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quarta-feira, 24 de junho de 2009

JURID - Responsabilidade civil. Assalto. [24/06/09] - Jurisprudência


Responsabilidade civil. Assalto. Fuga de estabelecimento de internação. Ato de terceiro. Nexo causal. Não configuração. Responsabilidade do Estado. Inexistência. (Reformada pelo TJRO)


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA

COMARCA DE PORTO VELHO

2ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA

Autos nº 001.2008.015919-1.

Responsabilidade civil. Assalto. Fuga de estabelecimento de internação. Ato de terceiro. Nexo causal. Não configuração. Responsabilidade do Estado. Inexistência.


Autores: PAULO TEIXEIRA DOS SANTOS

Ré: ESTADO DE RONDÔNIA

1. PAULO TEIXEIRA DOS SANTOS propõem ação de indenização em desfavor do ESTADO DE RONDÔNIA pretendendo reparação de danos morais, estéticos e materiais.

2. Diz o Autor ter sido vitima de brutal violência, tendo os dois olhos arrancados durante um roubo. Informa que estava no Bar do Messias com amigos e ao retornar para casa contratou um moto-taxista para levá-lo e este parou no caminho para serem abordados por outra motocicleta que os seguiam, sendo então assaltado e sofrendo covardes agressões pelos condutores. As agressões foram praticadas por Marivaldo Carneiro da Cruz (Bodão) e Fernando Nascimento Junior (Cabeludo) que lhe arrancaram os olhos e feriram a sua língua no intento de decepá-la, e foram presos e denunciados criminalmente. Afirma que Junior (Cabeludo) era foragido da Colônia Penal e permaneceu na mesma Comarca, não se escondendo em lugar distante, residindo na Linha P-35, Km 01, Zona Rural de Candeias onde ocorreu o fato. Afirma que era fácil recapturar o foragido. Afirma que o Estado não está comprometido com o Sistema Penal, não ressocializa o preso e não envida esforço para recaptura. Diz que o Estado tivesse diligenciado na residência do infrator e o recapturado não teria ocorrido o delito, aduzindo que foi negligente na custódia do preso.

3. Diz ser agricultor e residir com a companheira que é surda e muda, e o filho de 09 anos, além da mãe de 89 anos, sendo o responsável pelo sustento da casa, e percebendo somente o valor correspondente a 01 salário mínimo da previdência social. Deixou a vida no sitio e se viu impossibilitado dos afazes normais, ficando somente em casa esperando o tempo passar, privado da visão. Reclama dano moral e estético e prestação mensal para o sustento no valor de R$ 830,00, equivalente a dois salários mínimos. Discorre sobre responsabilidade do Estado que afirma ser objetiva no que se refere aos danos causados por presos foragidos de presídio.

4. O Estado de Rondônia contesta a pretensão, anotando que os fatos em que vitimado o Autor ocorreu no dia 03/11/2007 e a fuga de Fernando ocorreu em 04/11/2006.

Afirma inexistir nexo causal em relação aos crimes praticados por fugitivo de presídio. Invoca precedentes do e. STF a fixar inexistente nexo causal em casos similares aos narrados na inicial.

Discorre sobre a teoria causal que afirma inexistente no caso dos autos. Diz inexistente responsabilidade objetiva e não configurados os pressupostos da indenização reclamada e impugna a pretensão de 02 salários mínimos, aduzindo que o Autor já está sendo beneficiado pela previdência com salário equivalente ao que percebe normalmente um sitiante.

5. Seguiram-se, impugnação pelo Autor às fls. 77/84, saneamento e instrução.

6. É o relatório. Decido.

7. Trata-se de ação de indenização por danos morais, estéticos e materiais na qual o Autor imputa ao Estado a responsabilidade por indenizá-lo em razão de ter sido vitima de assalto praticado por criminoso fugitivo de colônia penal.

8. É incontroverso nos autos que o Autor foi vitima de assalto pelo qual condenado Fernando Nascimento Cruz Júnior que consta ser foragido da Colônia Penal Ênio Pinheiro em companhia de seu irmão, Marivaldo Carneiro Cruz, sendo arrancados os olhos do Autor e lesionada a sua língua.

9. Não é controverso ainda que a fuga teria ocorrido em 04/11/2006.

10. Noutro ponto, o Autor reclama prestação mensal no valor equivalente a 02 salários mínimos, contudo, não é comprovado nos autos que tivesse rendimento nesse patamar, sendo consistente o argumento do Réu pela inviabilidade de ser admitir rendimento superior ao salário mínimo.

11. No entanto, é de se examinar primeiramente a procedência da tese sustentada pelo Autor no que pretende atribuir ao Estado de Rondônia a obrigação por indenizar fato de terceiro invocando o fato de ser este fugitivo de colônia penal.

12. A matéria é conhecida deste Juízo que tem entendimento pela inexistência de responsabilidade objetiva em casos tais, sendo imperativa a constatação de omissão ou negligência especifica do Estado para que possa ser imputada a responsabilidade de indenizar.

13. Importa anotar ser assente em reiteradas decisões do e. STF que não comporta imputar responsabilidade civil ao Estado por mera "condição", pois o exame técnico jurídico impõe reconhecer a distinção entre "causa" ("causalidade) e "condição".

Da responsabilidade do Estado.

