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sexta-feira, 5 de junho de 2009

JURID - Assédio moral. Admissão dos fatos por todos os réus. [05/06/09] - Jurisprudência


Assédio moral. Admissão dos fatos por todos os réus. Desnecessidade de produção de prova testemunhal. Condenação.
PRIMEIRA VARA DO TRABALHO DE CRICIÚMA/SC

Processo nº 3620-2008-003-12-00-0


Ao 1º dia do mês de junho de 2009, estando presente o Exmo. Juiz do Trabalho, CARLOS ALBERTO BEGALLES, que ao final assina, foi realizada a audiência relativa ao processo nº 3620-2008-003-12-00-0, entre partes: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, autor, e ALTHOFF SUPERMERCADOS LTDA, FLÁVIO PAULO ALTHOFF e FLARIS AUGUSTO ALTHOFF, réus. Às 17h, aberta a audiência, foram, de ordem do MM. Juiz, apregoadas as partes: ausentes.

S E N T E N Ç A

Vistos etc.

RELATÓRIO

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, qualificado na petição inicial, ajuizou ação civil pública em face do ALTHOFF SUPERMERCADOS LTDA., FLÁVIO PAULO ALTHOFF e FLARIS AUGUSTO ALTHOFF, também qualificados.

Na audiência inicial, presentes as partes, não houve conciliação. Os réus apresentaram contestações, sobre as quais se manifestou o autor.

Na audiência de instrução o juízo entendeu que os elementos existentes nos autos eram suficientes para a entrega da prestação jurisdicional, por isso indeferiu a produção de prova testemunhal requerida pelas partes. Protestos.

Sem mais provas encerrou-se a instrução processual.

Razões finais remissivas pelo autor e por memoriais pelos réus.

Frustrada a última tentativa de conciliação.

FUNDAMENTAÇÃO

a) Legitimidade


O 1º e 2º réus alegam que o Ministério Público do Trabalho não possui legitimidade para propor a presente ação civil publica, pois "somente a pessoa que sofreu a ofensa tem legitimidade para almejar qualquer reparo" (fl. 86, quarto parágrafo) e, ainda, "não é admissível que o parquet se utilize de tal instrumento, a pretexto de defender supostos direitos sociais de um diminuto grupo de empregados de uma empresa" (fl. 91, último parágrafo).

Sem razão os réus.

A tutela que busca o autor é referente ao meio ambiente de trabalho adequado e equilibrado, caracterizando-se como direito coletivo stricto sensu (e não como direito individual homogêneo, como alegam os réus). Mesmo que fosse direito individual homogêneo o autor teria legitimidade, pois diante de uma interpretação sistemática dos arts. 6º, VII, letra "d", e 83, III, da Lei Complementar n.º 75/1993, 127 e 129, III, da Constituição Federal, depreende-se que o Ministério Público do Trabalho detém legitimidade para ajuizar ação civil pública, buscando defender interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos. Rejeito a preliminar.

b) Assédio moral - admissão dos fatos por todos os réus - desnecessidade de produção de prova testemunhal - condenação

O juízo indeferiu a produção de prova testemunhal em razão de que todos os réus admitiram expressamente - mediante documentos - os fatos narrados na petição inicial, tornando-se, portanto, desnecessária a produção da referida prova (art. 400 do CPC).

Além disso, como ficará demonstrado a seguir, o que se constata nesse processo é que os dois sócios da empresa (2º e 3º réus), em razão de disputa pessoal (um pelo fato de que não conseguiu aval da sociedade empresária para compra de equipamento médico e outro pelo fato de que pretende retirar o irmão da sociedade) transformaram o ambiente de trabalho em um verdadeiro campo de guerra, sendo os empregados tratados como objetos, violando o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), ofendendo a honra e a imagem dos empregados (art. 5º, X, da CF/88) e a intenção do legislador constituinte de manter um ambiente de trabalho saudável (art. 7, XXII, da CF/88).

Passo a análise dos fatos e das provas.

