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sexta-feira, 19 de junho de 2009

JURID - Similitude fática entre os casos confrontados. Ausência. [19/06/09] - Jurisprudência


Dissídio jurisprudencial. Similitude fática entre os casos confrontados. Ausência. Alegação de violação genérica à Lei n. 4.591/64.
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Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.015.652 - RS (2007/0291528-0)

RELATOR: MINISTRO MASSAMI UYEDA

RECORRENTE: CONDOMÍNIO EDIFÍCIO ALVES

ADVOGADO: RACHEL KIRJNER E OUTRO(S)

RECORRIDO: ÁLVARO ALVES - ESPÓLIO E OUTROS

REPR. POR: ÁUREO FÁBIO ALVES - INVENTARIANTE

ADVOGADO: LUIZ HENRIQUE MACHADO CORDEIRO

INTERES.: RAFAEL LEOCADIO DOS SANTOS NETO E OUTRO

ADVOGADO: PAULO SÉRGIO DE MOURA FRANCO E OUTRO(S)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL - PROCESSO CIVIL E DIREITO CIVIL - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL - SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS CASOS CONFRONTADOS - AUSÊNCIA - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO GENÉRICA À LEI N. 4.591/64 - DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO - INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 284/STF - CONDOMÍNIO EDILÍCIO - AÇÃO REIVINDICATÓRIA DE ÁREA COMUM MANEJADA PELO CONDOMÍNIO - COISA JULGADA FORMADA EM ANTERIOR DEMANDA REIVINDICATÓRIA PROPOSTA POR ALGUNS CONDÔMINOS - EXTENSÃO AO CONDOMÍNIO - INADMISSIBILIDADE - RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Inviável é o recurso especial pela divergência, se inexistir semelhança fática entre os casos confrontados.

2. A indicação genérica de negativa de vigência a Lei, sem especificação do dispositivo pretensamente violado, caracteriza deficiência de fundamentação, a atrair a Súmula n. 284/STF.

3. Há duas espécies de condomínios (para deixar de lado ponderações acerca de outras formas mais sofisticadas, irrelevantes ao deslinde dessa causa, como a multipropriedade): a) condomínio geral ou tradicional e b) condomínio edilício ou por unidades autônomas.

4. Enquanto para o condomínio geral há expressa previsão legal acerca da legitimação concorrente de todos os condôminos para eventual ação reivindicatória de toda a propriedade, tal não sucede com o condomínio edilício.

5. No condomínio edilício, verifica-se a presença de (1) área privativa ou unidade autônoma, (2) área comum de uso exclusivo e (3) área comum de uso comum. Esta pode ser: (3.a) essencial ao exercício do direito de propriedade da unidade autônoma ou (3.b) não-essencial ao exercício do direito de propriedade da unidade autônoma.

6. Em se tratando de assenhoreamento de área comum de condomínio edilício por terceiro, a competente ação reivindicatória só poderá ser ajuizada pelo próprio condomínio, salvo se o uso desse espaço comum for: (1) exclusivo de um ou mais condôminos ou (2) essencial ao exercício do direito de usar, fruir ou dispor de uma ou mais unidades autônomas. Nesses dois casos excepcionais, haverá legitimação concorrente e interesse de agir tanto do condomínio como dos condôminos diretamente prejudicados.

7. Todavia, nessas hipóteses de legitimação concorrente em condomínio edilício, a coisa julgada formada em razão do manejo de ação reivindicatória dos alguns condôminos diretamente prejudicados não inibirá a futura propositura de outra demanda reivindicatória pelo condomínio.

8. Os limites subjetivos da coisa julgada material consistem na produção de efeitos apenas em relação aos integrantes da relação jurídico-processual em curso, de maneira que - em regra - terceiros não podem ser beneficiados ou prejudicados pela res judicata.

9. In casu, o trânsito em julgado do decisum que apreciou anterior demanda reivindicatória ajuizada por alguns condôminos relativamente à área comum de uso comum imprescindível ao exercício do direito de usar e fruir das respectivas unidades autônomas não inibe futura ação reivindicatória pelo condomínio.

10. Recurso especial conhecido parcialmente e, nesse ponto, provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Turma, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Impedido o Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS).

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília, 02 de junho de 2009(data do julgamento)

MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto pelo CONDOMÍNIO EDIFÍCIO ALVES com fundamento no art. 105, III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal.

