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quarta-feira, 17 de junho de 2009

JURID - Estado é condenado por espancamento. [17/06/09] - Jurisprudência


Estado é condenado por espancamento realizado por policiais.
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
JUÍZO DE DIREITO DA 5ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL

Processo nº 001.03.020692-9
Ação: Reparação de Danos
Autor: João Gervásio da Cunha e outro
Réu: Estado do Rio Grande do Norte

Sentença


I. RELATÓRIO

Trata-se de Ação de Indenização por Morais, ajuizada por JOÃO GERVÁSIO DA CUNHA e AMADEU VIANA DA SILVA, qualificados nos autos, contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE.

Alegaram os autores, em síntese, que no dia 25/05/2003, por volta das 20:00 horas, estavam num quiosque localizado na rodoviária velha, quando inesperadamente iniciou-se uma confusão no quiosque ao lado por indivíduos desconhecidos. Afirmaram que acabaram por se envolver no sentido de apaziguarem o conflito. Na ocasião, policiais surgiram no local, e sem procurarem saber o que realmente havia acontecido, acabaram por prender os autores, tendo os mesmos conduzidos a um quarto escuro e espancados com socos, chutes e cacetetes.

Em razão das agressões sofridas, os autores ficaram totalmente ensanguentados e com ossos e dentes quebrados. Ressaltaram que não houve um simples equívoco, mas um verdadeiro abuso de poder.

Ao final, pediu a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais, a ser arbitrado por este Juízo.

Juntaram à inicial documentos às fls. 10/33.

Citado, o Estado do Rio Grande do Norte apresentou contestação, fls. 38/42, ocasião em que sustentou a causa excludente da responsabilidade de culpa exclusiva da vítima, que resistiram a prisão, levando os policiais a usar de um esforço além do habitual.

O Ministério Público opinou pela sua não intervenção no feito às fls. 44/45.

Audiência de instrução às fls. 59/66 e 75/77.

Por ocasião da audiência à fl. 59, o Estado pugnou pela denunciação à lide do policial militar José Bezerra Júnior, tendo naquela oportunidade sido indeferido o pedido.

Intimadas as partes para apresentarem alegações finais, somente o Estado ofereceu à fl. 201.

É o que cumpre relatar. Decido.

II. FUNDAMENTAÇÃO


Analisando os presentes autos, vê-se que o cerne da demanda cinge-se a um fato ocorrido em um quiosque localizado na rodoviária velha, bairro da Ribeira, nesta Capital, na data de 25/05/2003, por volta das 20:00 horas, quando os autores na tentativa de apaziguarem uma confusão, foram algemados e espancados por policiais militares.

A espécie cuida da responsabilidade objetiva do Estado quando da ação de seus agentes, consagrada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal.

De acordo com a mais moderna interpretação deste dispositivo constitucional, isto quer dizer que o Estado deve responder por quaisquer danos que venha a causar aos particulares, sejam esses decorrentes de sua atividade comissiva ou omissiva, regular ou irregular. Tal regra revela o caráter publicista para o qual evoluiu a noção de responsabilidade do Estado. A atividade estatal, por sua complexidade e pelo avanço tecnológico das técnicas de gestão administrativa, gera para o particular situações que o expõem ao risco de sofrer danos. Os administrados estão numa condição de hipossuficiência diante da máquina administrativa, o que importa na necessidade de serem protegidos contra os perigos de prejuízos oriundos da atividade desempenhada pelo Estado. O caráter publicista, hoje inerente à responsabilidade objetiva do Estado, consagrou, assim, o princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais, que se revela como uma imposição a toda a sociedade de arcar com os prejuízos que o Estado, no desempenho de suas atividades, regulares ou irregulares, venha a causar aos particulares.

