Vínculo de emprego. Doméstica.
Tribunal Regional do Trabalho - TRT3ªR.
Processo: 00251-2008-080-03-00-1 RO
Órgão Julgador: Primeira Turma
Juiz Relator: Desa. Maria Laura Franco Lima de Faria
Juiz Revisor: Des. Manuel Candido Rodrigues
RECORRENTE: JÚLIA MARIA DE MATOS
RECORRIDOS: 1) LUCIMAR JOSÉ DE QUEIROZ
2) PAULA APARECIDA BORGES QUEIROZ
EMENTA: VÍNCULO DE EMPREGO. DOMÉSTICA. A Lei 5.859/72, dispõe, em seu art. 1º: "Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei". A melhor interpretação do mencionado dispositivo deve considerar que a expressão "no âmbito residencial destas", não se limita à casa do empregador, não se atrelando ao local da prestação dos serviços. O âmbito residencial veiculado no art. 1º da Lei 5.859/72 é aquele no qual, necessariamente, são prestados os serviços contínuos e de finalidade não lucrativa e onde a atuação funcional é vinculada ao interesse ou núcleo da pessoa ou família.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário, interposto contra decisão proferida pelo MM. Juízo da Vara do Trabalho de Patrocínio, em que figuram: como recorrente, JÚLIA MARIA DE MATOS; como recorridos, LUCIMAR JOSÉ DE QUEIROZ e PAULA APARECIDA BORGES QUEIROZ.
RELATÓRIO
O MM. Juízo da Vara do Trabalho de Patrocínio, pela r. sentença de f. 79/80, cujo relatório adoto e a este incorporo, julgou improcedentes os pedidos.
Recorreu a reclamante (f. 85/89), pugnando pelo reconhecimento do vínculo de emprego entre as partes.
Sem contra-razões.
Tudo visto e examinado.
VOTO
ADMISSIBILIDADE
Conheço do recurso interposto pela reclamante, porquanto satisfeitos os pressupostos objetivos e subjetivos de sua admissibilidade.
MÉRITO
Vínculo de Emprego
A reclamante não se conforma com a r. sentença de origem, que deixou de reconhecer o vínculo de emprego pretendido. Sustenta que foi contratada, verbalmente, pelos reclamados em 05/01/2005 e dispensada em 12/11/2007, exercendo neste período a função de dama de companhia de seus dois filhos menores. Acrescenta que a prestação de serviços tinha caráter pessoal, não eventual, oneroso e subordinado.
Assiste-lhe razão, em parte.
A reclamante afirmou, na inicial, que foi contratada pelos reclamados para exercer a função de dama de companhia de seus filhos menores, Mateus de 10 anos e Doralice de 06 anos, que passaram a morar em sua residência, recebendo para tanto dois salários mínimos mensais. Pleiteou a anotação da CTPS e o pagamento das parcelas trabalhistas a que entendia fazer jus.
O primeiro reclamado apresentou defesa oral, negando a existência do vínculo. Afirmou que a guarda das crianças ficou com a segunda reclamada após o divórcio; que tendo ela ido para a Espanha deixou-as com a reclamante; que desconhece a combinação havida entre a reclamante e a segunda reclamada; que jamais a contratou. Acrescentou que pegou as crianças no dia 18/10/2007 e que não tem condições de pagar à reclamante, porque mora num cômodo alugado, que dividiu em duas partes, sendo que uma das partes é um jogo de sinuca (conforme consignado na ata de f. 76).
A segunda reclamada foi notificada através de edital (f. 38/39 e 71), não comparecendo à audiência, sendo-lhe aplicada a revelia e confissão ficta.
Em primeiro lugar, cumpre registrar que não há elementos nos autos que autorizem o reconhecimento do vínculo de emprego com o primeiro reclamado, Lucimar José Queiroz.
Restou incontroverso que, na época em que a segunda reclamada, Paula Aparecida Borges Queiroz, deixou as crianças com a autora, ela já se encontrava separada do primeiro reclamado. Note-se que a ação de divórcio consensual revela que a separação de fato ocorreu em agosto de 2003 e que os filhos ficaram sob a guarda da segunda reclamada, passando o pai a contribuir apenas com uma pensão alimentícia de meio salário mínimo para a manutenção das crianças (f. 43/45).
