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terça-feira, 9 de junho de 2009

JURID - Denúncia por estupro por violência presumida. [09/06/09] - Jurisprudência


Direito Penal. Denúncia por estupro por violência presumida contra menor de quatorze anos.


COMARCA DE PARACATU - VARA CRIMINAL

Processo Penal nº 0470 08 046475 - 8

SENTENÇA

Direito Penal. Denúncia por estupro por violência presumida contra menor de quatorze anos. Relacionamento sexual consentido pela menor, a qual revelou maturidade de se auto determinar na vida sexual. Artigo 224, a, do CP - Presunção relativa. Absolvição nos termos do artigo 386, III, do CP.

Vistos etc.,

Luiz Carlos Cordeiro dos Santos foi denunciado pelo Ministério Público desta Comarca como incurso nas sanções do artigo 213 c/c artigo 71 e artigo 224, alínea "a", todos do Código Penal, pois, segundo a inicial acusatória de fls. 02/03,

"... em meados de novembro de 2007 até a presente data, na Fazenda Duas Pontas, situada na Região denominada Porções, zona rural deste município, o denunciado acima nominado constrangeu a vítima MMM, de 13 anos de idade, a praticar com ele conjunção carnal mediante violência presumida.

Do caderno probatório exsurge que o denunciado namora com a vítima há mais de 04 meses, inclusive a retirou de casa e a levou para a cidade de João Pinheiro/MG para morarem juntos, cometendo o delito por reiteradas vezes, valendo-se das mesmas condições de tempo, local e maneira de execução...".

A denúncia foi recebida às fls. 57, em 14/04/2008.

Regularmente citado, o acusado foi interrogado às fls. 60/61, apresentando a defesa prévia de fls. 67/70.

Instrução processual com oitiva de testemunhas às fls. 95/100.

Alegações finais do Ministério Público às fls. 102/108, requerendo a condenação do acusado, nos moldes da inicial acusatória.

Também em sede de alegações finais, o d. Defensor pugna pela absolvição do acusado, entendendo que houve consenso da vítima na prática sexual.

É o relatório. Decido.

O processo teve seu curso normal, sem nulidades ou irregularidades a serem apreciadas. Em tudo se obedeceu as disposições processuais e penais, colhendo-se as provas requeridas pelas partes. A denúncia narra os fatos e todas as suas circunstâncias.

Analisando detidamente o presente feito, entendo que a exordial acusatória não merece prosperar, pois a presunção de violência inserta na alínea "a" do artigo 224 do CP não pode ser considerada de caráter absoluto.

In specie, todos os elementos de prova demonstram que a adolescente MMM, suposta vítima, inobstante ter idade inferior a quatorze anos, ostentava indubitável maturidade para entender o ato sexual, bem como as consequências advindas com o mesmo.

Em seu interrogatório de fls. 60/61, o réu confessa a prática da relação sexual com a adolescente, pois segundo afirmou "(...) realmente manteve relação sexual com M uma vez, na fazenda onde o interrogando trabalhava, quando esta lhe procurou; estavam namorando escondido e naquele dia M veio da casa do pai até onde o interrogando estava morando, cerca de quinze quilômetros, onde passaram a noite juntos; mantiveram uma relação sexual normal, supondo o interrogando que houve penetração; o pai da vítima e o patrão do interrogando não concordaram que a vítima ficasse morando com este; a vítima dizia que tinha quatorze anos de idade e tinha corpo feito, de mulher; a vítima procurou o interrogando para um relacionamento e concordava plenamente com a relação sexual; nunca houve ameaça ou qualquer tipo de violência; depois daquele dia ainda namoraram escondido por um tempo e depois terminaram (...)".

Nota-se que o acusado afirma que não houve emprego de violência na prática sexual. Ademais, afirmou que a suposta vítima tinha compleição física de mulher, não aparentando ter apenas a idade de treze anos.

