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sexta-feira, 19 de junho de 2009

JURID - Tribunal do Júri. Homicídio duplamente qualificado. [19/06/09] - Jurisprudência


Apelação Criminal. Tribunal do Júri. Homicídio duplamente qualificado.


Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2009.015779-1, de Capinzal

Relator: Des. Moacyr de Moraes Lima Filho

APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO - PLEITO QUE VISA À ANULAÇÃO DO JULGAMENTO AO ARGUMENTO DE QUE A DECISÃO FOI CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS - DECISÃO DOS JURADOS QUE ENCONTRA AMPARO NAS PROVAS - REDUÇÃO DA REPRIMENDA - IMPOSSIBILIDADE - AUMENTO DEVIDAMENTE JUSTIFICADO - FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS - VERBA ESTIPULADA NA SENTENÇA QUE INCLUI EVENTUAIS RECURSOS OU CONTRA-RAZÕES RECURSAIS - APELO NÃO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2009.015779-1, da comarca de Capinzal (2ª Vara), em que é apelante Valdir José Tides, e apelada A Justiça, por seu Promotor:

ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas de lei.

RELATÓRIO

Na comarca de Capinzal, o órgão Ministerial denunciou Valdir José Tides como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, I e IV, do Código Penal, pois, segundo narra a exordial acusatória:

"[...] no dia 27 de junho de 2008, na rua Lindemberg, nesta cidade de Capinzal - SC, o denunciado Valdir José Tides, ex-marido da vítima Ivete Terezinha Rodrigues Tides, com a qual viveu maritalmente por aproximadamente 16 anos, inconformado com a separação e a atitude da esposa, que não mais queria restabelecer a união, decidiu matá-la por motivo torpe, uma vez que se sentindo desprezado por ela, resolveu vingar-se.

"Assim, por volta das 19h, o denunciado, agindo com manifesto animus necandi, de posse de 01 (uma) faca, com aproximadamente 10 centímetros de lâmina, com cabo de cor branca, ao avistar a vítima e sua filha Leila Nadine Tides, de apenas 08 anos de idade, que caminhavam em frente a guarita de ônibus, retornando para a sua residênica, próxima ao campo Lindemberg, mandou que a vítima o esperasse, sendo que a vítima não parou.

"Ato contínuo, o denunciado correu atrás da vítima e de sua filha, ocasião em que estas também correram na tentativa de fugir dele. Entretanto, ao chegarem em um local escuro, sem iluminação pública e sem habitações nas margens da estrada, o denunciado segurou a vítima pela mão e falou 'nós dois vamos morrer juntos nesse mato', em seguida pegou a faca que carregava no bolso da frente da calça jeans e desferiu um golpe no pescoço de Ivete, tendo esta caído no chão. Enquanto a vítima estava caída e indefesa, o denunciado desferiu mais 08 (oito) golpes com a faca contra o corpo da vítima, os quais foram a causa suficiente de sua morte, conforme se constata do Auto de Exame Cadavérico de fls. 07/09" (fls. II/IV).

Finda a instrução criminal, o Magistrado a quo julgou admissível o pedido formulado na denúncia, pronunciando o acusado nos exatos termos da inicial (fls.106/110).

Por sua vez, o Conselho de sentença reconheceu a prática do crime descrito no art. 121, § 2º, I e IV, do Código Penal, restando Valdir José Tides condenado à pena de 19 (dezenove) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial fechado (fls. 203/208).

Irresignada com a decisão, a defesa postula a anulação do julgamento por ter sido manifestamente contrário à prova dos autos. Subsidiariamente, requer a redução da pena para o mínimo legal. Pugna, ainda, o arbitramento de honorários advocatícios ao defensor dativo (fls. 233/237).

Em contra-razões, postula o órgão do Ministério Público a manutenção da sentença (fls. 243/248).

Os autos ascenderam a esta Corte, perante a qual a douta Procuradoria-Geral de Justiça manifesta-se, por intermédio do Dr. Sérgio Antônio Rizelo, pelo conhecimento e não provimento do apelo (fls. 254/267).

