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quinta-feira, 4 de junho de 2009

JURID - Ação negatória de paternidade c/c anulação de registro civil [04/06/09] - Jurisprudência


Direito de família. Ação negatória de paternidade c/c anulação de registro civil.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Cível n. 2008.071906-2, de Forquilhinha

Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato

DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. DEMANDA MOVIDA POR TERCEIRO QUE ESPONTANEAMENTE ASSUMIU O VÍNCULO PARENTAL. ILEGITIMIDADE. EXAME DE DNA QUE EXCLUI O ESTADO DE FILIAÇÃO. IRRELEVÂNCIA NA HIPÓTESE. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO E IRRESPONSÁVEL DA PATERNIDADE. ATITUDE QUE EM PRINCÍPIO APARENTA GESTO DE NOBREZA E QUE POSTERIORMENTE, ANTE A FRUSTRAÇÃO DO RELACIONAMENTO MANTIDO COM A GENITORA DO RÉU, TRANSFORMA-SE EM DESASTRE PARA A FILHO RECONHECIDO. COMPORTAMENTO QUE DEVE SER DESESTIMULADO EM HOMENAGEM AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL ESTATUÍDOS NO ART. 226, § 7º, DA CARTA FEDERAL. IRREVOGABILIDADE DO ATO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 1º DA LEI N. 8.560/92 E 1.609 E 1.610 DO CC/2002. FALTA DE INTERESSE DE AGIR E IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO RECONHECIDOS DE OFÍCIO PELO JUÍZO AD QUEM. CONDIÇÕES DA AÇÃO QUE PODEM SER ANALISADAS EM QUALQUER TEMPO OU GRAU DE JURISDIÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. REDUÇÃO DO VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A legitimidade ativa ad causam no tocante às ações negatórias de paternidade é privativa do marido e, excepcionalmente, dos herdeiros, caso este seja incapaz, ou na condição de substitutos processuais ante o falecimento da parte no curso do processo.

2. É um contra-senso pretender-se a busca da verdade real, com arrimo em exame pericial do DNA, quando o próprio interessado fez questão de esconder a dita verdade e, ipso facto, declarar espontânea e voluntariamente uma falsa paternidade, sem sopesar as conseqüências que poderiam advir para si e, sobretudo, para o filho reconhecido.

A prudência recomenda que, em casos tais, ao se estabelecer o confronto de determinados interesses, mais precisamente o do terceiro que promoveu falsa auto-atribuição de paternidade, e daquele que teve sua filiação reconhecida, deva prevalecer o segundo, uma vez que inserido numa realidade sócio-afetiva, sem ter o direito sequer de opinar.

3. O Poder Judiciário, através de suas decisões, não deve estimular tais atitudes, uma vez que absolutamente irresponsáveis e sustentadas, na maioria das vezes, em interesses pessoais, como por exemplo, dinheiro, ideais e paixões daquele que confirma uma paternidade.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.071906-2, da comarca de Forquilhinha (Vara Única), em que é apelante N. M., e apelado P. F. B. M.:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, julgar, de ofício, extinto o processo, sem julgamento de mérito, por falta de condições da ação (ilegitimidade de parte e impossibilidade jurídica do pedido - art. 267, VI, do Código de Processo Civil), e dar provimento parcial ao recurso, para reduzir os honorários advocatícios para R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais). Custas legais.

