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sexta-feira, 5 de junho de 2009

JURID - Ação de indenização por danos morais. Polo passivo. [05/06/09] - Jurisprudência


Ação de indenização por danos morais. Polo passivo. Periódico. Publicação indevida.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Cível n. 2004.034299-3, de Criciúma

Relator: Des. Subst. Jaime Luiz Vicari

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - POLO PASSIVO - PERIÓDICO - PUBLICAÇÃO INDEVIDA - ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO DE DROGAS - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - QUANTUM - MINORAÇÃO NECESSÁRIA.

O periódico que publica indevidamente imagem de suspeito de roubo associando-o ao tráfico de drogas, sem se preocupar com a veracidade dos fatos, comete ilícito civil passível de reparação.

Embora caiba na hipótese reparação, o quantum fixado na sentença afigura-se elevado pois não levou em conta a situação peculiar das partes envolvidas. Acolhimento do recurso nesse ponto, com redução da verba para R$ 1.000,00, montante mais razoável e proporcional aos fatos e parâmetros utilizáveis em situações análogas.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2004.034299-3, da Comarca de Criciúma (1ª Vara Cível), em que é apelante e recorrida adesiva Editora Jornal Tribuna do Dia Ltda. e apelado e recorrente adesivo Robson Cleyton Baldessar:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do reclamo interposto pela Editora Jornal Tribuna do Dia Ltda., afastar as preliminares e, no mérito, dar-lhe parcial provimento para minorar a indenização por danos morais para R$ 1.000,00 e julgar o recurso adesivo de Robson Cleyton Baldessar prejudicado. Custas legais.

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação e recurso adesivo interpostos contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos nos autos da "ação de indenização por danos morais", ajuizada por Robson Cleyton Baldessar contra Editora Jornal Tribuna do Dia Ltda.

Consoante a inicial (fls. 2/5) o periódico veiculou em 15 de março de 2003 matéria intitulada "polícia apreende 50 pedras de crack", na qual estaria estampada sua foto, como agente desse delito, ao lado de outra suspeita de nome Márcia Regina Fraga.

O autor reconheceu que naquele mesmo dia fora preso por suspeita de cometimento de roubo, "suspeita que foi afastada por terem as vítimas dito categoricamente à autoridade policial, após ser submetido a reconhecimento, que o autor não havia participado do roubo ocorrido dias antes" (fl. 2).

Alegou ser "inconcebível que um jornal, de alcance regional, com milhares de leitores e comprometido com a verdade, passe a noticiar inverdades, associe pessoas a fatos do qual não participaram, principalmente quando os fatos são criminosos e ainda quando sabendo que mesmo os culpados têm direito a imagem e a integridade física e moral" (fl. 3).

Asseverou que teria sofrido abalo moral e pugnou pela condenação da ré ao pagamento de indenização.

Citada, a Editora Jornal Tribuna do Dia Ltda. apresentou resposta em forma de contestação (fls. 24-31) sustentando, em linhas gerais, que realmente teria havido equívoco do jornal ao associar a imagem do autor ao crime de tráfico de drogas, mas como ele estaria preso por outro ilícito penal, não haveria falar em dano moral.

Aduziu também que o autor seria réu em três processos criminais, de modo que não se pode falar em boa conduta ou moral, nem, por consequência, em abalo na sua honra.

O autor impugnou (fls. 47-49) as teses esposadas na contestação e foi realizada audiência de conciliação (fl. 55).

Sobreveio, então, a sentença, que condenou a ré ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 6.800,00 e à publicação de uma retratação.

A Editora Jornal Tribuna do Dia Ltda, irresignada, interpôs recurso de apelação (fls. 64-78) e sustentou, em linhas gerais, que teria havido cerceamento de defesa, ante o julgamento antecipado da lide.

Disse que o processo deveria ser extinto sem julgamento de mérito, pois o pedido, embasado nos artigos 186 e 927 do Código Civil, seria juridicamente impossível, pois aplicável ao caso lei específica, a chamada Lei de Imprensa.

Mencionou que também teria havido cerceamento de defesa pois não se teria seguido o procedimento ordinário, previsto no artigo 57, §4º, da Lei n. 5.250/67, com produção de provas.

Reforçou a argumentação acerca da conduta do apelado e disse que não existiria abalo moral, até mesmo porque ele teria sido condenado na esfera criminal.

Sucessivamente, pugnou pela minoração da indenização e pela desnecessidade de ser publicada uma retratação.

O apelado apresentou contrarrazões (fls. 88-90) e recurso adesivo (fls. 92-100), nos quais pediu a majoração do quantum indenizatório, também contra-arrazoado (fls. 105-109), e os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça.