Verifica-se, da análise dos autos, que o condomínio ora recorrente ajuizou ação reivindicatória contra o ESPÓLIO DE ÁLVARO ALVES E OUTROS, alegando, em síntese, que o espólio e outros estão ocupando área de uso comum do condomínio. O condomínio aduz, ainda, que essa apropriação dita injusta impede "o acesso dos demais condôminos a grande parte do terreno (área comum), assim como o acesso aos equipamentos de uso comum do condomínio, configurados nos medidores de energia elétrica, hidrômetros e outros de igual importância, localizados na área de passagem, ora reivindicada" (fl. 03).

O Espólio e outros, a seu turno, apresentaram contestação, sustentando, no que importa à controvérsia, que há coisa julgada a inviabilizar a ação reivindicatória do condomínio. Advertiu que, anteriormente à presente ação, alguns condôminos haviam proposto demanda reivindicatória com causa de pedir e pedido idênticos, a qual foi julgada improcedente em decisum transitado em julgado (fls. 91/92).

O r. juízo de primeiro grau, no relevante à controvérsia, julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, "reconhecendo a coisa julgada" (fl. 626).

Opostos embargos de declaração pelo condomínio ora recorrente, foram rejeitados (fl. 634).

Interposta apelação pelo condomínio ora recorrente, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no que importa a este feito, manteve a sentença no tocante à ocorrência da coisa julgada, conforme aresto assim ementado:

"(...) ação reivindicatória. coisa julgada. ações idênticas ajuizadas por condôminos e posteriormente pelo condomínio. incidência dos limites subjetivos da coisa julgada por se tratar de propriedade comum.

A ação reivindicatória de propriedade, de área de uso comum, havida em condomínio pode ser ajuizada por qualquer condômino, em nome próprio, sem necessidade de consentimento dos demais condôminos ou a formação de litisconsórcio ativo necessário. Isso se dá em razão da propriedade ser comum a todos, e a reivindicação se refere ao todo, que é indivisível, e não de fração ideal que cabe ao condômino autor. Assim, a sentença proferida na demanda petitória atinge a todos os condôminos, e não apenas ao autor, já que se refere à propriedade em comum. Aplicação do art. 1.314 do Código Civil. Há coisa julgada entre ação anteriormente ajuizada por alguns condôminos, julgada improcedente, e a presente ação, ajuizada pelo condomínio. Identidade de causa de pedir. Sentença que acolheu preliminar de coisa julgada e extinguiu a ação mantida." (fl. 780)

Opostos aclaratórios pelo condomínio, a colenda Corte de origem os rejeitou (fls. 807/814).

No recurso especial, o condomínio alega ofensa à Lei n. 4.591/64 e ao art. 472 do Código Processual Civil, além de dissídio jurisprudencial. Aduz, em síntese, que é desarrazoado falar em coisa julgada na espécie, tendo em vista que a ação reivindicatória proposta anteriormente à presente possui partes diversas. Assevera, ainda, que o pólo ativo daquela antiga demanda reivindicatória não foi integrado por todos os condôminos, razão por que não há óbice a que o condomínio ajuize ação reivindicatória. Assinala, ainda, que é o único legitimado para reivindicar área comum de condomínio edilício, razão por que é descabida a tese do aresto a quo no sentido de que o art. 1.314 do CC "fundamentava a existência de identidade das partes nas diferentes demandas" (fl. 842). Afirma, ainda, haver distinção das causas de pedir das duas demandas confrontadas.

Em contra-razões, o Espólio e outros sustentam, basicamente, que o apelo nobre não comporta conhecimento em virtude de: (1) haver, nas razões recursais, menção ao art. 102 da CF e ter deixado de indicar a interposição com base na alínea "c" do inciso III do art. 105 da CF; (2) inexistir similitude fática entre os casos confrontados; (3) a fundamentação do apelo nobre ser deficiente; (4) não ter havido ataque específico ao argumento da Corte de origem concernente ao exame da matéria com base em regras materiais de condomínio; (5) ser inviável o reexame de fatos e provas. Requer, ainda, o não provimento do recurso especial.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):

A celeuma instaurada no recurso especial centra-se em saber se o trânsito em julgado em ação reivindicatória promovida por alguns condôminos impede ou não a posterior propositura de demanda reivindicatória pelo condomínio relativamente à mesma área comum.

O inconformismo merece ser conhecido em parte e, nessa extensão, provido.

