

Diante desse quadro, não tenho dúvidas de que os réus incorreram, de forma dolosa e deliberada, no tipo penal previsto no artigo 168-A do Código Penal, merecendo ser sancionados por tal conduta.

No que concerne ao pedido de incidência da causa geral de aumento prevista no art. 71 do Código Penal, qual seja, o reconhecimento da ocorrência de crime continuado, verifico que as razões expendidas pelo Ministério Público Federal, em sede de alegações finais, merecem ser acolhidas.

Isso porque, a despeito de não constar referência expressa na peça acusatória inicial acerca do cometimento dos crimes em continuidade delitiva, observa-se que a narrativa dos fatos evidencia claramente que a conduta dos réus de se omitirem no recolhimento das contribuições previdenciárias se deu em mais de uma competência mensal, tendo se repetido no período de março de 2003 e outubro de 2004. Desse modo, cabível a incidência do preceituado no caput do art. 383 do Código de Processo Penal, que dispõe o seguinte sobre a emendatio libelli:

"Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave." (grifei)

Assim, diante do exposto, impõe-se o reconhecimento da causa de aumento prevista no art. 71 do Código Penal, caracterizada pela continuidade delitiva, porquanto os fatos narrados na denúncia se amoldam ao disposto neste comando legal.

Passo à fixação da pena, observando o disposto no artigo 59 e seguintes do Código Penal:

1) Edson da Cunha Medeiros

Analisando as circunstâncias previstas no artigo 59 do Código Penal, verifico que o réu não apresenta antecedentes criminais. Mesmo existindo certidões (fls. 151/159, 162, 164, 166/172) que atestam o processamento do réu em diversos feitos de natureza criminal, não se observa registro anterior de qualquer condenação definitiva por fato delituoso que venha desabonar essa circunstância. Sabe-se, segundo jurisprudência majoritária, que inquéritos policiais ou ações penais em andamento, inclusive com sentença condenatória sem o trânsito em julgado, não podem, em razão do princípio constitucional do estado presumido de inocência, ser considerados para agravar a pena-base (cf. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça: HC 61954/SP, DJe 30/03/2009; HC 120319/RS, DJe 13/04/2009; HC 128480/SP, DJe 25/05/2009).

Observo, contudo, que tais fatos evidenciam conduta social reprovável. Deve-se atentar, ainda, para a enorme consequência do crime, em razão do valor expressivo apropriado (R$ 165.032,64 em valores atualizados até 21 de fevereiro de 2005).

Por essa razão, fixo a pena de reclusão em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses, e a pena de multa em 20 dias-multa, por violação ao disposto no artigo 168-A do Código Penal.

Não existem circunstâncias atenuantes, nem agravantes a serem observadas, ao tempo em que não concorrem causas de diminuição de pena.

No entanto, estando presente no caso a regra estatuída pelo artigo 71, do Código Penal, frente a existência de continuidade delitiva no período de março de 2003 e outubro de 2004 e, levando em consideração a quantidade de infrações praticadas (19 competências sem o recolhimento do tributo), aplico a causa de aumento de pena de 2/3, conforme restou firmado no teor da presente sentença, razão pela qual fica o réu definitivamente condenado a pena de 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão, devendo ser cumprida em regime inicialmente semi-aberto, nos termos do artigo 33, § 2º, "b", do Código Penal.

Tendo em conta a situação econômica do acusado, que declarou ter renda mensal de R$ 6.000,00 (seis mil reais) (fls. 23v.), fixo o valor do dia-multa em 1/2 (um meio) salário mínimo, nos termos dos arts. 49, § 1º e 60 do Código Penal, aplicando-se correção monetária a partir desta data quando da execução, conforme determina o artigo 49, §2º, do Código Penal.

2) Edmundo da Cunha Medeiros

Analisando as circunstâncias previstas no artigo 59 do Código Penal, verifico que o réu não apresenta antecedentes criminais. Mesmo existindo certidões (fls. 151/159, 162, 164, 166/172) que atestam o processamento do réu em diversos feitos de natureza criminal, não se observa registro anterior de qualquer condenação definitiva por fato delituoso que venha desabonar essa circunstância. Sabe-se, segundo jurisprudência majoritária, que inquéritos policiais ou ações penais em andamento, inclusive com sentença condenatória sem o trânsito em julgado, não podem, em razão do princípio constitucional do estado presumido de inocência, ser considerados para agravar a pena-base (cf. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça: HC 61954/SP, DJe 30/03/2009; HC 120319/RS, DJe 13/04/2009; HC 128480/SP, DJe 25/05/2009).

Observo, contudo, que tais fatos evidenciam conduta social reprovável. Deve-se atentar, ainda, para a enorme consequência do crime, em razão do valor expressivo apropriado (R$ 165.032,64 em valores atualizados até 21 de fevereiro de 2005).

Por essa razão, fixo a pena de reclusão em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses, e a pena de multa em 30 dias-multa, por violação ao disposto no artigo 168-A do Código Penal.

Não existem circunstâncias atenuantes, nem agravantes a serem observadas, ao tempo em que não concorrem causas de diminuição de pena.

No entanto, estando presente no caso a regra estatuída pelo artigo 71, do Código Penal, frente a existência de continuidade delitiva no período de março de 2003 e outubro de 2004 e, levando em consideração a quantidade de infrações praticadas (19 competências sem o recolhimento do tributo), aplico a causa de aumento de pena de 2/3, conforme restou firmado no teor da presente sentença, razão pela qual fica o réu definitivamente condenado a pena de 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão, devendo ser cumprida em regime inicialmente semi-aberto, nos termos do artigo 33, § 2º, "b", do Código Penal.

Tendo em conta a situação econômica do acusado, que declarou ter renda mensal de R$ 12.000,00 (doze mil reais) (fls. 192/192v. dos autos nº 2005.84.01.001174-2), fixo o valor do dia-multa em 1 (um) salário mínimo, nos termos dos art. 49, § 1º e 60 do Código Penal, aplicando-se correção monetária a partir desta data quando da execução, conforme determina o artigo 49, §2º, do Código Penal.

Isso posto, julgo PROCEDENTE a denúncia, razão pela qual condeno os acusados, nos termos abaixo sintetizados, por violação ao disposto no artigo 168-A c/c art. 71, ambos do Código Penal:

a) EDSON DA CUNHA MEDEIROS, à pena de 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 20 dias-multa, a ser cumprida em regime inicialmente semi-aberto, sendo cada dia-multa equivalente à fração de 1/2 (um meio) salário mínimo vigente à época dos fatos, aplicando-se correção monetária a partir desta data quando da execução.

b) EDMUNDO DA CUNHA MEDEIROS, à pena de 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 20 dias-multa, a ser cumprida em regime inicialmente semi-aberto, sendo cada dia-multa equivalente a 1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos, aplicando-se correção monetária a partir desta data quando da execução.

Com o trânsito em julgado, inscrevam-se os nomes dos condenados no Rol dos Culpados e oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral, para fins do disposto no artigo 15, III, da Constituição Federal e adotem-se as medidas necessárias para o início da execução das penas.

Os condenados pagarão as custas do processo e poderão recorrer da presente Sentença em liberdade.

Custas na forma da lei.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Caicó(RN), 30 de junho de 2009.

JANINE DE MEDEIROS SOUZA BEZERRA
Juíza Federal Substituta - 9ª Vara



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