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sexta-feira, 5 de junho de 2009

JURID - Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. [05/06/09] - Jurisprudência


Apelação Criminal. Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (Lei n. 10.826/03, art. 14). Materialidade e autoria comprovados. Ausência de laudo pericial acerca da potencialidade lesiva.


Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Criminal n. 2008.012183-4, de Chapecó

Relatora: Desembargadora Marli Mosimann Vargas

APELAÇÃO CRIMINAL - PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (LEI N. 10.826/03, ART. 14) - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADOS - AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL ACERCA DA POTENCIALIDADE LESIVA - DESNECESSIDADE - DELITO DE PERIGO ABSTRATO - OCORRÊNCIA DA CONSUMAÇÃO COM A MERA PRÁTICA DA CONDUTA DESCRITA NO TIPO LEGAL - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE.

APELANTE CONDENADO À PENA RESTRITIVA DE DIREITO - PEDIDO DE ALTERAÇÃO DO REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA PARA O INTEGRALMENTE ABERTO - IMPOSSIBILIDADE - MEDIDA MAIS BENÉFICA ADOTADA PELO MAGISTRADO A QUO.

SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2008.012183-4, da comarca de Chapecó, em que é apelante Alcindo Nunes e apelada a Justiça, por seu Promotor:

ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público da Comarca de Chapecó ofereceu denúncia contra Alcindo Nunes pela prática do delito definido no art. 14, caput, da Lei n. 10.826/03, pelos fatos assim descritos na inicial acusatória:

"Na noite do dia 09 de outubro de 2004, policiais militares foram averiguar informações que receberam via COPOM de que no "Bar Pilequinhos" havia um indivíduo embriagado e armado. Chegando no referido local, os milicianos abordaram o denunciado quando este já ia embora, localizando com ele um revólver marca Taurus, calibre 38, devidamente municiado com seis cartuchos, sem possuir registro e autorização para porte e, ainda, mais cinco cartuchos que estavam no bolso do infrator".

Ao final da instrução, o acusado restou condenado às penas de 2 (dois) anos de reclusão, as quais foram substituídas por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo tempo da pena privativa de liberdade, e a outra de prestação pecuniária no importe de 1 (um) salário mínimo, destinada a uma das entidades cadastradas no juízo, bem como ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Inconformado, o réu apelou alegando não ter ocorrido perícia técnica na arma em análise a fim de comprovar sua eficácia.

Pleiteou, por fim, por sua absolvição e, sucessivamente, pela mudança do cumprimento da pena para o regime integralmente aberto, sem a prestação da pena pecuniária e o pagamento de dias-multa.

Em contrarrazões, requereu o Ministério Público o não provimento do apelo.

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Dr. Vilmar José Loef, posicionou-se também pelo desprovimento do recurso.

É o relatório necessário.

VOTO

Tratam os autos do delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, capitulado no art. 14, caput, da Lei n. 10.826/03.

A materialidade do delito está suficientemente consubstanciada no Auto de Prisão em Flagrante (fls. 04/06), bem como no Termo de Exibição e Apreensão (fl.17).

Da mesma forma, a autoria é inconteste, tendo em vista que o próprio acusado, ora apelante, quando inquirido em juízo (fls. 58/59), admitiu: ser parcialmente verdadeira a imputação que lhe é feita; que se encontrava no local dos fatos; que foi abordado quando estava no interior de seu veículo sendo que a arma apreendida estava dentro do porta-luvas; que tinha apenas o registro da arma; que não tinha o porte da arma; que não costuma andar com a arma dentro do carro, mas naquele dia foi à casa de seu sogro que fica no interior; que não estava bêbado.

Ademais, corroborando esta afirmação, tem-se o depoimento dos policiais Rodinei Longhinoti (fl. 05/06 e 70) e Perdson Moises Zanotto (fl. 05/06 e 71).

Registre-se que, ao contrário do que alegado pelo apelante, a ausência de realização de exame pericial para aferição do potencial lesivo da arma é irrelevante, eis que, no crime em tela, a capacidade de dano é presumida, tornando-se desnecessária, para a sua configuração, a ocorrência de perigo real à integridade física de alguém, bastando a realização da conduta para a respectiva punibilidade, visto que, na trilha das reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça, o seu objeto jurídico não se restringe à incolumidade pessoal, alcançando, também, a liberdade pessoal, cuja proteção efetiva-se pela tutela da segurança coletiva, que, impende registrar, fica ameaçada por qualquer arma de fogo, independentemente da existência de prova pericial que ateste o seu potencial lesivo.

