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quinta-feira, 7 de maio de 2009

JURID - Tráfico de mulheres. Vítimas menores de idade. [07/05/09] - Jurisprudência


Tráfico de mulheres. Fato anterior à vigência da Lei nº 11.106/2005. Vítimas menores de idade.

Tribunal Regional Federal - TRF4ªR.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1997.71.03.001651-7/RS

RELATOR: Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

APELANTE: LUIZ ARNALDO DA SILVA MARTINS

ADVOGADO: Rafael Teixeira Dutra

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE MULHERES. FATO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.106/2005. VÍTIMAS MENORES DE IDADE. ARTIGO 231, § 1º, COMBINADO COM O ARTIGO 227, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. CONTINUIDADE DELITIVA. ARTIGO 71 DO CÓDIGO PENAL.

O crime descrito no art. 231, caput, do Código Penal caracteriza-se como formal, consumando-se com a simples entrada ou saída da mulher no país, não importando que ela consinta ou tenha conhecimento do fim para o qual está indo ou chegando a determinado lugar, nem a ocorrência do exercício efetivo da prostituição.

O elemento subjetivo, nessa espécie de delito, consiste na vontade livre e consciente de realizar a conduta descrita no tipo penal, ou seja, no dolo genérico consubstanciado na ciência de que a vítima irá exercer a prostituição.

Tratando-se de vítimas com idade entre catorze e dezoito anos, incide a causa de aumento de pena regulada no artigo 231, § 1º, em combinação com o artigo 227, 1º, ambos do Código Penal.

Tendo o réu praticado mais de uma conduta ilícita, deve ser reconhecida a continuidade delitiva quando preenchidos os seguintes requisitos exigidos pelo artigo 71 do Estatuto Repressivo.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e, de ofício, reconhecer a continuidade delitiva, e, consequentemente, reduzir a pena privativa de liberdade de Luiz Arnaldo da Silva Martins, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado.

Porto Alegre, 22 de abril de 2009.

Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Relator

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Data e Hora: 27/04/2009 01:22:19

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1997.71.03.001651-7/RS

RELATOR: Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

APELANTE: LUIZ ARNALDO DA SILVA MARTINS

ADVOGADO: Rafael Teixeira Dutra

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RELATÓRIO

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Luiz Arnaldo da Silva Martins, dando-o como incurso nas sanções dos artigos 231, § 1º; 224, alínea a, 226, inciso I, e 148, § 1º, inciso III, combinado com os artigos 29, 69, 61, alínea h e 62, inciso III, todos do Código Penal, pelos fatos assim narrados (fls. 02/05):

"Em 08 de outubro de 1997, por volta das 21h, neste Município, o denunciado promoveu a saída do País das menores CIBELE FLORES ORTÓDIO, nascida em 25/03/83, ISABEL DA SILVA BICCA, nascida em 11/05/83, e JULIANA RIBEIRO CHAVES, nascida em 10/07/87, com o fito de as mesmas exercerem a prostituição em uma boate argentina.

Em relação às menores MARAGLAI DUTRA, alcunha "Baby", e ALINE, o crime em foco deu-se na forma tentada.

Conforme afirmaram as menores Cibele e Juliana, em Sede Policial, à época dos fatos trabalhavam na noite, fazendo programas na Avenida Setembrino de Carvalho e na Estação Aduaneira de Uruguaiana/RS, quando foram abordadas pelo denunciado LUIZ ARNALDO DA SILVA MARTINS, o qual tripulava um táxi, que as convenceu a ir trabalhar em uma boate na cidade argentina de Santa Luzia, ao argumento de que no vizinho País poderiam ganhar mais que no Brasil, motivo pelo qual as levou a presença de uma mulher, somente conhecida pelo nome de PATRÍCIA, de alcunha "Pata" ou "Pato", a qual gerenciava o estabelecimento supracitado no vizinho país.

Ato contínuo, as menores antes referidas embarcaram no veículo de propriedade do acusado que as transportou até Paso de Los Libres/RA, onde tomaram um táxi argentino rumo à localidade onde exerceriam a prostituição.