RELATÓRIO

Adota-se o relatório da sentença recorrida que é visualizado às fls. 156/159, por revelar com transparência o que existe nestes autos, e a ele acrescenta-se que a MM. Juíza a quo, Doutora Miriam Regina Garcia Cavalcanti, julgou improcedente o pedido inicial e ainda condenou o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes que foram fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Desta decisão, o autor interpôs recurso de apelação (fls. 172/189), sustentando, em suma, que o exame de DNA realizado confirmou o que pretendia comprovar, ou seja, que não é o pai biológico do réu. Afirma que, quando se casou com a genitora do réu, este já contava com 3 (três) anos de idade e, para manter um sólido relacionamento familiar, procedeu ao registro de nascimento dele. Diz, ainda, que a desconstituição da paternidade não trará nenhum prejuízo ao réu, uma vez que este já é maior de idade e não mais recebe pensão alimentícia. Com base nesses argumentos, pugna pela reforma da sentença para que seja julgado procedente seu pedido de negação de paternidade c/c anulatória de registro civil. Subsidiariamente, pede que os honorários advocatícios sejam fixados sobre o valor da causa ou reduzidos. Requer, por fim, a concessão do benefício da justiça gratuita.

O réu ofertou contra-razões pela manutenção da sentença recorrida (fls. 206/215).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parece do ilustre procurador Antenor Chinato Ribeiro, opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 224/232).

VOTO

1. Tendo em vista os documentos de fls. 190/202, os quais comprovam que o autor recebe pensão previdenciária de R$ 900,00 (novecentos reais) e ainda é portador de sério problema renal, possuindo inúmeras despesas médicas e hospitalares, defiro o benefício da justiça gratuita ao apelante.

2. É cediço que as condições da ação podem ser aferidas a qualquer tempo e grau de jurisdição, por se tratar de matéria de ordem pública, a teor do disposto no art. 267, § 3º, do Código de Processo Civil. A propósito, ressaltou o eminente Desembargador Trindade dos Santos que a "fiscalização da existência das condições da ação, por ser matéria de ordem pública, não preclui, e pode ser exercida ex oficio, ainda que em sede recursal" (AI n.º 2001.020935-7).

Sobre o tema, aliás, leciona Egas Moniz de Aragão:

Tais itens extravasam do poder dispositivo das partes, ficando incluídos entre os que se sujeitam a investigação de ofício pelo Estado, como uma das conseqüências de ser a ação um direito contra ele exercitável que, por isso, lhe dá o poder correspectivo, de examinar de ofício os pressupostos do processo e as condições da ação, mesmo que ocorra a revelia do réu" (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, v. II, p. 536).

É o entendimento defendido por este Tribunal, entre outros, nos acórdãos assim ementados:

As condições da ação, sendo requisitos de legitimidade da própria atuação do Poder Jurisdicional (arts. 2º e 3º), podem ser examinadas a qualquer tempo, não se sujeitando à preclusão, enquanto não houver sentença de mérito, ainda mesmo que o saneador reste irrecorrido (AC n.º 49.409, Des. Pedro Manoel Abreu).

Ainda que afastadas em saneador, as matérias de ordem pública, tais como ilegitimidade ad causam e pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, podem ser reanalisadas por ocasião da sentença, não precluindo enquanto não proferida a sentença de mérito, nos exatos termos do art. 267, § 3º, do Código de Processo Civil (AC n.º 1997.010159-7, Des. Carlos Prudêncio).

No presente caso, é incontroverso que o autor, ao casar-se com a genitora do réu no ano de 1990, compareceu espontaneamente em cartório e reconheceu a paternidade do réu, à época com apenas três anos de idade (fls. 69/71). Ficou provado, tanto pela colheita da prova testemunhal (fls. 97/106), como pela leitura do recurso de apelação do autor (fls. 177/178), que este sempre teve plena ciência de que o réu não era seu filho biológico.

Vê-se, pois, que a pretensão do autor não está calcada nos vícios do consentimento, tais como erro e coação, insculpidos nos arts. 86 e 98 do Código Civil/1916 e 138 do Código Civil/2002. O objetivo do autor é simplesmente ver declarado que não é o pai biológico do réu.

No entanto, a teor do art. 344 do Código Civil de 1916 e 1.601 do Código Civil de 2002, é fácil concluir que não tem ele legitimidade para tanto. Por oportuno, transcreve-se tais dispositivos

Art. 344. Cabe privativamente ao marido o direito de contestar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher.

Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher...

