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quarta-feira, 10 de junho de 2009

JURID - Ação Civil Pública. Obrigação de fazer com pedido de tutela. [10/06/09] - Jurisprudência


Agravo de instrumento. Ação Civil Pública. Obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência.

Tribunal de Justiça de Mato Grosso - TJMT.

QUARTA CÂMARA CÍVEL

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 116135/2008 - CLASSE CNJ - 202 - COMARCA DE VÁRZEA GRANDE

AGRAVANTE: ESTADO DE MATO GROSSO

AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO

Número do Protocolo: 116135/2008

Data de Julgamento: 18-5-2009

EMENTA

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO E SUPLEMENTO ALIMENTAR NECESSÁRIOS AO TRATAMENTO DE CRIANÇA PORTADORA DE PARALISIA CEREBRAL - PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA MEDIDA - INDICAÇÃO MÉDICA - DESNECESSIDADE DE PRÉVIO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO - ENFERMIDADE COMPROVADA NOS AUTOS - DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE - DEVER DO ESTADO - FIXAÇÃO DE MULTA - POSSIBILIDADE - DECISÃO MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO.

É possível antecipar os efeitos da tutela contra a Fazenda Pública, quando se tratar de questão ligada à saúde, desde que presentes os requisitos autorizadores da medida.

O Poder Judiciário não está adstrito a prévio procedimento administrativo na esfera executiva para conceder medidas assecuratórias do exercício de direitos salvaguardados pela Constituição Federal.

O fornecimento de material e suplemento alimentar, com a finalidade de possibilitar à criança a alimentação, constitui dever do Estado, consentâneo à tutela do direito fundamental à saúde.

Multa estabelecida ao ente estatal, por descumprimento de decisão judicial não se mostra ilegal.

AGRAVANTE: ESTADO DE MATO GROSSO

AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL

Egrégia Câmara:

Trata-se de recurso de Agravo de Instrumento, interposto pelo Estado de Mato Grosso, contra a decisão proferida pelo Juízo da Vara Especializada da Infância e Juventude, que, nos autos da Ação Civil Pública com Pedido de Tutela Antecipada, proposta pelo Ministério Público Estadual, determinou ao Agravante o fornecimento imediato dos medicamentos e aparelhagem indispensáveis ao tratamento da menor A.R.S.L., portadora de Paralisia Cerebral, tipo Tetraplégica Mista, com predomínio de Distonia, Retardo Mental e Epilepsia parcialmente controlada.

Em suas razões recursais, sustenta o Agravante que o Estado presta assistência à saúde da população, todavia o deferimento de tratamentos e fornecimento de medicamentos são embasados nas Portarias Ministeriais, ou em Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Estadual que objetivam estabelecer claramente os critérios de diagnóstico de cada doença, o tratamento preconizado com os medicamentos disponíveis, as doses corretas, os mecanismos de controle, o acompanhamento e a verificação de resultados, a racionalização da prescrição e do fornecimento dos medicamentos, bem como dos equipamentos e tratamentos dispensáveis.

Alega que, para o tratamento da menor ser prescrito e utilizado com segurança para o Estado e paciente, dever-se-ia seguir o procedimento administrativo de dispensação ordenada, mediante apreciação de médico credenciado, com vista à verificação do cabimento e necessidade do fornecimento do fármaco adequado.

Afirma que a desconsideração, por parte da decisão agravada, da competência e atribuição da SES/MT, na organização do complexo sistema de dispensação de tratamentos de alta complexidade, viola frontalmente o art. 2º da Constituição Federal.

Assegura que a antecipação de tutela não poderia ter ocorrido, uma vez que ausente o requisito do fumus boni juris necessário a justificar a concessão da medida de urgência.

Afirma, por derradeiro, a impossibilidade de fixação de multa diária em desfavor do poder público, por causar prejuízo ao erário.

Com essas razões, pleiteia a concessão do efeito suspensivo ao presente recurso, considerando a premente necessidade de evitar dano irreparável à Administração Pública Estadual.

O efeito suspensivo foi indeferido, consoante decisão de fls. 58 a 61-TJ.

A parte agravada apresentou contraminuta às fls. 76 a 87-TJ.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça apresentou parecer às fls. 105 a 109-TJ, opinando pelo desprovimento do Agravo.