Com efeito.

Inicialmente, assinala-se que o mero erro material contido nas razões do apelo nobre quanto à citação do art. 102 da CF é inócuo, porquanto, além de a petição de interposição aludir ao art. 105 da CF, a leitura da peça recursal evidencia que o fulcro são as alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional. Outrossim, a fundamentação articulada no apelo nobre foi satisfatória, por lograr, de forma cognoscível, atacar os argumentos do aresto a quo (inclusive o relativo às normas de condomínio), de modo que é irrelevante a quantidade de folhas dedicadas na peça. Anote-se, ainda, ser eminentemente de direito a questão ora controvertida.

Relativamente à pretensa divergência jurisprudencial, verifica-se que inexiste similitude fática entre os casos confrontados, de sorte que é inviável o conhecimento do recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional (AgRg no Ag 867.464/SP, 3ª Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJ 27.08.2007; REsp 528.532/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 10.12.2007).

Apreciadas essas preliminares suscitadas em contra-razões, passa-se ao exame das demais questões ventiladas no recurso especial.

No tocante à Lei nº 4.595/64, o condomínio ora recorrente limitou-se a alegar ofensa a esse diploma de forma genérica, sem especificar quais os dispositivos de lei que teriam sido afrontados pelo acórdão guerreado. Assim, estando suas razões deficientemente fundamentadas, incide a Súmula nº 284/STF à hipótese: "É inadmissível Recurso Extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia".

Em alusão à desatenção ao art. 472 do CPC, impõe-se tecer algumas considerações para averiguar a extensão subjetiva da coisa julgada formada na anterior ação reivindicatória ajuizada por parte dos condôminos do prédio em tela.

De plano, sobreleva ressaltar que, à luz do art. 472 do CPC, os limites subjetivos da coisa julgada material consistem na produção de efeitos apenas em relação aos integrantes da relação jurídico-processual em curso, de maneira que - em regra - terceiros não podem ser beneficiados ou prejudicados pela res judicata. A propósito, confira-se:

"PROCESSO CIVIL. (...) COISA JULGADA. LIMITES SUBJETIVOS. ART. 472, CPC. EXTENSÃO A TERCEIROS. IMPOSSIBILIDADE. (...) RECURSO DESACOLHIDO.

(...)

III - A sistemática do Código de Processo Civil brasileiro não se compadece com a extensão da coisa julgada a terceiros, que não podem suportar as conseqüências prejudiciais da sentença, consoante princípio estabelecido no art. 472 da lei processual civil.

(...)"

(REsp 206.946/PR, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, DJ 07.05.2001). E, ainda: RMS 14.554/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 15.12.2003.

Ante essa premissa, cumpre averiguar se, havendo o trânsito em julgado de ação reivindicatória manejada sem a totalidade dos condôminos, será ou não viável que o condomínio se valha, igualmente, dessa via judicial para reclamar a mesma área comum objeto daquela demanda.

A controvérsia, porém, exige prévias considerações acerca do instituto do condomínio, de suas espécies e de sua regência normativa.

É cediço que o condomínio ou compropriedade consiste, a grosso modo, na pluralidade simultânea de proprietários de um mesmo bem.

A legislação brasileira, ao versar sobre o instituto, contemplou, basicamente, duas espécies de condomínios (para deixar de lado ponderações acerca de outras formas mais sofisticadas, irrelevantes ao deslinde da causa, como a multipropriedade). São elas:

a) condomínio geral ou tradicional - diz respeito aos casos em que cada co-proprietário é titular de uma fração ideal do imóvel, sem existir concomitância de áreas privativas e áreas comuns. É exemplo típico a co-propriedade de um terreno por mais de 2 pessoas. No Código Civil, a regência desse tipo de condomínio está nos arts. 1.314 ao 1.326. Acresça-se que essa definição sintética alude apenas ao condomínio geral voluntário, por ser desinfluente a este feito discorrer acerca do condomínio geral necessário (contemplado nos arts. 1.327 a 1.330 do CC).