Num ato de confissão expressa quanto ao assédio moral e até numa tentativa de atenuar sua responsabilidade, a sociedade empresária (1ª ré) junta aos autos um diagnóstico organizacional elaborado por psicóloga (fls. 679/695) onde se constata o seguinte:

1º) "A equipe encontra-se literalmente dividida em dois grupos, denominados por eles próprios de grupo A, onde estão os colaboradores que se reportam ao sócio Sr. Fláris e o grupo B, onde estão os colaboradores que se reportam ao sócio Sr. Flávio" (fl. 685).

2º) "Não há comunicação entre os dois grupos, dificultando assim a qualidade da operação do serviço, pois é sabido que em qualquer organização e em qualquer atividade, é necessário haver integração nas informações, nas relações e na comunicação entre as pessoas. Na empresa Althoff Supermercados, essa cisão tem prejudicado a saúde física e psíquica dos colaboradores, que relatam o sentimento de pressão, medo, insegurança, falta de respeito" (fl. 685, grifei).

3º) "Os valores pessoais de todos os indivíduos estão confrontados com um ambiente hostil, agressivo, de provocações" (fl. 685).

4º) "O clima de tensão vem provocando prejuízo à saúde de vários colaboradores, que relatam estarem fazendo uso de medicamentos controlados para dormir, falta de apetite, perda de peso, stress e até princípio de depressão. Durante as entrevistas, o clima de tensão era percebido através do tom de voz dos indivíduos (falavam baixo com medo de serem ouvidos), olhares desconfiados e estado de alerta permanente" (fl. 686).

5º) "Os colaboradores do Althoff Supermercados mostram a auto-estima seriamente abalada pela não resolução da situação que a empresa vem atravessando. Os funcionários do escritório, que estão fisicamente confrontados com as pessoas envolvidas na situação, demonstram maior dificuldade em lidar com tudo" (fl. 689).

6º) "É necessária realização urgente de trabalhos que objetivem o resgate da auto-estima, motivação e reconhecimento dos trabalhadores da empresa". (fl. 693).

Sem dúvida, pelos fatos acima narrados, constata-se pelo relatório da psicóloga juntado aos autos pela sociedade empresária (1ª ré) que o assédio moral está caracterizado, ocorrendo violação ao princípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CF/88), pois os sócios transformaram os empregados em objetos em razão de interesses pessoais, violação a honra e a imagem dos empregados (art. 5º, X, da CF/88) e violação a intenção do legislador constituinte de manter um ambiente de trabalho saudável (art. 7, XXII, da CF/88).

Quanto à alegação da sociedade empresária (1ª ré) de que não é responsável pelos atos de seus sócios não procede, pois se os sócios não a representam, quem representará? Além disso, não importa quem praticou o ato, se o sócio A ou o sócio B ou até mesmo empregados, pois os fatos aconteceram no ambiente de trabalho e o empregador (sociedade empresária) deve manter um ambiente de trabalho saudável, sob pena de responsabilidade (art. 932, III, do CC/2002).

Não bastasse a sociedade empresária (1ª ré) juntar laudo pericial reconhecendo o assédio moral, o Sr. Paulo (2º réu) também juntou laudo pericial reconhecendo o assédio moral (fls. 119/147) e referido laudo foi aceito na íntegra pelo Sr. Fláris (3º réu), inclusive, ressaltando a capacidade da perita (fl. 767, item 1) descrevendo que no ambiente de trabalho os empregados, em razão da divisão em grupos, passam pelos seguintes problemas:

- rigor excessivo;

- confiar tarefas inúteis ou degradantes;

- desqualificação ou críticas em público;

- isolamento ou inatividade forçada;

- ameaças explícitas ou veladas;

- exploração de fragilidades psíquicas e físicas;

- limitação ou proibição de qualquer inovação ou iniciativa do trabalhador;

- agressões verbais ou através de gestos;

- sugestão para pedido de demissão;

- ausência de serviço ou atribuição de metas dificílimas ou impossíveis de serem cumpridas;

- instruções confusas;

- referências a erros imaginários;

- supressão de funções ou tarefas;

- vigilância ostensiva.