Nesse rumo vem se posicionando a melhor orientação doutrinária:

A presunção de paternidade não é juris et de jure ou absoluta, mas juris tantum ou relativa, no que concerne ao pai, que pode elidi-la provando o contrário. Essa ação negatória de paternidade é de ordem pessoal, sendo privativa do marido, pois só ele tem legitimatio ad causam para propô-la (CC, art. 1.601, caput; RF, 195:243) a qualquer tempo; mas se, porventura, falecer na pendência da lide, a seus herdeiros será lícito continuá-la (CC, art. 1.601, parágrafo único). Contudo, o marido não pode contestar a paternidade ao seu alvedrio; terá de mover ação judicial, provando uma das circunstâncias taxativamente enumeradas em lei (CC, arts. 1.599, 1.600, 1.602 e 1.597, V, in fine), ou seja:

1) Que houve adultério, visto que se achava fisicamente impossibilitado de coabitar com a mulher nos primeiros 121 dia sou mais dos 300 que precederam ao nascimento do filho. P. Ex., porque se encontrava: separado judicialmente, não tendo convivido um só dia sob o teto conjugal, hotel ou em casa de terceiro, daí a impossibilidade de ter havido qualquer relação sexual entre eles, ou longe de sua mulher, servindo nas forças armadas, em época de guerra.

2) Que não havia possibilidade de inseminação artificial homóloga nem de fertilização in vitro, visto que não doou sêmen para isso (CC, art. 1.597, III e IV), ou heteróloga, já que não havia dado autorização ou que ela se dera por vício de consentimento (CC, art. 1.597, V).

3) Que se encontra acometido de doença grave, que impede as relações sexuais, por ter ocasionado impotência coeundi absoluta ou que acarretou impotência generandi absoluta [...].

[...]

A paternidade jurídica é imposta por presunção (CC, art. 1.597, I a IV), pouco importando se o marido é ou não o responsável pela gestação, despreza-se a verdade real para atender à necessidade de estabilização social e de proteção ao direito à filiação, mas se outorga ao pai o direito de propor a negatória, havendo suspeita de que o filho não é seu, a qualquer tempo (CC, art. 1.601), ou após exame de DNA [...] (Diniz, M. H. Curso de direito civil brasileiro, v. 5, pp. 387/390).

Da jurisprudência colho os seguintes julgados:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL E EXONERAÇÃO DE PRESTAÇÃO ALIMENTAR. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DE FILHO ALHEIO COMO PRÓPRIO. AUSÊNCIA DE VÍCIO CAPAZ DE ANULAR O REGISTRO DE NASCIMENTO. ATO JURÍDICO IRREVOGÁVEL. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM E IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ART. 267, VI, DO CPC. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

Afigura-se manifesta a ilegitimidade ativa ad causam e a impossibilidade jurídica do pedido para a demanda desconstititutiva de paternidade e retificação de registro civil, porquanto o autor, de forma voluntária e consciente, registrou a ré como se fosse sua filha biológica, e, diante da regra insculpida no art. 1604 do Código Civil, não pode invocá-la em seu favor. Em demandas desta espécie, há de prevalecer a paternidade civil em face da paternidade biológica.

Por conseguinte, há de ser mantida a sentença que extinguiu o processo sem resolução de mérito (art. 267, VI, do CPC) (AC n.º 2006.022837-6, Des. Joel Figueira Junior).

