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segunda-feira, 1 de junho de 2009

JURID - Pescadores vão receber pensão. [01/06/09] - Jurisprudência


Juíza Federal determina à FAFEN/SE o pagamento de pensão a pescadores prejudicados por acidente ecológico no Rio Sergipe.


PODER JUDICIÁRIO
Justiça Federal de Primeira Instância
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SERGIPE
1ª VARA FEDERAL

Processo nº 2009.85.00.000772-5
Classe 29 - AÇÃO ORDINÁRIA
Autor: ASSOCIAÇÃO DE PESCADORES DE BAIRROS E POVOADOS DA CIDADE DE MARUIM
Réu: FÁBRICA DE FERTILIZANTES NITROGENADOS DE SERGIPE - FAFEN/SE E OUTRO

DECISÃO

Trato de ação ordinária, movida pela Associação de Pescadores de Bairros e Povoados da Cidade de Maruim em face da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados de Sergipe - FAFEN, que tramitou inicialmente perante o Juízo Estadual da Comarca de Laranjeiras/SE.

Adoto, inicialmente, o relatório da decisão proferida nas fls. 333-337:

Através da presente demanda pretende a autora o pagamento de indenização por danos material, a título de lucros cessantes, e moral, e a concessão antecipada dos efeitos da tutela, para que seja fixada uma pensão mensal no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) de natureza alimentar provisional, a ser pago pela demandada aos pescadores associados à requerente, pelo prazo de 12 (doze) meses, com o fim de atender as necessidades vitais de subsistência das famílias associadas.

Segundo a associação autora, em suma, na tarde de 05 de outubro de 2008, ocorreu um acidente ecológico no Rio Sergipe, resultando na mortandade de grande quantidade de peixes.

Diz que a Administração Estadual do Meio Ambiente - ADEMA, que esteve no local, coletado água do rio para análise, informou que a mortandade dos peixes se deu em decorrência de uma grande quantidade de derramamento de amônia.

Defende que a requerida é o agente poluidor, sendo uma indústria química fabricante de amônia e uréia, de onde proveio o resíduo tóxico que atingiu as águas do rio, suas margens e o manguezal existente na área.

Acrescenta que os pescadores a ela associados sobrevivem da pesca artesanal de subsistência, da venda e troca dos peixes que sobram, comercializando-os nas feiras locais, e da coleta de moluscos no Rio Sergipe, sendo esta a única fonte de alimentação das famílias ribeirinhas.

Sustenta que, em conseqüência da morte de milhares de peixes e a contaminação do referido rio, tornou-se inviável a pesca e a própria subsistência digna dos associados pescadores.

Afirma que a interrupção da atividade de pesca está privando os pescadores de auferir sua única renda mensal, por pelo menos 12 (doze) meses, atingindo diretamente o patrimônio dos associados, devendo ser ressarcidos pelos lucros cessantes, uma vez que deixaram de embolsar aproximadamente R$ 600,00 (seiscentos reais) por mês. Que tal valor abranja o período em que o rio se encontre impossibilitado, em recuperação e com um pescado de má qualidade ou de baixa maturação.

Por fim, diz que esse acidente ecológico, que impediu o exercício da atividade de pesca, causou aflição e angústia naqueles que tiravam o seu sustento dessa atividade e que, de uma hora para a outra, viram-se sem ter como exercer o seu ofício, sendo dominados pela incerteza do futuro, considerando-se a origem modesta dos pescadores atingidos e as poucas alternativas que lhes restam para o exercício de outros trabalhos, até que sejam minoradas as conseqüências do dano ambiental causada pela requerida. Entende, assim, que devem ser ressarcidos desse dano causado na esfera extrapatrimonial dos pescadores.

Juntou procuração (f. 20) e diversos documentos (fls. 21/61).

Nas fls. 63/65, o Juízo Estadual deferiu parcialmente a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, determinando à requerida que procedesse ao pagamento da quantia correspondente a um salário mínimo a cada associado da autora, a contar da data do acidente ecológico, sob pena de multa diária.

A requerida informou a interposição de agravo de instrumento, juntando cópia da peça inicial do referido recurso (fls. 70/98).

Nas fls. 101/129, a demandada apresentou defesa, em forma de contestação, por meio da qual suscitou as preliminares de incompetência do Juízo Estadual, em face da conexão com a Ação Civil Pública nº 2008.85.00.003783-0, que tramita perante o Juízo desta 1ª Vara da Justiça Federal, de ilegitimidade da associação de pescadores autora, e de carência de representatividade dos associados e ausência de comprovação de suas condições de pescadores. No mérito, sustenta: 1) a inexistência de demonstração da ocorrência de dano e tampouco de nexo causal entre a materialidade do dano e a sua autoria; 2) a não caracterização da sua responsabilidade civil pelo dano; 3) a inaplicabilidade do CDC; 4) a impossibilidade de indenização pecuniária; 4) a impossibilidade de recebimento de dupla compensação pela alegada impossibilidade de pescar, pelo início do período de defeso; 5) a adoção de medidas mitigadoras; 6) a inexistência de dano moral coletivo. Informa ainda a existência de contrato firmado com a Universidade Federal de Sergipe - UFS, para a prestação de serviços objetivando o diagnóstico da biodiversidade na área de influência da FAFEN-SE.

