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segunda-feira, 22 de junho de 2009

JURID - Liberdade provisória. Estrangeiro. Aplicação da lei penal. [22/06/09] - Jurisprudência


Liberdade provisória. Estrangeiro. Garantia de aplicação da lei penal.

Tribunal Regional Federal - TRF1ªR.

HABEAS CORPUS Nº 2009.01.00.009446-9/DF

Processo na Origem: 200834000116666

RELATOR: O EXMO. SR. JUIZ TOURINHO NETO

IMPETRANTE: HUMBERTO PIRES

IMPETRANTE: DIOGO BORGES

IMPETRADO: JUIZO FEDERAL DA 10A VARA - DF

PACIENTE: ERNESTO GALVAN

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. LIBERDADE PROVISÓRIA. ESTRANGEIRO. GARANTIA DE APLICAÇÃO DA LEI PENAL.

1. Não há óbice à concessão de liberdade provisória ao acusado estrangeiro, tendo em vista que a Constituição Federal lhe assegura os mesmos direitos reservados ao brasileiro nato. Ainda que resida no exterior, se, após o interrogatório, ou mesmo na sentença condenatória, não restar evidente qualquer motivo justificador da prisão preventiva, deve ser concedido o benefício, pois a regra é a liberdade. A prisão é situação excepcional.

2. Decreto de prisão fundado na necessidade de garantir a aplicação da lei penal deve demonstrar, com base em elementos dos autos, e não em conjecturas, que o paciente, posto em liberdade, procurará furtar-se à aplicação da lei brasileira.

3. O Brasil mantém com o Governo da Bolívia tratado de cooperação na luta contra o crime - Decreto nº 9.920, de 8 de julho de 1942, que prevê no art. 1º a entrega recíproca dos indivíduos que, processados ou condenados pelas autoridades judiciárias de uma delas, se encontrem no território da outra - motivo maior para não se manter o paciente, primário e sem antecedentes, preso pela suposição de que poderia fugir, impedindo a aplicação da lei penal.

4. Ordem de habeas corpus concedida.

ACÓRDÃO

Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus em favor do paciente ERNESTO GALVAN.

Brasília, 30 de março de 2009.

Juiz TOURINHO NETO
Relator

RELATÓRIO

O EXMO SR. JUIZ O EXMO SR. JUIZ TOURINHO NETO (RELATOR):

1. HUMBERTO PIRES, advogado, inscrito na OAB/DF sob n. 3.983, e DIOGO BORGES, também advogado, inscrito na OAB/DF sob n. 23.090, impetram ordem de habeas corpus em favor de ERNESTO GALVAN, boliviano, mecânico, residente na Calle Chuquisaca nº 202, na cidade de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, ora recolhido à carceragem da Polícia Federal, no Distrito Federal, contra ato da MM. Juíza Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, Maria de Fátima de Paula Pessoa Costa, que indeferiu pedido de liberdade provisória.

Dizem os impetrantes que, preso o paciente, em flagrante, em 26.06.2008, pela prática do crime de uso de documento falso (passaporte), a autoridade coatora determinou o relaxamento de sua prisão, em 28.07.2008, mas, no mesmo ato, decretou sua custódia preventiva, sob fundamento de que, sendo ele estrangeiro (boliviano), sem família no Brasil, a segregação cautelar era necessária para garantir a aplicação da lei penal.

Aduzem que, posteriormente, foi condenado à pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão pela prática do referido delito, tendo a sentença negado a ele o direito à substituição de pena e imposto regime integralmente fechado para cumprimento da reprimenda somente pelo fato de ser estrangeiro.

Acrescentam que, em face do tempo que já se encontra preso, requereu progressão de regime prisional, o qual foi indeferido por ainda não ter ocorrido o trânsito em julgado da sentença e, mais uma vez, em razão da nacionalidade estrangeira do paciente.

