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quarta-feira, 24 de junho de 2009

JURID - Latrocínio. Pleito de descalssificação para o crime de furto [24/06/09] - Jurisprudência


Latrocínio. Pleito de descalssificação para o crime de furto. Impossibilidade.
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Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJRJ.

Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

AP 6602 MC

APELAÇÃO CRIMINAL 2007.050.06602

APELANTE: JULIO CESAR DA CUNHA

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO

CO-RÉU: GABRIEL DOS SANTOS SOUZA

JUIZ SENTENCIANTE: MARCOS J. M. COUTO

RELATOR: DESEMBARGADOR GERALDO PRADO

Artigo 157, § 3º, final, c.c artigo 61, II, alíneas "c", "d" e "h", e artigo 62, I, todos do Código Penal.

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. DIREITO PENAL. LATROCÍNIO. PLEITO DE DESCALSSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE FURTO. IMPOSSIBILIDADE. COMPROVADA A VIOLÊNCIA PERPETRADA PARA ASSEGURAR A SUBTRAÇÃO DOS BENS DA VÍTIMA. REFORMA DA PENA. REDUÇÃO DA PENA-BASE PARA O MÍNIMO LEGAL. Apelante processado e condenado pela prática do crime definido no artigo 157, §3º, parte final, c.c artigo 61, II, alíneas "c", "d" e "h", e artigo 62, I, todos do Código Penal, às penas de 20 anos de reclusão e 72 dias-multa. Apelo defensivo que pretende a absolvição do apelante pela prática de latrocínio com desclassificação para o delito de furto. Impossibilidade. Materialidade delitiva da morte comprovada pelo AEC (fls. 165/166). A autoria ficou comprovada por meio das prova testemunhais, que relataram as agressões realizadas pelo apelante contra a vítima, contra quem foram desferidos socos e pontapés, que foram a causa de sua morte, para a consequente subtração de seus bens. Manutenção da condenação. Merece reparo a resposta penal porque a pena-base foi fixada em 25 anos, considerando a personalidade desviada do apelante, sua conduta social reprovável por "práticas sexuais promíscuas", por ter organizado a empreitada criminosa e porque a violência utilizada para o crime não permitiu a defesa da vítima. Ocorre que o ordenamento jurídico não permite ponderações acerca da conduta social e personalidade do agente para aumento de pena. Ademais, a organização do crime e o fato da vítima ter sido atingida de surpresa hão de ser consideradas somente na segunda fase da dosimetria, sob pena de bis in idem. Portanto, a pena-base deve ser fixada no mínimo legal, com aumento de quatro anos pelo reconhecimento de causas agravantes e, na terceira fase, diminuída em um terço diante da semi-imputabilidade do apelante, conforme se depreende do laudo de exame de insanidade mental (fls. 186/188).

PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Criminal nº 2007.050.06602, em que é apelante JULIO CESAR DA CUNHA e apelado o MINISTÉRIO PÚBLICO.

ACORDAM, por unanimidade os Desembargadores que integram a Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em sessão de julgamento realizada no dia 10 de junho de 2009, em conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe parcial provimento, para reduzir a pena ao patamar de 16 (dezesseis) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

O julgamento foi presidido pelo Desembargador Relator. Participou como revisora a Desembargadora Rosa Helena Guita e como vogal o Desembargador Cairo Ítalo França David.

Rio de Janeiro, 10 de junho de 2009.

DESEMBARGADOR GERALDO PRADO
RELATOR

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela Defesa de JULIO CESAR DA CUNHA, contra sentença que o condenou pela prática do crime definido no artigo 157, §3º, final, c.c artigo 61, II, alíneas "c", "d" e "h" e artigo 62, I, c.c artigo 26, parágrafo único, todos do Código Penal., às penas de vinte anos de reclusão, a serem cumpridos inicialmente em regime fechado, e setenta dois dias-multa.