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO LEGÍTIMA COM VERDADEIRO CARÁTER DE NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ILEGITIMIDADE ATIVA. AÇÃO PERSONALÍSSIMA. NÃO APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 348, DO CÓDIGO CIVIL. A ação negatória de paternidade é de caráter personalíssimo, de modo que só tem legitimidade para ajuizá-la o próprio pai ou filho cuja paternidade é contestada. Terceiro alheio a essa relação paternal não detém essa legitimidade, não podendo, por conseqüência, figurar no pólo ativo de demanda dessa espécie. O disposto no art. 348, do CC, aplicado-se no caso de negativa de existência de filiação legítima baseada em falsidade ideológica do registro de nascimento, que são as chamada "adoções à brasileira" ou no caso de impugnação, a princípio, da filiação materna, podendo ser proposta por qualquer interessado. No entanto, na existência de maternidade certa, como é o caso dos autos, a negatória de paternidade é privativa do marido, aplicando-se, o disposto nos art. 344 e 345. No caso vertente, apesar da autora afirmar que não pretende discutir a paternidade atribuída ao seu falecido pai, requer que seja anulado dados do registro de nascimento da ré por vício insanável de falsidade ideológica, apontando, no entanto, como único dado falso no assento justamente o reconhecimento da paternidade. O que a autora requer na realidade é a anulação do reconhecimento da paternidade e não o disposto no art. 348, do CC, caracterizando sua ilegitimidade ativa (AC n.º 2001.019429-5, Des. Carlos Prudêncio).

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO LEGÍTIMA C/C ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - ALEGAÇÃO DE FALSIDADE IDEOLÓGICA - ILEGITIMIDADE ATIVA - AÇÃO PERSONALÍSSIMA - INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART. 348, DO CC DE 1916. RECURSO DESPROVIDO. "O registro civil prova o nascimento e estabelece presunção de verdade em favor de suas declarações. Ninguém será admitido a impugnar-lhe a veracidade; seu conteúdo impregna-se de fé pública, a menos que tenha ocorrido erro ou falsidade do registro" (Des. Cláudio Barreto Dutra). Por seu caráter personalíssimo, somente têm legitimidade para ajuizar ação negatória de paternidade, o próprio pai ou o filho que tem sua paternidade contestada, aplicando-se o disposto nos art. 344 e 345 do CC de 1916. O que denota a ilegitimidade ativa da autora é a busca pela anulação do reconhecimento da paternidade e não o que preceitua o art. 348 do mesmo Código (AC n.º 2001.019400-7, Des. Dionísio Jenczak).

Diante deste contexto, forçoso é concluir que a legitimidade ativa ad causam no tocante às ações negatórias de paternidade é privativa do marido e, excepcionalmente, dos herdeiros, se este é incapaz, ou na condição de substitutos processuais ante o falecimento daquele no curso do processo.

E como, na hipótese, a ação em exame foi proposta por terceiro que se declarou registralmente pai biológico da criança, ora réu, inegavelmente não tem o autor legitimidade para tanto.

De qualquer forma, se não fosse este particular que fulmina de vez este processo, outro de igual conseqüência também se verifica, qual seja, a impossibilidade jurídica do pedido.

Com efeito, diversos são os dispositivos legais que estabelecem a irrevogabilidade do reconhecimento de filiação, dentre os quais é de se chamar à atenção para os seguintes:

Lei n.º 8.560/92

Art. 1º O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: [...]

Código Civil/2002

Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:

I - no registro de nascimento;

Art. 1.610. O reconhecimento não pode ser revogado, [...]"

Acerca deste particular, da doutrina extrai-se que:

Uma vez declarada a vontade de reconhecer, o ato passa a ser irretratável ou irrevogável, inclusive se feito em testamento (CC, art. 1.610), por implicar uma confissão de paternidade ou maternidade (RT, 371:96), apesar de poder vir a ser anulado ou inquinado de vício de vontade como erro, coação (AJ, 97:145) ou se não observar certas formalidades legais. A irrevogabilidade do reconhecimento (CC,art. 1.610) não impede, portanto, sua anulação por vício de consentimento social. E, pelo art. 1.604, a irrevogabilidade do reconhecimento não constituirá, ainda, obstáculo à declaração de sua invalidade diante de erro ou de falsidade do registro (Diniz, M. H. Curso de direito civil brasileiro, v. 5, p. 401).

