Agravo de instrumento. Ação de obrigação de fazer c/c perdas e danos.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.
Agravo de Instrumento n. 2008.054866-9, de Navegantes
Relator: Des. Mazoni Ferreira
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PERDAS E DANOS - DIREITO DE DIVULGAÇÃO DO RESULTADO DE TESTES REALIZADOS COM OS PRODUTOS DA AGRAVADA - GARANTIA ASSEGURADA CONSTITUCIONALMENTE (ART. 220) - CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS (DE INFORMAÇÃO X IMAGEM) - OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - DIREITO DE INFORMAÇÃO ASSEGURADO AO CONSUMIDOR.
O direito à informação (de informar, informar-se e ser informado) é resguardado pela Constituição Federal (art. 220).
Quando direitos fundamentais entram em conflito é necessário perquirir acerca de qual deles deve ser preservado em detrimento do outro, com base no princípio da proporcionalidade.
Em se tratando de relação de consumo, prevalece o direito à informação sobre o direito de imagem, mormente quando não há prova nos autos de que as informações prestadas estejam viciadas.
NULIDADE DOS TESTES DIVULGADOS - INEXISTÊNCIA DE PROVA A RESPEITO - EXCESSO NA DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS - QUESTÃO A SER RESOLVIDA EM PERDAS E DANOS - RECURSO PROVIDO.
Para coibir a divulgação de informações acerca da qualidade de produtos postos à disposição do consumidor é necessária a comprovação da nulidade ou falsidade dos testes realizados. Não logrando êxito a autora em tal intento, mantida deve ser a publicação das informações até prova em contrário.
Eventual excesso na divulgação dos resultados ou erro e falsidade dos testes, depende de instrução processual e resolver-se-á em perdas e danos.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2008.054866-9, da comarca de Navegantes (Vara Única), em que é agravante Pro Teste - Associação Brasileira de Defesa do Cidadão, e agravada Costa Sul Pescados Ltda.:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por unanimidade de votos, dar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por Pro Teste - Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, contra a decisão do Juiz de Direito da comarca de Navegantes que, nos autos da Ação Ordinária de Obrigação de Fazer c/c Perdas e Danos n. 135.08.003327-3, proposta por Costa Sul Pescados Ltda., deferiu pedido de liminar, determinando que a agravante se abstenha de divulgar o resultado de testes com os produtos da agravada, sem o seu prévio acompanhamento, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (fls. 71-72).
Alega, em síntese, que: a) a liminar lhe impôs a lei da mordaça, silenciando-a perante os consumidores, acerca da baixa qualidade dos produtos da agravada (desconformidade com as informações anunciadas, como: excesso de gelo e existência de bactérias), além de colocar em risco a saúde daqueles; b) o objetivo da agravante é elucidar e informar o consumidor sobre o nível dos produtos que lhe são fornecidos. A legitimidade para tal fim decorre da Constituição Federal e do seu próprio estatuto; c) a agravada não possui o direito de participar dos testes realizados pela agravante; d) "se a agravante, ao realizar os testes comparativos, fosse obrigada a convidar os fornecedores a participarem dos testes, sua atividade estaria fadada ao fracasso, pois certamente os fornecedores exerceriam grande pressão sobre os laboratórios, no intuito de influenciar a realização do teste, bem como sua publicação, caso lhe fosse prejudicial"; e) a Lei n. 8.078/90 veio para proteger os consumidores dos abusos praticados pelos fornecedores de produtos e serviços; f) "o consumidor tem direito à informação (CDC, arts. 4º, IV, VIII, e 6º, II, III,IV), necessária para a defesa de sua dignidade e saúde (CF, art. 5º, XXXII) e também porque é direito econômico dos consumidores, como sujeitos ativos do mercado, a liberdade de escolha (CF, art. 170, caput e inciso V)".
Requer o provimento do recurso, a fim de que seja reformada a decisão de primeiro grau.
O pedido de efeito suspensivo foi deferido pelo Desembargador Substituto Domingos Paludo, após a apresentação das contrarrazões e das informações pelo Julgador de primeiro grau (fls. 322-328).
Contrarrazões (fls. 168-181).
O recurso interposto contra a decisão que deferiu o efeito suspensivo do recurso (fls. 333-336) teve o seu seguimento negado por decisão monocrática (fls. 402-404).
VOTO
O recurso reúne os pressupostos de admissibilidade, pelo que merece conhecimento.
Pro Teste - Associação Brasileira de Defesa do Consumidor interpôs agravo de instrumento contra a decisão do Juiz de Direito da comarca de Navegantes que, nos autos da Ação Ordinária de Obrigação de Fazer c/c Perdas e Danos n. 135.08.003327-3, proposta por Costa Sul Pescados Ltda, deferiu liminar, determinando que a agravante se abstenha de divulgar o resultado de testes com os produtos da agravada, sem o seu prévio acompanhamento, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00.
A decisão merece reparos.
A Constituição Federal, em seu art. 220, autoriza a manifestação do pensamento, de expressão e informação, sob qualquer forma. O art. 6º do CDC, por sua vez, assegura que é direito básico do consumidor obter informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços postos a sua disposição.
Do efeito suspensivo, extrai-se importante lição dos doutrinadores José Cretela Neto, Francisco Gastão Luppi de Castro Filho, Nelson Nery Costa e Carlos Affonso Pereira de Souza, acerca do direito de informação (fl. 325):
Nossa constituição de 1988 estabelece que a expressão da atividade intelectual, artística e de comunicação poderá desenvolver-se livremente, isenta de censura (art. 5º, IX). Além disso, estipula que 'a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição' (art. 220, caput), e que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação, observado o disposto noa rt. 5º, IV, V, X, XIII e XIV (art. 220, §1º) (Comentários à lei de imprensa: Lei n. 5.250, de 09-2-67 e alterações interpretadas à luz da Constituição Federal de 1988 e da Emenda Constitucional n. 36, de 28-5-02, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 32).