Em suas razões, a Defesa requereu a desclassificação da conduta de latrocínio para o crime de furto. Subsidiariamente, pugnou pela reforma da dosimetria penal porque o juízo sentenciante teria considerado fatores da personalidade do apelante e de sua vida íntima, além de ponderar repetidamente as mesmas circunstâncias. Por fim, requereu a aplicação da redução máxima em virtude da semi-imputabilidade.

O Ministério Público, em contrarrazões e parecer, manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

O apelo merece provimento parcial, a fim de, mantendo a condenação pela prática de latrocínio, reformar a dosimetria penal.

Com efeito, a materialidade delitiva veio escorada não só no Auto de Exame Cadavérico (fls. 165/166), mas ainda nos depoimentos de FABIO RIBEIRO LIPRINCE (fls. 148), GRACIETE TELES (fls. 152) e DIEGO BARBOSA DE MELO (fls. 150/151), que afirmaram que, ao chegarem à residência da vítima, encontraram-na caída ao chão, ao lado de um pano ensaguentado.

Igualmente, a autoria do delito ficou comprovada pelos depoimentos das testemunhas. Não assiste razão ao apelante quando sustenta que sua responsabilidade restringe-se ao delito de furto, ao fundamento de que somente subtraiu os bens da vítima e fugiu de sua residência, sem participar das agressões que culminaram com sua morte.

Isso porque, embora o apelante alegue que deixou a casa da vítima enquanto ela tomava banho (fls. 125/6), tanto o corréu GABRIEL quanto a testemunha ANDERSON desmentem essa versão.

Com efeito, às fls. 145/6, o adolescente afirmou que, no dia dos fatos, o apelante propôs a ele e a GABRIEL a prática do roubo. Assim, outro adolescente, provavelmente "JUNINHO", teria saído com a vítima para fazer um programa sexual, e o apelante, o corréu e ANDERSON os teriam seguido para executar o roubo, o que foi feito mediante diversas agressões a socos e pontapés que a testemunha atribui aos três agentes, até mesmo a si própria.

ANDERSON ainda afirmou que, após a vítima ter desmaiado, eles subtraíram os bens.

GABRIEL, a seu turno, apesar de não assumir a autoria das agressões, alegando que permaneceu a todo tempo, na companhia de ANDERSON, do lado de fora da casa, também atribui ao apelante a autoria das agressões.

É verdade que o interrogatório é meio de defesa, e não de prova, e que as declarações de ANDERSON devem ser em certa medida relativizadas, pois, ao que tudo indica, ele também teve participação no crime.

Todavia, as versões por eles trazidas ao processo são corroboradas por outras provas orais, ainda que de caráter indiciário.

Assim é que MARTA DE ALMEIDA, que trabalha no bar da testemunha NEUZA, afirmou que naquele dia a vítima chegou ao estabelecimento, acompanhada de NELSON, e depois chegaram outros rapazes, dois deles o apelante e ANDERSON (fls. 149), tendo um deles até mesmo pedido uma cerveja sob a comanda da vítima.

Embora não tenha reconhecido o acusado, NEUZA DE OLIVEIRA GONÇALVES LIMA confirmou os fatos por ela descritos, dizendo que era comum a vítima ir ao bar acompanhada de outras pessoas, o que dá respaldo às declarações de MARTA (fls. 147).

Soma-se a isso o fato de ANDERSON ter declarado que "Julio já tinha feito programa sexual com a vítima", o que, confirmado por GABRIEL, indicia o conhecimento, pelo apelante, dos bens que a vítima eventualmente possuía.

Nesse particular, o próprio apelante, em seu interrogatório (fls. 125/126), confessou ter subtraído dinheiro da carteira da vítima, em conjunto com o corréu GABRIEL e outros dois adolescentes.

E o planejamento da consecução do crime, pelo que ele mesmo, GABRIEL e ANDERSON declaram, coube ao apelante, o que se infere do fato de ele ter entrado na residência da vítima usando touca ninja e luva, segundo o adolescente.