14. Discorre-se em teoria sobre a responsabilidade civil da Administração, pugnando-se (idealizando-se) pela adoção de teorias de maior alcance na proteção aos indivíduos/cidadão que sofrem prejuízos imputando-a não somente por atos ilícitos (contrapartida por violação à legalidade) mas também por atos lícitos (distribuição e igualdade dos encargos sociais).

15. Este entendimento casa bem com a adoção teoria do "risco integral", na qual não há temperamentos, bastando restar comprovado a ocorrência de uma ação ou omissão (lícita ou ilícita) causadora de dano a outrem para caracterizar-se o dever de o Estado repará-lo.

16. De outro lado, a adoção da teoria do "risco administrativo" comporta temperamentos, admitindo causas que reduzem (culpa corrente da vítima) ou excluam a responsabilidade do Estado (culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro e caso fortuito - ou força maior) e causas legais de exclusão.

17. É entendimento corrente que a regra do art. 37, § 6º, CF/88 não adota a teoria do risco integral mas a do risco administrativo, reclamando conduta ilícita do agente publico para determinar o dever de indenizar.

Art. 37, § 6º, CF/88:

"As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

18. É o entendimento prevalente:

1. Na ação indenizatória por ato ilícito consistente em morte, indispensável a juntada da certidão de óbito, para fins do art. 333, inc. I, do CPC.

2. A responsabilidade civil objetiva do Estado (art. 37, § 6º, da CF/88) pode ser atenuada ou até mesmo excluída se houver concorrência de culpa da vítima ou culpa exclusiva desta.

3. Ao tentar evadir-se do ergástulo público, em contrariedade ao Direito, o de cujus, além de assumir os riscos decorrentes da fuga, levou os agentes públicos a agirem com os meios disponíveis a fim de impedirem o resultado desejado pelo apenado.

4. A figura do estrito cumprimento do dever legal, no direito penal, corresponde à excludente de ilicitude, e, no civil, desconfigura o nexo de causalidade entre o agir e o dano. Ausente o nexo causal, inexistente o dever de indenizar. ...

(Apelação Cível nº 162.652-2, 2ª Câmara Cível do TJPR, Barracão, Rel. Des. Bonejos Demchuk. j. 02.03.2005, unânime).

Da responsabilidade por ato omissivo. Responsabilidade subjetiva e não objetiva.

19. Ora, é certo que o dano não foi praticado por agente do Estado, mas por terceiro, não se falando em responsabilidade objetiva. O caso comporta exame sob a perspectiva da responsabilidade omissiva que tem natureza subjetiva e não objetiva.

20. Justifica-se a concepção de que a imputação de responsabilidade ao Estado por ato omissivo ocorre na concepção da teoria subjetiva. Nessa linha, o e. STJ (2ª Turma) decidiu em voto de excelência da i. Min. Eliana Calmon, confirmando a diretriz do e. STF, pela responsabilidade subjetiva do Estado por atos omissivos, interessa anotar o reforço de argumento (RT-836 - JUNHO DE 2005 - 94.º ANO):

(...) Não obstante, no que toca especificamente à responsabilidade do Estado por omissão, a própria doutrina diverge em relação a qual das teorias deve ser observada, se a objetiva ou a subjetiva, aparentemente relativizando e temperando o rigor da primeira.

Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu Curso de direito administrativo (Malheiros, 8. ed.), leciona que nesses casos a responsabilidade estatal por ato omissivo somente exsurge quando o dano decorrer de comportamento ilícito da Administração, o que leva, necessariamente, a perquerir-se o elemento culpa do agente público (negligência, imprudência ou imperícia).

Resumindo-se, entende ser aplicável a teoria subjetiva às omissões estatais.

(...)

Entretanto, não é possível, com respaldo no que dispõe o art. 37, § 6.º, da CF, afirmar ser o Estado o segurador universal. ...

O dano causado a uma vítima pode derivar de uma atuação ou de uma omissão.

Se há ação causadora de dano, não há dúvida de que temos a responsabilidade objetiva, ou seja, a vítima de uma ação estatal deve ser objetivamente ressarcida, muito embora, no exame do nexo de causalidade, seja necessária, muitas vezes, incursão no aspecto subjetivo do preposto estatal. Outras vezes, é preciso analisar o elemento subjetivo para que comprove o Estado culpa da vítima, o que afasta a sua responsabilidade.

A questão muda de ângulo, quando se está diante de danos causados por omissão, ou seja, quando houve falta do agir por parte de quem tinha o dever legal de agir e não agiu, ou agiu tardia ou ineficientemente.

Se é verdade a afirmação, a conseqüência inarredável é de que, na responsabilidade estatal por omissão, a referência é sempre sobre o elemento subjetivo, dolo ou culpa, visto que só a inação estatal ilícita rende ensejo a indenização.

Se o Estado não tem o dever de agir, sua inação é inteiramente inócua para efeito de responsabilidade. ...

A conseqüência maior dos que entendem ser subjetiva a responsabilidade por omissão é a de inverter-se o ônus da prova, de forma a impô-la à vítima, inteiramente libertada da prova na responsabilidade objetiva.