VOTO

No que diz respeito à prefacial de impossibilidade jurídica do pedido razão não assiste à recorrente.

Sobre a impossibilidade jurídica do pedido, colhe-se da lição de Theodoro Júnior:

A possibilidade jurídica, então, deve ser localizada no pedido imediato, isto é, na permissão, ou não, do direito positivo a que se instaure a relação processual em torno da pretensão do autor. Assim, um caso de impossibilidade jurídica do pedido poderia ser encontrado no dispositivo legal que não admite a cobrança em juízo de dívida de jogo, embora seja válido o pagamento voluntário feito extrajudicialmente (Código Civil, art. 814)(THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 68).

Não há no ordenamento jurídico pátrio nenhum tipo de restrição à possibilidade de pedir indenização por danos morais decorrente de matéria jornalística.

Se o autor da ação embasou a sua pretensão nos dispositivos legais do Código Civil e há uma lei específica regulando a mesma matéria, não há falar em impossibilidade jurídica do pedido, e sim, no máximo, apenas em um equívoco da parte ao subsumir os fatos ao direito, consoante a velha máxima da mihi factum dabo tibi jus.

Afasta-se igualmente o suposto cerceamento de defesa arguido pela apelante pela falta de produção de provas e pelo julgamento antecipado da lide.

O Magistrado concluiu que os autos contêm os elementos suficientes para chegar à decisão e entendeu desnecessária a produção de quaisquer outras provas - conforme o princípio do livre convencimento -, e a sentença é suficientemente clara e fundamentada, de modo que não há falar falar em nulidade. Esse entendimento até mesmo é adotado pelo Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. DESPACHO SANEADOR. INEXISTÊNCIA.

1. Inexiste nulidade na sentença proferida em julgamento antecipado, sem prolação de despacho saneador, desde que estejam presentes nos autos elementos necessários e suficientes à solução da lide.

2. Rever o entendimento esposado no aresto recorrido sobre o tema demandaria reexame fático-probatório, o que é vedado nesta Corte de Justiça, ante o enunciado da Súmula 7/STJ.

3. Recurso especial não conhecido (Resp n. 666.627/PR, rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 1-6-2006, DJ 16-6-2006, p. 152).

Confira-se também a decisão desta Segunda Câmara de Direito Civil:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. POSSE OU PROPRIEDADE DO TERCEIRO NÃO DEMONSTRADA. INDÍCIOS DE FRAUDE DA COMPRA E VENDA DO VEÍCULO PENHORADO. EMBARGOS REJEITADOS. SENTENÇA MANTIDA.

O juiz não ofende a Constituição Federal nem o Código de Processo Civil, por cerceamento de defesa da parte, ao antecipar o julgamento da lide sem produzir outras provas quando os litigantes deixam à sua vista documentação suficiente para o desenlace da quaestio (Ap. Civ. n. 2002.014683-3, de Caçador, rel. Luiz Carlos Freyesleben, j. em 21-9-2007).

Com efeito, no presente caso as provas existentes nos autos eram idôneas o bastante para solver a quaestio, pelo que deve ser afastada a linha argumentativa deduzida.

Passa-se, dessa forma, ao mérito.

A apelante sustenta a tese de que, quem não tem boa conduta e já foi preso anteriormente, não pode sofrer dano moral decorrente de um equívoco, no qual ele foi associado ao crime de tráfico de drogas enquanto estava preso preventivamente por suspeita de roubo.

Pode-se dizer que "o que configura o dano moral é aquela alteração no bem-estar psicofísico do indivíduo. Se do ato de outra pessoa resultar alteração desfavorável, aquela dor profunda que causa modificações no estado anímico, aí está o início da busca do dano moral"(SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 3. ed. São Paulo: Editora Método, 2001. p. 100).

Assim, o que alega a apelante é que alguém que foi preso ou processado criminalmente não pode mais sofrer alteração em seu bem-estar psicofísico. A honra e a dignidade são bens personalíssimos inerentes ao ser humano e não podem ser menosprezadas sob o argumento de que presos ou condenados não mais as possuem.

É certo que o apelado foi condenado pelo crime de furto - frise-se, sem trânsito em julgado - e que por ocasião da publicação da reportagem estava preso preventivamente por suspeita de roubo.

Entretanto, ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (Constituição Federal, artigo 5º, inciso LVII), e não há dúvidas de que a imputação indevida de ter praticado crime de tráfico de entorpecentes tem um grande impacto social.

Por óbvio que os acusados de tráfico de entorpecentes carregam um estigma social imensamente maior daqueles acusados de roubo, da mesma forma que os acusados de crimes sexuais em relação aos de outros crimes.

Tivesse o apelado sido preso em flagrante ou cautelarmente pelo crime imputado pelo periódico, não haveria falar em danos morais, porquanto se estaria apenas noticiando os fatos ocorridos.

