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terça-feira, 16 de junho de 2009

JURID - Tráfico. Substituição da pena. [16/06/09] - Jurisprudência


Tráfico. Substituição da pena.


COMARCA DE PATOS DE MINAS - MG

Gabinete do Juiz de Direito

SENTENÇA

Processo: 0480.08 121254-4

Delito: art. 33 c/c art. 40, III e VI, ambos da Lei 11.343/06.

Réu: Flávio Murylo Araújo

Vistos, etc.

1. RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em 26 de novembro de 2008, ofereceu denúncia contra FLÁVIO MURYLO DE ARAÚJO, brasileiro, solteiro, natural de Presidente Olegário-MG, nascido em 24.08.1978, filho de Selma Regina Araújo, residente na Rua Vereador Filadélfio José Fonseca, n. 655, bairro Nova Floresta, nesta cidade e comarca, dando-o como incurso nas sanções do art. 33 c/c art. 40, III e VI, da Lei 11.343/06.

Relatou a denúncia:

"na data de 29/10/2008, por volta de 12h30min no estabelecimento comercial denominado "Supermercado e Sacolão Agrocampos", situado na Rua Teófilo Otoni, nº 90, bairro Antônio Caixeta, nesta cidade e comarca, o denunciando vendeu determinada porção da substância entorpecente 'cannabis sativa lineu', vulgarmente conhecida como 'maconha', pesando 24,76g (vinte e quatro gramas e setenta e seis centigramas) sem possuir, para tanto, autorização legal ou regulamentar, ao adolescente em conflito com a lei C.C.B.".

"Nesta mesma data, o denunciando tinha em depósito, em sua residência, situada na Rua Vereador Filadélfio José Fonseca, nº 655, Bairro Nova Floresta, determinada quantidade da mesma substância mencionada acima, pesando 103,55 (cento e três gramas e cinqüenta e cinco centigramas), sem possuir, para tanto, autorização legal ou regulamentar."

"(...) o denunciando estava em seu local de trabalho quando ali apareceu o menor C.C.B., querendo comprar drogas dele, momento em que o denunciando lhe vendeu determinada quantidade da substância entorpecente conhecida como 'maconha'(...). Logo após, os policiais abordaram o menor C.C.B, no interior da 'Panificadora Brasília', e apreenderam a droga que ele havia comprado do denunciando. Em seguida, os policiais foram até o estabelecimento comercial aonde o denunciando estava trabalhando e o abordaram, encontrando em sua mochila uma faca com resíduos de maconha. Ato contínuo, eles se dirigiram até a casa do denunciando, onde foram encontradas duas porções da substância entorpecente 'cannabis sativa lineu', pesando aproximadamente 103,55g (cento e três gramas e cinqüenta e cinco centigramas). A droga estava escondida debaixo do guarda roupas".

"Foram apreendidos, ainda, em poder do imputado, a quantia de R$ 46,00 (quarenta e seis reais) em moeda corrente, 03 (três) aparelhos de telefonia celular marcas NOKIA, LG e MOTOROLA e, ainda, uma balança de precisão, proveitos e instrumentos do crime". (fls. 02/04).

A denúncia, acompanhada do inquérito policial, foi recebida em data de 04 de fevereiro de 2009 (fls. 71).

A Certidão de Antecedentes Criminais do Réu foi juntada às fls. 53.

O Laudo Toxicológico Definitivo foi juntado às fls. 65.

Regularmente citado, o Réu ofereceu defesa prévia às fls. 69/71.

Na oportunidade da audiência de instrução e julgamento, o Réu foi interrogado. (fls. 94/95).

Durante a instrução, foram ouvidas 02 (duas) testemunhas arroladas pela acusação (fls. 92/93) e 02 (duas) testemunhas arroladas pela defesa (fls. 90/91).

Em suas alegações finais, o Representante do Ministério Público pugnou pela condenação do Réu nos termos do art. 33, caput, c/c art. 40, com a supressão do inciso III e manutenção do inciso VI e aplicação do parágrafo 4º, do art. 33 sobre o quantum final da pena, todos dispositivos da Lei 11.343/06 (fls. 88/89).

A Defesa, por seu turno, requereu a aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º da Lei 11.343/06; o afastamento da causa de aumento prevista no art. 40, III da lei sub examine e por fim, requereu o cumprimento da pena determinável em consonância com as disposições do art. 33, § 2º do CP e a incidência da atenuante genérica da confissão espontânea (art. 65, "d"do CP).