Isso tudo se caracteriza como assédio moral, ou seja, exposição dos trabalhadores a situações humilhantes, constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º. III, da CF/88), ofendendo a honra e a imagem dos empregados (art. 5º, X, da CF/88) e a intenção do legislador constituinte de manter um ambiente de trabalho saudável (art. 7, XXII, da CF/88).

Diante desses fatos, ou seja, reconhecimento do assédio moral pela sociedade empresária e pelos sócios, está caracterizado o dano à coletividade, havendo que ser compensado o dano moral coletivo, que se caracteriza pela violação, no presente caso, aos direitos coletivos dos indivíduos integrantes de uma empresa. Na verdade, restam configurados tanto o dano moral individual e homogeneamente considerado como o dano moral coletivo e difuso decorrente da grave violação de valores coletivos relevantes e juridicamente tutelados.

Ante o exposto condeno os sócios (2º e 3º réus) a:

- tratar seus empregados com o respeito devido a qualquer pessoa humana, abstendo-se, imediatamente após a intimação da sentença, de praticar quaisquer condutas que caracterizem como assédio moral, humilhação, abuso do poder diretivo do empregador ou ofensa pessoal, ou que, de qualquer outro modo, submetam-os a constrangimento físico ou moral ou atente contra a honra, a moral e a dignidade da pessoa humana, seja como forma de pressioná-los a pedir demissão ou sob qualquer outro pretexto ou com qualquer outra finalidade, tais como, por exemplo: xingamentos, referências pejorativas, tratamento agressivo, ordens mediante gritos, ordens para realizar atos obscenos ou injuriosos, exigência de serviços ou tarefas superiores à capacidade do trabalhador ou que possam provocar-lhes agravos à sua saúde física ou psíquica, fixação de metas impossíveis de serem alcançadas, retenção indevida de pagamento, criticas excessivas e injustificadas à qualidade dos serviços e/ou ordens para realizar tarefas ou serviços estranhos à função do trabalhador, com o objetivo de ofendê-lo, humilhá-lo ou coagi-lo a pedir demissão, ou ainda, tratamento persecutório à pessoa de determinado empregado, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) incidente a cada descumprimento, multiplicada pelo número de trabalhadores vitimados, reversível ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) ou outro fundo que venha a substituí-lo.

Condeno a sociedade empresária (1ª ré) a:

- promover, por meio de profissional da área de psicologia organizacional, imediato diagnóstico do meio ambiente psicossocial do trabalho, tendo como objetivo a identificação de qualquer forma de assédio moral ou psíquico aos trabalhadores. Adotar estratégias eficientes de intervenção precoce, indicadas pelo profissional, visando à preservação da higidez do meio ambiente do trabalho e do clima de recíproco respeito na empresa. Prazo: para a contratação de profissional a sociedade empresária terá o prazo de 30 dias a contar da intimação da sentença. Para apresentação do laudo do diagnóstico psicossocial do trabalho 60 dias a contar da intimação da sentença. A comprovação do cumprimento deverá ser feita com a juntada aos autos do contrato de prestação de serviços, com cópia do currículo do profissional e também com a cópia do laudo pericial.

- implementar normas de conduta que visem à construção de um ambiente de trabalho saudável e de respeito à honra, à reputação, à liberdade e à dignidade de seus empregados. Prazo: de acordo com o diagnóstico psicossocial do trabalho. A comprovação do cumprimento da referida obrigação será feita com a juntada aos autos do respectivo regulamento tratando da matéria no prazo de 30 dias a contar da entrega do laudo.