A este respeito, a própria reclamante admitiu, em seu depoimento pessoal, que "cuidava dos meninos na casa dela; que na época em que as crianças moraram na sua casa, os reclamados já tinham se separado; que a depoente combinou com a 2ª reclamada que cuidaria dos filhos dela enquanto ela estava na Espanha, e a 2ª reclamada lhe enviaria dois salários mínimos por mês..." (f. 77, grifamos).
Como se vê do depoimento acima, a reclamante foi contratada diretamente pela segunda reclamada, combinando com ela a forma de prestação dos serviços e dela recebendo o pagamento ajustado, não sendo viável a condenação do primeiro reclamado, uma vez que não contratou ou remunerou os serviços da obreira. Assim, o exame da configuração ou não vínculo de emprego pretendido limita-se à segunda reclamada.
No que tange à ré, Paula Aparecida, além da revelia que lhe foi aplicada, a prova produzida nos autos demonstra claramente que a reclamante foi contratada para tomar conta de seus filhos menores. Até mesmo o primeiro reclamado, em sua defesa, confirma que a reclamante olhou as crianças no período em que a ré estava na Espanha e que o fez mediante pagamento.
Não resta dúvida de que a reclamante efetivamente foi contratada pela segunda reclamada para prestar serviços de forma pessoal, não eventual e onerosa. Acrescento que diante da revelia aplicada e da própria natureza do trabalho prestado pela reclamante, deve-se presumir a subordinação, impondo-se o reconhecimento do vínculo de emprego entre elas.
De outro lado, ainda que pesem as peculiaridades demonstradas no caso, entendo que a reclamante deve ser considerada como empregada doméstica.
O trabalhador doméstico teve sua profissão regulamentada pela Lei 5.859/72, que dispõe em seu art. 1º: "Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei".
A melhor interpretação da lei, ao adotar a expressão "no âmbito residencial destas", não se limita à casa do empregador, não se atrelando ao local da prestação dos serviços. O âmbito residencial veiculado no art. 1º da Lei 5.859/72 é aquele no qual, necessariamente, são prestados os serviços contínuos e de finalidade não lucrativa e onde a atuação funcional é vinculada ao interesse ou núcleo da pessoa ou família.
A este respeito, nos ensina o i. professor Messias Pereira Donato: "o âmbito da residência em que o empregado doméstico desempenha sua atividade mede-se não necessariamente pelo espaço físico, mas também pelo raio de ação dos dadores de trabalho" (Curso de Direito Individual do Trabalho, LTr, 6ª Edição - pág. 400).
No presente caso, após a viagem da reclamada para a Espanha, o núcleo familiar mudou efetivamente para a casa da reclamante. Assim, o trabalho prestado pela obreira visava atender a necessidade familiar da ré, uma vez que lhe foram transferidos os cuidados diários e rotineiros das crianças (higiene, alimentação, etc), ou seja, a vida doméstica e familiar delas, não podendo ser considerado o labor prestado como análogo ao de uma creche, conforme entendimento adotado em primeiro grau.
Observo que também não é o caso de se reconhecer a existência de um contrato de trabalho a domicílio, pois para se falar neste tipo de contrato, seria indispensável que houvesse uma atividade econômica envolvida, o que não é o caso dos autos.
ISTO POSTO, provejo parcialmente o recurso, para reconhecer o vínculo de emprego doméstico entre a reclamante e a reclamada Paula Aparecida Borges Queiroz, determinando o retorno dos autos à instância de origem para julgamento das demais questões de mérito.
FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,
O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Primeira Turma, preliminarmente, à unanimidade, conheceu do recurso; no mérito, sem divergência, deu-lhe provimento parcial para reconhecer o vínculo de emprego doméstico entre a reclamante e a reclamada Paula Aparecida Borges Queiroz, determinando o retorno dos autos à instância de origem para julgamento das demais questões de mérito.
Belo Horizonte, 04 de maio de 2009.
MARIA LAURA FRANCO LIMA DE FARIA
Desembargadora Relatora
Data de Publicação: 08/05/2009
JURID - Vínculo de emprego. Doméstica. [04/06/09] - Jurisprudência
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