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quarta-feira, 3 de junho de 2009

JURID - Apelação cível. Ação indenizatória por danos morais, [03/06/09] - Jurisprudência


Apelação cível. Ação indenizatória por danos morais. Falha na prestação de serviço médico-hospitalar.


Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJRJ.

DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.001.64.717

RELATOR:DESEMBARGADOR CLAUDIO DE MELLO TAVARES

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO MÉDICO-HOSPITALAR. APÓS A REALIZAÇÃO DO PRÉ-NATAL NA CASA DE SAÚDE RÉ/SEGUNDA APELANTE, COM MÉDICA OBSTETRA PREPOSTA DA MESMA, FOI NEGADA À AUTORA/PRIMEIRA APELANTE A REALIZAÇÃO DO PARTO SOB A ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE UNIDADE DE TRATAMENTO INTENSIVO (UTI) NEONATAL, NECESSÁRIA AO SUCESSO DE QUALQUER PARTO, PARA ASSEGURAR A VIDA DO RECÉM NASCIDO E DAR TRANQUILIDADE À PARTURIENTE. A RÉ TINHA CIÊNCIA DE QUE A AUTORA POSSUÍA UM TUMOR NO CÉREBRO, TRATANDO-SE DE PARTO DE ALTO RISCO PARA ELA E PARA O BEBÊ E, SE ACEITOU REALIZAR O PRÉ-NATAL E O PARTO EM SUAS DEPENDÊNCIAS, COM MÉDICA PREPOSTA, NÃO PODERIA, AO FINAL, NEGAR A REALIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO, POR FALTA DE UTI NEONATAL E POR HAVER CONSTATADO PROBLEMAS NO FETO. A DEVOLUÇÃO DO VALOR RECEBIDO PARA A REALIZAÇÃO DO PARTO NÃO CANCELA OS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS SUPORTADOS PELA PARTURIENTE. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR. O NOSOCÔMIO RESPONDE PELOS DANOS CAUSADOS AOS PACIENTES DE SEUS PREPOSTOS, ATENDIDOS EM SUAS DEPENDÊNCIAS. DESNECESSÁRIA A COMPROVAÇÃO DE CONTRATO ESCRITO REFERENTE AO COMPROMISSO DE REALIZAÇÃO DO PARTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NÃO SE DISCUTE A MORTE E/OU A CAUSA DA MORTE DO NASCITURO, MAS A ANGÚSTIA, O PÂNICO E OS DEMAIS SOFRIMENTOS SUPORTADOS PELA MÃE (AUTORA). DANO MORAL "IN RE IPSA". A VERBA INDENIZATÓRIA FIXADA EM R$ 20.000,00 (VINTE MIL REAIS) MOSTRA-SE INSUFICIENTE PARA REPARAR O DANO MORAL SUPORTADO PELA AUTORA/PRIMEIRA APELANTE E PARA SURTIR O EFEITO PUNITIVOPEDAGÓGICO SOBRE A RÉ/SEGUNDA APELANTE, QUE SE ESPERA COM A CONDENAÇÃO A TAL TÍTULO. MAJORAÇÃO QUE SE IMPÕE. PROVIMENTO PARCIAL DO PRIMEIRO APELO (DA AUTORA) E IMPROVIMENTO DO SEGUNDO (DA RÉ).

Vistos, relatados e discutidos esses autos de Apelação Cível nº 2008.001.64.717, em que são apelantes 1) Cristiane Casemiro Alatrach; 2) Casa de Saúde e Maternidade Terezinha de Jesus Ltda. e apelados os mesmos.

ACORDAM os Desembargadores que compõem a Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em dar parcial provimento ao primeiro apelo (da autora), Cristiane Casemiro Altrach e negar provimento ao segundo (da ré), Casa de Saúde e Maternidade Terezinha de Jesus Ltda., nos termos do voto do Desembargador Relator.

Cuida-se de Ação Indenizatória ajuizada por Cristiane Casemiro Alatrach, em face de Casa de Saúde e Maternidade Terezinha de Jesus Ltda., distribuída à 2ª Vara Cível da Comarca de São João de Meriti.

A autora alegou que, quando estava no quarto mês de gestação, sabendo que o parto seria de risco tanto para ela como para o feto, por ser ela portadora de um tumor cerebral, optou por ter o bebê na Casa de Saúde ré, tendo em vista a propaganda de que possuía UTI Neonatal (unidade de tratamento intensivo para recém nascidos), onde passou a ser atendida por médica preposta daquele nosocômio, tendo contratado um plano de saúde com a ré para realização do parto, mediante pagamento antecipado de R$ 2.800,00.

Entretanto, em 12.09.03, após o resultado de seu exame, foi internada às pressas pela médica preposta da ré, Dra. Ana Paula, que, por volta das 19:00 horas, comunicou à família da autora que o parto deveria ser feito com urgência, mas não poderia ser realizado naquela unidade ré, tendo em vista não estar funcionando a UTI Neonatal.