Entretanto, ao associar o apelado com o crime de tráfico de entorpecentes sem que houvesse um mínimo de relação, a apelante atingiu a honra, a moral e a dignidade do apelado. Houve, dessa forma, um abalo moral.

O equívoco perpetrado pelo periódico, que nem sequer cumpriu com o seu papel de imprensa ao deixar de averiguar minimamente a verdade dos fatos, deve ser reparado tanto pela publicação de uma retratação quanto pelo pagamento de uma indenização.

Nesse sentido, confira-se a recente decisão deste egrégio Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PODE DANOS MORAIS - PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA EM JORNAL - DENÚNCIA PELA PRÁTICA DE CRIME DE ESTELIONATO - DENUNCIADA INCLUÍDA NO ENVOLVIMENTO EM TRÁFICO DE ENTORPECENTES E FORMAÇÃO DE QUADRILHA - EQUÍVOCO DO PERIÓDICO - EXCESSO NO EXERCÍCIO DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO (CF/88, ART. 5º, IX E ART. 220, §§ 1º E 2º) - ABALO Á HONRA CONFIGURADO - SENTENÇA REFORMADA - QUANTUM INDENIZATÓRIO - OBSERVÂNCIA AOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - INVERSÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL.

[...]

Dessa forma, a inclusão, em matéria jornalística, do nome de pessoa denunciada unicamente pelo delito de estelionato, de forma genérica, no rol de acusados pela prática dos crimes de tráfico de drogas e de formação de quadrilha, revela falta de cautela e caracteriza exercício irresponsável do direito de imprensa, insultando, indubitavelmente, a honra e a reputação alheia, assumindo a liberdade de expressão, em tal caso, nova qualificação jurídica, a saber, a de ato ilícito, não tolerado pela ordem constitucional vigente, e passível de indenização (Lei n. 5.250/67, art. 49, I, CC/2002, art. 186 e 187) [...] (Ap. Cív. n. 2007.003967-9, da Capital, rel. Salete Silva Sommariva, j. em 7-2-2008).

Chega-se agora à questão do quantum indenizatório, impugnado tanto no recurso principal como no recurso adesivo.

É certo que não existem parâmetros legais para a fixação da indenização, devendo o magistrado observar para tanto, basicamente, a dor sofrida pela vítima, ou seja, sua intensidade, duração e gravidade, assim como a capacidade econômica do lesante, de modo que o valor final compense, de alguma forma, o dano, e, do outro, puna e faça previnir a ocorrência de iguais situações.

Sobre a fixação do quantum, colhe-se da lição de Sergio Cavalieri Filho:

[...] o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes(Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 116).

No presente caso, o recorrido foi associado, indevidamente, ao tráfico de drogas, crime que gera grande repúdio na sociedade e fixa imagem negativa indelével aos acusados. O órgão de imprensa não teve a cautela de averiguar devidamente a verdade dos fatos e afastou-se do dever de informar, afastou-se do animus narrandi.

Por outro lado, um dos outros parâmetros é a condição da vítima. É certo que todas as pessoas têm os seus direitos de personalidade protegidos pela Lei. Também é sabido que a vítima tem uma condenação por furto e por ocasião da publicação da reportagem estava preso preventivamente.

É evidente que enquanto a sentença penal condenatória não transitar em julgado, o apelado Robson não pode ser considerado culpado. Entretanto, a sua conduta anterior ao ilícito civil, que não pode ser tida como ilibada ou intocável, deve ser levada em consideração em seu devido peso.

Dessa forma, observados os parâmetros citados, o quantum fixado pelo Juízo a quo, de R$ 6.800,00, afigura-se elevado ao caso concreto, de modo que deve ser reduzido para R$ 1.000,00, montante mais razoável e proporcional aos fatos e parâmetros citados.

Ex positis, afastadas as preliminares, os recursos são conhecidos, e dá-se provimento àquele interposto pela Editora Jornal Tribuna do Dia Ltda. para minorar a indenização por danos morais para R$ 1.000,00, prejudicado o recurso adesivo.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, esta Segunda Câmara de Direito Civil decide, por unanimidade, conhecer do reclamo interposto pela Editora Jornal Tribuna do Dia Ltda., afastar as preliminares e, no mérito, dar-lhe parcial provimento para minorar a indenização por danos morais para R$ 1.000,00 e julgar o recurso adesivo de Robson Cleyton Baldessar prejudicado.

O julgamento, realizado no dia 26 de fevereiro de 2009, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Carlos Freyesleben, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Sérgio Izidoro Heil.

Florianópolis, 1º de abril de 2009.

Jaime Luiz Vicari
RELATOR

Publicado 19/05/09




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