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quinta-feira, 4 de junho de 2009

JURID - Aprovação. Vestibular. Vagas preenchidas. Cotas para negros. [04/06/09] - Jurisprudência


Aprovação em vestibular. Vagas preenchidas. Cotas para negros e indígenas.

Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul - TJMS.

Quinta Turma Cível

Apelação Cível - Lei Especial - N. 2005.010356-9/0000-00 - Maracaju.

Relator - Exmo. Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva.

Apelante - Laura Célia Losano.

Def. Públ. - Eliana Etsum Tsunoda.

Proc. D. Públ. - Francisco José Soares Barroso.

Apelada - Fundação Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS.

Advogado - Não consta.

E M E N T A - APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA - APROVAÇÃO EM VESTIBULAR - VAGAS PREENCHIDAS - COTAS PARA NEGROS E INDÍGENAS - PRINCÍPIO DA IGUALDADE - NÃO AFRONTA - RECURSO NÃO PROVIDO.

O tratamento igual dos iguais e desigual dos desiguais garante a constitucional igualdade real.

Não há obrigatoriedade da convocação de candidato que não obteve classificação dentro do número de vagas ofertada.

Negado provimento ao recurso.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Quinta Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator. Decisão contra o parecer.

Campo Grande, 30 de abril de 2009.

Des. Vladimir Abreu da Silva - Relator

RELATÓRIO

O Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva

Laura Celia Losano, nos autos da ação de mandado de segurança que move em face da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, inconformada com a sentença de improcedência do pedido inicial, interpôs recurso de apelação.

Argumenta que as Leis Estaduais 2.605/02 e 2.589/02 são inconstitucionais, incialmente, por incompetência do Estado para legislar sobre a matéria, em consonância com o artigo 22, inciso XXIV, da Constituição Federal.

Afirma que a decisão de manter as cotas fere o princípio da igualdade, conforme artigo 5º, caput, e 3º, IV, ambos da Constituição Federal.

Prequestionou a violação aos artigos constitucionais mencionados.

Finalizou requerendo a reforma da sentença, concedendo a segurança para determinar sua matrícula escolar no curso de pedagogia.

Sem contrarrazões.

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça pelo provimento do recurso.

VOTO

O Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva (Relator)

Trata-se de recurso de apelação interposto por Laura Celia Losano, nos autos do mandado de segurança impetrado contra a Fundação Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

Argumenta, em síntese, a inconstitucionalidade das Leis Estaduais 2.605/02 e 2.589/02, as quais prevêem cotas para indígenas e negros.

Em princípio há que se esclarecer que a autoridade coatora não pode ser simplesmente a Universidade, mas o seu reitor, vez que este sim pode praticar ato coator.

Em que pesem os argumentos da apelante, bem decidiu o magistrado a quo em sentença que negou a segurança.

A igualdade prescrita no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, por inúmeras vezes, exige o tratamento formal diferenciado entre os indivíduos para se alcançar a igualdade real.

Neste norte, o que se veda são normas que criem diferenciações despropositadas, mostrando-se incompatíveis com a Constituição Federal.

Nesse sentido, transcrevo o trecho citado na sentença dos ensinamentos de ALEXANDRE DE MORAES:

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal. A igualdade se configura como uma eficácia transcendente de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a constituição, como norma suprema, proclama. O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social. A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado. Importante, igualmente, apontar a tríplice finalidade limitadora do princípio da igualdade - limitação ao legislador, ao intérprete/autoridade pública e ao particular. O legislador, no exercício de sua função constitucional de edição normativa, não poderá afastar-se do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Assim, normas que criem diferenciações abusivas, arbitrárias, sem qualquer finalidade lícita, serão incompatíveis com a Constituição Federal. (in Direito Constitucional, Ed. Atlas, 11ª ed. pgs. 64/65) (sem grifo no original).

Não se discute se as cotas resolvem ou não o problema da desigualdade social, mas busca amenizá-lo. A dificuldade do acesso ao ensino superior das classes para as quais as cotas foram previstas foi comprovada ao passo que nem sequer as vagas a eles destinadas foram preenchidas, tendo as vagas remanescentes sido redistribuídas para aqueles aprovados constantes da classificação geral.

Quanto à constitucionalidade das Leis Estaduais aventadas, o magistrado a quo se manifestou apropriadamente em sentença cujos fundamentos ora adoto como razões de decidir:

A Constituição da República, em seu art. 22, XXIV:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;

Trata-se de competência legislativa reservada à União. Todavia, as competências descritas no inciso supra mencionado, não confere à União a exclusividade material e tampouco legislativa em relação ao tema, mas somente no que respeita as regras gerais, como se dessume do próprio dispositivo legal quando limita a restrição legiferante em diretrizes e bases. Assim o é porque em seguida, já no art. 24, IX, preconiza que concorrem todos os entes federados a legislar sobre educação, cultura, ensino e desporto.

De tal arte, muito embora tenha a União o monopólio de legislar sobre as regras gerais sobre a educação nacional, não retirou dos demais entes políticos o poder de integrar a norma genérica posta, de acordo com as peculiaridades regionais.