VOTO

O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido. Todavia, não comporta provimento.

A materialidade e a autoria delitivas são incontroversas, cingindo-se o apelo em postular a anulação do julgamento, ao argumento de que a decisão dos jurados foi contrária à prova dos autos, pois teria agido na forma privilegiada.

1 Da decisão contrária às provas dos autos

1.1 Alega a defesa que o acusado agiu motivado por violenta emoção logo após injusta provocação da vítima, que o teria insultado. É o que se extrai do interrogatório de Valdir, perante o Tribunal do Júri:

"[...] que depois de levarem a blusa, o depoente e L. foram ao encontro de Ivete e seguiram juntos; [...] então o depoente falou para Ivete que estaria indo embora e queria uma conta para depositar algum dinheiro quando arrumasse trabalho; que então Ivete disse que era bom mesmo o depoente ir embora porque ela já tinha encontrado alguém que lhe dava dinheiro, tinha carro e podia lhe dar tudo aquilo que o depoente nunca deu; que Ivete disse que não precisava do dinheiro do depoente e eu (sic) inclusive 'Bolacha' era melhor na cama que o depoente; que Ivete disse que já estava com Bolacha há dois anos e que o depoente era corno desde aquela época [...] que então Ivete empurrou o depoente e então o depoente só lembra quando estava na beira do rio com as roupas rasgadas e sem calçado; que quando Ivete derrubou o depoente disse que ele era um bêbado e fedido [...]" (fls. 195/197).

Entretanto, versão diversa é encontrada no depoimento da única testemunha presencial dos fatos, L. N. T., de apenas 8 (oito) anos de idade - filha do acusado e da vítima:

"Que no dia dos fatos estava indo para casa com sua mãe quando ao passar pela guarita do campo de futebol viram seu pai. Que seu pai foi ao encontro da depoente e sua mãe, sendo que a depoente acompanhou seu pai até a casa dele levar uma blusa. Que depois voltaram ao encontro de sua mãe. Que seu pai puxou sua mãe e chamou ela para ir no mato, seu pai disse que os dois iriam morrer no mato. Que a declarante gritou que não e seu pai disse que se não matasse a mãe iria matar a declarante. Que então seu pai deu facadas na sua mãe e depois correu para o mato levando a faca. [...] que seu pai era bravo e batia na sua mãe. [...] que sua mãe não tinha outro namorado [...] Que sua mãe e seu pai não brigaram antes das facadas. Que depois de seu pai dizer para sua mãe que os dois iriam morrer no mato sua mãe falou para ele não dizer isso perto da depoente. Que seu pai estava tomando pinga na guarita com Edson e estava bêbado [...] Que quando seu pai deu a primeira facada em sua mãe, ele ficou na frente da declarante [...]" (fl. 78, grifo nosso).

Importante salientar que aludida testemunha, perante a autoridade policial, manteve o mesmo relato (fls. 10/11), sendo que "pequenas divergências são perfeitamente normais, não invalidando depoimentos, coerentes na essência dos fatos" (Apelação Criminal n. 2006.004733-6, de Criciúma, rel. Des. Amaral e Silva, j. em 14/3/2006).

Ressalta-se que Valdir frequentemente dirigia ameaças de morte à vítima, conforme relatou Alan Tiago Rodrigues - filho de Ivete:

"[...] que Valdir brigava bastante com Ivete porque bebia; que várias vezes ouviu Valdir ameaçar Ivete; que, todavia, nunca viu ele agredir Ivete, pois sempre que chegava Valdir parava [...] que confirma que Ivete lhe contou que Valdir ameaçava dizendo que se contasse a respeito das ameaças para outras pessoas iria matá-la, bem como seus filhos [...] que após o crime L. ficou mais fechada e a família procurava reanimá-la; [...]" (fl. 194).

No mesmo sentido, Mirislan Roque Facin declarou que alguns meses antes dos fatos "[...] o réu foi até a casa do depoente e disse que iria matar sua mulher; que o depoente aconselhou seu amigo para que não fizesse 'isso'; que Valdir estava 'irado'" (fl. 91).