Adiante, extrai-se, também, lição de Luiz Antonio Rizatto Nunes, sobre o direito de informar, de informar-se e de ser informado. Vejamos (fls. 326-327):
A informação, ou melhor, o direito de informação, na Constituição Federal pode ser contemplado sob três espécies:
a) o direito de informar;
b) o direito de se informar;
c) o direito de ser informado.
O direito de informar é basicamente uma prerrogativa conferida pela Carta Magna; os outros dois são obrigações, e bastante relevantes para a questão do consumidor. Examinemos cada um deles.
O direito de informar
É uma prerrogativa constitucional (uma permissão) concedida às pessoas físicas e jurídicas. Vale ler o texto magno. É o dispositivo do caput do art. 220 que dispõe, in verbis:
'A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição'.
Essa norma é solidificada por outra pétrea das garantias fundamentais. A do inciso X do art. 5º, que dispõe, in verbis: 'é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença'.
[...]
Como decorrência do direito de informar, a norma fundamental deixou garantido o direito da informação jornalística, e já nesse aspecto até mesmo declarou certos limites. Leia-se a propósito o § 1º do citado art. 220, que dispõe:
'§1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV' (grifamos).
O inciso X acabamos de comentar. De fato ele é um limite à informação em geral e à informação jornalística em particular.
Todavia, gostaríamos de recolocar nossa tese a respeito da informação jornalística e do interesse público que a norma envolve.
O direito de informação jornalística é, com efeito, simultaneamente um direito de receber informação jornalística. É o interesse público que está em jogo. Como a norma constitucional do direito de informar aparece com uma prerrogativa, isto é, está posta com o modal deônico da permissão, tem-se uma espécie de paradoxo: permissão dos dois lados. O direito de informar tem relação com o direito de ser informado.
Dois direitos, nenhum dever. O ciclo normativo mandar-obedecer não se completa.
Todavia, é exatamente esse outro direito de ser informado que vai permitir, em nossa, opinião, a construção da teoria capaz de fazer com que, também, os limites estabelecidos no inciso X do art. 5º não sejam absolutos.
Se há direito de se informar há, portanto, interesse público e é este que definirá a possibilidade de ser transmitida a informação jornalística. (grifo nosso) (Curso de Direito do Consumidor, 3. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, pgs. 49/50).
De outro lado, a agravante é uma associação civil de finalidade social, sem fins lucrativos, regida pela legislação vigente e pelo seu próprio estatuto, que tem por objetivo promover a defesa dos consumidores e cidadãos em geral (Estatuto Social, arts. 1º e 2º - fls. 29-30).
Destarte, se a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor asseguram o direito à informação acerca da qualidade dos produtos comercializados, e se a agravante tem por objetivo prestá-las, conforme se extrai do seu estatuto, não há razão para coibir a divulgação do resultado dos testes em discussão, mormente porque os consumidores possuem o direito de saber o que estão adquirindo.
No que toca à nulidade dos testes, porque não seguiram as normas técnicas e metodológicas adequadas, e porque não foram realizados por profissionais habilitados, estão desacompanhadas de provas, pelo que não merece guarida.
Já a afirmação de que eles não teriam sido realizados com os produtos da agravada é absurda, diante dos documentos constantes nos autos (fls. 86-105).
O fato de os exames terem sido feitos com produtos adquiridos em supermercados, e não diretamente da empresa agravada, por sua vez, não acarreta nenhuma nulidade no procedimento, pois são naqueles estabelecimentos que as mercadorias são postas à disposição dos consumidores e que devem estar aptas para o consumo.
Quanto à alegação de que a participação da agravada na realização dos testes era imprescindível para a sua validade (sob pena de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa), não encontra amparo legal, pelo que a liminar não poderia ter sido deferida sob esse argumento.
De resto, eventual falsidade ou erro nos exames realizados pelos Laboratórios Bioagri e Cientec, e reproduzidos pela agravante e por outros meios de comunicação (fls. 113 e 239-259), bem como excessos na divulgação dos resultados, praticados pela agravante, devem ser objeto de indenização e de direito de resposta, e não de proibição de informação pura e simples dos resultados. Para tanto, todavia, é necessária a instrução processual, o que ainda não ocorreu.
Certo é que, para a obtenção da liminar discutida (de proibição de informação), era necessário, no mínimo, que a autora tivesse trazido aos autos prova de que os seus produtos não apresentam os vícios/defeitos divulgados. Assim não fazendo, persiste o direito de divulgação.
Para concluir, quando direitos fundamentais entram em conflito (direito de informação x direito de imagem), deve prevalecer aquele que abarca maior número de pessoas, em atenção aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, que, no caso, são os consumidores, razão pela qual a divulgação dos testes não pode ser coibida.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso para autorizar que a agravante continue divulgando os testes realizados com os produtos da agravada.
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, a Segunda Câmara de Direito Civil decide, por unanimidade de votos, dar provimento ao recurso.
O julgamento, realizado no dia 26 de março de 2009, foi presidido pelo Des. Mazoni Ferreira, com voto, e dele participaram os Exmos. Srs. Des. Luiz Carlos Freyesleben e Des. Sérgio Izidoro Heil.
Florianópolis, 17 de abril de 2009.
Mazoni Ferreira
Relator
Publicado 26/05/09
JURID - Ação de obrigação de fazer c/c perdas e danos. [15/06/09] - Jurisprudência
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