Leciona Julio Fabbrini Mirabete sobre o tema:

Nos crimes de mera conduta (ou de simples atividade) a lei não exige qualquer resultado naturalístico, contentando-se com a ação ou omissão do agente. Não sendo relevante o resultado material, há uma ofensa (de dano ou de perigo) presumida pela lei diante da prática da conduta [...] (Manual de direito penal: vol. 1. 24 ed., São Paulo: Atlas, 2007, pág. 124).

Cezar Roberto Bitencourt também:

O perigo abstrato é presumido juris et de jure. Não precisa ser provado, pois a lei contenta-se com a simples prática da ação que pressupõe perigosa. (Tratado de direito penal: parte geral, vol. 1. 10 ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p.266).

Não diverge de posicionamento esta Corte de Justiça:

PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 14 DA LEI N. 10.826/2003). RÉU PRESO, EM LOCAL PÚBLICO, NA POSSE DE UM REVÓLVER MUNICIADO, SEM O DEVIDO REGISTRO E AUTORIZAÇÃO LEGAL. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL ACERCA DA POTENCIALIDADE LESIVA. DESNECESSIDADE. DELITO DE PERIGO ABSTRATO, CUJA CONSUMAÇÃO OCORRE COM A MERA PRÁTICA DA CONDUTA DESCRITA NO TIPO LEGAL. CONFISSÃO. DEPOIMENTOS DE POLICIAIS. RESULTADO JURÍDICO CONFIGURADO. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ATIPICIDADE EM FACE DOS ARTS. 30 e 32 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. NÃO INCIDÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (AC n. 2008.050459-5, de Blumenau, rel. Des. Irineu João da Silva, j. 14/10/08).

PENAL E PROCESSUAL - PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO (ARTIGO 14, CAPUT DA LEI N. 10.826/03) - APREENSÃO DE ARMA DURANTE A VACATIO LEGIS INDIRETA (MEDIDA PROVISÓRIA N. 229/04) - ATIPICIDADE TEMPORÁRIA SOMENTE PARA A POSSE (ARTIGOS 12 E 14 DA LEI N.10.826/03) - PERÍCIA - DESNECESSIDADE - CRIME DE MERA CONDUTA - RECURSO DESPROVIDO.

(...) O porte ilegal de arma de fogo é crime de mera conduta e de perigo abstrato, não sendo imprescindível à sua caracterização prova pericial. (AC n. 2008.036300-9, de Brusque, rel. Des. Amaral e Silva, j. 23/09/08).

APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO. CONFISSÃO CORROBORADA PELOS DEMAIS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. VACATIO LEGIS INEXISTENTE. CRIME CARACTERIZADO.

Se o conjunto probatório revela, clara e inequivocamente, a materialidade e a autoria do crime narrado na denúncia, inviabiliza-se a absolvição.

(...) ALEGADA AUSÊNCIA DE PERIGO REAL OU LESÃO A BEM JURÍDICO. PROVA PERICIAL NÃO REALIZADA. IRRELEVÂNCIA. DELITO DE MERA CONDUTA E DE PERIGO ABSTRATO. RECURSO DESPROVIDO.

O porte ilegal de arma de fogo de uso permitido é classificado pela doutrina como crime de mera conduta e de perigo abstrato, não se fazendo mister, por isso, para a respectiva caracterização, a comprovação, por meio de exame pericial, do potencial lesivo dos artefatos. (AC n. 2008.022197-6, da Capital, rel. Des. Sérgio Paladino, j. 17/06/08).