Junta procuração e substabelecimentos (fls. 131/134) e diversos documentos (fls. 135/261).

Através da petição e documentos de fls. 264/272, a demandada informa o deferimento, pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe - TJ/SE, de efeito suspensivo à decisão agravada.

Nas fls. 274/299, consta ofício desta 1ª Vara Federal ao Juiz de Direito da Comarca de Laranjeiras/SE, encaminhando cópia da petição inicial e de decisão, referentes à ACP nº 2008.85.00.003783-0, que tramita perante este Juízo Federal.

A autora replicou nas fls. 301/322.

Por meio da decisão de fls. 324/327, o Juízo Estadual da Comarca de Laranjeiras reconheceu a conexão existente entre as ações e determinou a remessa dos autos a esta 1ª Vara Federal, por ser a competente para processar e julgar o feito, revogando, ainda, a medida liminar concedida e determinando-se a comunicação à relatora do Agravo.

É o relatório. Passo a decidir.

E acrescento:

Nas fls. 333-337, decidi estar superada a preliminar de incompetência da Justiça Federal e determinei à autora que emendasse a inicial para acostar documentos constando a qualificação e a autorização expressa de seus representados.

A demandante juntou, nas fls. 343/984, diversos documentos relativos aos seus associados e reiterou o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

A requerida informou a interposição de agravo e requereu fosse reconsiderada a decisão de fls. 333/337.

Nas fls. 998/1000, foi juntada cópia do termo de audiência realizada em 23/04/2009, no processo nº 2007.85.00.003783-0, na qual foi determinado à parte autora que juntasse a estes autos, no prazo de 05 (cinco) dias, documentos que comprovassem a condição de associados dos pescadores.

A parte autora apresentou a lista dos pescadores que permanecerão na ação, juntamente com as fichas de associados, a lista dos pescadores que, embora constem da listagem inicial, devem ser excluídos da lide, assim como daqueles que não devem ser incluídos na lide, requerendo o desentranhamento dos documentos relativos a estes últimos (fls. 1.003/1.051).

É o relatório, decido.

Antes de passar à análise do requerimento de antecipação dos efeitos da tutela, há alguns pontos a serem resolvidos.

O primeiro deles diz respeito ao pedido de reconsideração formulado pela requerida, o qual rejeito, mantendo a decisão de fls. 333/337 pelos fundamentos nela já declinados.

Depois, através da decisão de fls. 333/337, foi determinado à autora que trouxesse aos autos a qualificação e a autorização de seus associados por ela representados na presente ação.

Em atendimento à referida determinação, a associação autora juntou documentos demonstrando a qualificação, e comprovando a autorização de diversas pessoas, inclusive de pessoas estranhas à lide.

Explico: ao ajuizar a ação, a associação apresentou uma lista com 59 associados, por ela representados na defesa de seus direitos, a qual não poderia ser ampliada após a estabilização da demanda. Assim, aqueles pescadores cujos nomes e/ou documentos não foram apresentados com a inicial não poderão fazer parte desta ação.

Posteriormente, em atendimento ao que fora determinado em audiência, a autora apresentou uma nova lista de 33 pescadores, que já estavam no rol inicial, juntamente com a respectivas fichas de associados, sustentando que o feito deve prosseguir em relação a estes. Apresentou também duas outras listas: uma de pescadores que, apesar de constar na listagem original, deverão ser excluídos da lide, e outra de pescadores que não constam da primeira relação, e, assim, não foram incluídos na lide.

Dessa forma, estão representados pela Associação autora nesta demanda apenas aqueles pescadores listados na f. 1005, devendo a documentação de todos os demais ser desentranhada e devolvida à autora, certificando-se.

Resolvidos esses pontos, faz-se necessária uma análise dos requisitos e pressupostos indispensáveis para o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela. Com efeito, assim dispõe o art. 273 do Estatuto Processual Civil:

O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Acrescenta o § 2º, do mesmo artigo:

§ 2º - Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.

Para que seja deferida a medida pleiteada, portanto, devem estar presentes: 1) a verossimilhança das alegações, calcada em prova inequívoca e, concomitantemente, 2) haja fundado receio de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação, ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

Quanto ao primeiro dos requisitos, o Juízo Estadual, ao analisar esse mesmo pedido, bem se pronunciou sobre o mesmo:

Ao se analisar o primeiro requisito da antecipação da tutela, verifica-se, através da prova documental encartada aos autos, que a probabilidade do direito invocado resultou demonstrada. Afinal, os documentos de fls. 32/61, incluindo-se reportagens idôneas, evidenciam que o acidente ecológico, ocorrido nas proximidades do Povoado Pedra branca, em Laranjeiras, em razão do vazamento de resíduos tóxicos, atingiu o Rio Sergipe e o manguesal (sic) que o margeia, fato este que ocasionou a morte de mais de seis toneladas de peixes, tendo prejudicado diretamente os pescadores que sobrevivem da pesca naquela região.