Na dicção do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, a omissão do Estado não é causa do dano, é uma mera condição para que ele ocorra, sendo a condição uma ausência de causa. Se o dano ocorreu, deve-se ele a outro fato e não à omissão. Em artigo intitulado Responsabilidade extracontratual do Estado por atos administrativos está dito:

"Quando o Estado se omite e graças a isto ocorre um dano, este é causado por outro evento, e não pelo Estado. `Ergo', a responsabilidade, aí, não pode ser objetiva. Cumpre que exista um elemento a mais para responsabilizá-lo. Deveras, não haveria de supor, ao menos em princípio, que alguém responda pelo que não fez - salvo se estivesse, de direito, obrigado a fazer". (Revista dos Tribunais, p. 13, citado no artigo de Flávia Oliveira Tavares na Rev. Fund. Esc. Superior do Ministério Público do DF e Territórios, Especial, Ano II, setembro 2003)

Sem dúvida alguma, dentre os autores nacionais, quem melhor enfocou o aspecto da responsabilidade do Estado por omissão foi o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, o qual completa o seu pensamento, no artigo já citado, dizendo:

"É razoável e impositivo que o Estado responda objetivamente pelos danos que causou. Mas só é razoável e impositivo que responda pelos danos que não causou quando estiver de direito obrigado a impedi-los". (...)

Não poderiam ser esquecidos os nomes de Lúcia Valle Figueiredo e Maria Sylvia Zanella Di Pietro, entre os doutrinadores que seguem a linha de Celso Antônio Bandeira de Mello.

O direito pretoriano, a partir do Supremo Tribunal Federal, vem adotando o entendimento da subjetividade da responsabilidade por ato omissivo. Nesse sentido o RE 179.147...

No mesmo sentido, decidiu a Primeira Turma desta Corte:

"Administrativo - Responsabilidade civil - Mercado de capitais - Prejuízos causados pelo Grupo Coroa-Brastel - Lei 4.595/65 - Lei 6.024/74.

1. Afastada a teorização do extremado risco integral ou do risco administrativo, não é possível amoldar-se a obrigação de indenizar, se a lesividade teria ocorrido por omissão, que pode condicionar sua ocorrência, mas não a causou. Assim, se a indenização, no caso, só poderia ser inculcada com a prova de culpa ou dolo (responsabilidade subjetiva), hipóteses descogitadas no julgado, inaceitável a acenada responsabilidade objetiva. (...)

(REsp 148641/DF, rel. Min. Milton Luiz Pereira, unânime, j. 21.06.2001, DJ 22.10.2001) ...


21. Não é perquirir da justiça, mas do Direito ideologicamente informado como fenômeno de expressão da sociedade (rectius: nação), estampado no ordenamento jurídico, que atribui direitos e prerrogativas e impõe deveres e ônus, mas atender a regra da imputação de responsabilidade ao causador ou ao agente que detinha a obrigação especifica de evitar o dano e não o fez por imprudência, negligência ou imperícia.

22. Veja-se, para exemplificar, que no precedente RE n. 136.247/RJ, Min. Sepulveda Pertence, 1ª Turma do STF, 18/08/00, juntado pelo Autor há referencia a omissão que pode ser considerada especifica e qualificada, pois, naquele caso, o preso estava acompanhado de guarda para visita ao consultório odontológico destino ao qual fora o preso já com o propósito específico de assassinar desafetos. Tem-se então a ligação direta e imediata entre um ato de agente estatal que permitiu a ocorrência do evento.

Nexo causal. Relevância. Causa x condição. Distinção legal.

23. Elemento essencial à imputação da responsabilidade civil é a "causalidade", fator determinante da relevância da conduta do agente ao resultado dano, sofrido pela vitima, não a mera "condição".

24. A teoria admita e dominante na atualidade é a da causa adequada, segundo a qual nem todas as condições necessárias de um resultado são equivalentes: só o são, é certo, em concreto, isto é, considerando-se o caso particular, não, porém, em geral ou em abstrato. Para aferir a responsabilidade civil o juiz deve retroceder até o momento da ação ou da omissão, a fim de estabelecer se esta era ou não idônea para produzir o dano. A pergunta que, então se faz é a seguinte: a ação era, por si só, capaz de normalmente causar o dano?

25. A ação criminosa do agente perpassa por fases reconhecidas e examinadas na instancia penal: cogitação, preparação, inicio e consumação da ação delitiva.

26. Induvidoso que na ação do agente do delito o fato não está na linha de desdobramento ordinário de ser ou não foragido de prisão, mas sim causa independente e autônoma.

27. A tese professada pelo Autor de que todos os ilícitos causados pelo agente fugitivo deva ser atribuído ao Estado transcende até mesmo a teoria da responsabilidade objetiva do risco administrativo para atribuir-se verdadeiramente a teoria do risco integral.

28. Ora, não foi o Estado ou um dos seus agentes que causou o dano ao Autor. A situação de fuga do agente se revela mera condição e não causa ao evento.

29. É induvidoso que se os agressores fossem detentores de posses e propriedade a ação indenizatória teria sido proposta contra eles, pois foram os "causadores" do dano ao Autor que, contudo, demanda o Estado.

30. Exatamente pelo risco de se atribuir ao Estado uma inexistente ou inovadora responsabilidade civil "objetiva integral" equiparável à responsabilidade pelo "risco da coisa", nos casos em que envolvidos presos foragidos é reclamado um exame intenso, permitindo-se, por isso, a transcrição de excertos colacionados pelo advogado Luis Claudio Furtado Faria em artigo publicado na JurisPlenum, edição 104, Janeiro de 2009, CD1, parcialmente reproduzido a seguir, de modo a demonstrar que somente os atos causais imediatos são possíveis de serem imputados ao Estado .

