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quinta-feira, 16 de julho de 2009

JURID - 150 mil a filho de ex-presidiário. [16/07/09] - Jurisprudência


DF é condenado a pagar indenização de 150 mil a filho de ex-presidiário.


Circunscrição : 1 - BRASÍLIA
Processo : 2007.01.1.100131-6
Vara : 112 - SEGUNDA VARA DA FAZENDA PUBLICA DO DF

Autor: Lucas Emanuel Miranda Lopes
Réu: Distrito Federal

Autos nº: 100131-6/07

SENTENÇA

Vistos etc...

Trata-se de Ação de Reparação de Danos ajuizada por Lucas Emanuel Miranda Lopes, menor impúbere neste ato representado por Gesele Gonçalves Miranda, em face do Distrito Federal.

Narra a petição inicial que aos 17.04.2000, o demandado, que se encontrava sob custódio do Estado no sistema prisional mantido pelo réu, foi vítima de atos perpetrados por outros presos na ocasião em que se encontrava na CPA 5, Ala B, Cela 1, na Papuda. Afirma ainda que a morte decorreu por asfixia e queimaduras que foram causadas durante uma rebelião ocorrida no presídio em questão.

Alegando responsabilidade civil objetiva do Estado, por conta de risco administrativo, requer a procedência de seu pleito inicial, a fim de que o réu seja condenado a pagar ao demandante os danos materiais e morais ali descritos.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 8/13.

Em sua petição de fls. 20/23 o réu impugna a gratuidade de justiça concedida ao demandante e, em sua contestação (fls. 24/35), alega que o fato em questão, por não decorrer de ato comissivo do Estado, deve ser valorado com a aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva, pois o tema, em tese, subsume-se a hipótese de omissão do Estado.

Afirma também que o caso é de culpa exclusiva da vítima, que teria participado do evento que causou sua morte. Finalmente, alega que o valor dos danos morais requeridos é exorbitante e que a jurisprudência dos tribunais pátrios entende ser devida a pensão por morte apenas até a idade de 24 anos, desde o beneficiário esteja matriculado em curso superior. Assim, espera ver julgado improcedente o pedido inicial. Juntou os documentos de fls. 37/1062.

Réplica às fls. 1066/1068.

Em sua bem lançada manifestação de fls. 1110/1117, pugna o DD. Órgão Ministerial pela procedência do pedido.

É o necessário relatório.

Decido.

Primeiramente, afaste-se a alegação de prescrição, pois seu prazo não corre nas hipóteses previstas no art. 198, inciso I, do Código Civil, como é o caso dos autos. Fica ainda afastada a impugnação á gratuidade de justiça, pois o réu não conseguiu abalar a presunção relativa prevista na Lei nº 1060/50.

Consoante o teor das alegações e das peças processuais trazidas aos autos pelas partes, o aspecto controvertido da testilha gira em órbita tríplice: 1) aplica-se ao caso a teoria do risco administrativo?; 2) em caso positivo, existe nexo causal entre o comportamento virtualmente omissivo do réu e o óbito do genitor do demandante? (culpa exclusiva da vítima?); 3) são cabíveis os pretendidos danos materiais e morais? 4) Qual o seu montante?

Passemos então ao exame dos tópicos em relevo.

A resposta à primeira indagação formulada requer, primeiramente, a definição da natureza do comportamento virtualmente ilícito, ostentado pelos servidores públicos responsáveis pela integridade física do genitor do demandante, que se encontrava no Núcleo de Custódia de nossa capital. Cumpre estabelecer, em um primeiro passo, se a apontada obrigação de reparar o dano decorre da aplicação da teoria do risco administrativo ou da ocorrência de culpa (em sentido lato) do réu, por seu agente, em face das repercussões a serem geradas a partir de tal constatação.

Primeiramente, convém assinalar que este Juízo entende aplicável no Direito Pátrio a teoria da faute du service. A lição de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o tema é bastante elucidativa, senão vejamos:

"Ao contrário do que se passa com a responsabilidade do Estado por comportamentos comissivos, na responsabilidade por comportamentos omissivos, a questão não se examina nem se decide pelo ângulo passivo da relação (a do lesado e sua esfera juridicamente protegida) mas pelo polo ativo da relação. É dizer: são os caracteres da omissão estatal que indicarão se há ou não responsabilidade.

Não se pode, portanto, enfocar todo o problema da responsabilidade do Estado por comportamentos unilaterais (...)