Corroborando, o policial civil Astrogildo Conterno Henrriques asseverou que em uma ocasião em que o réu se encontrava detido na delegacia, ouviu este dizer que iria matar Ivete (fls. 25 e 79).

Diante disso, verifica-se que, além de não haver provas de que efetivamente a vítima tenha insultado o acusado, a intenção do réu de matá-la era conhecida por outras pessoas.

Assim, não há que se falar que os Jurados decidiram contrariamente às provas dos autos por entenderem que o acusado não agiu sob o domínio de violenta emoção, uma vez que a decisão possui embasamento no no conjunto probatório.

1.2 No tocante à exclusão da agravante prevista no art. 121, § 2º, IV, do Código Penal, também não assiste razão ao apelante.

O quesito n. 6 do termo de votação do Conselho de Sentença previa:

"6 - HOMICÍDIO QUALIFICADO - RECURSO QUE DIFICULTOU OU IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA (121, § 2º, IV, do CP)

6.1 - O reú utilizou-se de recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima, apanhando-a de inopino, quando estava ela despreparada e desarmada?"

Os Jurados decidiram, por maioria, que "sim".

Dessarte, resta verificar se mencionada qualificadora encontra respaldo na versão apresentada perante o Plenário.

Segundo se constata, a vítima caminhava com sua filha L. nas proximidades do campo Lindemberg, momento em que passaram em frente a um ponto de ônibus onde estavam Edson e Valdir bebendo.

O acusado chamou L. para acompanhá-lo até sua casa e esta obedeceu, retornando ambos em seguida até onde estava Ivete, a qual continuava andando.

Nesse momento, conforme relatou a testemunha L. (fl. 78), o réu puxou Ivete para o mato e disse que ambos morreriam lá. Então passou a desferir contra a vítima os golpes de faca que a levaram à morte.

Diante disso, denota-se que está decisão dos Jurados também possui amparo nos autos, uma vez que a vítima, que estava acompanhada de sua filha, foi puxada por seu ex-marido de inopino em direção ao mato, onde, sem que pudesse esboçar qualquer defesa, foi brutalmente agredida com diversos golpes de faca.

Importante frisar que não cabe a esta Corte verificar qual das versões para os fatos seria a mais convincente - se a da acusação ou a da defesa - haja vista essa escolha competir, exclusivamente, ao Júri.

Poder-se-ia cogitar a anulação do julgamento, tão-somente, se faltasse ao veredicto qualquer coerência com a prova dos autos, o que não ocorreu na espécie.

Acerca do assunto, colhe-se de precedente desta Corte:

"A decisão do Conselho de Sentença, em respeito à sua soberania, deve ser mantida quando a condenação se dá com base em elementos de convicção constantes dos autos; não há como se anular o julgamento do Tribunal do Júri, porquanto não foi arbitrário, uma vez que acolheu uma das versões dos fatos demonstradas no contexto probatório" (Apelação Criminal n. 2007.021049-9, de Canoinhas, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. em 14/8/2007).

Dessa forma, diversamente do que alega o apelante, a decisão dos jurados não foi contrária às provas dos autos, pois estes entenderam como mais verossímil a tese levantada pelo órgão do Ministério Público, que está apoiada em versão constante do processo.

Assim, a manutenção da decisão é medida imperativa.

Nesses termos:

"APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - ALEGAÇÃO DE MANIFESTA CONTRARIEDADE À PROVA DOS AUTOS - HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE E PELA UTILIZAÇÃO DE RECURSO DE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA - EXISTÊNCIA DE PROVAS CAPAZES DE SUSTENTAR A DECISÃO DOS JURADOS E DE AFASTAR A TESE DEFENSIVA DE NEGATIVA DA AUTORIA - VEREDICTO DO CONSELHO DE SENTENÇA INTOCÁVEL NESTA SEDE

"Havendo nos autos prova capaz de justificar a opção dos jurados, mesmo que haja outros indícios em sentido contrário, não é lícito ao Tribunal de Justiça anular o julgamento do Conselho de Sentença por contrariedade à prova dos autos, sob pena de violar a sua soberana competência constitucionalmente garantida" (Apelação Criminal n. 2006.007833-1, de Itajaí, rel. Des. Torres Marques, j. em 4/4/2006).