O STF firmou entendimento de que o nexo de causalidade somente se verifica entre a causa que direta e imediatamente produziu o dano, mas passou a admitir, excepcionalmente, o dano indireto, desde que não haja causa mais próxima apta a tê-lo produzido. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado:

"Ora, em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no art. 1.060 do CC, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também à responsabilidade extracontratual. Essa teoria só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o dano direto e imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva." (STF, RE 130.764-1, Rel. Min. Moreira Alves. In: RT 688/241).

Essa construção admite, portanto, a existência de danos indiretos passíveis de ressarcimento, desde que sejam conseqüência direta de um ato ilícito. O que irá determinar se a suposta causa pode ser entendida como tal é a existência ou não de uma concausa superveniente, isto é, mais próxima do evento danoso. Se existir, a causa anterior deixa de ser considerada, por ter havido a interrupção do nexo causal pela causa mais próxima do dano.

A título de exemplo, examinemos as seguintes hipóteses julgadas pelo Supremo Tribunal Federal em casos semelhantes, mas que receberam tratamento distinto em razão da interpretação acima mencionada.

No primeiro caso, o Supremo Tribunal Federal negou indenização pleiteada contra o Estado por danos decorrentes de assalto praticado por preso foragido de presídio meses antes do roubo e que formou quadrilha para praticar o ilícito penal. Entendeu-se ter havido interrupção do nexo de causalidade entre a conduta omissiva do Estado e os danos decorrentes do assalto no momento em que o preso, foragido há meses, resolveu praticar o crime, tendo até mesmo formado quadrilha com esse fim.( STF, Primeira Turma, RE 130764/PR, Rel. Min. Moreira Alves, j. em 12.05.1992, v. u., DJ 07.08.1992. p. 11.782.)

Por outro lado, em caso análogo, o Supremo Tribunal Federal concedeu indenização à família de vítimas de homicídio praticado por preso que, tão logo foragido, praticou crimes relacionados à conduta que o levara à prisão.

As vítimas eram desafetos do preso fugitivo que, uma vez livre, praticou imediatamente vingança contra eles. Nesse interessante acórdão, cuja ementa transcrevemos abaixo, reconheceu-se que a omissão do Estado, ao contrário do caso anterior, foi o fator determinante do evento danoso. Confira-se:

"Responsabilidade civil do Estado: fuga de preso - atribuída à incúria da guarda que o acompanhava ao consultório odontológico fora da prisão - preordenada ao assassínio de desafetos a quem atribuía a sua condenação, na busca dos quais, no estabelecimento industrial de que fora empregado, veio a matar o vigia, marido e pai dos autores: indenização deferida sem ofensa do art. 37, § 6º, da Constituição. Por ele se vê que o fugitivo, ao ludibriar a escolta, não cuidou de escapar para longe, mas, sim, de se vingar. [...] Assim, logo que fugiu, o assassino procurou vingança, matando o sogro e Amaro. [...] Ocorreu uma seqüência lógica e imediata entre um fato e outro, um imediato relacionamento ente esses acontecimentos. [...] Tem-se, pois, que, na espécie, a imediação temporal entre a fuga e os homicídios não foi ocasional, mas resultou da predisposição do evadido e, pois, hão de ser tidos os últimos como resultantes da evasão."( STF, Primeira Turma, RE 136247/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 20.06.2000, v. u., DJ 18.08.2000. p. 92)

Pelo que se pode inferir do entendimento do Supremo, e salvo melhor interpretação desses casos, o Estado será responsável pelos danos gerados por preso foragido se o crime tiver uma relação imediata e de continuidade com o mesmo crime pelo qual o criminoso se encontrava preso. Há que se verificar uma relação de necessariedade entre as duas coisas - a conduta do Estado e o crime posteriormente praticado - de modo que não haja a interrupção do nexo causal.

Trata-se de uma interpretação evolutiva do vocábulo "direto e imediato", presente no art. 403, comumente encontrada nos países que adotam o sistema da common law, onde verificamos duas subteorias que buscam apurar em que sentido a expressão acima citada deve ser aplicada.

A primeira delas é fundada na distinção entre causa próxima e causa remota, reputando como causador do dano aquele que teve the last chance clear (a última chance) de evitar o resultado, quando era possível e exigível fazê-lo
.

Para a segunda, que nos interessa mais diretamente, por encontrar adeptos entre nós, deve haver uma relação de necessariedade entre a causa e o evento danoso.

Segundo esta construção, denominada subteoria da necessariedade da causa, o dever de reparar surge quando o evento danoso é efeito "necessário" de certa causa. Assim, na mesma série causal, são passíveis de ressarcimento danos indiretos, desde de que sejam conseqüência necessária do ato ilícito. Confira-se a lição de Agostinho Alvim, que é explicativa dessa subteoria:

"Suposto certo dano, considera-se causa dele a que lhe é próxima ou remota; mas com relação a esta última, é mister que ela se ligue ao dano, diretamente. Ela é causa necessária desse dano, porque ele a ela se filia necessariamente; é a causa única, porque opera por si, dispensadas outras causas. Assim, é indenizável todo o dano que se filia a uma causa, ainda que remota, desde que ela lhe seja causa necessária por não existir outra que explique o mesmo dano. Ora a lei impõe a existência de um liame entre inadimplemento da obrigação e o dano, de modo que o inadimplemento se atribua, com exclusividade, à causa do dano. A expressão direto e imediato significa nexo causal necessário."