Alegam que a segregação funda-se em juízo de probabilidade, pois não há nada de concreto que indique que o acusado pretende furtar-se à aplicação da lei penal brasileira. Ressalta que, sendo o paciente primário, sem antecedentes e já tendo cumprido mais de um sexto da pena não há interesse dele em ser foragido da justiça brasileira.

Dizem, ainda, que sua prisão preventiva não tem amparo na lei, configurando verdadeira antecipação de pena, com afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência, e que o indeferimento da liberdade provisória fere a Constituição Federal, que no art. 5º, caput, prevê a igualdade do estrangeiro com os nacionais.

Asseveram, por fim, que o cumprimento de pena em regime integralmente fechado, somente por ser estrangeiro, viola o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo o Supremo Tribunal Federal afastado tal violação até para crimes hediondos, quanto mais para o delito de uso de documento falso a que foi condenado.

2. Informações prestadas às fls. 111/113.

3. O Ministério Público, em parecer da lavra do Procurador Regional da República José Alves Paulino, opina pela concessão da ordem (fls. 49/51).

4. É o relatório.

V O T O

O EXMO SR. O EXMO SR. JUIZ TOURINHO NETO (RELATOR):

1. Como se vê dos autos (fls. 32), a MM. Juiz a quo adotou como fundamento para indeferir o pedido de liberdade provisória do ora paciente o fato de ser ele estrangeiro, sem residência no país. Entendeu a magistrada que tal circunstância põe em risco a aplicação da lei penal brasileira, surgindo, daí, a necessidade da segregação cautelar, fundamentada no art. 312 do Código de Processo Penal.

A concessão de liberdade provisória ao acusado não encontra óbice no fato de ser ele estrangeiro, tendo em vista que a Constituição Federal lhe assegura os mesmos direitos reservados ao brasileiro nato.

Ainda que resida no exterior, se, após o interrogatório, ou mesmo na sentença condenatória, não restar evidente qualquer motivo justificador da prisão preventiva, deve ser concedido o benefício, pois a regra é a liberdade. A prisão é situação excepcional.
Nesse sentido, firmou-se a jurisprudência desta Turma, como se vê dos seguintes julgados:

1. A decretação de liberdade provisória, em favor de estrangeiro, não encontra óbice no só fato de se tratar de alienígena, porque a Constituição Federal assegura-lhe os mesmos direitos reservados ao brasileiro nato. Ainda que resida no exterior, se, após o interrogatório, não restar evidente qualquer motivo justificador da prisão preventiva, é de ser concedido o benefício, pois a regra é a liberdade. A prisão é excepcional.

(...)

3. O Superior Tribunal de Justiça decidiu que a concessão de liberdade provisória não pode estar condicionada à permanência do denunciado no distrito da culpa, pois fere a liberdade de ir e vir, que não se sujeita a critérios de restrição, já que inexiste meia liberdade. Ou se tem ou não se tem o direito (HC 42.994/SP).

4. Recurso não provido. (RCCR 2007.33.00.009251-7/BA, 07/03/2008 e-DJF1 p.122, re. Juiz Tourinho Neto, 3ª Turma, unânime).

1. Não se justifica a denegação de liberdade provisória a acusado apenas pelo fato de tratar-se de estrangeiro, dado que a norma constitucional garante aos brasileiros e aos estrangeiros aqui residentes, entre outros direitos fundamentais, o direito à liberdade. Cuidando-se de acusado residente no exterior, ainda assim é de ser concedida a liberdade, após o interrogatório, se não houver motivos que justifiquem a prisão preventiva, desde que se comprometa a comparecer aos atos do processo e indique endereço, também no território nacional, onde possa receber intimações.

(...) (HC 2006.01.00.017590-9/GO, 10/08/2006 DJ p.59, rel. Juiz Olindo Menezes, 3ª Turma, unânime).

I - A condição de estrangeiro, por si só, não se justifica para a manutenção da prisão cautelar.