É a síntese.

P A R E C E R (ORAL)

O SR. DR. PAULO FERREIRA ROCHA

Ratifico o parecer escrito.

V O T O

EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Como consignado na síntese, pretende o Estado de Mato Grosso a atribuição do efeito suspensivo ao presente recurso para obstar os efeitos da decisão monocrática que, nos autos da Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público Estadual, determinou ao Agravante o fornecimento imediato dos medicamentos e aparelhagem indispensáveis ao tratamento da menor A.R.S.L., portadora de Paralisia Cerebral tipo Tetraplégica Mista, com predomínio de Distonia, Retardo Mental e Epilepsia parcialmente controlada.

Destaco, de pronto, que neste momento processual cabe apenas a verificação da presença dos requisitos necessários para a concessão da medida liminar, não se devendo ingressar no mérito da ação, que ainda será objeto da sentença a ser proferida na primeira instância.

Primeiramente, urge consignar que, em se tratando de questão ligada à prestação de saúde, já está sedimentada nesta egrégia Corte a possibilidade da antecipação da tutela contra o Poder Público, conquanto presentes os requisitos autorizadores para a concessão.

Insurge-se o Agravante, sustentando a necessidade de esgotar a via administrativa, uma vez que a beneficiária do tratamento não se submeteu ao procedimento administrativo de dispensação, exigido pela Secretaria de Saúde do Estado.

Em que pese às razões do Agravante, eventual argumento deve ser afastado, pois as normas pertinentes à saúde, o mais típico dos direitos sociais, têm aplicabilidade imediata, independentemente de norma regulamentadora.

Uma das principais preocupações que o constituinte teve foi com a preservação da vida do cidadão, tanto que, na Constituição Federal, dedica ao tema vários artigos, deixando claro que se trata de obrigação comum, solidária de todos os entes da federação. Provas disso são os artigos 196 da CF e 217 da CE, in verbis:

"Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

"Art. 217 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, assegurada mediante políticas sociais, econômicas e ambientais que visem a eliminação de risco de doenças e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços, para sua promoção, proteção e recuperação."

Em obediência a esses princípios constitucionais, cumpre ao Estado, por meio de seu órgão competente, fornecer medicamentos indispensáveis ao tratamento de pessoa portadora de moléstia grave.

Dessarte, à vista de um direito fundamental, cai por terra qualquer outra justificativa de natureza técnica ou burocrática do Poder Público.

Como ficou comprovado nos autos, a menor A.R.S.L. sofre com enfermidade de natureza grave, (Paralisia Cerebral tipo Tetraplégica Mista, com predomínio de Distonia, Retardo Mental e Epilepsia parcialmente controlada). Devido à referida patologia, a criança utiliza sonda para sua alimentação; todavia, seu organismo rejeitou o instrumento, necessitando da utilização de Botton n. 16, além da alimentação receitada pela nutricionista.

Conquanto o Recorrente sustente a necessidade de a criança se submeter ao procedimento exigido pela Secretaria de Saúde do Estado, o Poder Judiciário não está adstrito a prévio procedimento burocrático para conceder medida assecuratória do exercício de direitos fundamentais salvaguardados pela hierarquia máxima da Constituição, notadamente porque este é mister inerente à função jurisdicional.

Entrementes, verifica-se, no caso em análise, que os pressupostos autorizadores da medida liminar estão presentes.

Com relação à verossimilhança das alegações, fundada em prova inequívoca, denota-se dos documentos colacionados aos autos que o que foi receitado pelo médico pediatra, bem como do receituário da nutricionista é indispensável para a própria sobrevivência da criança.

O perigo da demora está demonstrado, ante a gravidade da enfermidade que, sem o tratamento adequado, pode levar a menor a perecer.

Com efeito, está evidenciada a urgência na concessão da medida, tornando-se inconcebível condicionar o fornecimento do medicamento apenas depois de passar por toda burocracia administrativa.

Calha trazer a lume o entendimento do STJ, in verbis:

"CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO (INTERFERON BETA). PORTADORES DE ESCLEROSE MÚLTIPLA. DEVER DO ESTADO. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE. PRECEDENTES DO STJ E STF.