No caso em comento, a partir da provas contidas nos autos, comprovada está a presença dos elementos que compõem a responsabilidade objetiva do Estado, uma vez que, os atos lesivos reportam-se à prisão ilegal, abuso de autoridade e às agressões injustas provocadas pelos Policiais Militares; os danos são justamente as lesões corporais e as humilhações sofridas pelas vítimas, demonstradas pelos documentos acostados aos autos. O nexo de causalidade entre o dano e o ato ilegal nada mais é do que a comprovação de que as agressões sofridas se deram em razão da ação ilícita dos policiais.

Quanto à existência do dano moral, o art. 5º, inciso X da Constituição Federal consagra o direito individual à privacidade que consiste na inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Em garantia dessa prerrogativa, assegura o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Verifica-se que o dano moral é o dano causado injustamente a um indivíduo, sem repercussão patrimonial, capaz de afetar substancialmente a sua alma, a sua subjetividade, proporcionando-lhe transtornos, humilhações, dor, mágoa, vergonha, enfim, toda espécie de sentimentos desconfortantes.

Em relação ao dano moral resultante de lesões à integridade física, norteador do caso em tela, decorre da intangibilidade corporal do direito à vida, que consiste em a pessoa seguir vivendo sem nenhum ataque ao seu corpo.

Sobre essa responsabilidade moral ensina ANTONIO JEOVÁ SANTOS em "Dano Moral Indenizável", pág. 248, item 45, 3ª edição, 2001, Editora Método:

"Existem danos à pessoa que, muito embora não retirem a vida, o sopro vital, produzem prejuízos menores mas que, de alguma forma, importam na diminuição de potencialidades do homem. Seja uma simples lesão que, por ter sido praticada de forma injusta, deve ser passível de indenização por dano moral, já que qualquer dano à pessoa humilha e envergonha, até a lesão física de magnitude como aquela que produz tetraplegia, por exemplo, devem ser objeto da mais ampla indenização".

O respeito à integridade física da pessoa é o que fundamenta o ressarcimento decorrente de lesão corporal. De toda sorte, deve-se demonstrar eventual constrangimento à vítima, ou vexame, ou que tenha causado humilhação, para poder ser objeto de indenização por danos morais.

Logo, na perquirição do dano moral deve-se perguntar se o indivíduo experimentou, indiscutivelmente, os dissabores acima referidos, e se os fatos são essencialmente relevantes para causar-lhe tais. Do contrário, estar-se-ia dando ensejo a demandas oportunistas, cujo objetivo é, na verdade, enriquecer ilicitamente às custas de outrem.

No caso em julgamento, os autores foram abordados por policiais militares quando tentavam pacificar uma confusão ocorrida, e além de terem sido presos ilegalmente e conduzidos a um quarto escuro que fica na própria rodoviária velha, local do fato, sofreram agressões físicas e humilhações.

De acordo com o laudo de exame de corpo de delito de fls. 25/26 o autor Amadeu Viana da Silva apresentou duas equimoses de coloração avermelhada na face lateral esquerda do pescoço de dimensões variadas. Enquanto o autor João Gervásio da Cunha sofreu edema e equimose de coloração violácea, várias escoriações no joelho esquerdo, luxação do 1º dente inciso inferior direito e edema na região parietal direita. No relatório médico de fl. 30, este último apresentou hematoma periorbital à direita, hematoma em região acrômioclavicular à direita, hematoma em terço distal do antebraço esquerdo, flutuação de dois dentes incisivos inferiores.

Não há o que se falar na excludente de culpa exclusiva da vítima, sob o fundamento que os autores resistiram à prisão, visto que, os policiais se utilizaram de conduta arbitrária e totalmente reprovável, ultrapassando os limites da função exercida.

As conseqüências das agressões sofridas pelo autor João Gervásio da Cunha foram graves. Vejamos trechos do seu depoimento à fl. 62:

"(...) Que em decorrência das agressões, perdeu três dentes e passou a usar prótese; que como a prótese não fica bem fixa, ele não mais pode trocar trombone como antes; que mesmo após a cicatrização da lesão na face, o depoente continua sentindo por vezes um mal-estar, como um formigamento na face, pois acha que na cicatrização pode ter prendido algum pequeno nervo; que diante da situação por que passou, o ego no autor foi lá para baixo; (...)"