Sobreleva mencionar que na dita ocasião as menores conhecidas pelos nomes de MARAGLAI DUTRA, vulgo 'Baby" e ALINE desistiram da viagem quando já se encontravam no interior do veículo de LUIZ ARNALDO. (...)"

A denúncia foi recebida em 28/11/2003.

Após a instrução processual, sobreveio sentença cujo dispositivo restou redigido nos seguintes termos (fls. 544/556):

"Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação penal para:

CONDENAR o réu LUIZ ARNALDO DA SILVA MARTINS, à pena privativa de liberdade de 13 (treze) anos por incurso, por três vezes, nas sanções do artigo 231, § 1º, do Código Penal, na forma da segunda parte do caput do art. 70 do CP."

A sentença foi publicada em 30/08/2007 (fl. 556).

Inconformado, o réu apelou sustentando, em síntese, a insuficiência de provas aptas a embasar um juízo condenatório (fls. 575/578).

Com as contra-razões, subiram os autos (fls. 583/594).

Nesta instância, o Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação (fls. 598/606).

É o relatório.

À revisão.

Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Relator

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Data e Hora: 04/03/2009 16:16:43

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1997.71.03.001651-7/RS

RELATOR: Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

APELANTE: LUIZ ARNALDO DA SILVA MARTINS

ADVOGADO: Rafael Teixeira Dutra

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

VOTO

A figura delitiva imputada ao réu na sentença encontra-se regulada no artigo 231, § 1º, combinado com o artigo 227, § 1º, ambos do Código Penal:

Tráfico de mulheres

Art. 231 - Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro:Pena - reclusão, de três a oito anos.

§ 1º - Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos.

Art. 227 - Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:

(...)

§ 1º - Se a vítima é maior de catorze e menor de dezoito anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, marido, irmão, tutor ou curador ou pessoa a que esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda:

A redação dos referidos dispositivos legais foi alterada pela Lei nº 11.106/2005, passando a dispor o seguinte:

Tráfico internacional de pessoas

Art. 231. Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1º - Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa

Art. 227 - Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:

(...)

§ 1º Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda

Verifica-se que o delito em apreço caracteriza-se como formal, consumando-se com a simples entrada no Brasil ou saída da pessoa do território nacional, não importando a ocorrência do exercício efetivo da prostituição e nem, na figura do caput, que consinta ou tenha conhecimento do fim para o qual está indo ou chegando a determinado lugar.

Ademais, não é exigível que o agente deseje que o sujeito passivo pratique a prostituição, sendo suficiente a ciência de que a promoção, intermediação ou facilitação da entrada ou saída da mulher tem como objetivo o exercício da atividade em questão.

Postas estas diretrizes, considerando que as provas que servem para elucidar a ocorrência dos ilícitos também esclarecem as autorias, necessário apreciar conjuntamente os elementos.

No particular, peço vênia para transcrever excerto da fundamentação da sentença, utilizando-o como razões de decidir, com o intuito de evitar tautologia (fls. 546/552):

"O réu quando interrogado (fls. 285/304) confirmou ter levado as meninas para a Argentina em seu táxi, no entanto, alega que não conhecia "Patrícia" nem as vítimas, afirmando ter-se tratado de uma corrida de táxi normal, já que não sabia que as meninas eram menores e que iriam se prostituir, conforme trecho que segue transcrito.

"Juiz: Passando ao parágrafo 2º do art. 187: Essa acusação que lhe é feita, ela é verdadeira?