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório. Fundamento e decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Inocorre na espécie qualquer nulidade ou irregularidade processual a ser enfrentada, razão pela qual passo a análise do mérito.

Trata-se de ação penal pública incondicionada, intentada pela Justiça Pública em face de FLÁVIO MURYLO DE ARAÚJO, qualificado, dando-o como incurso nas sanções do art. 33 c/c art. 40, III e VI, da Lei 11.343/06.

A materialidade dos delitos encontra-se satisfatoriamente comprovada pelo Boletim de Ocorrência às fls. 14/20; Auto de Apreensão às fls. 21/22 e Laudo Toxicológico Definitivo às fls. 65.

No que tange à autoria, restou cabalmente comprovada pela confissão espontânea do Acusado, perante a autoridade policial e em juízo, alicerçada pelas demais provas jungidas aos autos. Leia-se:

"que hoje por volta de 12:30h o declarante foi procurado pelo menor CARLOS CÉSAR, que lhe perguntou se o mesmo vendia maconha; que o declarante afirmou que vendia; que CARLOS CÉSAR pediu então que lhe vendesse R$ 25,00 em maconha, tendo o declarante vendido um pequeno tablete para o menor (...); que na residência os policiais encontraram um tablete grande de maconha, R$ 50,00 me notas miúdas, uma balança de precisão, três celulares e mais uma pequena "bucha" de maconha; que o declarante confirma que a droga encontrada era de sua propriedade e tinha comprado de uma pessoa desconhecida; que o declarante inicialmente comprou a droga para seu consumo, mas resolveu vender uma parte da droga." O Acusado, declarações prestadas durante as investigações, Fls. 11/12).

"que são verdadeiros os fatos como articulados na denúncia; que tinha adquirido uma porção de maconha por um preço muito bom; que, entretanto, para pagar este preço teve que comprar uma quantidade maior; que comentou com o colega que tinha comprado mais maconha que tinha condições de consumir; que ele disse que arranjaria alguém para comprar parte daquela maconha, que no dia seguinte foi procurado pelo Carlos; que não conhecia esse Carlos; que ele procurou pelo interrogando, depois que o interrogando saiu do trabalho, por volta das vinte horas, que ficou de arranjar a maconha para ele no dia seguinte; que disse para ele procura-lo na sua casa na hora do almoço; que o Carlos compareceu e comprou do Acusado aproximadamente vinte e cinco gramas; que a balança de precisão não era do interrogando; que um colega seu pediu que guardasse que ela estava inclusive sem bateria; que nunca tinha vendido maconha ou qualquer outro tipo de droga, que usa maconha há uns quatro anos, desde que saiu de casa; que está muito arrependido, porque perdeu o trabalho e principalmente a confiança das pessoas; que o acusado trabalhava no sacolão todos os dias da semana, inclusive domingo, sendo que durante a semana trabalhava de nove às vinte horas." (O Acusado, interrogatório judicial, fls. 94/95).

O menor C.C.B - apreendido como suposto usuário e adquirente de drogas - afirmou em juízo:

"que realmente comprou a maconha do Flávio, mas não no supermercado; que tinha encomendado a droga um dia antes; que passou na casa dele e pegou a porção de drogas (...); que foi a primeira vez que comprou drogas do acusado; que um colega do depoente disse que sabia que o Flávio tinha comprado uma certa quantidade de maconha para usar, e se o depoente pedisse ele lhe cederia um pedaço; que nunca ouviu dizer que o acusado comercializasse drogas". (fls. 92).

Nesta mesma ocasião foi tomado por termo o depoimento da testemunha José Geraldo de Azevedo, tendo declarado que:

"conhece o acusado, que trabalhou em seu estabelecimento comercial por uns dois anos; que o considera um rapaz trabalhador, honesto, de ótimo comportamento pessoal e social e um bom empregado; que jamais teve qualquer tipo de problema relacionado com a conduta do acusado; que não sabe e nunca ouviu dizer que ele fosse usuário e muito menos comercializasse drogas; que ficou muito surpreso com o acontecimento desses fatos". (fls. 91).

Sob o crivo do contraditório, o policial militar condutor do flagrante ratificou a narrativa dos fatos por ele apresentada durante as investigações e acrescentou:

"que não tinha nenhuma notícia do acusado no comércio de drogas dessa cidade; que não sendo de seu conhecimento que houvesse alguma denúncia ou investigação envolvendo sua pessoa; que entretanto, havia denúncias de que alguém estava praticando tráfico na rua". (fls. 93).