Gustavo Tepedino, encontrando oposição em Fernando Noronha, é defensor da tese de que os nossos Tribunais têm adotado, embora de forma subliminar e sem menção à nomenclatura, essa subteoria. Aduz o professor que a jurisprudência busca o "liame de necessariedade entre causa e efeito, de modo que o resultado danoso seja conseqüência direta do fato lesivo". O dano indenizável seria aquele que se mostra como conseqüência necessária da inexecução, sendo possível flexibilizar a expressão "direto e imediato" constante do texto legal.

31. Nesse sentido, comporta anotar o percuciente exame sobre os requisitos necessários à "configuração de relação de causalidade", pertinente à decisão do presente feito, assentado no voto do e. Min. Gilmar Mendes no Habeas Corpus n. 83.554-6-Paraná (in Júris Plenum Ouro, n. 2, Julho/2008):

O Nexo de causalidade

...

Conforme sintetiza Rogério Greco, dentre as várias teorias que cuidaram da relação de causalidade destacam-se três: a teoria da causalidade adequada; a teoria da relevância jurídica; e a teoria da equivalência dos antecedentes causais, verbis:

'Pela teoria da causalidade adequada, elaborada por Von Kries, causa é a condição necessária e adequada a determinar a produção do evento. Na precisa lição de Paulo José da Costa Júnior, 'considera-se a conduta adequada quando é idônea a gerar o efeito. A idoneidade baseia-se na regularidade estatística. Donde se conclui que a conduta adequada (humana e concreta) funda-se no quod plerumque accidit, excluindo acontecimentos extraordinários, fortuitos, excepcionais, anormais. Não são levados em conta todas as circunstâncias necessárias, mas somente aqueles que, além de indispensáveis, sejam idôneas à causação do evento'.

No exemplo de Beling, não existiria relação causal entre acender uma lareira no inverno e o incêndio produzido pelas fagulhas carregadas pelo vento. A teoria da relevância entende como causa a condição relevante para o resultado.

Luis Greco, dissertando sobre o tema, procurando descobrir o significado do juízo de relevância, diz que 'primeiramente, ele engloba dentro de si o juízo de adequação. Será irrelevante tudo aquilo que for imprevisível para o homem prudente, situado no momento da prática da ação. Só o objetivamente previsível é causa relevante. Mezger vai um pouco além da teoria da adequação, ao trabalhar, simultaneamente, com um segundo critério: a interpretação teleológica dos tipos. Aqui, não é possível enumerar nada de genérico: será o telos específico de cada tipo da parte especial que dirá o que não pode mais ser considerado relevante.'

Assim, no conhecido exemplo daquele que joga um balde d'água em uma represa completamente cheia, fazendo com que se rompa o dique, não pode ser responsabilizado pela inundação, pois que sua conduta não pode ser considerada relevante a ponto de ser-lhe imputada a infração penal tipificada no art. 254 do Código Penal.

Pela teoria da equivalência dos antecedentes causais, de Von Buri, adotada pelo nosso Código Penal, considerasse causa a ação ou a omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Isso significa que todos os fatos que antecedem o resultado se equivalem, desde que indispensáveis à sua ocorrência. Verifica-se se o fato antecedente é causa do resultado a partir de uma eliminação hipotética. Se, suprimido mentalmente o fato, vier a ocorrer uma modificação no resultado, é sinal de que aquele é causa deste último. Pela análise do conceito de causa concebido pela teoria da conditio sine qua non, podemos observar que, partindo do resultado naturalístico, devemos fazer uma regressão almejando descobrir tudo aquilo que tenha exercido influência na sua produção.' (Curso de Direito Penal, 5a. Ed., Rio de Janeiro, Impetus, pp. 241/242).

Na teoria da equivalência dos antecedentes (ou da conditio sine qua non), como visto, afigura-se essencial que a causa seja indispensável na produção do resultado. Para se verificar se o fato é causador do resultado é feito o chamado "teste da eliminação hipotética". Suprimido mentalmente o fato, se ocorrer uma modificação no resultado, isto evidenciaria que o fato é sim relevante à produção do resultado. Tomemos como exemplo um crime de homicídio praticado com arma de fogo. Admitida a referida teoria, nos contornos até aqui apresentados, chegaríamos à responsabilização não apenas daquele que efetuou o disparo, mas também do próprio vendedor ou mesmo do fabricante da arma. E aqui surge uma das críticas à teoria, pois ela estaria na verdade a permitir um problemático 'regresso ao infinito'. Mas há uma correção doutrinária para esse problema. Para se evitar a regressão ao infinito, interrompe-se a cadeia causal no momento em que não houver dolo ou culpa por parte daquelas pessoas que tiveram alguma importância na produção do resultado (Greco, cit., p. 244). Voltando ao exemplo do crime cometido com arma de fogo, não se poderia imputar o crime à industria que produziu evenceu licitamente a arma de fogo.