1. É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos o direito fundamental à saúde constitucionalmente previsto.

2. Eventual ausência do cumprimento de formalidade burocrática não pode obstaculizar o fornecimento de medicação indispensável à cura e/ou minorar o sofrimento de portadores de moléstia grave que, além disso, não dispõem dos meios necessários ao custeio do tratamento.

3. Entendimento consagrado nesta Corte na esteira de orientação do Egrégio STF.

4. Recurso ordinário conhecido e provido." (ROMS 11.129/PR, Rel. Francisco Peçanha, 2ª Turma, unanimidade, DJ 18-2-2002).

Ainda a esse respeito, impende frisar que o direito à saúde, quer no conceito amplo que encerra a idéia da universalidade, quer com o regramento próprio das realidades inerentes à capacidade do Estado em equacioná-lo, é reconhecidamente direito fundamental e, nessa medida, não pode conviver com conceituação hermenêutica inclinada a esvaziar seu conteúdo essencial.

Aliás, a garantia de seu conteúdo essencial é que deve orientar-se como balizamento, abaixo de cujo parâmetro a atividade estatal, ainda que de ordem legislativa, deve ser concertada pelo Poder Judiciário.

Desse modo, a proteção à saúde reclama concretização gradativa, subordinada que é às possibilidades orçamentárias, não raro insuficientes a fazer cobro às necessidades do conjunto da sociedade. Nessa trilha, contrapesando-se o direito fundamental à saúde e a condição econômico-financeira do ente estatal, conclui-se que aquele deva prevalecer.

Contudo, não se deve olvidar que as normas jurídicas não constituem fonte única de direitos morais a serem observados pelos julgadores, mormente quando há regras que, pelo tempo, não atendem às necessidades humanas ou estejam conflitando com os princípios de direito.

Tratando-se de direito à vida, a presteza da resposta é condição de sua validade, no que agiu com acerto o Juiz da causa, porque a natureza da matéria que lhe foi submetida não se poderá sujeitar a delongas de ordem burocrática. A busca pela entrega da prestação jurisdicional deve ser prestigiada pelo magistrado, de modo que o cidadão tenha, cada vez mais facilitada, com a contribuição do Poder Judiciário, sua atuação em sociedade, quer nas relações jurídicas de direito privado, quer nas de direito público.

É certo que a administração tem que atentar para os gastos públicos, sob pena de responsabilidade. Porém, quando se enfrenta o direito à vida, ainda que seja em expectativa, entendo que esta deva prevalecer, exatamente como já decidiu o STF, com voto conclusivo do min. CELSO DE MELO, cuja parte final transcrevo:

"Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, 'caput'), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida." (Pet 1.246-SC, publicado no DJU 13-02-1997).

Indiscutível que a manutenção da decisão que deferiu a antecipação da tutela poderá trazer prejuízos ao Agravante. Todavia, cotejando os direitos em conflito, é evidente que o direito à saúde de uma criança, posta em risco, caso não lhe sejam fornecidos os meios necessários para continuar se alimentando, é infinitamente mais importante.

No que tange à possibilidade de aplicação de multa no valor de R$1.000,00 (mil reais), para o caso de descumprimento da liminar, tenho ser lícita, e seu valor, justo, dado que o descumprimento impede que a menor A.R.S.L. viva com o mínimo de dignidade ao lado de seus familiares.

Ademais, a multa só será devida em caso de descumprimento da ordem judicial, não havendo, por isso, razões para que seja afastada e para que seu valor seja minorado.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso de Agravo de Instrumento, mantendo inalterada a decisão impugnada.

É como voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. JOSÉ SILVÉRIO GOMES, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. MÁRCIO VIDAL (Relator), DESA. CLARICE CLAUDINO DA SILVA (1ª Vogal) e DES. JOSÉ SILVÉRIO GOMES (2º Vogal), proferiu a seguinte decisão: NOS TERMOS DO VOTO DO RECURSO, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Cuiabá, 18 de maio de 2009.

DESEMBARGADOR JOSÉ SILVÉRIO GOMES - PRESIDENTE DA QUARTA CÂMARA CÍVEL

DESEMBARGADOR MÁRCIO VIDAL - RELATOR

PROCURADOR DE JUSTIÇA

Publicado 26/05/09




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