De todos esses relatos conclui-se que o acusado conhecia a vítima e, sabendo que possuía dinheiro, planejou o roubo contra ela. É verdade que a prova da autoria das agressões, para além do que declaram GABRIEL e ANDERSON, é indiciária.

Todavia, não há como descartá-la quando ela é harmoniosa o suficiente para atribuir ao acusado a prática do crime.

É esse o entendimento de Maria Thereza Rocha de Assis Moura:

Modernamente, o pensamento predominante é no sentido de que, sob o aspecto processual, os indícios possuem força probante igual à de qualquer outra prova, em face da regra do livre convencimento, uma vez preenchidos os requisitos de existência, validade e eficácia.

O julgador deve sopesar todas as provas produzidas, argumentar a respeito da verdade moral da prova direta e indireta produzida, sem prevalência de uma sobre a outra.(1)

Assim, não há como acolher a tese defensiva no sentido de que o apelante praticou furto. As provas indicam que o apelante agrediu a vítima antes da subtração.

Portanto, ficou comprovada a prática do crime de latrocínio porque o apelante planejou e executou a subtração e, para tanto, causou a morte da vítima.

Insta salientar que é irrelevante a análise do tipo subjetivo relativo ao resultado morte, pois o latrocínio admite, nesse particular, tanto o dolo quanto a culpa. A esse propósito, cumpre destacar que, na verdade, a figura típica do § 3.º do artigo 157 do Código Penal, em regra, sequer exige o dolo para a sua configuração, conforme ensinamento de Cezar Roberto Bitencourt:

Contudo, normalmente, o resultado mais grave - lesão ou morte - é produto de culpa, que complementaria a conhecida figura do crime preterdoloso - dolo no antecedente e culpa no conseqüente, como a doutrina gosta de definir. Ter-se-ia, assim, o crime patrimonial executado, dolosamente, com violência, acrescido de um resultado mais grave, resultante de culpa, a lesão grave ou a morte da vítima. Essa, pelo menos, é a estrutura clássica do crime preterdoloso. (...) Contudo, na hipótese em apreço, a extrema gravidade das sanções cominadas uniu o entendimento doutrinário, que passou a admitir a possibilidade, indistintamente, de o resultado agravador poder decorrer tanto de culpa quanto de dolo.(2)

Quanto à pena aplicada, porém, merece reforma a sentença.

Isso porque o juízo sentenciante fixou a pena-base muito acima do mínimo legal, em 25 (vinte e cinco) anos de reclusão (fls. 218), ao fundamento de que a personalidade do apelante mostrou-se "desviada por completo", que "sua conduta social também é reprovável porque dado às práticas sexuais promíscuas" e que as circunstâncias do crime também exigem um aumento, porque agrediu a vítima com "grande violência, o que inviabilizou qualquer reação de sua parte".

A Constituição da República não permite a responsabilidade penal mais gravosa em virtude da conduta social reprovável. Sob outro enfoque, não há opção, no Direito Penal Brasileiro, de se reprovar criminalmente a moralidade do apelante.

Em não sendo pactuada a liberdade de pensamento (foro íntimo das convicções, paixões e emoções) permanece o 'ser' como núcleo inviolável, como reserva de direitos do cidadão na qual o Estado não pode interferir. Os limites estabelecidos pelo consenso não permitem a ingerência e a lesão desse direito. A consciência permanece liberta mesmo se direcionada ao ilícito. A propósito, Schopenhauer sustentará que o Estado não pode impedir ninguém de nutrir, por exemplo, um constante propósito de homicídio ou de envenenamento. Ao Estado, o que interessará é o fato correspondente à lei. As intenções e vontades não serão consideradas senão como explicativas da natureza e do significado do fato ilícito.

Nasce, nesse momento de concepção altamente limitada do Estado, uma das teses fundamentais do pensamento político da história da humanidade: a tolerância, identificada com a secularização - ruptura entre os juízos individuais internos (morais) e externos (direito).