Réu? Olha, essa Patrícia, essa aí, eu não conheço ela, entendeu. As meninas eu também não conheço, não sei quem são elas. Eu fiz a corrida realmente, eu fiz. Eu tava no ponto de táxi, onde é o meu ponto até hoje, e ela chegou lá no momento, até o tempo estava de chuva, eu lembro que o tempo estava de chuva na época, ela chegou e pediu para eu fazer uma corrida pra ela, ela tava com muita pressa. "Se eu tava ocupado ou não", aí eu disse pra ela que eu não tava ocupado, daí ela "vou fazer um lanche então, e aí o senhor faz uma corrida pra mim, pra Libres", eu "tá bom", aí eu aguardei ela. Aí ela pegou, fez um lanche lá e pegou o táxi. Aí "nós temos que passar na Setembrino, onde parou em frente ao posto Pilon, aí ela desceu do táxi e voltou com as meninas, voltou com as meninas, queria levar seis meninas pra Libres. Tá, mas as meninas também, eu não sei se eram menor na época, diz isso aí que eram menor, eu também, eu acho que eu não tenho doutor que pedir documento para passageiro. Elas passaram por duas polícias, passara, pela polícia federal, na aduana nossa, que era revistada na época, passaram pela Gendar de Libres, foram identificados na Gendarmeria de Libres, eu descarreguei elas no outro lado. Uma corrida norma, cheguei, deixei ela no posto, na entrada da ponte ali, e retornei para buscar as outras três, porque eu disse que seis eu não levava. Aí quando eu voltei para levar as outras três, que ela disse pra eu vir buscar, ela disse assim pra mim "vou eu e minha amiga só, que as outras vão vir amanhã, que tavam com problema de documento", aí eu levei a amiga dela junto, que diz ser funcionária dela. Agora, eu não sei nem que jeito essa moça tem, foi de noite, foi de noite".

A alegação do acusado de que se tratava de uma corrida normal de táxi, bem como de que não tinha ciência da idade das meninas e da finalidade para a qual estavam indo para a Argentina, conflita com a prova carreada aos autos.

É que os depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação demonstram que o réu tinha ciência de que as vítimas eram menores, conforme se depreende de trechos dos depoimentos a seguir transcritos:

- Isabel da Silva Bicca (fls. 352/372)

"fl. 361- Juiz: e como foi para passar na ponte?

Testemunha: também não lembro... eu sei, a única coisa que me lembro que a dona da boate dizia assim, não eu vou na frente e tu leva elas mais atrás, porque no caso se pegarem nós menor com ela, ela ia presa, até pela própria gendarmeria, aí eu sei que nós acabemo tudo indo junto, cruzemo a fronteira tudo, mas eu não me lembro se eles pediram documento ou se ela pagou, eu não sei, porque foi uma coisa assim rápida sabe, e eu tava meia nos trago também (...)

fl. 367 - Juiz: Na ocasião houve algum comentário sobre a idade da senhora, das suas amigas?

Testemunha: houve, houve.

Juiz: dentro do táxi foi comentado que eram menores?

Testemunha: sim, sim.

Juiz: a senhora mencionou antes que teria problema de cruzar a ponte até, é isso?

Testemunha: ahã.

Juiz: isso foi comentado dentro do táxi? Que a Patrícia tinha preocupação que poderia dar algum problema?

Testemunha: claro, que ela disse que queria ir na frente e nós fosse atrás...

Juiz: então isso foi expressamente mencionado dentro do táxi, na presença do taxista.

Testemunha: sim".

- Cibele da Silva Flores Ortódio (fls. 404/422)

"fl. 415 - Juiz: A senhora recorda na ocasião em que foram daqui para a Argentina, se houve algum comentário enquanto iam, sobre serem menores, até sobre alguma dificuldade para cruzar a ponte? Alguma coisa assim?

Testemunha: sim, ela sabia que nós éramos menores.

Juiz: mas foi dito no táxi? O taxista sabia? Teria como ter sabido ali?

Testemunha: sim.

Juiz: Por quê?

Testemunha: porque ela estava perguntando as nossas idades, nós dissemos e ele estava presente."

Portanto, resta demonstrado que o acusado tinha plena consciência de que estava levando menores para a Argentina.

O acusado também tinha plena consciência de que a finalidade das meninas irem para o país vizinho era a prostituição, conforme o que disse em juízo a testemunha Isabel da Silva Bicca (fls. 352/372):

"fl. 362 - (...) MPF: e ela disse que era expressamente assim...vocês vão trabalhar na boate?