b) condomínio edilício ou por unidades autônomas - refere-se aos casos em que o condomínio possui áreas privativas de cada condômino (as unidades autônomas) e áreas comuns. A sua regulamentação, no Código Civil, está nos arts. 1.331 a 1.358, os quais, segundo abalizada doutrina, derrogaram dispositivos em contrário previstos na Lei de Condomínio em Edificações e Incorporações (Lei n. 4.591/64). Esse tipo de condomínio, por sua vez, subdivide-se em duas subespécies:

b1) condomínio edilício em planos horizontais - ao contrário do que se sugere, esse condomínio reporta-se aos edifícios de andares, em que cada unidade autônoma é separada por uma linha imaginária horizontal. Exemplo: prédio residencial de 6 andares com 48 unidades autônomas.

b2) condomínio edilício em planos verticais - são também conhecidos como os condomínios de casas, em que cada unidade autônoma é separada por uma linha imaginária vertical. Poupar-nos-emos de aprofundar sobre esse jaez de condomínio, em virtude da sua inocuidade para o caso em tela e da vasta discussão existente entre a sua distinção em relação ao instituto do "loteamento fechado".

Assinala-se, ainda, que a gestão do condomínio geral se difere substancialmente da ocorrente no condomínio edilício. É que, neste, o sacrifício do interesse individual em prol do coletivo é mais acentuado do que no condomínio geral. Tanto assim que a legislação - ao estabelecer regras de administração do condomínio edilício, prever aplicação de multas para os condôminos insurgentes às normas condominiais e procurar centrar a gestão administrativa na figura do síndico e da assembléia - é pródiga comparativamente à disciplina da administração do condomínio tradicional. Ademais, jamais se admitirá a extinção do condomínio edilício pela mera vontade de um único condômino, ao contrário do que sucede nos condomínios gerais. Por essa razão, ao contrário do condomínio geral, o quotidiano dos condomínios edilícios marca-se pela gestão compartilhada de todos os condôminos, por intermédio da assembléia ou do seus representantes eleitos (o síndico).

Feita essa classificação de condomínio e esse realce da gestão coletiva imperante nos condomínios edilícios, impende analisar a legitimidade ativa ad causam para a propositura de ações reivindicatórias contra terceiros nesses tipos de condomínio.

Em se tratando do condomínio geral voluntário, o legislador foi expresso em deferir essa legitimidade ativa para qualquer condômino, consoante redação do art. 623, II, do CC/1916 e do atual art. 1.314 do CC/2002. A propósito, prescreve este último dispositivo, in verbis:

"Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiros, defender a sua posse e alhear a respectiva fração ideal, ou gravá-la."

Não há, todavia, igual disposição na Lei n. 4.591/64 ou no capítulo VII do Código Civil, os quais lidam com o condomínio edilício. Daí a indagação: como fica a legitimidade ad causam nesse caso?

De um lado, bem de ver que as unidades autônomas do condomínio edilício são de propriedade exclusiva de cada condômino, que pode privativamente exercer as faculdades do direito de propriedade (usar, fruir e dispor), obedecidas as limitações usuais decorrentes do ordenamento jurídico e das normas de convivência estabelecidas pela convenção condominial e pelas deliberações da assembléia. Por essa razão, é certo que cada condômino possui legitimidade ad causam para discutir, judicialmente, a propriedade de sua respectiva unidade autônoma. O seu interesse de agir repousa na garantia do seu direito de usar, fruir e dispor de sua propriedade particular.

Por outro lado, as áreas comuns do condomínio edilício pertencem, concomitantemente, a todos os condôminos, na proporção da respectiva fração ideal.

A grande discussão é saber: quem possui legitimidade para litigar judicialmente em prol da área comum, na hipótese de sua invasão por terceiro?

Nessa hipótese, não pairam dúvidas de que o condomínio, representado pelo síndico, goza de legitimidade ativa, à luz do art. 12, IX, do CPC e do art. 1.348, II, do CC.

A controvérsia é definir se cada condômino pode, de forma independente, sem autorização da assembléia ou dos demais co-proprietários, servir-se da ação reivindicatória contra terceiro invasor de área comum do edifício.

Para resolver a questão, forçoso é ressaltar que as áreas comuns podem ser subdividas em:

(1) área comum de uso comum - reporta-se às partes de utilização de todos os condôminos, atendida a sua respectiva destinação. Exemplos: salão de festa, hall de entrada, jardim, escada, etc. Ela pode ser:

(1.a) essencial ao exercício do direito de propriedade da unidade autônoma - abarcam-se, aí, as áreas comuns cuja utilização são imprescindíveis a um ou mais condôminos possa usar, fruir e dispor da sua respectiva área privativa. Assim, em um condomínio edilício, o hall de entrada de um determinado apartamento, embora seja acessível a todos, é indispensável apenas ao condôminio proprietário dessa unidade autônoma.