O conceito tolerância tem como precursor Marcílio de Pádua (Defensor Pacis, 1324), onde admitia que os infiéis e hereges deveriam ser punidos pelos tribunais seculares se transgressores da lei civil, mas nunca pelos eclesiásticos. É Locke, no entanto, assentado num dos principais temas da época (liberdade religiosa) que, ao sustentar a radical separação entre as funções do Estado e da Igreja, rompe os vínculos entre direito e moral. Em conseqüência, cinde a noção híbrida, prevalente no modelo inquisitorial, de delito (mala prohibita) e pecado (mala in se), instituindo a tolerância como fundamento dos processos de laicização.(3)

Dessa forma, não importam as práticas sexuais do apelante, tampouco sua personalidade, porquanto o Direito Penal reprova o fato, e não a pessoa.

Quando o juiz sentenciante descreve que o apelante "procurou outras pessoas para a execução do delito, fazendo a vítima se dirigir à sua residência", incide em erro ao correlacionar tal fato à personalidade do agente, sendo certo que isso não implica em personalidade desviada por completo, como quis o juízo a quo.

Ademais, o fato de o apelante ter organizado a empreitada criminosa já fez incidir a causa agravante prevista no artigo 62, inciso I, do Código Penal, não podendo ser mais de uma vez considerado, sob pena de bis in idem.

Também a violência empregada, inviabilizando reação da vítima, já foi considerada na segunda fase da dosimetria penal, como causa agravante estabelecida no artigo 61, II, "h", do Código Penal e sua ponderação repetida configura igualmente bis in idem, o que é vedado pelo ordenamento jurídico.

Por esses motivos, fixo a pena-base em seu mínimo legal, em 20 (vinte) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Na segunda fase de aplicação de pena devem ser mantidas as incidências das causas agravantes previstas nos artigos 61, II, "c", "d" e "h", e artigo 62, I, ambos do Código Penal, elevando a pena em 4 (quatro) anos, alcançando-se 24 (vinte e quatro) anos de reclusão e 15 (quinze) dias-multa.

Na terceira fase, mantém-se a causa especial de diminuição de pena pela semi-imputabilidade do apelante, e da mesma forma mantém-se a aplicação da fração mínima, em um terço, tornando a pena definitiva em 16 (dezesseis) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo.

Não há como acolher o pedido defensivo, fazendo incidir a redução na fração máxima pela semi-imputabilidade, porque o apelante apresentou coerência ao planejar o delito, fazer a divisão de tarefas e executar a morte da vítima com consequente subtração de seus bens.

Observe-se que o laudo do exame de insanidade mental (fls. 186/188) é lacônico, pouco esclarecendo sobre a extensão do retardo mental, mas a prova oral demonstra que o apelante tinha algum discernimento e domínio sobre a situação, a ponto de explorar a vítima ao apresentá-la a garotos de programa.

Por isso a pena há de ser mantida, com sua não substituição por medida de segurança.

O regime prisional fechado deve ser mantido, nos moldes do artigo 2º, §1º, da Lei 8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/07, conforme ponderado na decisão recorrida (fls. 219).

Portanto, voto no sentido de dar parcial provimento ao recurso para, mantendo a condenação pelo delito de latrocínio, reformar a dosimetria penal, fixando-a em 16 (dezesseis) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo, mantendo-se o regime imposto para o início de cumprimento da pena.

Rio de Janeiro, 10 de junho de 2009.

GERALDO PRADO
DESEMBARGADOR RELATOR

Certificado por DES. GERALDO PRADO

A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br.

Data: 15/06/2009 17:35:23

Local: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: 2007.050.06602 - Tot. Pag.: 10



Notas:

1 - MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. A prova por indícios no processo penal. Saraiva, São Paulo, 1994. p. 81. [Voltar]

2 - Tratado de Direito Penal - Parte Especial. Vol. 3. 3.ª ed. Saraiva, São Paulo, 2006, p. 108. [Voltar]

3 - CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. Editora: Rio de Janeiro. Lúmen Júris. 2a. Edição. Ano: 2003. p. 34-35. [Voltar]




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