O laudo definitivo do exame de constatação toxicológica confirmou a natureza e a quantidade da substância entorpecente apreendida como sendo 101,97 (cento e um gramas e vinte e sete centigramas) de "maconha".

Diante do delineamento das provas constato que o pedido ministerial formulado na peça acusatória de ingresso merece abrigo.

In casu, as provas carreadas entrelaçam-se harmoniosamente, principalmente com a confissão do próprio Acusado, comprovando de forma inequívoca não só a conduta que infringiu os núcleos típicos adquirir manter em depósito e fornecer "maconha" a terceiros sem autorização ou em desacordo com determinação legal regulamentar, como também, os atos de mercancia.

Lembrando que, o delito em estudo (art. 33 da Lei 11.343/06) classifica-se como sendo um tipo penal de ação múltipla ou conteúdo variado, ou seja, uma única norma incriminadora que tipifica várias condutas, bastando, para caracterização do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, a prática de uma única ação dentre as previstas.

Também é este o posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em voto da lavra do Desembargador Sérgio Braga:

"O tráfico de entorpecentes é um crime de ação múltipla em que se admitem várias condutas. A Lei Antitóxicos não faz distinção entre o ato de "trazer" e "guardar" drogas com o ato de vender propriamente dito, punindo igualmente tanto a conduta de quem traz substância entorpecente destinada ao consumo de terceiro, combatendo a proliferação nociva de substância que cause dependência física e/ou psíquica, quanto a dos que fornecem a terceiros, ou incidam numa das ações definidas pelos diversos verbos do citado dispositivo." (TJMG, Ap. Criminal 1.0407.03.003661-7/001, DJ 29/06/2004).

Insta ponderar que o objeto jurídico principal do delito do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06 é a saúde pública e os secundários são a vida, a incolumidade física e a saúde individual dos cidadãos que compõem o corpo social. Por promoverem a tutela de bens tão valiosos, os delitos de tráfico e uso indevido de drogas, são de perigo abstrato (há uma probabilidade de dano ao bem jurídico).

Consoante às lições de Guilherme de Souza Nucci:

"não se permite que determinados entorpecentes circulem em sociedade porque seus danos, ao longo do tempo, já foram comprovados, não somente por médicos, cientistas, especialistas da saúde pública em geral, como também por fatos concretos passados. A saúde pública, bem jurídico imaterial, mas que significa a possibilidade de várias pessoas, em número indefinido adoecerem e, por fim, morrerem, é atingido quando há tráfico ilícito de drogas. Não se trata, no entanto, de delito material, aquele que produz, necessariamente, para sua consumação, resultado naturalístico. É crime de atividade, na modalidade formal, isto é, pune-se apenas a conduta de vender substância entorpecente. Mas, a partir disso, pode ocorrer dano efetivo à saúde pública (exaurimento do delito). (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas; Ed. Revista dos Tribunais, 2º ed., pg. 314).

Neste sentido, posiciona-se a jurisprudência dos Tribunais:

"Para a configuração do crime previsto no art. 12 da Lei nº 6.368/76, não se exige qualquer ato de tráfico, bastando, como espécie, que o agente traga consigo a substância entorpecente. Da mesma forma, é inexigível a 'traditio', para a consumação do delito". (TJSP - HC 39.141-3 - Rel. Denser de Sá - RJTJSP 97/512).

Por todo o analisado, considerando as disposições do art. 28, §2º da Lei 11.343/06, bem como as circunstâncias em que ocorreu o flagrante, com a apreensão de razoável quantidade de "maconha", estando uma parte dividida em doses unitárias prontas para a venda, corroboradas pelas declarações das testemunhas e do próprio Acusado, são provas plenamente satisfatórias de que o Réu estava de fato, comercializando drogas, embora pudesse também ser usuário, condição esta que não exclui aquela.

Lado outro, o mesmo raciocínio não se aplica a majorante sugerida na denúncia referente ao disposto no art. 40, VI da Lei em estudo, que prevê um acréscimo da pena nos casos em que a prática do delito de tráfico envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação.

Trata-se de norma de proteção estabelecida pelo legislador, que superando aquelas conferidas pelo ECA, previu situações de abuso de crianças e adolescentes, específicas do cenário das drogas.