Mas admitindo-se, somente para argumentar, que fosse possível a revogabilidade do reconhecimento de paternidade, esta por certo conflitaria com o disposto na Carta Magna, visto que, fazendo alusão ao princípio da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, é assegurado à todo ser humano o direito à dignidade e ao respeito (art. 1º., inciso III, 226, § 7º, e 227).

Para melhor compreensão, destaco-os:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - [...];

II - [...];

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[...]

§ 7º. Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A propósito, sobre este instituto ensina Ingo Wolfgang Sarlete que é "a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos" (Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, p. 60).

E será que o comportamento do autor nestes autos revela amor e respeito para com o réu, cuja paternidade quer se desvincular de um instante para outro? Certamente que não.

Não há dúvida que no caso em questão o princípio da dignidade da pessoa humana, particularmente do réu, estaria sendo vilipendiado com o resultado pretendido na inicial, retirando deste um de seus atributos pessoais, qual seja, a filiação com relação ao autor, que, diga-se de passagem, teve significativa publicidade nestes seus 22 (vinte e dois) anos de vida.

Logo, não se concebe que o pai registral, com base neste postulado, venha a juízo para desconstituir a paternidade que declarou de livre e espontânea vontade, sem levantar qualquer dúvida.

Ademais, é um contra-senso pretender-se a busca da verdade real, com arrimo em exame pericial do DNA, quando o próprio interessado fez questão de esconder a dita verdade e, ipso facto, declarar, espontânea e voluntariamente, uma falsa paternidade sem sopesar as conseqüências que poderiam advir para si e, sobretudo, para o filho então reconhecido.

A prudência recomenda que, em casos como este retratado nos autos, ao se estabelecer o confronto de tais interesses, mais precisamente o do terceiro que promoveu falsa auto-atribuição de paternidade, e daquele que teve sua filiação reconhecida, deva prevalecer o segundo, uma vez que inserido numa realidade sócio-afetiva, sem ter o direito sequer de opinar.

Urge, pois, que o Poder Judiciário, como ente estatal, legitimado que está pelo art. 1º., III, da Carta Magna, atue através de suas decisões desestimulando tais atitudes, até porque absolutamente irresponsáveis, sustentada, na maioria das vezes, em interesses pessoais, como por exemplo dinheiro, ideais e paixões daquele que confirma uma paternidade.

Com isto, por evidente, não se pretende afastar a possibilidade de o próprio réu, como titular de um direito personalíssimo indisponível, ou o verdadeiro pai biológico, com sustentáculo nos vícios do consentimento (erro, coação ou falsidade), compareçam em juízo se valendo de todos os meios de provas permitidas em direito, em especial o denominado eficiente, seguro e conclusivo exame do DNA, para buscar a anulação do reconhecimento voluntário de paternidade promovido por um terceiro, inconseqüentemente ou não.

Nesta hipótese, a bem da verdade os interesses do réu e do verdadeiro pai biológico são convergentes, não se vislumbrando qualquer vilipêndio à dignidade e ao respeito de qualquer um destes.

Aliás, os julgados utilizados por muitos para justificar a possibilidade jurídica do pedido negatório de paternidade, com arrimo nas profundas modificações sociais (inovações sociais) e avanços da ciência, dizem respeito "ao marido" ou ao "filho", em consonância com a legislação vigente à época, senão vejamos:

NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. DECLARAÇÃO FALSA NO REGISTRO DE FILIAÇÃO. PEDIDO DE DESCONSTITUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. MÁ-FÉ. SUCUMBÊNCIA. 1. Se o autor reconheceu formalmente o infante, sendo sabedor da inexistência do liame biológico, mas deixando evidenciada a situação de paternidade socioafetiva, não pode pretender a desconstituição do vínculo, pretensão esta que se confunde com pedido de revogação. Vedação dos art. 1.609 e 1.610 do Novo Código Civil (e, também, do art. 1º da Lei n.º 8.560/92). 2. A litigância de má-fé não ficou evidenciada tendo as partes estabelecido o debate judicial de suas pretensões de forma leal. 3. Os honorários advocatícios foram corretamente arbitrados tendo em mira a relevância da causa e o trabalho profissional desenvolvido. Recursos principal e adesivo desprovidos (TJRS, AC n.º 70008712283, Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julg. em 30.6.2004).

APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA. Não apontando o autor da negatória de paternidade, nulidade (art. 166 do CC/02) no registro de nascimento da ré, tampouco qualquer vício de consentimento (art. 171, II, CC/02), ao proceder ao ato registral e declarar a paternidade da ré, seu pedido é juridicamente impossível. Apelação desprovida, por maioria (TJRS, AC n.º 70011761863, Des. José Ataídes Siqueira Trindade, julg. em 16.6.2005).

NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ANULAÇÃO DE REGISTRO. IMPOSSIBILIDADE. ADOÇÃO AFETIVA. Narrativa da petição inicial demonstra a existência de relação parental. Sendo a filiação um estado social, comprovado estado de filho afetivo, não se justifica a anulação de registro de nascimento por nele não constar o nome do pai biológico e sim o do pai que desempenhou a função parental. Reconhecimento da paternidade que se deu de forma regular, livre e consciente, mostrando-se a revogação juridicamente impossível. NEGADO PROVIMENTO AO APELO (TJRS, AC n.º 70012565388, Desª Maria Berenice Dias, julg. em 14.9.2005).

APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE, ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. AO ASSUMIR A PATERNIDADE DO FILHO DE SUA EX-COMPANHEIRA, FALSEANDO COM A VERDADE REGISTRAL, ASSUMIU TODOS OS DEVERES INERENTES À PATERNIDADE. PRÁTICA DE ADOÇÃO À BRASILEIRA, QUE, COMO TAL, CARACTERIZA-SE PELA IRREVOGABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. (TJRS, AC n.º 70006440002, Des. Alfredo Guilherme Englert, julg. em 18.9.2003).

NEGATÓRIA DE PATERNIDADE ADOÇÃO À BRASILEIRA. Havendo o varão registrado como filho quem sabia não o ser, impossível o uso desta ação, uma vez que tal ato se equipara a verdadeira adoção, que é irrevogável. Embargos desacolhidos (SEGREDO DE JUSTIÇA) (TJRS, EI n.º 70006617468, Desª Maria Berenice Dias, julg. em 14.11.2003).

NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. DECLARAÇÃO FALSA NO REGISTRO DE FILIAÇÃO. DESCONSTITUIÇÃO DO REGISTRO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Se o autor reconheceu formalmente o infante, sendo sabedor da inexistência do liame biológico, mas deixando evidenciada a situação de paternidade socioafetiva, não pode pretender a desconstituição do vínculo, pretensão esta que se confunde com pedido de revogação. Vedação dos art. 1.609 e 1.610 do Novo Código Civil (e, também, do art. 1º da Lei n.º 8.560/92). Recurso desprovido (TJRS, AC n.º 70007470297, Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julg. em 10.12.2003).

APELAÇÃO. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE CUMULADA COM ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO. Em que pese ser outro o nome da ação proposta, o autor renova a pretensão de direito material anteriormente buscada, qual seja a exclusão da relação jurídica de parentalidade e filiação que se estabeleceu entre ele e o recorrido com o registro de nascimento por ele levado a efeito. Não basta a simples alegação de que sua manifestação de vontade estava comprometida pelas ameaças de familiares da genitora do demandado para autorizar a anulação do reconhecimento efetuado. Nos termos do inciso I do art. 1.609 e do art. 1.610 do CCB é irrevogável o reconhecimento dos filhos extramatrimoniais feito no registro do nascimento. Além do mais, a paternidade é muito mais que um evento meramente biológico, é um fenômeno social e o filho não é algo descartável, que se assume em certo momento para ser dispensado quando entender conveniente. À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO (TJRS, AC n.º 70007580178, Des. Luiz Felipe Brasil Santos, julg. em 17.12.2003).

AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. PREVALÊNCIA. Estabelecida a paternidade socioafetiva entre o autor (pai registral) e o réu, descabe a negatória da paternidade porque aquela deve prevalecer sobre a paternidade biológica. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais. Apelação desprovida, por maioria (TJRS, AC n.º 70007514243, Des. José Ataídes Siqueira Trindade, julg. em 18.12.2003)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE CUMULADA COM EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. ADOÇÃO À BRASILEIRA. O reconhecimento espontâneo da paternidade daquele que, mesmo sabendo não ser o pai biológico, registra como seu o filho da sua companheira, tipifica verdadeira adoção, irrevogável, descabendo, posteriormente, a pretensão anulatória de tal registro, por não demonstrado vício de consentimento. Improcedência da ação mantida. Apelação desprovida (TJRS, AC n.º 70008096562, Des. José Ataídes Siqueira Trindade, julg. em 22.04.2004)

No mesmo rumo, vem decidindo este egrégio Tribunal de Justiça:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - ERRO MATERIAL - PREQUESTIONAMENTO - VÍCIO DE CONSENTIMENTO NA MODALIDADE ERRO - FALSIDADE DE REGISTRO - APLICABILIDADE DA LEI n.º 8.560/92 - MATÉRIAS AMPLAMENTE DISCUTIDAS NO ACÓRDÃO EMBARGADO - EMBARGOS REJEITADOS.

Não há vício de consentimento, na modalidade erro, quando a parte, voluntária e conscientemente, registra filho de outrem como se seu fosse.

A falsidade de registro de nascimento não pode ser invocada pela parte que a deu causa conscientemente.

A aplicabilidade do art. 1º da Lei n.º 8.560/92 é extensiva não só aos filhos havidos fora do casamento, como a todos os outros registrados voluntariamente, salvo quanto às exceções do art. 348 do CC (EDAC n.º 2002.010522-3, da Capital. Des. Wilson Augusto do Nascimento).

APELAÇÃO CÍVEL - NEGATÓRIA DE PATERNIDADE - RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO ATRAVÉS DO REGISTRO CIVIL DO INFANTE - ANULAÇÃO - ATO JURÍDICO IRREVOGÁVEL - EXEGESE DO ART. 1º DA LEI n.º 8.560/92 - EXTINÇÃO DO FEITO - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - SENTENÇA REFORMADA

O pedido formulado na inicial encontra óbice intransponível no art. 1º da Lei n.º 8.560/92 que veda a revogação do reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento.

Tal dispositivo tem como finalidade assegurar a estabilidade das relações entre pais e filhos, voltado ao bem-estar destes. Afinal de contas, não se pode olvidar o abalo anímico e psíquico que poderia advir da revogação do reconhecimento da paternidade, sabendo-se que "na aplicação da lei, a proteção aos interesses do menor sobrelevará qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado" (Ministro Sálvio de Figueiredo, Resp. 4.987-RJ) (AC n.º 2002.015445-3, de Chapecó. Des. José Volpato de Souza).

APELAÇÃO CÍVEL - NEGATÓRIA DE PATERNIDADE - RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO ATRAVÉS DO REGISTRO CIVIL DO INFANTE - ANULAÇÃO - ATO JURÍDICO IRREVOGÁVEL - EXEGESE DO ART. 1º DA LEI n.º 8.560/92 - EXTINÇÃO DO FEITO - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - SENTENÇA CONFIRMADA (AC n.º 2002.018546-4, de Caçador. Des. José Volpato de Souza).

Diante deste contexto, não há como se aplaudir a atitude do autor e, muito menos, como se acolher o nefasto pleito exordial.