É corretíssima, portanto, a posição sempre e de há muitos lustros, sustentada pelo Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello - que serviu de fundamento e de norte para os desenvolvimentos contidos neste trabalho - segundo quem a responsabilidade do Estado é objetiva no caso de comportamento danoso comissivo e subjetiva no caso de comportamento omissivo."

Tal entendimento doutrinário restou prestigiado pelo Supremo Tribunal Federal, como se vê no seguinte julgado, assim ementado, ad litteris:

STF - RE n. 179147 - JULGAMENTO: 12/12/1997

"EMENTA

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. DANO MORAL.

RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: MORTE DE PRESIDIÁRIO POR OUTRO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FAUTE DE SERVICE. C. F. art. 37, § 6º.

I. - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa;

c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa.

II. - Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público.

III. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses.

IV. - Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral.

Ocorrência da faute de service.

V. - R. E. não conhecido."

Cumpre assinalar, todavia, que a teoria acima configurada tem assento nas hipóteses de omissão administrativa, como é a hipótese ventilada nestes autos. Demais disto, a omissão dos agentes do réu deve ser percebida como culpa genérica destes que, por força do preceito insculpido no art. 5º, inc. XLIX, da Constituição Federal.

Vê-se sem muita dificuldade que está demonstrado neste caso o óbito do genitor do demandante no momento em que estava aos cuidados do Estado em estabelecimento prisional.

O quadro ora retratado é preocupante, pois revela a realidade há muito conhecida nas dependências dos presídios em nosso país.

Não pode haver dúvidas, ademais, de que existe desdobramento lógico entre o ato omissivo em análise e o subseqüente óbito em destaque, como demonstram fartamente os elementos de prova colacionados aos autos.

A existência do mencionado nexo causal pode ser atestada neste caso, aplicando-se o critério da equivalência das condições, pela simples constatação de que o óbito da vítima, em virtude da lesões que lhe foram causadas, não teria ocorrido não fosse, vale repisar, a omissão estatal ora apontada.

A esse respeito, convém atentar às lições do Mestre Orlando Gomes , verbis:

"Nexo Causal. Para o ato ilícito ser fonte da obrigação de indenizar é preciso uma relação de causa e efeito entre o ato (fato) e o dano. A essa relação chama-se nexo causal.

Se o dever de indenizar o prejuízo causado é a sanção imposta pela lei a quem comete ato ilícito, necessário se torna que o dano seja conseqüência da conduta de quem o produziu.

Não se exige, porém, que o ato do responsável seja a causa exclusiva do dano. Basta que entre as suas causas responda pela que determinou o prejuízo imediato. Não é preciso, da mesma forma que o agente tenha previsto suas conseqüências.

Indispensável é a conexão causal. (...omissis)

O nexo causal pode estabelecer-se entre uma abstenção e um dano, no pressuposto de que aquela que não evita um fato danoso deve ser equiparado, para os efeitos jurídicos, a quem o pratica. Mas não se deve levar essa regra às últimas conseqüências, só se justificando sua aplicação quando aquele que se abstém, além de impedir o dano, estiver obrigado a evitá-lo.

Não é fácil a determinação do nexo causal. Em muitos casos, torna-se penoso saber até aonde vai. Daí o esforço da doutrina para oferecer uma solução que facilite a tarefa do aplicador da lei quando se apresentam causas sucessivas. (...)

Pelo critério da equivalência das condições, qualquer dos fatos condicionantes pode ser tomado como causa eficiente do dano, que não se produziria sem a concatenação dos fatos de que a final veio a resultar o prejuízo. Não é preciso, por conseguinte, que o dano seja conseqüência necessária e imediata do fato que concorreu para sua produção. Basta verificar que não ocorreria se porventura o fato não tivesse acontecido. Pode não ser a causa imediata, mas se for condição sine qua non para a produção do dano, equivale a qualquer outra, mesmo mais próxima, para o efeito de ser considerada causa do dano." (ressalvo os grifos)

Mesmo os que não aceitam tais modelos de critérios para o estabelecimento do nexo causal devem ter em vista a doutrina de juristas de escol, no sentido de que, dentre os vários critérios existentes, deve o Juiz proceder cum arbitrio boni viri, aplicando a cada caso concreto o entendimento adequado à justa composição da lide .

Diante de tais argumentos, afigura-se inafastável o nexo de causalidade entre o comportamento omissivo manifestado pelo demandado e o resultado lesivo ora observado.

Afaste-se, desde logo, a alegada culpa exclusiva da vítima, pois tal alegação não encontrou embasamento nas provas coligidas aos autos.