Esta norma protetiva contida da Nova Lei de Drogas apóia-se no fato de que os menores, devido à sua susceptibilidade e amadurecimento incompleto são presa fácil para os traficantes, que tanto podem envolvê-los na venda e distribuição de drogas, como também, visá-los como potenciais consumidores. Por isso, o menor pode ser participante ou vítima do comércio ilícito de substâncias entorpecentes.

Neste sentido, trago a lume as considerações de Guilherme de Souza Nucci sobre a importante distinção entre o delito de corrupção de menores e a causa de aumento do art. 40, VI. Alerta-nos o renomado autor que para a aplicação desta torna-se fundamental considerar a não configuração daquele crime previsto no art. 218 do CP. (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas; Ed. Revista dos Tribunais, 2º ed., pg. 323).

In casu, é inquestionável a certeza quanto à venda de drogas ao menor C.C.B pelo Acusado, contudo esta mesma prova da comercialização ilícita, também demonstra que o adolescente em questão estava em conflito com a lei e já ostentava a condição de usuário de drogas muito anteriormente à data dos fatos.

É o que se extrai da peça acusatória e demais provas acostadas aos autos. Leia-se:

"que devido ao fato de o depoente já conhecer o menor infrator e saber que ele já foi apreendido por cometimento de ato infracional análogo a tráfico de drogas, além de ser usuário (...)". (Wenderson Mascarenhas de Magalhães, policial militar condutor do flagrante, fls. 06/07).

"que nas proximidades daquele local foi visto por militares, e como o informante já tinha sido apreendido anteriormente por "tráfico de drogas", tentou esconder-se numa padaria, onde também tentou se desfazer das drogas, jogando-a debaixo de um balcão, mas os militares a encontraram." (C.C.B, menor infrator, fls. 10).

Depreende-se, portanto, que o menor infrator em questão tinha ao tempo dos fatos, experiência e conhecimento suficientes sobre os efeitos e conseqüências do consumo das drogas, não blasonando as características previstas na norma do art. 40, VI da Lei 11.343/06.

Destarte, não há que se falar em causa majorante do crime quando o menor induzido a tornar-se potencial consumidor, já era usuário de drogas e já estava envolvido com atividades do "tráfico".

No mesmo norte, segue a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

TRÁFICO DE DROGAS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. POSSE DE ENTORPECENTES PARA A VENDA A TERCEIROS DEMONSTRADA. CORRUPÇÃO DE MENORES. AUSÊNCIA DE PROVAS DE QUE OS MENORES ESTIVESSEM AGINDO A MANDO OU INDUZIDOS PELO APELANTE. ABSOLVIÇÃO. EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 40, VI, DA LEI 11.343/06. PENA-BASE. REDUÇÃO PARA O MÍNIMO LEGAL. ADMISSIBILIDADE. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. O delito de corrupção de menores, previsto no art.1º da Lei 2.252/54, somente se aperfeiçoa diante da existência de provas do efetivo estado de corrupção dos inimputáveis. - Não comprovando envolvimento do réu condenado por tráfico com menores infratores, a causa de aumento prevista no art. 40, VI, da Lei 11.343/06 deve ser excluída. V.V. (TJMG, Ap. Criminal 1.0231.07.092629-1/001, Des. Rel. Hyparco Immesi, Dj. 02/10/2008).

3. CONCLUSÃO

Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida na peça inaugural para CONDENAR o Réu FLÁVIO MURYLO DE ARAÚJO, qualificado, como incurso nas sanções do art. 33 da Lei 11.343/06, deixando de aplicar a causa de aumento prevista no art. 40, VI do mesmo diploma legal.

Atento às diretrizes contidas nos arts. 59 e 68 ambos do Código Penal Brasileiro, bem como orientado pelas diretrizes fixadas no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal, passo à individualização e dosimetria da pena.

Quanto à culpabilidade do Réu, reputo que é intensa, eis que tinha pleno conhecimento do desvalor e conseqüências de sua conduta, devendo lhe ser aplicado o Juízo de censurabilidade por sua conduta dolosa. Analisando a Certidão de fls. 60/62, constato que, apesar de tecnicamente primário, o Acusado possui antecedentes. No que se refere à conduta social e à personalidade do Réu, não demonstram nenhum tipo de deformidade considerável. Julgo os motivos do crime insuficientes para justificarem sua atitude. Considero as circunstâncias que envolveram o delito, normais à espécie. Já as conseqüências são graves, se levarmos em conta a funesta realidade vivenciada e encarada em nosso país, não apenas pelas autoridades que buscam medidas para conter o tráfico de drogas, mas pela sociedade como um todo, que suporta diretamente os efeitos do uso e do comércio indevido destas substâncias. Por fim, não há como, neste tipo penal, aferir-se o comportamento da vítima, já que nesta infração a ofensa é dirigida à saúde pública.