3. Em relação aos honorários advocatícios fixados, é cediço que as causas nas quais não há condenação, ou seja, "aquelas que culminam com sentença meramente declaratória (incluída aqui as que julgam improcedente a ação condenatória) ou constitutiva" (Nelson Nery Junior, Código de Processo Civil Comentado, RT, 5ª ed., p. 410), não têm o arbitramento vinculado aos limites máximos e mínimos do art. 20, § 3º do CPC.

A esse respeito, traz-se à baila os julgados que seguem:

PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE ALIENAÇÃO DE BEM COMUM - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM PERCENTUAL SOBRE O VALOR DADO À CAUSA - IMPOSSIBILIDADE - DEMANDA QUE NÃO TEM CUNHO CONDENATÓRIO - APLICAÇÃO DO § 4º DO ART. 20 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - RECURSO PROVIDO (AC n.º 2000.019609-6, deste relator).

Nas causas em que não houver condenação, assim também entendidas as extintas sem julgamento do mérito, a fixação da verba advocatícia está desvinculada dos percentuais máximo e mínimo do § 3º do art. 20 do CPC, devendo os honorários ser arbitrados em valor moderado e razoável, mediante apreciação eqüitativa do juiz, à luz das peculiaridades do caso concreto, consoante prescreve o § 4º do mencionado dispositivo legal (AI n.º 2003.000874-8, Des. Luiz Carlos Freyesleben).

Os critérios prescritos nos §§ 3º e 4º do art. 20 do CPC devem ser sopesados conjuntamente, quando da fixação dos honorários advocatícios nas causa em que não houver condenação (AC n.º 1998.011908-1, Des. Eder Graf).

Acerca dos parâmetros estampados nas alíneas do § 3º do art. 20 aproveitados para a regra do § 4º, ensina Yussef Said Cahali que o zelo profissional reflete no "cuidado, no interesse, na dedicação, na vigilância, no desvelo" empregado pelo profissional no patrocínio da causa; o lugar da prestação diz respeito "à circunstância de que, no curso de um procedimento, serem indispensavelmente exigidas certas diligências, justificadoras, em si mesmas, de uma aferição dos honorários, por uma percentagem mais elevada"; e a natureza e importância da causa, aliadas ao trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, repercute na discussão de "graves questões de direito [..] que exige mais do advogado do que outra em que o pedido se funda em jurisprudência pacífica, sem qualquer controvérsia plausível", ou seja, corresponde à concreta avaliação do trabalho desenvolvido na ação, devendo serem "considerados [...] os incidentes processuais verificados no curso do processo", assim como "compreende a atividade que se desenvolve fora do processo, desde que estreitamente dependente de um mandato relativo à defesa ou representação em juízo, como preordenado à atuação da atividade propriamente processual ou a esse complementar (diligência junto a outros processos, em outras esferas)" (Honorários advocatícios, RT, 1997, 3ª ed., pp..459-466).

No caso em apreço, a causa não exigiu do causídico do apelado tempo ou trabalho extravagantes nem estudos que envolvessem questões complexas. Entretanto, tomando-se a cautela para não se atentar contra a dignidade da nobre profissão, entende-se por bem reduzir os honorários advocatícios para R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), tendo em vista, também, a concessão do benefício da justiça gratuita ao apelante.

4. Ante o exposto, vota-se no sentido de, de ofício, julgar extinto o processo, sem julgamento de mérito, por falta de condições da ação (ilegitimidade de parte e impossibilidade jurídica do pedido - art. 267, VI, do Código de Processo Civil), e dar provimento parcial ao recurso, tão-somente para reduzir os honorários advocatícios para R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais).

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, à unanimidade, julgaram, ex officio, extinto o processo sem julgamento do mérito, por falta de condições da ação, e deram provimento parcial ao recurso, para reduzir os honorários advocatícios fixados.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Henry Goy Petry Júnior.

Florianópolis, 7 de abril de 2009.

Marcus Tulio Sartorato
RELATOR

Publicado 19/05/09




JURID - Ação negatória de paternidade c/c anulação de registro civil [04/06/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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