Sustentou que além de a ré se negar a realizar o parto já pago, mesmo se tratando de medida de urgência, pois o bebê encontrava-se em sofrimento, não conseguiu outra maternidade para a transferência da autora e negou a disponibilização de ambulância com acompanhamento médico para procurar um hospital em condições de realizar o parto, tendo a autora que contar com a boa vontade de um policial militar que, prontamente, levou-a em automóvel particular para o Hospital dos Servidores, que só realizou o parto em face do caráter de urgência, tendo o bebê nascido e morrido após 22 minutos, ficando a autora internada por três dias.

Assim, foi ajuizada a presente ação requerendo a concessão de tutela antecipada para realização de busca e apreensão do prontuário médico da autora, naquela unidade da ré e a condenação desta ao pagamento de danos morais no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), incidindo juros de mora a contar da negativa do parto e juros legais, arcando, ainda, com os ônus da sucumbência. Outrossim, pleiteou a expedição de ofício ao Conselho Regional de Medicina para apurar a omissão de socorro.

Contestação, às fls. 45/53, refutando a alegação da autora de que foi posta para fora do estabelecimento da ré, sem o mínimo de amparo. Ressaltou que não foi realizado contrato de plano de saúde com a autora e, após a quarta consulta, a médica preposta da ré, ao constatar problemas com o feto, providenciou a internação da autora, dando-lhe medicamentos adequados enquanto procurava vaga em maternidade que dispunha de UTI Neonatal e, diante da dificuldade de conseguir vaga em hospital adequado, a médica redigiu recomendação que possibilitou a internação e a realização do parto no Hospital dos Servidores (HSE), vindo o recém nato a falecer por fator congênito (síndrome e má formação) e não em face da demora no atendimento.

Alegou, ainda, falta de culpa e de nexo causal e, mesmo que se entenda envolver responsabilidade objetiva, inexiste dano moral a ser indenizado, sendo excessivo o valor requerido a tal título. Por fim, requereu a improcedência do pedido autoral.

Réplica, às fls. 68/70.

Audiência de conciliação às fls. 93/95.

Prontuário médico de atendimento da autora no Hospital dos Servidores, às fls. 111/138.

Laudo do perito do juízo, às fls. 156/168.

Audiência de instrução e julgamento, às fls. 201/205, com oitiva de informante e testemunha. Audiência de oitiva de testemunha, por precatória às fls. 226/229.

Na sentença, às fls. 264/268, foi julgado procedente o pedido, condenando a ré a indenizar a autora, a título de danos morais, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), incidindo juros legais de 1% ao mês, a contar do evento, e correção monetária desde a citação, bem como ao pagamento das despesas processuais e de honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor da causa.

Apelaram ambas as partes; a autora, às fls. 270/276, e a ré, às 278/283.

A autora requer a majoração da verba indenizatória, para o valor pleiteado na inicial, considerando que a ré/apelada a deixou abandonada na porta do hospital, sabendo que se encontrava em estado gravíssimo e na hora de dar a luz a seu filho, que já sofria, tratando-se de parto de alto risco.

A ré repisando os argumentos já apresentados requer a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos elencados na exordial. Ressalta a conclusão do perito no sentido de que não foi vislumbrada má conduta nos procedimentos médicos, tendo o juiz "a quo" julgado com a emoção e fora dos limites da lide, violando os arts. 128 e 460 do CPC.

Contrarrazões apresentadas pela ré, às fls. 288/292.

É o relatório.

A presente lide envolve responsabilidade médico-hospitalar, que, no passado se discutia quanto à sua natureza jurídica: se contratual ou extracontratual; se gerava obrigação de meio ou de resultado.

Para elucidar a matéria, cabe, aqui, transcrever, neste sentido o entendimento esposado pelo Desembargador Sérgio Cavalieri Filho (in "Programa de Responsabilidade Civil", 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2003, p. 368/369):

"Entendo que após o Código do consumidor essas discussões perderam relevância. Hoje a responsabilidade médica/hopitalar deve ser examinada por dois ângulos distintos. Em primeiro lugar a responsabilidade decorrente da prestação de serviço direta e pessoalmente pelo médico como profissional liberal. Em segundo lugar a responsabilidade médica decorrente da prestação de serviços médicos de forma empresarial, aí incluídos hospitais, clínicas, casas de saúde, bancos de sangue, laboratórios médicos etc."

A divergência acerca da natureza jurídica do contrato em nada altera a responsabilidade do médico, posto que o que importa saber é se a obrigação gerada pela avença é de resultado (em que a culpa é presumida) ou de meio (em que a culpa precisa ser provada).

Neste sentido, ressalta, o citado jurista, que:

"Logo, a obrigação assumida pelo médico é de meio, e não de resultado, de sorte que, se o tratamento realizado não produziu o efeito esperado, não se pode falar, só por isso, em inadimplemento contratual. Esta conclusão, além de lógica, tem o apoio de todos os autores, nacionais e estrangeiros (Aguiar Dias, Caio Mário, Silvio Rodrigues, Antônio Montenegro, e é também consagrada pela jurisprudência.