Em assim sendo, e observadas as diretrizes do artigo 68 do Código Penal, no que diz respeito ao delito tipificado no art. 33 da Lei 11.343/2006, fixo a pena-base no mínimo legal, qual seja, 05 (cinco) anos de reclusão, e pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, a ser cumprida em regime inicialmente FECHADO.

Tendo em vista que a pena foi fixada no quantum mínimo previsto no preceito secundário da norma, deixo de aplicar a atenuante genérica prevista no art. 65, "d" pois a pena não pode ser fixada abaixo do mínimo.

Em atenção aos pedidos formulados pela Defesa e pelo Ilustre Representante do Ministério Público, reconheço a viabilidade da aplicação do benefício disposto no art. 33, § 4º ao Réu.

Quando o art. 33, § 4º fala em agente primário, que não integre organização criminosa, com toda a certeza, está a se referir das atividades da organização criminosa do tráfico, que é o delito para qual se busca a punição e que constitui atualmente, uma das maiores instituições criminosas que se tem conhecimento, sobretudo em determinadas capitais do nosso país. Nestes casos, o tráfico se torna uma verdadeira "empresa", onde os integrantes da organização têm suas funções definidas e para os quais, existem regras de conduta próprias. Contudo, não se pode confundir este tipo de atividade criminosa com o comércio exercido por traficantes de pouca monta, os de pequenas "bocas de fumo" e até, com os chamados "aviõezinhos".

Consciente desta distinção e com vistas a facilitar a aplicação da Lei em comento, o legislador definiu condutas delituosas distintas, cujas penas são niveladas, de modo que, para o micro traficante e o traficante de primeira viagem, que não são reincidentes no comércio ilícito de entorpecentes, foi atribuído o benefício da redução prevista no art. 33, § 4º, definida pelo magistério de Guilherme de Souza Nucci como uma "norma penal inédita, visando à redução da punição do traficante de primeira viagem, o que merece aplauso." (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, Ed. Revista dos Tribunais, 2008, p. 320).

In casu, diante dos elementos e circunstâncias do crime, verifico prontamente que o Réu é um destes traficantes de primeira viagem, que comercializa substâncias entorpecentes para manter seu próprio consumo.

É o que se infere das próprias declarações do Acusado, que seguramente confessou ter vendido a porção de 'maconha' ao menor porque comprou uma quantidade que não tinha condições (financeiras e/ou fisiológicas) de consumir. Veja-se:

"que tinha adquirido uma porção de maconha por um preço muito bom; que, entretanto, para pagar este preço teve que comprar uma quantidade maior; que comentou com o colega que tinha comprado mais maconha que tinha condições de consumir; que ele disse que arranjaria alguém para comprar parte daquela maconha, que no dia seguinte foi procurado pelo Carlos". (O Acusado, interrogatório judicial, fls. 94/95).

Em últimas considerações, observo que a variação acerca do quantum de redução previsto no dispositivo do art. 33, § 4º (um sexto a dois terços) foi instituída pelo legislador exatamente para que o magistrado possa determinar a pena com equidade, de acordo com as circunstâncias que envolvem o caso concreto, a realidade do Acusado e também, a realidade da comarca.

Nesta esteira, reconheço que os requisitos elencados no art. 33, § 4º compõem um rol taxativo e de preenchimento cumulativo, contudo, de acordo com a situação fática, a variação destes requisitos poderá estabelecer o quantum da redução.

Retomando então o caso dos autos, considero que o Acusado preenche todas as condições necessárias à concessão do benefício em questão, vez que, é primário e não integra organização criminosa.

Quanto às outras duas exigências - bons antecedentes e que não se dedique às atividades criminosas, também considero satisfeitas pelo Réu. Neste sentido, é válida a explanação quanto ao real sentido de tais requisitos, pois o simples fato de ter reconhecida em sua conduta o comércio ilícito de entorpecentes, já é suficiente a considerar que o agente exerce atividades criminosas e habituais, até porque, na grande maioria dos casos, o agente exerce o comércio e também faz o uso de drogas.