Testemunha: ela falou, vocês vão trabalhar numa boate, numa casa noturna.

Juiz: enquanto estava no táxi indo para a Argentina foi claramente conversado sobre isso dentro do táxi?

Testemunha: claro, dentro do táxi.

(...) Juiz: Sim, mas dentro do táxi foi conversado claramente que vocês estavam indo na Argentina para irem exercer a prostituição?

Testemunha: ahã, sim."

Assim, a alegação de que foi contratado por "Patrícia" para fazer uma simples corrida de táxi, não é isto que se conclui quando se lê os depoimentos prestados pelas vítimas na polícia, logo após terem sido expulsas da Argentina:

- Cibele Flores Custódio (fls. 16/17)

"(...) QUE, no dia 08 de outubro por volta das vinte e uma horas quando vinha caminhando na Avenida Setembrino de Carvalho foi abordada por um táxi onde se encontrava o motorista de alcunha DRAGÃO e uma menina de dezessete anos de nome ALINE; QUE, o motorista do táxi e ALINE convenceram a informante e sua amiga JULIANA a ir tratar como uma senhora de nome PATRÍCIA com a finalidade de serem levadas a Argentina para fazerem programas ; QUE, ALINE e o motorista conhecido como DRAGÃO diziam a informante e sua amiga JULIANA a ir tratar com uma senhora de nome PATRÍCIA com a finalidade de serem levadas a Argentina para fazerem programa; QUE, ALINE e o motorista conhecido como DRAGÃO diziam a informante e a sua amiga JULIANA que na Argentina ganhariam dinheiro (...)"

- Isabel da Silva Bicca (fls. 18/19)

"(...) QUE a uns quarenta dias quando vinha caminhando a Avenida Setembrino de Carvalho, por volta das onze horas, foi abordada por um táxi branco, duas portas, dirigido por um cidadão conhecido pela alcunha de DRAGÃO, onde encontrava-se uma mulher conhecida como PATRÍCIA, esposa de DON VARELA, que convidou a informante mediante promessa de que na Argentina seria melhor, para que se prostitui-se na cidade de Santa Luzia/Argentina (...)"

- Juliano Ribeiro Chaves (fls. 21/22)

"(...) quando foram abordadas por um motorista de táxi e uma menina de nome ALINE que encontrava-se no veículo com duas partes não recordando da cor; QUE, encontrava-se no táxi o motorista de alcunha DRAGÃO (...) QUE, o motorista de táxi conhecido por DRAGÃO conhecia PATRÍCIA (...)"

E o que se depreende dos trechos acima transcritos é que o motorista do táxi, "DRAGÃO", conhecia PATRÍCIA, bem como que teve participação ativa no delito, pois inicialmente arrecadou CIBELE e JULIANA , tendo ido ao encontro de PATRÍCIA, sendo que posteriormente abordaram ISABEL, as quais, por fim, foram levadas à Argentina para exercerem a prostituição.

Os depoimentos das vítimas na fase policial são confluentes, pois todas elas confirmaram que "DRAGÃO" e "PATRÍCIA" se conheciam.

É fato inequívoco nos autos que o motorista de táxi de alcunha "DRAGÃO" e o acusado são a mesma pessoa, já que ele mesmo confirmou ser este o seu apelido:

"(fl. 290) JUIZ: Uma das testemunhas...Uma pessoa que prestou declarações no Ministério Público disse que, pelo seria voz corrente digamos assim, a pessoa conhecida por Patrícia "todos os finais de semana vinha a Uruguaiana, e que na companhia de "Barão" que seria o seu apelido...

Réu: não, "DRAGÃO, Barão é outro taxista."

Também não resta dúvida que foi o acusado quem levou as vítimas para Argentina, fato este confirmado pelo próprio réu em seu interrogatório (fl. 288), quando afirma que realmente fez a corrida naquela noite.

