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quinta-feira, 4 de junho de 2009

JURID - Prestação de serviços educacionais. Aplicabilidade do CDC. [04/06/09] - Jurisprudência


Ação de indenização. Prestação de serviços educacionais. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Cancelamento de curso. Violação aos deveres da boa-fé. Danos materiais e morais.


Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

Número do processo: 1.0024.07.565866-6/001(1)

Relator: CLÁUDIA MAIA

Relator do Acórdão: CLÁUDIA MAIA

Data do Julgamento: 19/03/2009

Data da Publicação: 05/05/2009

Inteiro Teor:

EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CANCELAMENTO DE CURSO. VIOLAÇÃO AOS DEVERES DA BOA-FÉ. DANOS MATERIAIS E MORAIS. - A instituição de ensino que, de forma súbita, em flagrante desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor e aos deveres de conduta inerentes à sua função pública, extingue curso de graduação, sem proporcionar qualquer amparo ao estudante, deve reparar os danos sofridos.- O prejuízo de ordem material não pode ser presumido a partir das circunstâncias fáticas, mas deve restar cabalmente provado nos autos, sob pena de ser considerado insubsistente.- Comprovado o abalo moral, o valor da indenização deve ser fixado tomando como base princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.07.565866-6/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): FABRAI SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENSINO SUPERIOR LTDA - APTE(S) ADESIV: CAMILINE MEDEIROS FERNANDES LESSA - APELADO(A)(S): CAMILINE MEDEIROS FERNANDES LESSA, FABRAI SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENSINO SUPERIOR LTDA, SOCIEDADE DE ENSINO AVANCADO LTDA - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. CLÁUDIA MAIA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO PRINCIPAL E NEGAR PROVIMENTO À ADESIVA.

Belo Horizonte, 19 de março de 2009.

DESª. CLÁUDIA MAIA - Relatora

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

A SRª. DESª. CLÁUDIA MAIA:

VOTO

Trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada por Camile Medeiros Fernandes Lessa contra Fabrai Sociedade Brasileira de Ensino Superior Ltda. e outra, que culminou na sentença de fls. 170/172, por meio da qual o juiz da 13ª Vara Cível da comarca de Belo Horizonte, Dr. Llewellyn Davies A. Medina, conferiu o seguinte desfecho à lide:

"Isto posto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado na inicial para condenar as rés, solidariamente, a pagarem à autora, a título de reparação dos danos morais, R$10.000,00, e a título de reparação dos danos materiais, o valor correspondente às matrículas e mensalidades escolares quitadas pela autora durante o segundo semestre de 2005 e primeiro semestre de 2006, bem como a quantia de R$4,00, por cada dia letivo do período mencionado acima; tudo acrescido de correção monetária calculada pela tabela da E. Corregedoria de Justiça do TJMG e juros de mora de um por cento ao mês, ambos a contar da citação."

Inconformada com a sentença, a Ré apela às fls. 176/183. Sustenta, em síntese, que não pode ser condenada a indenizar danos morais, eis que a expectativa de receber um diploma de curso superior refere-se a evento futuro e incerto. Diz que os contratos de prestação de serviços educacionais foram firmados por prazo determinado, sendo renovados a cada semestre. Ressalta que a interrupção do curso não gerou prejuízo à Apelada, eis que ela poderia transferir-se para outra instituição educacional, a fim de aproveitar as disciplinas já lecionadas. Sustenta, ainda, que o quantum indenizatório arbitrado está além dos padrões de razoabilidade.

Afirma não ser cabível indenização por danos materiais, pois a Apelada pagou as mensalidades em contraprestação ao serviço educacional efetivamente prestado. Destaca, ainda, que não foi beneficiária dos pagamentos, pelo que não pode ser condenada a restituí-los. Aduz que a Recorrida não comprovou os gastos com transporte, devendo ser afastada a respectiva condenação. Por fim, requer o provimento do recurso com a reforma da sentença.