(1.b) não essencial ao exercício do direito de propriedade da unidade autônoma - abrangem-se os espaços comuns utilizáveis por todos os condôminos, sem que quaisquer destes dependam necessariamente dessa área para usar, fruir e dispor de sua respectiva unidade autônoma.

(2) área comum de uso exclusivo - diz respeito às áreas comuns cuja utilização é reservada a apenas um ou alguns condôminos. Com efeito, a eminente civilista Maria Helena Diniz, apoiada no enunciado n. 247 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil, destaca que há áreas comuns que, em virtude da própria estrutura da edificação, reserva-se à utilização exclusiva de um único condômino, a exemplo do "pilar de cada unidade" (DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2009. Pp. 929). Ademais, o próprio Código Civil reconheceu esse jaez de área comum, ao dispor, no seu art. 1.340, que "as despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbem a quem delas se serve". Dessa forma, por exemplo, "o condômino que vier a se servir, com exclusividade, de uma parte comum, p.ex., hall de elevador privativo, antena coletiva, instalação de TV a cabo ou loja, deverá pagar todas as despesas decorrentes de sua utilização" (DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2009. Pp. 936).

Ninguém dirá que, diante de uma invasão por terceiro de espaço comum de uso comum que seja essencial ao exercício do direito de propriedade particular de um determinado condômino, este co-proprietário não seria parte legítima para pleitear esse espaço perante o Judiciário. Não seria razoável restringir, em tal hipótese, a legitimidade ativa ad causam ao condomínio, porquanto o condômino possui legitimidade e interesse de agir para garantir o seu direito de usar, fruir e dispor de sua unidade autônoma. Ademais, entender o contrário seria dizer que, em última análise, o direito de propriedade individual estaria totalmente condicionado à convocação de uma assembléia (convocação essa que, no caso das assembléias extraordinárias, depende da vontade do síndico ou de um quarto dos condôminos - art. 1.355 do CC) ou à atuação do síndico, o que não seria razoável.

Por razões similares às supracitadas, é de admitirem-se, para reivindicar área comum de uso exclusivo de determinado condômino, a legitimação concorrente e o interesse de agir deste e do condomínio. De fato, enquanto o condomínio é o curador de todas as áreas de propriedade comum, o condômino diretamente afetado detém - nesse caso - o direito de usar, com exclusividade, essa área comum.

Não se tem a mesma conclusão no caso de a área comum de uso comum dominada por terceiro não ser essencial ao direito de propriedade particular dos condôminos. É que, nessa conjectura, a tutela judicial da área comum deve ser restringida ao condomínio, e não aos condôminos de forma isolada, tendo em vista que, nos condomínios edilícios, conforme já sublinhado alhures, a gestão da coisa comum é predominantemente compartilhada e coletiva, assentada nas deliberações das assembléias e na atuação do síndico. Realmente, o único que teria o interesse de agir para eventual demanda reivindicatória dessa área comum de uso global não essencial às propriedades privativas é o condomínio, de sorte que tal ação não poderia ser proposta, isoladamente, por um ou outro condômino. Aliás, aceitar o ajuizamento de ações reivindicatórias isoladas por cada condômino nessa situação atentaria não só contra a ratio essendi do condomínio edilício (que se inspira na administração coletiva da coisa comum e na primazia do interesse global), mas também contra os primados de celeridade processual e de segurança jurídica (ante a possível deflagração de centenas de ações individuais sucessivas destinadas a aumentar as chances de um veredicto favorável).

Em resumo, em se tratando de assenhoreamento de área comum de condomínio edilício por terceiro, a competente ação reivindicatória só poderá ser ajuizada pelo próprio condomínio, salvo se o uso desse espaço comum for: (1) exclusivo de um ou mais condômino ou (2) essencial ao exercício do direito de usar, fruir ou dispor de uma ou mais unidades autônomas. Nesses dois casos excepcionais, haverá legitimação concorrente e interesse de agir tanto do condomínio como dos condôminos diretamente prejudicados.

Remanesce apenas uma última questão: é cabível ou não falar em extensão, ao condomínio, dos efeitos da coisa julgada formada em ação reivindicatória de apenas um ou alguns condôminos?

A resposta é negativa.