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA - PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (LEI N. 10.826/2003, ART. 14) - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - CRIME DE MERA CONDUTA - CONFISSÃO CORROBORADA PELO DEPOIMENTO DOS POLICIAIS MILITARES CONDUTORES - DISPENSABILIDADE DO EXAME PERICIAL - ART. 1º DA LEI N. 11.706/2008 - ABOLITIO CRIMINIS TEMPORALIS - NÃO ABRANGÊNCIA À CONDUTA DE PORTE - DOSIMETRIA - REDUÇÃO DA PENA DE MULTA E DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA - INVIABILIDADE - QUANTIDADES E VALORES FIXADOS NO MÍNIMO LEGAL E EM ATENÇÃO ÀS CONDIÇÕES FINANCEIRAS DO RÉU - ISENÇÃO DE CUSTAS PROCESSUAIS - IMPOSSIBILIDADE - MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DE EXECUÇÃO.

(...) III - O crime de porte ilegal de arma é de mera conduta, não exigindo a lei qualquer resultado naturalístico, sendo o risco de lesividade presumido pelo tipo, a ponto de prescindir, para sua configuração, da comprovação de efetivo prejuízo à vítima. Constitui, também, delito de perigo abstrato, cujo risco é inerente à conduta, bastando o porte ilegal do artefato de fogo, sem permissão e em desacordo com a lei, para o reconhecimento do fato típico, dispensando-se, assim, exame pericial para verificação da eficácia do material bélico apreendido.

(...). (AC n. 2008.059820-0, de Porto União, rel. Des. Salete Silva Sommariva, j. 26/11/08).

Diante do exposto, torna-se evidente que para a caracterização do crime em análise, que é de mera conduta, faz-se desnecessária a confecção de laudo pericial da arma de fogo apreendida e, por conseqüência, a verificação de sua potencialidade lesiva.

Da mesma forma, sorte não assiste ao apelante quanto ao seu pedido de alteração do regime de cumprimento da pena, tornando-o em integralmente aberto, sem a prestação da pena pecuniária e o pagamento de dias-multa.

Isso porque, conforme o disposto no art. 44, § 2º do Código Penal: "Na condenação igual ou inferior a 1 (um) ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a 1 (um) ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direito e multa ou por duas restritivas de direito".

In casu, o apelante restou condenado às penas de 2 (dois) anos de reclusão, as quais foram substituídas por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo tempo da pena privativa de liberdade, e a outra de prestação pecuniária no importe de 1 (um) salário mínimo, destinada a uma das entidades cadastradas no juízo, bem como ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Tendo em vista que a pena restritiva de direito é mais benéfica que o regime aberto, mantem-se, então, o decidido pelo togado singular.

Nesse sentido ensina Celso Delmanto:

"Pena restritiva de direitos ou sursis?: Cotejando-se os seus prós e contras, chega-se à conclusão de que a pena restritiva de direitos é mais benéfica para o acusado do que o sursis. Na suspensão condicional da pena, havendo condenação posterior por crime doloso durante o período de prova, a revogação é obrigatória (art. 81, do CP); já na pena restritiva de direito, ocorrendo condenação por crime doloso ou culposo, a conversão em privativa de liberdade é facultativa (art. 44, § 5º). Para a revogação do sursis, basta uma nova condenação a pena privativa de liberdade ou restrituiva de direitos (vide nota Causas de revogação obrigatória, 1ª Causa, no art. 81 do CP); já para a conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, a condenação subseqüente haverá de ser, necessariamente, à pena privativa de liberdade (§ 5º deste artigo). Assim, a pena restritiva de direitos deverá, via de regra, prevalecer, mesmo porque os requisitos ou condições do art. 44, III (culpabilidade, antecedentes etc) são os mesmos do inciso II do art. 77 do CP. Além disso, o próprio art. 77, III, prevê a concessão de sursis apenas quando 'não seja indicada ou cabível a substituição do art. 44 deste Código'." (in "Código Penal Comentado", 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 89).

Destarte, nega-se provimento ao recurso.

DECISÃO

Nos termos do voto da relatora, esta Primeira Câmara Criminal, à unanimidade de votos, resolveu conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Hilton Cunha Júnior, com voto, e dele participaram a Exma. Sra. Desa. Marli Mosimann Vargas - relatora e o Exmo. Sr. Des. Carlos Alberto Civinski.

Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça participou a Exmo. Sr. Procurador Odil José Cota.

Florianópolis, 05 de maio de 2009.

Marli Mosimann Vargas
RELATORA

Publicado em 04/06/09




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