Dessa feita, afasta-se o pleito de anulação do Júri.

2 O pedido de redução da reprimenda também não merece amparo, pois o MM. Juiz analisou e dosou a pena detalhadamente, restando, na primeira fase da dosimetria, em razão das circunstâncias do art. 59 do Código Penal desfavoráveis em sua maioria (culpabilidade, conduta social, personalidade, circunstâncias e consequências do crime - fls. 205/206), a reprimenda aplicada em 19 (dezenove) anos de reclusão. Na segunda fase, tendo em vista a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea, o Magistrado a quo majorou a pena em 6 (seis) meses, na forma do art. 67 do Código Penal, resultando a pena definitiva em 19 (dezenove) anos e 6 (seis) meses de reclusão, uma vez que ausentes causas especiais de aumento ou diminuição de pena.

Desse modo, afasta-se o pleito defensivo de fixação da pena no patamar mínimo, porquanto devidamente justificado o quantum aplicado.

3 Da fixação de honorários

Verifica-se que o Magistrado a quo, ao tempo da prolação da sentença, fixou os honorários advocatícios ao defensor dativo na forma da tabela anexa da LCE n. 155/97 (fl. 208).

Consoante se constata no art. 12 da mencionada Lei:

"A remuneração do Assistente Judiciário e do Defensor Dativo, nomeados na forma estabelecida nesta Lei Complementar, para propor ou contestar ação cível, promover a defesa do acusado em processo-crime ou defender criança e adolescente nos processos em que se fizer necessária a intervenção de advogado, será fixada pelo Juiz, na sentença final, com base na Tabela de Honorários Advocatícios da OAB/SC, em URH's (Unidade Referencial de Honorários) cuja tabela faz parte do Anexo desta Lei, em razão da espécie do procedimento".

Com efeito, em análise ao Anexo Único, II, 31, do mencionado diploma legal, constata-se a estipulação, dentre outros, da soma de 15 URH's pela instrução de processos de competência do Tribunal do Júri e 25 URH's pela defesa em Plenário.

Ainda da Lei Complementar n. 155/1997, extrai-se que "a remuneração prevista para os atos isolados somente será devida para os advogados não nomeados assistentes judiciários no processo" (Notas Gerais, n. 4), o que não ocorre no caso em tela.

Em que pese o Magistrado de Primeiro Grau tenha nomeado à fl. 210 o Dr. Marco Antonio Vasconcelos Alencar Júnior para a interposição de razões de apelação, verifica-se que não merece amparo o pedido de fixação de honorário. Isso porque, conforme se constata à fl. 62, mencionado defensor dativo já havia sido nomeado, durante a instrução criminal, para fazer a defesa do acusado Valdir José Tides, sendo que a nomeação foi aceita e a defesa realizada, inclusive perante o Tribunal do Júri.

Assim, uma vez fixada a verba honorária ao defensor na sentença, esta inclui a interposição de eventuais recursos ou contra-razões recursais ao órgão de Segundo Grau, pois não configura ato isolado.

Dessa forma, afasta-se o pedido de fixação de honorários.

À luz do exposto, nega-se provimento ao apelo.

DECISÃO

Ante o exposto, decide a Câmara, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso.

O julgamento, realizado no dia 5 de maio de 2009, foi presidido pelo Excelentíssimo Sr. Des. Torres Marques, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Sr. Des. Roberto Lucas Pacheco. Lavrou parecer, pela douta Procuradoria Geral de Justiça, o Excelentíssimo Dr. Sérgio Antônio Rizelo.

Florianópolis, 5 de maio de 2009.

Moacyr de Moraes Lima Filho
RELATOR

Publicado em 08/06/09




JURID - Tribunal do Júri. Homicídio duplamente qualificado. [19/06/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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