A testemunha ouvida em juízo às fls. 63/64, Janaína Francisca de Oliveira, confirmou os fatos alegados, conforme se verifica abaixo:

"Que a depoente estava na rodoviária velha, quando aconteceram os fatos de que tratam o processo; que a depoente trabalhava em um quiosque na rodoviária e no dia do fato o Sr. João Gervásio chegou lá com o seu amigo Amadeu, bebeu uma cerveja e ficou conversando com a depoente; que naquele momento começou uma confusão na mesa vizinha entre dois rapazes e apareceram policiais que começaram a bater nos dois envolvidos no conflito; que o Sr. João se levantou e pediu para que eles não fizesse aquilo; que o Sr. João não usou da força em nenhum momento, apenas de palavras; que os policiais pararam de bater nos dois rapazes e começaram a bater no Sr. João Gervásio e colocaram ele em um quarto escuro; que a depoente ficou olhando pela janela do quarto e viu quando os policiais colocaram o Sr. João Gervásio sentado no chão, algemado, e um deles começou a bater no mesmo com um cassetete; que o quarto estava escuro, mas dava pra ver o que lá acontecia; (...) que a depoente viu quando o Sr. Amadeu fez carreira, dizendo que ia pegar os documentos do Sr. João Gervásio, para mostrar aos policiais; que nesse momento, um dos policiais foi atrás do Sr. Amadeu, deu dois tiros pra cima, o algemou e passou a espancá-lo lá mesmo no meio da rodoviária; (...) que nessa hora eles quebraram alguns dentes do Sr. João Gervásio e um osso na parte do nariz; que o Sr. João Gervásio já estava todo ensanguentado e quase não dava para reconhecê-lo;(...)"

Com efeito, comprovando dessa forma os danos alegados e o nexo de causalidade, restando patente que as agressões feitas de forma gratuita e desnecessária ocasionaram ferimentos e hematomas e, sem embargos de dúvidas, restou configurada a ocorrência dos constrangimentos suscitados pelos suplicantes, e, por conseguinte, o dano moral.

A atribuição da Polícia é garantir a segurança e a integridade dos cidadãos, prezando pela manutenção da paz e harmonia da sociedade. A conduta policial deve ser pautada na razoabilidade e respeito ao cidadão, não devendo sua ação extrapolar o limite do estritamente necessário à contenção e restabelecimento do controle da situação ao qual foi chamado a intervir. A agressão, ameaça, humilhação e a violência não são atos ou práticas a serem utilizadas pelo Estado ou seus agentes, por serem condutas ilícitas, contrárias aos princípios que devem pautar o ente público. Não é diverso o entendimento jurisprudencial:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NÃO CONFIGURADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AÇÃO CONDENATÓRIA. FAZENDA PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. LESÕES CORPORAIS COMETIDAS POR POLICIAIS MILITARES. DANOS MATERIAIS E MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO.

1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

2. Quando o quantum fixado a título de indenização por danos morais se mostrar irrisório ou exorbitante, incumbe ao Superior Tribunal de Justiça aumentar ou reduzir o seu valor, não implicando em exame de matéria fática.

Precedentes deste Sodalício.

3. Deveras, in casu, o ilícito foi praticado justamente pelos agentes públicos - policiais militares - incumbidos de velar pela segurança da população, por isso, a fixação da indenização deve manter-se inalterada como meio apto a induzir o Estado a exacerbar os seus meios de controle no acesso de pessoal, evitando que ingresse nos seus quadros pessoal com personalidade deveras desvirtuada para a função indicada.