As declarações do acusado merecem guarida, pois encontram respaldo nos demais elementos de prova. Segundo relatou a testemunha José Araújo Mesquita, pai da adolescente M - fls. 97 - "(...) não percebeu que o réu estivesse forçando a vítima ou lhe ameaçando para que lhe acompanhasse; a vítima saiu uma vez com o réu e depois voltou; depois foi novamente e somente foi encontrada em João Pinheiro (...) a vítima voltou para Paracatu, disse que tinha mantido relações sexuais com o réu, mas logo se afastou deste (...) a vítima continua morando com o depoente e sua esposa, mãe, desde o dia que retornou de João Pinheiro; a vítima estuda na cidade, para onde vem e volta diariamente (...)".

Merece enfoque, então, o depoimento da menor MMM - fls. 98 - quando afirmou que "(...) tinha namorado um outro rapaz, de sua idade, antes de se envolver com o réu Luiz Carlos; namoraram um período e Luiz Carlos pediu seu pai, da depoente, para que ficassem juntos, fossem juntos para João Pinheiro, onde o réu trabalhava; o pai da depoente não concordou mas mesmo assim o réu continuou insistindo; foram para a fazenda onde o réu trabalhava, escondidos, no município de João Pinheiro, onde mantiveram relações sexuais; concordou plenamente com as relações, não havendo violência ou ameaça ou qualquer promessa; tiveram três relações sexuais completas, com penetração e ejaculação; ficou com o réu, inclusive iniciou um namoro e manteve as relações, porque estava 'a fim' (...) entrou no carro do réu e viajou com o mesmo para João Pinheiro sem qualquer coação ou pressão, foi espontaneamente (...)".

O conselheiro tutelar José Xavier Coimbra também disse, às fls. 99, que "(...) a vítima saiu uma vez com o réu, desapareceu, a polícia e o conselho tutelar foram acionados mas no mesmo dia retornou; em seguida a vítima novamente sumiu em companhia do réu e nos dias seguintes foi localizada em João Pinheiro; não percebeu que a vítima estava sendo forçada a ficar com o réu aparentando que o fazia espontaneamente (...) a vítima voltou a morar com sua família, não tem envolvimento com o réu e não teve outros casos ou namorados (...)"

Por derradeiro, a testemunha Lúcia Moreira Mendanha Gonçalves - fls. 100 - afirmou que "(...) pelo o que sabe a vítima acompanhou o réu espontaneamente, porque quis (...) ".

Nota-se que, in casu, a vítima não foi forçada ou mesmo induzida, por promessas, à prática sexual, tendo as relações acontecido espontaneamente. Ademais, percebe-se que a adolescente aparentava maturidade para o relacionamento sexual, tanto que enfrentou sua família para viver o aludido romance, ficando desaparecida por um dia com o réu e, posteriormente, foragindo com este para a Comarca de João Pinheiro, pois restou aclarado pela própria menor que entrou no carro do réu e viajou com o mesmo para João Pinheiro sem qualquer coação ou pressão, foi espontaneamente. Mais, concordou plenamente com as relações, não havendo violência ou ameaça ou qualquer promessa; tiveram três relações sexuais completas, com penetração e ejaculação; ficou com o réu, inclusive iniciou um namoro e manteve as relações, porque estava 'a fim'.

A prova testemunhal também nos permite perceber, clara e inequivocamente, que o relacionamento sexual entre acusado e vítima se deu de forma tranquila, normal, sem nenhuma pressão. Aliás, neste aspecto, o próprio pai da menor sustentou que não percebeu que o réu estivesse forçando a vítima ou lhe ameaçando para que lhe acompanhasse, aduzindo também que a vítima saiu uma vez com o réu e depois voltou; depois foi novamente e somente foi encontrada em João Pinheiro.

Importa salientar que, após romper o relacionamento com o acusado, a menor M prosseguiu sua vida normalmente, pois segundo relatou seu genitor, a vítima continua morando com o depoente e sua esposa, mãe, desde o dia que retornou de João Pinheiro; a vítima estuda na cidade, para onde vem e volta diariamente, o que demonstra mais uma vez que as relações sexuais foram refletidas, tanto que não lhe causaram abalo emocional.

Anota-se, por oportuno, que embora trate-se de acusação pela prática do crime de estupro consumado, em continuidade delitiva, o laudo pericial juntado às fls. 12 concluiu que estava a paciente com vestígios de ato libidinoso, sem ruptura himenal.