Disso resulta que a responsabilidade médica, embora contratual, é subjetiva e com culpa provada. Não decorre do mero insucesso no diagnóstico ou no tratamento, seja clínico ou cirúrgico. Caberá ao paciente, ou aos herdeiros, demonstrar que o resultado funesto do tratamento teve por causa a negligência, imprudência ou imperícia do médico. O Código do Consumidor manteve neste ponto a mesma disciplina do art. 1.545 do Código Civil de 1916, que corresponde ao art. 951 do novo Código. Embora seja o médico um prestador de serviços, o Código de Defesa do Consumidor, no § 4º do seu art. 14, abriu uma exceção ao sistema de responsabilidade objetiva nele estabelecido. Diz ali que: 'A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa'. Devendo ter em mente, todavia, que o Código do Consumidor foi bem claro ao dizer que a exceção só abrange a responsabilidade pessoal do profissional liberal, não favorecendo, portanto, a pessoa jurídica na qual ele trabalhe como empregado ou faça parte da sociedade. Assim, por exemplo, se vários médicos resolverem constituir uma sociedade, a responsabilidade desta não será subjetiva."

No presente caso, a autora/apelante requer a condenação, apenas, da Clínica ré ao pagamento de indenização por danos morais, em face dos sofrimentos que suportou ao não poder realizar o parto naquele estabelecimento, embora lá tenha feito o pré-natal com médica preposta da mesma, já tendo inclusive, pago pelo serviço.

Verifica-se que a negativa de realização do parto não se deu por incapacidade da médica preposta da ré, mas sim porque não estava em funcionamento a Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal. Portanto, não se trata de falha ou erro médico, mas falha na prestação do serviço da Clínica ré/segunda apelante, que, embora disponibilize a realização de partos, não tem em funcionamento UTI para os recém nascidos, o que se mostra imprescindível para a segurança do bebê e tranqüilidade da parturiente.

Após a realização do pré-natal na Casa de Saúde ré/segunda apelante, com médica obstetra preposta da mesma, foi negada à autora/primeira apelante a realização do parto, alegando inexistência de UTI Neonatal, que seria indispensável em face de ter sido constatado problemas no feto e das conhecidas condições de saúde da mãe (atora/primeira apelante), portadora de tumor cerebral.

Era de conhecimento da médica preposta da casa de saúde ré que a parturiente (autora) possuía um tumor cerebral e, portanto, que se tratava de gravidez de alto risco de morte tanto da mãe como do nascituro. Portanto, ao ser prestado todo o acompanhamento pré-natal naquela casa de saúde, esta deveria estar devidamente equipada com UTI para atender a mãe e o bebê, caso necessário, na hora o parto.

Mesmo que a tal omissão não se possa atribuir a causa da morte do nascituro, não há dúvidas de que gerou sofrimentos e desespero na gestante (autora), pois impediu que ela procurasse com antecedência uma maternidade com condições de realizar o parto, que já era previsto ser de alto risco.

O nosocômio responde pelos danos causados aos pacientes de seus médicos prepostos, atendidos em suas dependências.

Assim, mostra-se desnecessária a existência de contrato escrito referente ao compromisso de realização do parto em suas instalações.

Nestes autos, repita-se, não se discute a morte e a casa morte do nascituro, mas a angústia, o pânico e os demais sofrimentos suportados pela mãe (autora/primeira apelante), ao ter frustrada a expectativa de ser realizado o parto pela médica que lhe acompanhou durante a gestação e na casa de saúde onde vinha sendo atendida, tendo de procurar, em caráter de urgência, outra maternidade que possuísse UTI Neonatal, o que não é fácil diante da carência de tais características e sem um mínimo de precedência.

A devolução do valor recebido para a realização do parto não apaga os danos extrapatrimoniais suportados pela autora/primeira apelante e não exime a ré/segunda apelante do dever de indenizar tais danos.

O dano moral decorre do próprio fato ("In re ipsa").

A verba indenizatória fixada na sentença, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), mostra-se insuficiente para reparar o dano moral suportado pela autora (primeira apelante), bem como para surtir o efeito punitivo-pedagógico sobre o ofensor, que se espera com a condenação a tal título.

Diante de tais fundamentos, dá-se parcial provimento ao primeiro apelo (da autora), Cristiane Casemiro Alatrach, majorando para R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) a verba indenizatória do dano moral, incidindo correção monetária a contar deste acórdão e juros legais desde a citação, mantendo-se os demais fundamentos e termos da sentença, negando-se provimento ao segundo (da ré), Casa de Saúde e Maternidade Terezinha de Jesus Ltda..

Rio de Janeiro, 01 de abril de 2009.

DESEMBARGADOR CLAUDIO DE MELLO TAVARES
Presidente/Relator




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