4. A prática de ilícito por agentes do Estado incumbidos da Segurança Pública, impõe a exacerbação da condenação.

5. Os honorários advocatícios, nas ações condenatórias em que for vencida a Fazenda Pública, podem ser fixados com base no valor da condenação, e não no valor da causa, através da interpretação conjunta dos §§ 3º e 4º do art. 20 do CPC, incidindo o percentual eleito sobre o quantum condenatório. Precedentes jurisprudenciais do STJ.

6. Recurso especial improvido.

(REsp 505.080/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/10/2003, DJ 17/11/2003 p. 212)

Acerca do tema, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte já decidiu:

EMENTA: Remessa necessária e Apelações Cíveis. Ação Indenizatória. Danos Morais. Lesão à integridade física e moral das apeladas por ato de Policiais Militares, no exercício de suas funções. Comprovada ação dos agentes. Abuso de Poder. Dano configurado. Responsabilidade objetiva do Estado. Quantum debeatur fixado em conformidade com o Princípio da Razoabilidade e Proporcionalidade. Precedentes. Improvimento dos Recursos . Manutenção da Sentença Apelada.

(TJRN - Ap. Cível nº 2006.006340-2, Rel. Des. Aécio Marinho, 3ª Câmara Cível, j. 01/03/2007)

Nessa ordem de considerações, à luz de tudo o que foi analisado, constato que os autores fazem jus à indenização pelos danos morais sofridos resultantes dos atos praticados por agentes da Administração Pública.

Estão, portanto, devidamente analisados e demonstrados o dano moral efetivo e o nexo de causalidade estabelecido entre o dano e a atividade administrativa.
É também o entendimento pacífico na jurisprudência:

"A vítima de lesão a direitos não patrimoniais (Constituição da República, art. 5º, incisos V e X) deve receber uma soma que lhe compense a dor e a humilhação sofridas, e arbitradas segundo as circunstâncias. Não deve ser fonte de enriquecimento, nem ser inexpressiva"

(TJSP - 7ª C. - Ap. - Rel. Campos Mello - j. 30.10.91 - RJTJESP 137/187).

"O dano moral não é estimável por critérios de dinheiro. Sua indenização é esteio para a oferta de conforto ao ofendido, que não tem a honra paga, mas sim uma responsabilidade a seu desalento"

(TJSP - 5ª C. - Ap. - Rel. Silveira Neto - j. 29.10.92 - JTL-LEX 142/104).

"A indenização por dano moral é arbitrável, pois, nada dispondo a lei a respeito, não há critério objetivo para cálculo a esse dano nada tem com as repercussões econômicas do ilícito"

(TJSP 2ª C. - Rel. Cezar Peluso - j. 29.09.92 - JTJ-LEX 142/95).

A indenização que os demandantes solicitam é por dano moral e a sua estipulação deve-se fazer levando-se em consideração os critérios admitidos para tanto, ou seja, de acordo com o livre convencimento do juiz. Sendo assim, o valor da indenização deve ser arbitrado, mas de forma a compensar a dor sofrida e não permitir o enriquecimento.

Deste modo, considerando todas as circunstâncias constantes dos autos, entendo por bem fixar a indenização devida em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para o autor Amadeu Viana da Silva e em R$ 10.000,00 (dez mil reais) para o autor João Gervásio da Cunha, a título de danos morais, em razão deste último ter sido mais lesionado.

III - DISPOSITIVO

ISTO POSTO, julgo procedente o pedido formulado nestes autos para condenar o ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE a pagar ao autor Amadeu Viana da Silva a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e ao autor João Gervásio da Cunha a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), totalizando R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a título de indenização por danos morais, corrigido monetariamente a partir da publicação da sentença, mais juros de mora de 1,0 % ao mês a contar da citação.

Considerando a qualidade do trabalho do advogado, o grau mediano de complexidade da causa (art. 20, § 3º, do CPC) e a sucumbência da Fazenda Pública (art. 20, § 4º, do CPC), arbitro os honorários em 10% sobre o valor da condenação com as respectivas atualizações.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Natal/RN, 18 de maio de 2009.

Airton Pinheiro
Juiz de Direito



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