- realizar, com periodicidade de 6 (seis) meses, palestras de conscientização dos trabalhadores para a manutenção do ambiente de trabalho moralmente sadio, durante 05 (cinco) anos, orientando, principalmente os trabalhadores exercentes de cargo de chefia, como identificar e resolver eventuais conflitos que venham ou possam vir a caracterizar discriminação e/ou assédio moral praticado por superiores hierárquicos e/ou colegas de trabalho. Prazo: a primeira palestra deve ser realizada no prazo de 30 dias a contar da intimação da sentença e a comprovação do cumprimento da obrigação deverá ser feita mediante a juntada aos autos, no prazo de 60 dias da intimação da sentença, da cópia do documento indicando o dia da palestra, inclusive com a assinatura dos empregados;

- não tolerar quaisquer atos praticados por trabalhadores que manifestem preconceito ou assédio, de qualquer espécie, aplicando sanções disciplinares a seus autores após o término da investigação dos fatos. Prazo: imediatamente. Caso ocorra os atos descritos neste item deverá a sociedade empresária trazer aos autos, no prazo de 30 dias após a conclusão da investigação, cópia do procedimento onde conste o início e o final da investigação e a atitude tomada em razão do fato. Terá a 1ª ré o prazo de 30 dias após a ciência do fato para conclusão da investigação;

- tornar disponíveis, por meio de norma interna empresarial, canal de específico para o recebimento de queixas dos empregados ou qualquer denúncia relativa a práticas discriminatórias e/ou de assédio e/ou desigualdade de tratamento, investigando-a e, se for o caso, adotando as providências. Prazo: 60 dias a contar da intimação da sentença. A comprovação do cumprimento da referida obrigação será feita mediante juntada aos autos do documento demonstrando o canal de recebimento de queixas e a ciência por parte dos empregados;

- promover o acompanhamento da conduta de seus empregados que, comprovadamente, tenham praticado atos discriminatórios ou de assédio moral, de modo a impedir que novos casos venham a ocorrer. Prazo: a partir da ciência do fato. A comprovação será feita mediante juntada aos autos de atitudes tomadas pela sociedade empresária com relação à conduta do infrator, no prazo de 60 dias a contar da ciência do fato. A investigação dos fatos deverá ser feita no prazo de 30 dias;

Às obrigações em epígrafe, será cominada multa de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) incidente a cada item descumprido de modo autônomo e cumulado, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou outro fundo que venha a substituí-lo.

Por fim, condeno os réus, de forma solidária (art. 932,III, c/c art. 942, ambos do CC/2002), a pagarem a título de danos morais coletivos o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou outro fundo que venha a substituí-lo. Referido valor está sendo arbitrado em razão da gravidade da conduta (assédio moral já descrito acima), a capacidade econômica do empregador (possui sete lojas no Estado de Santa Catarina, é uma das maiores redes de supermercados do Estado - fl. 48), o número de pessoas lesadas (em que pese à denúncia tenha sido feito por 23 empregados, o número de atingidos, por óbvio, é o total dos empregados) e a natureza pedagógica da condenação (evitar condutas semelhantes no futuro).

c) Amplitude da cognição - prequestionamento

Expostos os fundamentos pelos quais decidi os pedidos submetidos a julgamento, restam atendidas as exigências da CLT, art. 832, caput, e da CF, art. 93, IX, não sendo exigível pronunciamento explícito acerca de todas as questões e fundamentos das partes, até porque o recurso ordinário não exige prequestionamento viabilizando ampla devolutividade ao Tribunal (CLT art. 769 c/c art. 515, § 1º e 2º do CPC e Súmula 393 do TST).

DISPOSITIVO

Ante o exposto e nos termos da fundamentação, rejeito as preliminares e, no mérito, julgo procedente em parte os pedidos formulados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em face de ALTHOFF SUPERMERCADOS LTDA, FLÁVIO PAULO ALTHOFF e FLARIS AUGUSTO ALTHOFF, para condenar os réus a cumprirem as obrigações (sob pena de multa) e a pagar a indenização por danos morais, tudo conforme fundamentação.

Custas, pelos réus, no importe de R$ 2.000,00, calculadas sobre R$ 100.000,00, valor arbitrado à condenação para esse fim.

Intime-se. Cumpra-se. Nada mais.

CARLOS ALBERTO BEGALLES Juiz do Trabalho


JURID - Assédio moral. Admissão dos fatos por todos os réus. [05/06/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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