Outro aspecto a merecer destaque nesta fundamentação é o que diz respeito à ocorrência de danos morais ao demandante, que é filho do falecido.

O chamado dano imaterial não havia merecido, até o advento da Constituição de 1988 (art. 5º, inc. X ) disciplina normativa específica. Com efeito, o art. 159, do Código Civil/1916, não explicitava a natureza do dano a ser reparado. O Título VIII, Capítulo II, do revogado texto legal tratou da liquidação das obrigações resultantes de atos ilícitos, mas igualmente silenciou sobre os danos não patrimoniais. Todavia, a doutrina de Clóvis Beviláqua, atenta ao art. 76, CC, logo vislumbrou a possibilidade de indenizar-se, também, o dano moral .

Modernamente, vencidas, em parte, as oscilações da jurisprudência e doutrina, a questão tem ainda merecido amplos e acalorados debates; contudo, diante do novel direcionamento constitucional, dúvidas não há sobre o estabelecimento de reparação por danos dessa natureza .

O dano moral, no presente caso, decorre do sofrimento experimentado pelo autor, diante da morte de seu pai. A morte deste, nas circunstâncias ora verificadas, onde restou configurado o comportamento omissivo do réu deve, portanto, ser considerado fato gerador do dever de compensar. Não se pretende, com tal afirmação, mensurar a dor ou o sofrimento do autor; todavia, não se pode perder de vista a dúplice função da fixação do quantum indenizatório. Deve-se ainda reiterar o caráter punitivo de tal imposição, buscando afastar o espectro da impunidade, que há muito assombra nossa sociedade.

A medida, enfim, deve ser de todo pedagógica, ora resgatando o sentimento de cidadania de nossos concidadãos materialmente menos afortunados, ora dando aos incautos a certeza de que o desrespeito à integridade de vidas humanas pode custar-lhes caro.

Finalmente, pode-se ainda obtemperar que o quantum indenizatório mais justo e adequado em sede de danos morais deve ser estabelecido pelo Magistrado diante dos elementos acima alinhados.

Quanto ao mais, deve-se afirmar que os danos morais são perfeitamente acumuláveis com os danos materiais. Nesse sentido é a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, verbis:

Resp 7072 - 3a. Turma - DJ 05.08.1991, p. 9997 - Rel. Min. Waldemar Zveiter

"EMENTA:

RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO - DANO MORAL E MATERIAL. SE EXISTE DANO MATERIAL E DANO MORAL, AMBOS ENSEJANDO INDENIZAÇÃO, ESTA SERÁ DEVIDA COMO RESSARCIMENTO DE CADA UM DELES, AINDA QUE ORIUNDOS DO MESMO FATO."

Outro aspecto a merecer destaque neste decisum e o que se reporta à abrangência da condenação pretendida pelos demandantes. Na presente hipótese, o autor litiga na condição de sub-rogados, pois busca ressarcimento pela perda de seu mantenedor futuro. O primeiro item a considerar é o alusivo aos danos materiais alegado pelo autor. O valor mencionado na petição inicial (item 5, fl. 07) refere-se, em verdade, ao pensionamento devido pelo causador do dano às pessoas que dependiam materialmente da vítima.

Dúvidas não há, outrossim, que à época do sinistro noticiado nos autos o genitor do demandante não auferia rendimento algum, por se encontrar encarcerado. Não há igualmente nos autos qualquer ilação sobre a data de sua possível soltura ou previsão de quando passaria a ter atividade remunerada. Assim, mostra-se incabível a condenação pretendida pelo autor nesse particular.

A condenação da ré deve englobar apenas os alegados danos morais, os quais, repito, devem ser deferidos consoante os critérios do próprio Juiz, pois, como é curial, por sua própria incomensurabilidade, não se pode relegar a quantificação dos danos de tal jaez à ulterior liquidação do julgado.

À vista dos parâmetros acima alinhados, julgo procedente o pedido inicial, em parte, a fim de condenar o réu a pagar ao demandante o valor de 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais), a título de danos morais, incidindo juros legais a partir da data da citação.

Sem custas. O réu arcará com o pagamento dos honorários do advogado do autor, ora fixados em 10% da condenação, pois este decaiu de parcela ínfima do julgado.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Brasília-DF, 02 de julho de 2009.

ALVARO LUIS DE A. CIARLINI
Juiz de Direito



JURID - 150 mil a filho de ex-presidiário. [16/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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