Além disso, cumpre ressaltar que o próprio sindicato dos trabalhadores informou que o acidente decorreu em virtude de obstrução de uma das canaletas que conduz os dejetos químicos da FAFEN-SE para o afluente.

Registre-se ainda que a requerida, quando da ocorrência do acidente ecológico, contratou os associados para que estes removessem os peixes mortos naquela extensão do Rio Sergipe, conforme documentos de fls. 46/48. Desta forma, está demonstrado o primeiro requisito para concessão da tutela pleiteada, qual seja, a prova inequívoca da verossimilhança da afirmação.

Não há, assim, dúvidas da ocorrência do acidente ecológico, com a mortandade de grande quantidade de peixes, bem assim de que o agente poluidor, amônia, foi proveniente das instalações da requerida, que produz fertilizantes nitrogenados. O fato amplamente demonstrado pelas várias mídias de notícia é assumido pela própria FAFEN.

Quanto à possibilidade de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação, verifica-se que o dano ambiental ocasionado está privando os associados da requerente de retirar da natureza os elementos necessários ao seu sustento e de sua família, uma vez que, na condição de pescadores artesanais, sobreviviam da pesca de peixes e crustáceos no rio que fora contaminado.

Ademais, ainda que se constate a existência de peixes e crustáceos no rio e manguezal contaminados, é imperiosa a paralisação das atividades pesqueiras na localidade, enquanto não vierem aos autos o resultado da perícia que será realizada na ACP conexa a esta ação. A uma, porque não se pode desconsiderar a hipótese de estarem contaminados, podendo causar danos à saúde humana em médio ou longo prazo; e a duas, porque tal paralisação é necessária à reprodução e perpetuação das espécies que ali vivem e que sobreviveram ao infortúnio, possibilitando que o meio ambiente se recomponha e evitando um dano permanente à natureza. Em outras palavras, aquele ecossistema tão violentamente atacado, precisa do tempo necessário para uma mínima recuperação que possa ensejar o retorno da dinâmica das relações seja nas cadeias, seja nas teias alimentares.

Obviamente que a diversidade dos seres que ocupam aquele ecossistema já mostra a conseqüência nefasta do vazamento admitido que, naturalmente, atingiu seres visíveis a olho nu (tais os vistos nas fotos e nas reportagens de televisão) como também seres microscópicos que são os principais produtores, o fitoplâncton (formado por algas microscópicas) que servem de alimento para o zooplâncton e estes, por sua vez, servem de alimento para os peixes, por exemplo.

Ressalto, ainda, que os bens jurídicos envolvidos na questão, de um lado, a possibilidade de dano permanente a inúmeras espécies que compõem um dos mais complexos, ricos e belos ecossistemas da natureza, e a sobrevivência dos pescadores, e, do outro, uma pequena parte do patrimônio de uma empresa de grande porte, responsável pelo vazamento, conjugado com a verossimilhança das alegações da autora, conduzem imperativamente à preservação da vida, nas suas diversas manifestações e ao sustento dos pescadores.

Outra solução não daria eficácia aos preceptivos constitucionais que, de um lado pontuam a preservação do meio ambiente como direito de todos e também como dever de todos preservá-lo, e, de outro, também pontuam a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, no caso dos autos, consubstanciada no mínimo existencial para os pescadores sobreviverem enquanto se atesta, por uma equipe de peritos, que já se pode pescar no ecossistema agredido, sem que isso dificulte a recomposição.

Este é o único caminho permitido pelos preceptivos abaixo transcritos na Lei Maior.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

(...);

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Destarte, pelo que se deflui dos autos, afiguram-se-me presentes os requisitos indispensáveis ao deferimento da antecipação dos efeitos da tutela.

Quanto à pensão mensal pretendida, mostra-se coerente fixar o seu valor em equivalência ao que recebem os pescadores na época do defeso, ou seja, um salário mínimo, considerando que tais situações se equivalem, uma vez que, em ambos os casos, os pescadores estão impossibilitados de exercer a pesca.

Ante o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE a antecipação dos efeitos da tutela requerida, para determinar à requerida que pague aos associados da autora listados na f. 1.005 (33 pescadores), uma pensão mensal no valor de um salário mínimo, até ulterior deliberação, sob pena de multa diária no valor de R$ 50,00 (cinqüenta reais) por dia e por associado, além das demais cominações legais cabíveis.

O pagamento deverá ser realizado nos 10 (dez) primeiros dias de cada mês, a partir deste mês de junho.

Intimem-se as partes acerca da presente decisão, assim como para dizer, no prazo de 05 (cinco) dias, se pretendem produzir provas, justificando-as, sob pena de o processo ser julgado no estado em que se encontra.

Aracaju, 29 de maio de 2009.

Telma Maria Santos
Juíza Federal



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