O Ordenamento Jurídico, malgrado unitário, é composto de inúmeras normas num sistema hierárquico de forma piramidal, onde as normas inferiores devem encontrar fundamento de validade em legislação imediatamente superior e assim adiante, até chegar ao vértice maior do eqüilátero, onde se encontra escoteira a Constituição da República. Os diplomas estaduais e municipais haveriam de encontrar substrato de validade na norma federal, em prestígio à reserva legislativa à União já mencionada. É o que KELSEN denominou de estrutura escalonada da ordem jurídica. Lúcida, aliás, a ensinança do aludido mestre:

Já nas páginas precedentes por várias vezes se fez notar a particularidade que possui o Direito de regular a sua própria criação. Isso pode operar-se de forma a que uma norma apenas determine o processo por que outra norma é produzida, Mas também é possível que seja determinado ainda em certa medida o conteúdo da norma a produzir. Como, dado o caráter dinâmico do Direito, uma norma somente é válida porque e na medida em que foi produzida de uma determinada maneira, isto é, da maneira determinada por uma outra norma, esta outra norma representa o fundamento imediato de validade daquela. A relação entre a norma que regula a produção de uma outra e a norma assim regularmente produzida pode ser figurada pela imagem espacial da supra-infra-ordenação. A norma que regular a produção é a norma superior, a norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior. A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da relação de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até chegar finalmente na norma fundamental pressuposta. A norma fundamental hipotética, nestes termos, é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta inter-relação criadora. (Kelsen, Hans, Teoria Pura do Direito, Ed. Martins Fontes, Trad. João Baptista Machado, pg. 240.)

Como visto no magistério acima, toda a norma deve encontrar respaldo de legitimidade, em última análise, na própria Constituição Federal, ainda que tacitamente, somente deixando de ser constitucional aquela que efetivamente seja concebida ao arrepio da Lei Maior. E não é o que ocorre no caso dos autos.

Verdade que não há previsão expressa na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (L. Fed. nº 9394/96) sobre a possibilidade de reserva de cotas raciais, o que, a princípio levaria à conclusão de que, formalmente inconstitucionais as leis estaduais aludidas por usurpação de competência.

Todavia, o art. 5º, § 2º, da Constituição da República preleciona: § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Tal dispositivo recepciona ao texto magno os tratados do qual o Brasil tenha aderido, donde alocar-se a Lei ratificada em plano de hierarquia superior relativamente á L. 9.394/96, porquanto, repita-se, tem sua gênese integrada ao fraseado constitucional. Singra em tal norte autorizada doutrina de Celso de Albuquerque Mello:

A Constituição de 1988 no § 2 do art. 5º constitucionalizou as normas de direitos humanos consagradas nos tratados. Significando isto que as referidas normas são normas constitucionais, como diz Flávia Piovesan citada acima. Considero esta posição já como um grande avanço. Contudo sou ainda mais radical no sentido de que a norma internacional prevalece sobre a norma constitucional, mesmo naquele caso em que uma norma constitucional posterior tente revogar uma norma internacional constitucionalizada. A nossa posição é a que está consagrada na jurisprudência e tratado internacional europeu de que se deve aplicar a norma mais benéfica ao ser humano, seja ela interna ou internacional. A tese de Flávia Piovesan tem a grande vantagem de evitar que o Supremo Tribunal Federal venha a julgar a constitucionalidade dos tratados internacionais. (O § 2º do art. 5º da Constituição Federal in Teoria dos Direitos Fundamentais, Rio de Janeiro, ed. Renovar, 1999, organizado por Ricardo Lobo Torres)

Sendo o Brasil signatário da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1968, ratificada pelo Decreto nº 65.810, de 8 de dezembro de 1969, assumiu o decreto status constitucional.

Reza os arts. 1º, item 4, da Convenção:

Artigo 1º - Para os fins da presente Convenção, a expressão "discriminação racial" significará toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública.

"4. Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos."

Assim, as leis estaduais encontram essência de validade diretamente de convenção internacional placitada pelo direito constitucional brasileiro, donde afastar a pecha de inconstitucionalidade lhe irrogada, porquanto o fator discriminatório abraça dispositivo acolhido pelo texto da Constituição por extensão.

Portanto, é certo que a apelante não logrou êxito em obter classificação que lhe garantisse uma vaga no curso universitário pretendido, assim como, certamente, muitos outros aprovados que a sucederam não obtiveram a vaga.

Enfim, em face das razões expostas, não se verifica possível violação aos dispositivos legais prequestionados pela apelante.

Assim, não merece nenhuma reforma a sentença proferida pelo juízo a quo, razão pela qual conheço do recurso, mas nego-lhe provimento, contra o parecer ministerial.

DECISÃO

Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:

POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. DECISÃO CONTRA O PARECER.

Presidência do Exmo. Sr. Des. Sideni Soncini Pimentel.

Relator, o Exmo. Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva.

Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Vladimir Abreu da Silva, Luiz Tadeu Barbosa Silva e Júlio Roberto Siqueira Cardoso.

Campo Grande, 30 de abril de 2009.

Publicado 12/05/09




JURID - Aprovação. Vestibular. Vagas preenchidas. Cotas para negros. [04/06/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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