E mais, a vítima disseram na polícia (fls. 15/22) que, na data descrita na inicial, foram para a Argentina com o motorista de táxi "DRAGÃO", o mesmo que disse para CIBELE (fls. 15/16) que ganharia muito dinheiro.

Aspecto de extrema relevância no interrogatório do réu é quando faz referência ao fato que "PATRÍCIA" seria casada com o Comandante Varela, o que discrepa da alegação de que não conhece "PATRÍCIA" (fls. 295/296):

"(...) Juiz: O senhor sabe qual seria o endereço dessa senhora na Argentina?

Réu: Eu não sei, mas ela que moraram lá né, ou elas têm medo porque a mulher é casada com tal comandante Varela lá, que diz que o "costa quente" é ele, o comandante Varela.

Juiz: Comandante do quê?

Réu: Não sei, de polícia eu creio.

Juiz: Aonde isso, em Paso de Los Libres?

Réu: Santa Luzia. Santa Lucia.

Juiz: E como é que o senhor sabe que elas...

Réu: Pelo menos tá ali no documento ali ó.

Juiz: Em qual documento? Na petição inicial?

Réu: Na cópia é (...)."

Ocorre que, a atenta leitura dos autos demonstra que, seja na fase policial, seja durante o processamento da presente ação penal, em nenhum momento anterior ao interrogatório do réu em juízo fora mencionado DON VARELA, o suposto marido de "PATRÍCIA", fosse "comandante" de algo, ou fosse assim chamado. Tal informação foi trazida pelo próprio acusado quando interrogado em juízo, o que demonstra ser conhecedor de detalhes da vida de "PATRÍCIA", já que sabe até com quem ela é casada.

Diz o acusado que tal informação está na denúncia, no entanto, como se vê da leitura daquela, não há referida informação na inicial ou em qualquer outra peça do processo, até o interrogatório do réu.

E para quem afirma que somente teve contato com "PATRÍCIA" uma única vez, com o fim de fazer apenas uma corrida de táxi, o acusado sabe de fatos relevantes da vida da referida mulher, pois sabem quem é o seu marido, que seria conhecido por Comandante Varela e que tal pessoa seria o "costa quente", inclusive que mora em Santa Luzia, na Argentina.

Cabe reiterara que tais informações somente vieram aos autos por depoimento do réu quando do interrogatório judicial, pois nenhuma das vítimas, as quais moraram junto com "PATRÍCIA" na Argentina, deram tantos detalhes acerca da vida da referida mulher.

O réu alegou que não possui qualquer ligação com "Patrícia", nunca mais tendo visto a referida mulher, afirmando que em certa ocasião foi avisado por um colega, por meio de telefone, que a referida mulher estava no seu táxi e que tinha vindo a Uruguaiana para levar mulheres. Disse que ligou para a Polícia Federal avisando que "Patrícia" estava indo para a fronteira, mas que ninguém apareceu para abordar o carro no qual se encontrava a tal pessoa (fls. 296/297).

Tal arguição não socorre o acusado, pois se trata de mera alegação, uma vez que o acusado sequer arrolou o dito motorista como testemunha a fim de confirmar os fatos arguidos. E de qualquer sorte, tal busca posterior pela tal "PATRÍCIA" não alteraria a ilicitude e autoria do fato versado nos presentes autos.

Assim, restou comprovado nos autos que o réu já conhecia "PATRÍCIA" e que no dia descrito na denúncia recrutou CIBELE e JULIANA e se apresentou para a referida mulher. Depois se dirigiram a ISABEL, aliciando-a também, e seguiram para a Argentina, para que lá estas fossem se prostituir.

Também restou demonstrado que o acusado sabia que as vítimas eram menores e que estavam indo para a Argentina, para que lá estas fossem se prostituir.

Diante de todo este cenário, não há como aceitar a versão do réu de que não conhecia "PATRÍCIA" e de que não sabia estar levando menores para se prostituírem no exterior.