(...) (HC 2006.01.00.040617-5/MT, 16/02/2007 DJ p.47, rel. Juiz Cândido Ribeiro, 3ª Turma, unânime).

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a concessão de liberdade provisória não pode estar condicionada à permanência do denunciado no distrito da culpa, pois fere a liberdade de ir e vir, que não se sujeita a critérios de restrição, pois inexiste meia liberdade. Ou se tem ou não se tem o direito. Confira-se:

Sendo a liberdade provisória o anverso da prisão cautelar, da prisão sem pena, não pode se submeter a condicionamentos que restrinjam o direito de ir e vir, sob qualquer pretexto.

Portanto, a concessão de responder solto ao processo, sob a condição de que o réu não possa se ausentar do país em hipótese alguma, contraria as bases do instituto libertário, além de não se vincular a comando legal válido.

Ordem concedida para afastar a condição imposta pelo Tribunal a quo ao cumprimento da liberdade provisória. (HC 42994/SP, DJ 21/11/2005 p. 264, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma, unânime).

A restrição da liberdade também não pode estar fundada em juízo de probabilidade sobre eventual fuga do paciente.

O juiz não pode decretar a prisao com base em conjecturas, suposições. Tem de ater-se aos elementos constantes dos autos, que lhe possibilitam determinar a prisão. É difícil. Como dizer que o réu vai fugir? O juiz deve cingir-se, repita-se, aos fatos, às circunstâncias, constantes dos autos. Deve fundamentar a prisão em elementos concretos que levem a um temor real de que posto em liberdade o acusado buscará fugir para furtar-se à aplicação da lei brasileira.

No caso, não vejo esse temor. O paciente está preso desde 26.06.2008, ou seja, há mais de 9 (nove) meses, tendo sido condenado à pena de 2 (dois) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, pelo uso de documento falso. Já cumpriu 1/3 (terço) da pena imposta. Como alega o impetrante, após cumprir grande parte da reprimenda, não há interesse do paciente em se tornar foragido da Justiça brasileira.

E, mesmo que pretendesse fugir, para regressar a seu país, a prisão seria desprovida de razoabilidade, como bem assevera o ilustre Procurador Regional da República José Alves Paulino, em seu parecer (fls. 36), pois:

(...) o Estado Brasileiro mantém com o Governo da Bolívia tratado de cooperação na luta contra o crime, conforme Decreto nº 9.920, de 8 de julho de 1942, que prevê no art. 1º a entrega recíproca dos indivíduos que, processados ou condenados pelas autoridades judiciárias de uma delas, se encontrarem no território da outra. Assim, falece razão quando se mantém encarcerado o paciente pela suposição de que não cumpriria a pena imposta.

Em favor do paciente pesa, ainda, o fato de ser primário e não ter antecedentes criminais.

Não vejo presente, portanto, nenhuma das hipóteses previstas no art. 312 do Código de Processo Penal que justificariam a prisão cautelar do paciente; logo, deve ser posto em liberdade, devendo prestar o compromisso de comparecer a todos os atos do processo.

Por fim, questões atinentes ao regime prisional e à não-substituição de pena privativa de liberdade, estabelecidos na sentença, não devem ser examinadas nesta via estreita do habeas corpus, uma vez que já fora interposto o devido recurso de apelação contra a sentença.

Exame de eventual direito à progressão de regime de cumprimento de pena ou ao livramento condicional, também requerido pelo ora impetrante e indeferido pela MM. Juíza a quo, como se vê dos documentos de fls. 91/102, também se mostra prematuro e inviável nesta via processual, pois não houve trânsito em julgado da sentença, tampouco execução provisória ou definitiva da pena.

2. Em face do exposto, concedo a ordem de habeas corpus em favor do paciente ERNESTO GALVAN, devendo ser posto em liberdade, se por al não estiver preso.

3. É o voto.




JURID - Liberdade provisória. Estrangeiro. Aplicação da lei penal. [22/06/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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