A Autora apresentou contrarrazões ao recurso interposto pela primeira Ré às fls. 186/192.

A Autora também apela da sentença, às fls. 193/197. Sustenta que, em razão da gravidade do ato praticado pelas instituições de ensino, a indenização por danos morais deve ser majorada para R$20.000,00 (vinte mil reais). Diz que a correção monetária sobre a indenização a título de despesas com transporte deve incidir a partir do efetivo desembolso. Finalmente, requer o provimento do recurso.

As Rés deixaram transcorrer in albis o prazo para contrarrazoar o apelo adesivo, conforme certidão de fls. 198-verso.

É o relatório.

Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, CONHEÇO dos recursos.

APELAÇÃO PRINCIPAL

A controvérsia posta nos autos resume-se ao cabimento de indenização por danos materiais e morais em virtude da cessação da prestação de serviços educacionais.

Em resumo, na petição inicial, a Autora, ora Apelada, narra que, aprovada no vestibular, celebrou Contrato de Prestação de Serviços Educacionais com as Requeridas, em junho/2005. Diz que cursou regularmente as aulas e efetuou o pagamento de todas as mensalidades e despesas necessárias, quando, no final do 1º semestre de 2006, foi informada que o curso não seria mais ministrado. Sustenta que em razão desses fatos sofreu prejuízos de ordem material e moral.

Por seu turno, a primeira Ré, ora Apelante principal, em sede de contestação, sustenta que a extinção do contrato se deu por culpa da segunda Requerida; que ofereceu opção de transferência da Autora para outro curso da instituição; que inexiste dever de indenizar.

Em breve síntese, esses são os fatos que embasam a controvérsia.

Pelo que se pode ver, a questão a ser examinada perpassa pelas diretrizes da Lei n. 8.078/90, o chamado Código de Defesa do Consumidor, editado justamente com o intuito de proteger o consumidor, parte manifestamente vulnerável, perante o fornecedor, promovendo equilíbrio e justiça.

A concepção protecionista do referido diploma legal encontra amparo na Constituição da Republica, nos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, 48 de suas Disposições Transitórias, dentre outros, resguardando a preconizada igualdade material e, principalmente, o norte maior do ordenamento jurídico pátrio e fundamento central da República (art. 1o, III), consistente na dignidade da pessoa humana.

A aplicabilidade dos dispositivos constantes no Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto em tela é induvidosa, pois se trata de típica relação jurídica consumeirista, em que se tem de um lado o consumidor, pessoa física que adquire serviço na qualidade de destinatário final, e do outro o fornecedor, pessoa jurídica que desenvolve atividades de prestação de serviços educacionais.

A questão central da matéria em exame subsume-se à necessidade de examinar o comportamento das partes à luz do princípio da boa-fé objetiva, caracterizada, em última análise, por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não se frustrar a legítima confiança de outra parte.

Dispõe o art. 422 do Código Civil que: "os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé".

A partir da boa-fé objetiva, não se faz relevante a apuração do elemento subjetivo do agente, ou seja, da sua intenção, mas sim do seu comportamento. Importa, pois, saber, essencialmente, se este comportamento se encontra em harmonia com os padrões sociais vigentes.

Nos dizeres de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias, "o princípio da boa-fé encontra a sua justificação no interesse coletivo de que as pessoas pautem seu agir pela cooperação e lealdade, incentivando-se o sentimento de justiça social, com repressão a todas as condutas que importem em desvio dos parâmetros de honestidade e retidão. (op. cit. p. 41).

Os deveres de conduta são conduzidos pela boa-fé ao negócio jurídico, incidindo tanto sobre o devedor como o credor. Eles instauram uma ordem de cooperação, proteção e informação, em via de facilitação do adimplemento, tutelando-se a dignidade do devedor, o crédito do titular ativo e a solidariedade de ambos.