Ademais, o Desembargador Fernando Satarling na ocasião do voto proferido no julgamento da Ap. Criminal 1.0479.08.141844-0/001 (DJ 18/11/2008), trouxe-nos brilhante lição sobre o tema. Segundo o eminente julgador, não existem bons ou maus antecedentes. O que deve ser analisado é se o agente possui ou não antecedentes. Leia-se:

"(...) há necessidade de se averiguar os chamados "maus antecedentes". Não há que se falar em "bons antecedentes", data venia. Ou a pessoa tem antecedentes ou não tem. E se o tiver, ou eles deverão influir na dosimetria ou não. (...) E mais: em que intensidade. Dependendo do número de registros a serem considerados, aí sim, haverá maior ou menor rigor na apreciação desta circunstância. Daí porque haver necessidade de se harmonizar com a nossa Constituição a consideração a ser feita. No momento da sentença haverá necessidade de se verificar de imediato se se trata de fato anterior ao cometimento do delito que se está julgando. É curial que só fatos anteriores podem representar antecedentes. Depois, há que se verificar se por tal fato anterior houve processo e condenação, ou não."

In casu, em atenção à garantia constitucional da Presunção da Inocência e da Não-culpabilidade, em que pese os antecedentes do Acusado, não há condenação anterior capaz de gerar a reincidência, pelo que entendo ser possível a concessão do benefício previsto no art. 33, § 4º da Lei 11.343/06, no grau mais alto de redução.

Por todo o exposto, aplicando o disposto no art. 33, §4º da Lei 11.343/06, reduzo a pena aplicada ao Réu de 2/3 (dois terços), tornado-a definitiva em 1(UM) ANO E 8 (OITO) MESES DE RECLUSÃO E 160 (CENTO E SESSENTA) DIAS-MULTA, a ser cumprida em regime inicialmente FECHADO.

Analisando a condição financeira do Réu, fixo o valor do dia-multa em 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, valor que deverá ser corrigido quando do pagamento (art. 49, §2º do Código Penal).

Apesar da controvérsia em torno das proibições definidas no artigo 44 da Lei 11.343/06, e que tem impingido grande inquietação no âmbito doutrinário e jurisprudencial, no caso do Acusado, constato a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

A meu ver, as discussões travadas em torno da constitucionalidade da vedação de substituição da pena têm o exato teor daquelas que envolvem a vedação de liberdade provisória, recentemente analisada e superada pelas turmas do Supremo Tribunal Federal (HC 96715-MC/SP, Rel. Min. Celso de Mello, Info. 533).

Têm sustentado os ministros que a proibição de liberdade provisória nos delitos da Lei 11.343/06 é infundada e que a manutenção da custódia cautelar está estritamente vinculada ao preenchimento dos requisitos exigidos no art. 312 do CPP.

Em relação à substituição da pena o raciocínio não se dá de maneira diversa.

Primeiramente, os crimes definidos na Nova Lei de Drogas são, por definição constitucional, equiparados a hediondos (art. 5º, XLIII da CF/88) e a nova redação do art. 2º da Lei 8072/90, não inseriu a substituição da pena (art. 44 do CP) no rol das proibições.

Nesse sentido, o posicionamento majoritário do Colendo Supremo Federal, que assim se manifesta:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO (ART. 44 DO CÓDIGO PENAL). TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTE: POSSIBILIDADE: INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI N. 8.072/90. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. 1. O fundamento que vedava a aplicação de pena alternativa aos condenados por crime hediondo era o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, a impedir a progressão do regime de cumprimento de pena. O Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional esse dispositivo, o que faz não possibilitar a adoção daquele entendimento proibitivo da progressão. Precedentes. 2. Habeas corpus concedido." (HC 90871/MG - Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA Julgamento: 03/04/2007 Órgão Julgador: Primeira Turma).

EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. APLICAÇÃO DO ART. 44 DO CÓDIGO PENAL. REQUISITOS PRESENTES. SUPERAÇÃO DO ART. 2º, § 1º, LEI 8.072/90, QUANTO AO CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME INTEGRALMENTE FECHADO. ORDEM CONCEDIDA. I - A regra do art. 44 do Código Penal é aplicável ao crime de tráfico de entorpecentes, observados os seus pressupostos de incidência. II - A regra do art. 2º, § 1º, da Lei 8.071/90, pode ser superada quando inexistir impedimento à substituição. III - Ordem concedida." (HC 88879 / RJ - Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI - Julgamento: 06/02/2007 Órgão Julgador: Primeira Turma).