Essa restrição a uma perspectiva de regresso ao infinito, para fins de responsabilização, também ocorre no campo civil. Lembro-me aqui do conhecido precedente desta Corte no RE 130764, sob a Relatoria de Moreira Alves (DJ 7.8.1992). Discutia-se, ali, a responsabilização do Estado por crime praticado por foragidos de estabelecimento prisional. Consta da ementa:

'Responsabilidade civil do Estado. Dano decorrente de assalto por quadrilha de que fazia parte preso foragido vários meses antes. - A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no artigo 107 da Emenda Constitucional nº 1/69 (e, atualmente, no parágrafo 6º do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros. - Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito a impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também a responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada. - No caso, em face dos fatos tidos como certos pelo acórdão recorrido, e com base nos quais reconheceu ele o nexo de causalidade indispensável para o reconhecimento da responsabilidade objetiva constitucional, e inequívoco que o nexo de causalidade inexiste, e, portanto, não pode haver a incidência da responsabilidade prevista no artigo 107 da Emenda Constitucional nº 1/69, a que corresponde o parágrafo 6º do artigo 37 da atual Constituição. Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma quadrilha de que participava um dos evadidos da prisão não foi o efeito necessário da omissão da autoridade pública que o acórdão recorrido teve como causa da fuga dele, mas resultou de concausas, como a formação da quadrilha, e o assalto ocorrido cerca de vinte e um meses após a evasão. Recurso extraordinário conhecido e provido."

(Destaques e sublinhas deste Magistrado):

32. Nesse sentido, o Estado de Rondônia invoca o precedente referente à decisão deste e. TJRO nos autos da AC n. 100.001.2002.0121899, relator e. Desembargador Sansão Saldanha, apreciado pelo e. STF fixou o entendimento de inexistir responsabilidade do Estado pelo fato de tratar-se de dano praticado por fugitivo de prisão.

33. Forte o fundamento do Estado, compartilhado por este Juízo, no sentido de que a pratica de delitos por foragidos de presídio não imputam responsabilidade ao Estado, forma assentada pela maioria do e. STF:

STF - RE 501583/RO - Julgamento: 24/10/2006. Publicação: DJ 22/11/2006 - PP-00114.

Relator: MIN. GILMAR MENDES

DECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário fundado no art. 102, III, "a", da Constituição Federal, em face de acórdão assim ementado (fl. 71):

"Responsabilidade da Administração Pública. Roubo. Danos material e moral. Fugitivo de estabelecimento penal. Falha do serviço público. A Administração tem responsabilidade pelos danos sofridos por vítima de roubo praticado por fugitivos de estabelecimento penal, pois o Estado tinha o dever de manter o preso sob sua custódia e permitiu que ele fugisse, caracterizando assim a falha do serviço público." O Estado alega violação ao artigo 37, § 6º, da Carta Magna, sustenta que (fls. 90-100): "No caso, houve o dano causado por terceiro foragido do sistema penitenciário, tempos após sua fuga, pois nem mesmo restou demonstrado pelo Recorrido a quanto tempo estavam os mesmos foragidos do sistema penitenciário do Estado. Pois a única prova produzida nos autos é o reconhecimento que diz ter sido feito pelo próprio Recorrido. E não obstante o reconhecimento da negligência do Estado, permitindo a fuga, não é possível reconhecer a responsabilidade objetiva do Estado, sob pena de torná-la de caráter absoluto, pois inequivocamente o dano praticado pelos foragidos não foi o efeito necessário da omissão da autoridade pública, mas resultou de concausas, como o conluio com outros comparsas e o lapso temporal após a fuga."

O acórdão recorrido diverge da orientação firmada por esta Corte, conforme julgamento do RE 172.025, Rel. Ilmar Galvão, 1ª T., DJ 19.12.96, assim ementado: "EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LATROCÍNIO PRATICADO POR PRESO FORAGIDO, MESES DEPOIS DA FUGA. Fora dos parâmetros da causalidade não é possível impor ao Poder Público uma responsabilidade ressarcitória sob o argumento de falha no sistema de segurança dos presos. Precedente da Primeira turma: RE 130.764, Relator Ministro Moreira Alves. Recurso extraordinário não conhecido." Nesse sentido, ressalta-se, ainda, a AR 1.376, Pleno, por mim relatada, sessão de 09.11.05, assim ementada: "EMENTA: Ação Rescisória. 2. Ação de Reparação de Danos. Assalto cometido por fugitivo de prisão estadual. Responsabilidade objetiva do Estado. 3. Recurso extraordinário do Estado provido. Inexistência de nexo de causalidade entre o assalto e a omissão da autoridade pública que teria possibilitado a fuga de presidiário, o qual, mais tarde, veio a integrar a quadrilha que praticou o delito, cerca de vinte e um meses após a evasão. 4. Inocorrência de erro de fato. Interpretação diversa quanto aos fatos e provas da causa. 5. Ação rescisória improcedente." Na espécie, não existindo o nexo de causalidade entre a fuga do apenado e o furto do veículo, não se caracteriza a responsabilidade civil do Estado. Assim, conheço e dou provimento ao recurso extraordinário (art. 557, § 1º-A, do CPC) . Determino a inversão dos ônus da sucumbência, ressalvada a hipótese de concessão da justiça gratuita (art. 12, da Lei 1.060, de 05 de fevereiro 1950).

Publique-se. Brasília, 24 de outubro de 2006. Ministro GILMAR MENDES

34. Interessa ver que o próprio e. TJRO já assentou decisão semelhante:

TJRO. Câmara Especial. AC n. 100.001.004699-2. Julgamento 20 de fevereiro de 2002.

Relator: Desembargador Roosevelt Queiroz Costa

Revisor: Desembargador Rowilson Teixeira

EMENTA

Reparação de danos materiais e morais. Assalto cometido por foragido. Recapturação. Ausência de nexo de causalidade. Inexistência de dever do Estado em indenizar.