No caso em apreço, o curso não correspondeu às expectativas dos participantes, tendo as Requeridas descumprido sua parte na avença quanto à obrigação de prestar os serviços educacionais.

Oportuno trazer o conceito de contrato de prestação de serviços educacionais, o qual, segundo o Carlos Cezar Barbosa, se afigura com os requisitos descritos a seguir:

"Trata-se, assim, de contrato bilateral, oneroso e comutativo, em cujo bojo o prestador de serviços delegado do Poder Público assume o compromisso de, com eficiência e por meio de seu corpo docente, transmitir conhecimentos, orientações e informações ao aluno, visando formá-lo para a cidadania e para o trabalho, enquanto este se obriga a remunerar os serviços recebidos". (BARBOSA, Carlos Cezar. Responsabilidade Civil do Estado e das Instituições Privadas nas Relações de Ensino. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 117). (grifo nosso).

Ora, a instituição de ensino promoveu o oferecimento de categoria de curso de formação profissional (Relações Internacionais) sem o devido planejamento logístico e econômico, ocasionando, dessa forma, a prestação incompleta do serviço e sua extinção prematura. A Apelada obteve vaga e passou a frequentar as aulas, cursando tão-somente dois semestres letivos, por culpa exclusiva da Apelante e da segunda Ré.

A bem da verdade, nesse caso específico, os elementos contidos nos autos denotam com clareza a má prestação dos serviços educacionais pela requerida. Em flagrante desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor e aos deveres de conduta inerentes a uma Instituição de Ensino, as Rés, de forma súbita, extinguiram o curso, sem proporcionar qualquer amparo à Apelada.

A Apelante principal não se desincumbiu do ônus de comprovar que tenha auxiliado a Apelada a se inserir em outro curso por ela ministrado ou, quiçá, se as matérias lecionadas seriam aproveitáveis em outra instituição de ensino para fins de graduação (art. 333, II, do CPC).

Ademais, não merece subsistir o argumento de que a obtenção do diploma é mera expectativa de direito e que os contratos de prestação de serviços educacionais foram firmados por prazo determinado, pois, a única finalidade de se ingressar em curso de graduação é, logicamente, graduar-se. Além disso, a segunda Ré disponibilizou para a Apelada a grade curricular juntada às fls. 26, da qual consta a previsão de conclusão do curso em oito períodos. Por oportuno, não bastasse tal situação, é preciso destacar, ainda, que essas questões não estavam compreendidas dentre as levantadas na contestação, configurando evidente inovação recursal.

Certo é que as Rés tinham conhecimento da possibilidade de extinção do curso desde o início do primeiro semestre, em razão do desacordo vivenciado entre elas, conforme narrado nas contestações, mas não tomaram as providências cabíveis para dar suporte aos alunos.

Quanto à caracterização dos danos materiais, entende-se que razão assiste em parte à Apelante principal.

No que se refere às mensalidades e matrículas pagas, é certo que a Apelada usufruiu das aulas ministradas. Todavia, é de uma clareza hialina, que somente o fez com o único objetivo de alcançar sua graduação após a conclusão do curso, restando frustrada sua expectativa em razão da extinção prematura da prestação dos serviços.

Vale gizar, como bem ponderou o magistrado primevo, que as Requeridas devem ser condenadas solidariamente na obrigação de indenizar, pois ambas se responsabilizaram perante a Apelada pela prestação dos serviços educacionais.

Portanto, correta a decisão que determinou o reembolso à Apelada pelas despesas com mensalidade e matrícula pagas, sendo que o montante a ser restituído abrange somente aquele cujo pagamento esteja devidamente comprovado nos autos.

Noutro norte, quanto às despesas com transporte, não há qualquer embasamento probatório nos autos capaz de corroborar a pretensão de indenização. O valor apresentado pela Apelada é fictício, pois sequer foi informado o modo pelo qual se deslocava até a instituição de ensino. É possível, inclusive, que a Recorrida possa ter utilizado de meio de locomoção gratuito, como, por exemplo, transporte por amizade ou cortesia.