Com efeito, consoante já destacado acima, os limites subjetivos da coisa julgada atêm-se às partes do processo de que ela nasceu. Não seria cabível que, no caso de condomínio edilício, uma eventual investida judicial infausta de alguns condôminos iniba que o condomínio possa buscar judicialmente a proteção da área comum. O condomínio representa todos os condôminos e, nos condomínios edilícios, é o único ente que, afora as duas situações excepcionais supramencionadas, pode propor demandas reivindicatórias relativas às áreas comuns.

Tecidas as considerações acima, terreno fértil se tem, agora, para apreciar a lide em pauta.

O impasse decorre do fato de o Condomínio Edifício Alves ter proposto ação reivindicatória contra o Espólio de Álvaros Alves e outros, alegando que estes se apropriaram indevidamente de área comum do condomínio na qual estão equipamentos de uso comum do condomínio, "configurados nos medidores de energia elétrica, hidrômetros e outros de igual importância, localizados na área de passagem, ora reivindicada" (fl. 03). Ocorre que esse mesmo pleito petitório já havia sido postulado, judicialmente, por alguns outros condôminos individualmente, os quais não obtiveram êxito, conforme decisum transitado em julgado.

O busílis da quaestio é saber se essa coisa julgada estorva ou não a ação reivindicatória ajuizada pelo Condomínio Edifício Alves.

Na espécie, é certo que se tem um condomínio edilício, dotado, portanto, de áreas privativas e de áreas comuns. Ademais, de acordo com as classificações sobreditas, a área objeto da discussão é reputada como área comum de uso comum. Tais fatos são incontroversos e atestados pelas Instâncias de origem, razão por que não se está vulnerando o disposto na Súmula n. 07/STJ.

Verifica-se, ainda, que, nesse espaço reivindicado, estão equipamentos indispensáveis ao exercício do direito de propriedade das unidades autônomas. Sem acesso ao quadro de energia elétrica e ao hidrômetro, os condôminos não possuem condições de usar e fruir livremente a sua propriedade privativa. Assim, por esses equipamentos vincularem-se a todas as unidades autônomas, o local sub judice configura uma área comum de uso comum essencial ao exercício de direito de propriedade de todas as unidades autônomas. Tal ilação, igualmente, não esbarra na Súmula n. 07/STJ, por decorrer da valoração jurídica da moldura fática desenhada pelas Instâncias de origem.

Por essa razão, in casu, para o ajuizamento da ação reivindicatória, há legitimação concorrente e interesse de agir de quaisquer dos condôminos e do próprio condomínio.

Foi o que sucedeu. Alguns condôminos valeram-se da via judicial e não lograram êxito, conforme decisum transitado em julgado. Agora, o próprio condomínio empreende demanda reivindicatória relativamente à mesma área.

Nesse caso, à luz do entendimento supracitado, não haverá falar em alargamento dos efeitos subjetivos da coisa julgada emanada daquela primeira ação para obviar o direito do condomínio de, em nome próprio, reivindicar a área.

Conhece-se, pois, parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, dá-se-lhe provimento, para afastar a extinção do processo sem resolução do mérito com base no art. 267, V, do CPC e determinar o prosseguimento do feito na esteira do devido processo legal.

É o voto.

MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2007/0291528-0 REsp 1015652 / RS

Números Origem: 10500413316 70021338744

PAUTA: 02/06/2009 JULGADO: 02/06/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

Ministro Impedido
Exmo. Sr. Ministro: VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS)

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO DE PAULA CARDOSO

Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: CONDOMÍNIO EDIFÍCIO ALVES

ADVOGADO: RACHEL KIRJNER E OUTRO(S)

RECORRIDO: ÁLVARO ALVES - ESPÓLIO E OUTROS

REPR. POR: ÁUREO FÁBIO ALVES - INVENTARIANTE

ADVOGADO: LUIZ HENRIQUE MACHADO CORDEIRO

INTERES.: RAFAEL LEOCADIO DOS SANTOS NETO E OUTRO

ADVOGADO: PAULO SÉRGIO DE MOURA FRANCO E OUTRO(S)

ASSUNTO: Civil - Direito das Coisas - Propriedade - Condomínio

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Impedido o Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS).

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília, 02 de junho de 2009

MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
Secretária

Documento: 889210

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 12/06/2009




JURID - Similitude fática entre os casos confrontados. Ausência. [19/06/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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