Inexistindo nexo de causalidade entre a ação ou omissão atribuída aos agentes do Estado e o dano causado a terceiros, não há que se falar em dever de indenizar, mormente se o dano se deu dois dias após a fuga e a mais de 400 Km do referido local.

Não é o fato da fuga ou do cometimento de um dano pelo foragido que dá ensejo à responsabilidade do Estado e sim a ausência flagrante das providências pelos agentes públicos, o que não se verifica na hipótese, tanto que este foi diligente e chegou a lograr êxito na recaptura daquele.

35. É reafirmar: o Estado não é garantidor universal da incolumidade pública a ponto de responder por qualquer ato de terceiro, esse devendo ser o demandado.

36. Repiso: A FUGA DE PRESO INSTITUI MERA POSSIBILIDADE DE QUE COGITE, PREPARE E RESOLVA PRATICAR ILÍCITOS, COM MERA POSSIBILIDADE DE QUE O PRATIQUE CONTRA UMA VÍTIMA DETERMINADA E AINDA COM CERTOS RESULTADOS, PORTANTO, TRATA-SE DE MERA "CONDIÇÃO" E NÃO "CAUSA". ESTA ULTIMA É QUE JURIDICAMENTE PROPICIA IMPUTAR RESPONSABILIDADE CIVIL DE INDENIZAR.

37. Como registrado, esses fundamentos tem sido adotados por este magistrado, o não reconhecendo existência de responsabilidade civil ao Estado pelo simples fato de o ilícito ter sido praticado por fugitivo da prisão, por isso rejeitada a tese jurídica nesse sentido.

38. Tratando-se de ilícito praticado por terceiro, não agente de público, imputando-se, portanto, ato omissivo, é necessária a demonstração de falta ou omissão qualificada do Estado como concorrente direto ao dano sofrido pela vitima, conforme assentam os precedentes anotados, inclusivo do e. STF.

39. Portanto, é de ser comprovado o nexo de causalidade que determina a responsabilidade civil do Estado pelos danos sofridos pela vitima, fazendo configurar a existência de uma omissão "qualificada" ou "especifica" atribuída ao Estado especificamente em relação aos fatos.

40. Nesse sentido, o Autor afirma que o foragido retornou ao seu endereço originário e apresentava-se ostensivamente aos residentes sem que a polícia fizesse qualquer intento em recapturá-lo.

41. É assentado no depoimento de Bartolomeu da Conceição (fls. 96), que realiza transporte de motocicleta na localidade, que Fernando, foragido, andava de moto "para cima e para baixo" na mesma localidade.

42. De seu turno, Lauro Carneiro de Lima (fls. 98) afirma que Fernando convivia em companhia de uma mulher na localidade e que depois do ocorrido informou à polícia o endereço dos agentes que foram imediatamente presos.

43. Destarte, o Autor narrou e coligiu elementos probatórios no sentido de que o foragido retornou para a sua residência, conhecida pela segurança publica do Estado desde a sua ficha de condenação (fls. 38), conforme consta dos documentos de fls. 32, 34 e 36 e que nesse endereço, tranquilamente, retornou a viver.

44. A consistência da imputação de inação ao Estado no caso em exame é revelada também pelo fato de que os acusados foram presos imediatamente pela simples indicação da testemunha Lauro do endereço de seus familiares, com quem ainda permanecia mesmo depois do delito.

45. E mais, consta da sentença criminal a reprodução de depoimento de Sérgio Antonio Ribeiro Vieiro, policial civil ano identificado (fls. 52) no sentido de populares viram os acusados saírem de moto da Vila e que os irmãos eram temidos na localidade. Ou seja, é indicando que a plena liberdade deferida ao foragido - que voltou a viver no mesmo endereço anterior sem constar ter sido admoestado uma única vez - ainda causava temor aos residentes da localidade, e essa declaração veio de um policial civil que diz que conhecia "bem a região".

46. Portanto, consta dos relatos das testemunhas que o foragido se apresentava publicamente de forma ostensiva na localidade - conduzindo motocicleta, vivendo em companhia de outra pessoa e residindo no mesmo endereço, sendo imediatamente recapturado, sem maior esforço, depois do crime. É dizer: não consta que o foragido sequer ostentasse a condução de foragido, pois retornou à vida naturalmente em sua residência conhecida.

47. De seu turno, diante dessas evidencias, o Réu não indicou elemento a demonstrar que tenha sido intentada ação de recaptura ao foragido no local ou que o policiamento tenha atuação ao menos esporadicamente na localidade, o que poderia sinalizar existência de alguma atuação e não a inércia total.

48. É aqui se distingue a situação do Autor em relação aos demais casos nos quais não reconheci e não reconheço a viabilidade de imputar a responsabilidade ao Estado.

49. No caso em exame sim, tenho que resta configurada omissão qualificada do Estado em não promover a recaptura do preso se este retorna ao seu lar e passa a conviver normal e tranquilamente e, mais grave, de forma publica e ostensiva em localidade de aglomeração urbana sem que reste demonstrada qualquer tipo de atuação de policiamento, ainda que esporádica ou eventual.

50. A omissão qualificada é revelada e imputa a responsabilidade ao Estado.

Danos matérias. Rendimento. Salário Mínimo.

51. O fundamento da indenização por danos materiais assenta-se na regra do art. 944, Código Civil, a dizer:

"A indenização mede-se pela extensão do dano".