O prejuízo de ordem material não pode ser presumido a partir das circunstâncias fáticas, mas deve restar cabalmente provado nos autos, sob pena de ser considerado insubsistente.

No que se refere aos danos morais, vislumbra-se que o fato de uma pessoa se matricular em um curso e não ter a possibilidade de concluí-lo, ante a sua extinção prematura, já é o bastante para causar dor, angústia que foge à normalidade, não podendo se enquadrar como mero aborrecimento.

O simples fato de a Apelada frequentar o curso de graduação na expectativa de recebimento de determinado título de bacharel sem, contudo, alcançar o objetivo almejado por negligência da instituição de ensino, torna visível o sofrimento e a angústia. A ciência posterior de que o tempo, dedicação e recursos financeiros investidos não teriam utilidade prática, por certo, atingem o equilíbrio psicológico do ser humano, causando-lhe intensa frustração.

Caracterizada, assim, a obrigação de indenizar os danos morais sofridos, é de se avaliar se o arbitramento do quantum indenizatório foi fixado dentro dos princípios da razoabilidade, que consiste em considerar a condição pessoal do ofendido e do ofensor, bem como as circunstâncias do caso concreto.

O arbitramento econômico do dano moral muitas vezes cria situações controvertidas na doutrina e jurisprudência, em razão de o legislador pátrio ter optado, em detrimento dos sistemas tarifados, pela adoção do sistema denominado aberto, em que tal tarefa incumbe ao juiz, tendo em vista o bom-senso e determinados parâmetros de razoabilidade.

Com efeito, há que se realizar o arbitramento do dano moral com moderação, em atenção à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes. Ademais, não se pode olvidar, consoante parcela da jurisprudência pátria, acolhedora da tese punitiva acerca da responsabilidade civil, da necessidade de desestimular o ofensor a repetir o ato.

Nessa toada, dadas as particularidades do caso em questão, dos fatos assentados pelas partes, bem como observados os princípios de moderação e da razoabilidade, considera-se que o valor de R$10.000,00 (dez mil reais) fixado na sentença é razoável e abrange satisfatoriamente a extensão do dano.

Como dito, é inegável que a frustração do objetivo de graduar-se em uma Instituição de Ensino Superior por questões alheias à vontade causa abalo moral, até porque deriva de fato extraordinário ao cotidiano e impõe sofrimento, angústia e aflição considerável a ponto de ser compensado.

APELAÇÃO ADESIVA

A questão referente ao arbitramento dos danos morais já foi analisada no julgamento da ação principal.

Noutro passo, considerando o reconhecimento da improcedência do pedido de indenização por danos materiais, no que se refere às despesas com transporte, resta prejudicada a pretensão de revisão da correção monetária sobre ela incidente.

Diante do exposto, com respaldo nos princípios do livre convencimento motivado e da fundamentação dos atos jurisdicionais, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso principal reformando a sentença apenas para decotar a condenação no pagamento de indenização por danos materiais, a título de despesas com transporte. NEGO PROVIMENTO ao adesivo e, em conseqüência, no mais, mantenho o decisum guerreado em seus ulteriores termos, inclusive quanto aos ônus da sucumbência.

Custas recursais da Apelação principal pelo Apelante por ter obtido êxito quanto a parte mínima do seu pedido.

Custas recursais do apelo adesivo pela Apelante Adesiva, suspensas por litigar sob o pálio da assistência judiciária (fls. 28).

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): NICOLAU MASSELLI e ALBERTO HENRIQUE.

SÚMULA: DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO PRINCIPAL E NEGARAM PROVIMENTO À ADESIVA.




JURID - Prestação de serviços educacionais. Aplicabilidade do CDC. [04/06/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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