O depoimento prestado pelas vítimas na polícia, logo que retornaram expulsas da Argentina, é expresso no sentido de que o motorista do táxi, "DRAGÃO", conhecia PATRÍCIA", bem como de que este teve participação ativa no delito, pois, inicialmente arrecadou CIBELE e JULIANA, tendo ido ao encontro de PATRÍCIA, sendo que posteriormente abordaram ISABEL, sendo todas levadas à Argentina para exercerem a prostituição.

Tudo confirmado em Juízo por CIBELE (fl. 415) e ISABEL (fl. 361 e 367) quando afirmaram que para onde iriam e para qual finalidade foram assuntos tratados dentro do táxi do acusado e que este presenciou todo o ajuste, inclusive no que se refere ao receio de serem pegos pela fiscalização na fronteira.

E o réu confirma em juízo ter procedido aos transporte das vítimas, o que corrobora definitivamente tratar-se ele do motorista de táxi referido pelas menores."

Portanto, apesar de o acusado negar qualquer envolvimento no delito, os elementos dos autos comprovam a realização do tráfico de mulheres menores de idade com o fim de exercerem a prostituição.

Assim, demonstrada a ocorrência do delito e a autoria, deve ser mantida a condenação do réu Luiz Arnaldo pela prática do crime previsto no artigo 231, § 1º, do Código Penal.

Todavia, em relação ao reconhecimento de concurso formal de crimes, com desígnios autônomos, entendo que a sentença merece reforma. O artigo 71 do Código Penal, para a configuração do crime continuado, exige os seguintes requisitos: - pluralidade de condutas; - crimes da mesma espécie; - que as condições de tempo, lugar e maneira de execução demonstrem que os delitos subseqüentes tenham ocorrido como continuação do primeiro.

No caso dos autos, tem-se duas condutas delitivas envolvendo tráfico de pessoas o que preenche as duas primeiras exigências do art. 71 do CP, ambas com mulheres saindo de Uruguaiana, com destino à Argentina, no mesmo dia. Portanto, analisando, de forma conjunta, as circunstâncias de tempo, lugar e maneira de execução, além dos demais requisitos já referidos, entendo restar caracterizada a figura da continuidade delitiva.

Passo à dosimetria.

Na fixação da pena base, o magistrado a quo considerou como negativa apenas a vetorial referente aos antecedentes do réu.

Contudo, verifica-se que não pesam contra Luiz Arnaldo sentenças condenatórias transitadas em julgado por fatos anteriores ao tratado no presente feito, haja vista que consta da certidão de fl. 90 uma Ação Penal na qual foi reconhecida a extinção da punibilidade, não constando o motivo, enquanto nos registros de fls. 312 e 463 a conduta delituosa ocorreu em 28/07/2003.

Desse modo, considero os antecedentes do recorrente como neutros, pelo que reduzo a pena base para 04 (quatro) anos de reclusão.

Não há circunstâncias agravantes ou atenuantes ficando a pena provisoriamente fixada em 04 (quatro) anos de reclusão.

Na terceira fase de aplicação da pena, incide a majorante do artigo 71 do Código Penal.

Tendo em vista que o apelante praticou o delito em comento por três vezes, porquanto conduziu Isabel da Silva Bicca, Juliana Ribeiro Chaves e Cibele Flores Ortódio até o território argentino para que trabalhassem como prostitutas, aumento a pena em 1/4 (um quarto), tornando a sanção definitiva em 05 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semi-aberto, nos termos do artigo 33, § 2º, b, do Código Penal.

Ressalto que não incide no caso em comento a pena de multa, porquanto os fatos delituosos ocorreram previamente à alteração do artigo 231 do Estatuto Repressivo promovida pela Lei nº 11.106/2005.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e, de ofício, reconhecer a continuidade delitiva, e, consequentemente, reduzir a pena privativa de liberdade de Luiz Arnaldo da Silva Martins.

Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Relator

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Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:

Signatário (a): LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

Nº de Série do Certificado: 42C51543

Data e Hora: 04/03/2009 16:16:46

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D.E. Publicado em 30/04/2009




JURID - Tráfico de mulheres. Vítimas menores de idade. [07/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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