52. Os contornos da indenização por danos materiais são fixados pelo dano efetivo: "perdas e danos". O parâmetro genérico definido no art. 402 e 403, Código Civil, aos danos materiais, esclarece tratar-se a indenização de reposição e ressarcimento à vitima do que "efetivamente perdeu e razoavelmente deixou de ganhar" em relação aos prejuízos "por efeito direto e imediato". Somente se reconhecem os danos emergentes que estejam induvidosamente relacionados com o fato (TARS - AC 29748, 3ª CC - Rel. Ernani Graeff - CDROM Juis Saraiva).

53. Inexiste comprovação de rendimentos mensais pela vitima no valor correspondente a R$ 830,00, ou equivalente a 02 salários mínimos.

54. Contudo, se é certo que não consta o valor certo de rendimentos, não é menos certo que com seu trabalho produzia riqueza econômica suficiente para sustentar-se e a sua família. Não é razoável pretender-se desconsiderar tal premissa. Nesse sentido, diz a doutrina de Rui Stoco:

"Se a vítima estava desempregada ou não exercia trabalho remunerado, a pensão terá como parâmetro o salário mínimo vigente, incidindo a Súmula 490 do Supremo Tribunal Federal. Tal entendimento não ofende a disposição contida no art. 1º da Lei 6.205/75, porquanto essa lei veda a sua aplicação não como cálculo de pensão, mas como coeficiente de correção monetária, como já decidiu o colendo SFT (RT 574/249) - (in Responsabilidade Civil e sua int. jurisp. - RT, 1997, p. 554). No mesmo sentido: JTARGS 39/264, 40/359 e RT 439/95.

55. Desta forma, é legítima a consideração de rendimento no valor correspondente a um salário mínimo em favor do Autor.

Danos morais.

56. O dano moral afirmado pela Autor fica evidenciado pela privação das atividades regulares e sujeição a internações e tratamentos com os incômodos inerentes à essa situação, presumida pelo padrão de comportamento social das pessoas em condições semelhantes (presunção hominis) a dor, a tristeza, o sofrimento, a insegurança e a privação daqueles que dele dependiam: "são as conseqüências que o juiz, e como qualquer homem criterioso, atendendo ao que ordinariamente acontece (quod plerumque accidit), extrai dos fatos da causa, ou suas circunstâncias, e nas quais assenta sua convicção quanto ao fato probando" (Moacyr Amaral Santos - Primeiras Linhas do Direito Processual Civil ", vol. 2, pág. 441).

57. O dano estético decorre de sentimento de inferioridade por lesões que se externem e provoquem ou detenham potencial elevado para causar repulsa ou mesmo comiseração pela situação física ou estética da vitima, o que se revela presente no caso.

58. Confere-se à prudente apreciação do Magistrado a fixação do valor da indenização pelo dano moral, no parâmetro da situação sócio econômico das partes e a gravidade do mal indenizado (RT 752/240-4; TJRO: AC 94.003609-2 - rel. Des. Renato Mimessi - JTJRO 14/166-176; AC 97.000356-0 - rel. Des. Eliseu Fernandes - RT 748/385-8.).

59. Caio Mário orienta que a indenização deve ser fixada "Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva".

60. No caso, anoto que a lesão não foi causada por agente do Estado mas por terceiro e a imputação é de omissão de diligencia de recaptura, que não atribui extrema gravidade à conduta do Réu. Anota-se ainda que o dano foi causado por dois agentes, sendo somente um deles foragido. Ressalta-se este ponto para fixar que a crueldade das lesões ao Autor tempo mínima correlação com a conduta do Estado e mais com a degeneração moral do agente causador do dano que está preso e condenado pela pratica do delito.

61. Nessa situação, tenho por fixar a indenização por danos morais no valor de R$ 16.000,00 (quinze mil reais), distribuídos entre dano moral estrito (R$ 8.000,00) e dano estético (R$ 8.000,00).

Dispositivo.

62. JULGO PROCEDENTE, em parte, o pedido e, nas regras do art. 37, § 6º, CF/88 da Constituição Federal e art. 186 e art. 944, Código Civil, condeno o ESTADO DE RONDÔNIA a indenizar o Autor em: a) danos materiais consistente em pensão mensal vitalícia, pessoal e intransferível, no valor equivalente a 01 salário mínimo, mediante deposito mensal em conta a ser indicada pelo favorecido. A indenização é devida desde a data do evento, os valores em atrasos deverão ser apurados nos meses respectivos e corrigidos monetária e incidentes os juros legais; b) danos morais (estrito e estético), no valor de R$ 16.000,00, corrigidos monetariamente a partir do arbitramento e incidentes juros contados da citação. Resolvo o processo com julgamento do mérito, na forma do art. 269, I, Código de Processo Civil.

63. Condeno o Réu no pagamento de honorários advocatícios que fixo em R$ 800,00 (oitocentos reais), na forma do art. 20, § 4º, CPC. Sem custas.

64. Vindo recurso voluntário, dê-se vistas ao recorrido para as contra- razões, certificando a tempestividade e preparo, se o caso, considerando o recebimento nos efeitos do art. 520, CPC. Sentença sujeita a reexame necessário.

Porto Velho, 28 de Janeiro de 2009.

Edenir Sebastião Albuquerque da Rosa
Juiz de Direito


*Sentença reformada pelo Tribunal de Justiça de Rondônia. Para ver a notícia que fala dessa reforma clique aqui.



JURID - Responsabilidade civil. Assalto. [24/06/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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