Instado a se manifestar acerca do laudo pericial, o médico perito Ricardo Silva Guazzeli - fls. 96 - disse que "(...) pode ter ocorrido a penetração, incompleta, sem ruptura himenal, mas neste caso o hímen não é complacente; as pessoas, se jovens e inexperientes podem ter a sensação ou ilusão de que houve penetração mas na verdade esta não foi completa, principalmente quando se trata de óstio amplo (...)".

Tenho, pois, que trata-se de laudo inconclusivo, não servindo a explicação do expert no presente caso, vez que não se trata de hímen complacente, e tanto a vítima, quanto o acusado afirmaram, categoricamente, a ocorrência do relacionamento sexual completo, devendo ser consideradas estas afirmações, até mesmo porque o réu, quando dos fatos, tinha quase vinte e nove anos de idade, não podendo ser tido como pessoa sexualmente inexperiente.

Preceitua o artigo 182 do CPP que o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte.

Sobre o tema, nos leciona o eminente doutrinador Guilherme de Souza Nucci - in Código de Processo Penal Comentado, 7ª ed., Revista dos Tribunais, p. 395 - que é natural que, pelo sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, adotado pelo Código, possa o magistrado decidir a matéria que lhe é apresentada de acordo com sua convicção, analisando e avaliando a prova sem qualquer freio ou método previamente imposto pela lei.

Rejeito, pois, o laudo pericial, entendendo que o relacionamento sexual entre acusado e vítima ocorreu, indubitavelmente.

Não obstante, conforme se verificou, não houve emprego de violência ou engodo para garantir as investidas sexuais do acusado, tendo a vítima maturidade, apesar da pouca idade, para aquiescer na prática sexual.

Destarte, comungo do pensamento de que a norma inserta na alínea 'a' do artigo 224, do Código Penal, deve ser reconhecida como regra de presunção relativa, sob pena de se violar frontalmente a Constituição Federal, mormente no que tange aos princípios da legalidade e presunção de não-culpabilidade. Em nosso ordenamento penal, a dúvida na interpretação de uma norma sempre deve ser sanada em prol do acusado, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo.

Além disto, a constante mutação social nos faz refletir acerca de casos de violência ficta, pois permitem análises diversas de acordo com o caso concreto, não podendo ser taxativamente considerada violência a relação sexual com toda e qualquer adolescente com idade inferior a quatorze anos. Tal regra deve ser aplicada a casos em que a menor, sem ostentar a mínima maturidade ou senso de educação sexual, vez que desinformada sobre a vida sexual e íntima, foi visivelmente ludibriada pelo parceiro.

No caso sub judice, a menor revelou capacidade de se auto determinar com relação à sua sexualidade, sendo descabida a acusação de estupro.

Abalizando o entendimento desposado, trago à colação, o entendimento do Superior Tribunal Federal, in verbis: "Estupro-Configuração-Violência presumida- Idade da Vitima - Natureza. O estupro pressupõe o constrangimento de mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça - artigo 213 do Código Penal. A presunção desta última, por ser a vítima menor de 14 anos, é relativa. Confessada ou demonstrada a aquiescência da mulher e insurgindo da prova dos autos a aparência, física e mental, de tratar-se de pessoa com idade superior aos 14 anos, impõe-se a conclusão sobre a ausência de configuração do tipo penal. Alcance dos artigos 213 e 224, alínea a do Código Penal". (JSTF 223/372-3). Mais: "Caráter relativo, e não absoluto, da presunção de violência do artigo 224 do CP. Com esse fundamento, após rejeitar, por maioria, a proposta de que a matéria fosse afetada ao plenário - tendo em vista que, no momento da proposta, o resultado do julgamento já estava definido com três votos pela concessão da ordem - a Turma deferiu habeas corpus para julgar improcedente a ação penal movida contra o paciente". HC 73.662-MG, Rel. Min. Marco Auréélio, 21/5-96.

Diante desta situação fática, outro caminho não resta, senão a absolvição do réu, nos termos do artigo 386, III do CPP.

Isto posto, julgo improcedente a denúncia de fls. 02/03 e absolvo o réu Luiz Carlos Cordeiro dos Santos das acusações que lhe foram feitas, nos termos do artigo 386, III do CPP.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Paracatu, 16 de abril de 2009.

João Ary Gomes
Juiz de Direito



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