EMENTA: SENTENÇA PENAL. Condenação. Tráfico de entorpecente. Crime hediondo. Pena privativa de liberdade. Substituição por restritiva de direitos. Admissibilidade. Previsão legal de cumprimento em regime integralmente fechado. Irrelevância. Distinção entre aplicação e cumprimento de pena. HC deferido para restabelecimento da sentença de primeiro grau. Interpretação dos arts. 12 e 44 do CP, e das Leis nos 6.368/76, 8.072/90 e 9.714/98. Precedentes. A previsão legal de regime integralmente fechado, em caso de crime hediondo, para cumprimento de pena privativa de liberdade, não impede seja esta substituída por restritiva de direitos." (HC 84928 / MG - Relator(a): Min. CEZAR PELUSO Julgamento: 27/09/2005 Órgão Julgador: Primeira Turma).

Seguindo a linha de raciocínio desenvolvida pelo Pretório Excelso, entendo que a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade no delito de 'tráfico' está atrelada ao preenchimento dos requisitos (cumulativos) do art. 44 do CP, assim como a concessão de liberdade provisória nestes mesmos crimes, está atrelada aos requisitos do art. 312 do CPP.

Não é outro o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

TRÁFICO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE - PROVAS DA DESTINAÇÃO MERCANTIL DA DROGA - CONDENAÇÃO MANTIDA - SUBSTITUIÇÃO - POSSIBILIDADE - REGIME FECHADO - ALTERAÇÃO LEGISLATIVA - RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO. Demonstrando nos autos que a ré guardava substância entorpecente em quantidade razoável, e, pelas circunstâncias, evidenciam-se que era para a revenda, a condenação pelo tipo penal do tráfico de entorpecentes deve ser mantida. Nos crimes hediondos e equiparados, com a alteração da Lei 8.072/90, com a fixação do regime inicialmente fechado para o cumprimento da pena privativa de liberdade, não há mais óbice à substituição da pena, se preenchidos os requisitos do art. 44 do CP. (TJMG, Ap. Criminal 1.0487.06.019794-3/001, Rel. Des. Maria Celeste Porto, Dj 25/03/2008). (gn)

A meu ver, em determinados casos, cumpridas as exigências legais do art. 44, seria um verdadeiro contra-senso negar a substituição da pena privativa de liberdade aos Réus condenados por infração à Lei 11.340/06, quando o art. 59 do Código Penal dispõe claramente que as penas serão estabelecidas, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Enriquecendo as preleções sobre a finalidade da pena, Rogério Grecco nos lembra que:

"Se a pena é um mal necessário, devemos, num Estado Social e Democrático de Direito, buscar aquela que seja suficientemente forte para a proteção de bens jurídicos essenciais, mas que, por outro lado, não atinja de forma brutal a dignidade da pessoa humana (...) há casos em podemos substitui a pena de prisão por alternativas, evitando-se, assim, os males que o sistema carcerário acarreta, principalmente com relação àqueles presos que cometeram pequenos delitos e que se encontram misturados com delinqüentes perigosos." (Curso de Direito Penal: Parte Geral: Vol. I, Editora Impetus, p. 529). nos lembra que:

Ademais, em última análise, observo que a substituição da pena nos casos previstos constitui não apenas um direito subjetivo do Réu, mas também, o exercício da função social do magistrado, que já há muito deixou de ser considerado como mero aplicador da lei.

De acordo com as diretrizes estabelecidas na Constituição Federal, a correta aplicação da norma exige do magistrado um estudo valorativo do caso concreto, das condições pessoais do Acusado, bem como de todas as circunstâncias que envolvem o fato.

Por todo o analisando, verifico nos autos que o Réu preenche todos os requisitos objetivos e subjetivos elencados no art. 44 do CP.

Quanto aos objetivos, o Réu é primário, o total da pena aplicada não excede 04 (quatro) anos e o crime não foi cometido mediante violência ou grave ameaça.

Quanto aos subjetivos, em que pese a seriedade das conseqüências do delito, todas as condições estabelecidas no inc. III do dispositivo em estudo lhes são favoráveis.

Lendo os depoimentos das testemunhas e as próprias declarações do Condenado, verifico tratar-se de pessoa com boa conduta social, dedicada ao trabalho e um bom empregado.

Ademais, o Réu encontra-se cautelarmente recolhido ao cárcere desde 29 de outubro de 2008, tempo suficiente para alcançar os ideais repressivos e preventivos da privação da liberdade, bem como, os dois quintos previstos para progressão do regime de cumprimento da pena, conforme estabelecido no art. 2º, § 2º da Lei 8.072/90.

Ante o exposto, entendo estarem presentes os requisitos da substituição da pena privativa de liberdade, previstos no artigo 44, incisos I, II e III do Código Penal, bem como considero ser recomendável e suficiente à reprovação e prevenção do delito perpetrado pelo Acusado, a SUBSTITUIÇÃO da pena privativa de liberdade imposta ao mesmo por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, (artigo 43, inciso IV do CP), consistente na execução de tarefas gratuitas conforme sua aptidão, à razão de 01 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, conforme estabelece o artigo 46, § 3º do Código Penal, sem prejuízo de suas atividades, a serem prestados junto a Entidades Assistenciais desta Comarca, que deverão ser indicadas pelo Setor Técnico de Atenção Psicossocial e Fiscalização de Medidas Alternativas e designada pelo MM Juiz da Execução Penal.

O cumprimento da pena restritiva de direitos deverá ter início tão logo haja o trânsito em julgado desta sentença.

Com base na revogação do art. 594 do CPP e na garantia constitucional da Presunção da Inocência, os tribunais pátrios têm firmado entendimento de que o réu tem direito de responder o processo em liberdade conservando tal estado até o transito em julgado da sentença condenatória, somente podendo ser recolhido à prisão nas hipóteses ensejadoras da prisão preventiva (art. 312 do CPP). Leia-se:

PROCESSUAL PENAL - ""HABEAS CORPUS"" - PRISÃO DECORRENTE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRÍVEL - FUNDAMENTAÇÃO - NECESSIDADE. À luz da nova ordem constitucional, que consagrou o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII), a faculdade de recorrer em liberdade objetivando a reforma da sentença penal condenatória é a regra, somente se impondo o recolhimento ou conservação à prisão nas hipóteses em que enseja a prisão preventiva, na forma inscrita no art. 312, do CPP, devendo nesses casos ser fundamentada a necessidade da medida excepcional. Ordem concedida. (TJMG, Ap. Criminal 1.0000.06.437909-2/000, Rel. Des.Antônio Armando dos Anjos, Dj 25/07/2006).

Acompanhando tal entendimento, reforçamos o argumento de que a prisão não pode ser considerada como conseqüência da pena imposta em sentença condenatória de primeira instância exatamente porque ainda não ocorreu o trânsito em julgado da decisão, que poderá naturalmente, ser reformada em qualquer das instâncias superiores.

O art. 5º, LVII da Constituição Federal garante que o Réu será presumidamente inocente em relação a todas as conseqüências advindas do processo penal até que se opere a coisa julgada. Antes deste evento, as hipóteses de decretação da prisão serão consideradas como hipóteses de prisão cautelar (preventiva), o que só se admite diante de ameaça à ordem pública econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Analisando os autos constato a ausência de motivação para imposição de prisão cautelar e também verifico que o Acusado é primário, tem bons antecedentes e residência fixa, portanto, não há impedimento à decretação da sua liberação provisória.

Diante do exposto, concedo ao Réu o direito de recorrer em liberdade.

Expeça-se alvará de soltura.

Quanto aos bens apreendidos, o entendimento pátrio é pacífico no sentido de que, não ficando devidamente comprovado na instrução ou pelas vias ordinárias, sua desvinculação com os delitos previstos na LAT, dá-se o seu Perdimento em favor da União.

Portanto, decreto em favor da União o perdimento dos bens e valores apreendidos.

Expeça-se, oportunamente, a carta de sentença ao Réu, a fim de viabilizar a execução da pena.

Expeça-se ofício ao TRE, para os fins do artigo 15, III da Constituição Federal.

Com o trânsito em julgado desta ou do acórdão da segunda instância, lance-se o nome dos Réus no rol dos culpados; preencham-se os boletins individuais para que sejam remetidos ao Instituto de Identificação, com as formalidades legais.

Custas ex lege.

Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se.

Patos de Minas, 16 de março de 2009.

VINICIUS DE AVILA LEITE
Juiz de Direito



JURID - Tráfico. Substituição da pena. [16/06/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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