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sexta-feira, 22 de maio de 2009

JURID - Saúde pública. Fornecimento de medicamentos. [22/05/09] - Jurisprudência


Reexame necessário. Saúde pública. Fornecimento de medicamentos. Direito de todos e dever do estado.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

REEXAME NECESSÁRIO. SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO - ART. 196, CF. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE PÚBLICO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA ENTRE A UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS. CHAMAMENTO AO PROCESSO DA UNIÃO E DO MUNICÍPIO. DESCABIMENTO. PRESENTES OS REQUISITOS DA CONDIÇÃO DA AÇÃO.

1) O Estado do Rio Grande do Sul é parte legítima para figurar no pólo passivo em demanda em que alguém pleiteia o fornecimento de medicamentos, uma vez que há obrigação solidária entre a União, Estados e Municípios.

2) Os serviços de saúde são de relevância pública e de responsabilidade do Poder Público. Necessidade de preservar-se o bem jurídico maior que está em jogo: a própria vida. Aplicação dos arts. 5º, § 1º; 6º e 196 da CF. É direito do cidadão exigir e dever do Estado fornecer medicamentos excepcionais e aparelhos indispensáveis à sobrevivência, quando o cidadão não puder prover o sustento próprio sem privações. Presença do interesse em agir pela urgência da medida pleiteada.

3) Caso concreto, o chamamento ao processo da União e do Município constitui medida incabível, porquanto a urgência do tratamento pleiteado não poderia aguardar uma solução demorada e burocrática, sob pena de malferir o texto constitucional.

SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO. UNÂNIME.

Reexame Necessário

21ª Câmara Cível

Nº 70029186525

Uruguaiana

JUIZ DE DIREITO 3ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE URUGUAIANA,
APRESENTANTE;

ALEXANDRE DALZONIR ANCINELLO DE OLIVEIRA,
AUTOR;

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL,
RÉU.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em confirmar a sentença em reexame necessário.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Marco Aurélio Heinz e Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro.

Porto Alegre, 15 de abril de 2009.

DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH,
Relator.

RELATÓRIO

Des. Francisco José Moesch (RELATOR)

Trata-se de reexame necessário da sentença proferida às fls. 83/86, nos autos da ação ordinária com pedido de tutela antecipada ajuizada por ALEXANDRE DALZONIR ANCINELLO DE OLIVEIRA em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

Narra o autor que é portador de HEPATITE C, necessitando, pois, fazer uso contínuo dos medicamentos INTERFERON PEGUILADO E RIBAVIRINA. Alega que não tem condições de suportar financeiramente o tratamento. Requer a concessão da tutela antecipada e, ao final, a procedência da ação, para que seja declarada a obrigação de fornecimento dos medicamentos de que necessita.

Deferida a tutela antecipada.

O Estado veio aos autos sustentar ilegitimidade passiva para figurar na demanda, uma vez que a prestação dos serviços à população é de competência do Município. Requer o chamamento da União e do Município de Uruguaiana. Alega que não há nos autos prova inequívoca que possibilite a antecipação de tutela. Afirma que não há interesse de agir do autor, uma vez que a liminar tem cunho satisfativo absoluto. Pugna pela não condenação ao pagamento de verba honorária à Defensoria Pública.

Sobreveio sentença julgando procedente a ação, para determinar que o Estado forneça os medicamentos pleiteados ou que libere as quantias correspondentes, sob pena de bloqueio de valores. Isentou o Estado do pagamento das custas processuais e da verba honorária.

Neste grau de jurisdição, manifestou-se o Ministério Público pela confirmação da sentença em sede de reexame necessário.

Subiram os autos em reexame necessário em 30 de março de 2009.

É o relatório.

VOTOS

Des. Francisco José Moesch (RELATOR)

Eminentes colegas, a sentença merece ser confirmada em reexame necessário.

Da legitimidade passiva:

É evidente a legitimidade do Estado do Rio Grande do Sul para figurar na demanda e o dever de fornecer da medicação pleiteada. Em feitos similares, já se argumentou que a repartição de responsabilidades feita entre os entes municipais, estaduais e a união não é oponível aos cidadãos e às pessoas que, de um modo geral, necessitem de medicamentos.

No meu entender é o Estado, portanto, responsável solidário, juntamente com a União e o Município, relativamente à obrigação de fornecer medicamentos a quem deles necessite, não importando ao requerente se o Sistema de Saúde atribui a responsabilidade específica ao Estado pelo fornecimento de fármacos previstos em lista de medicamentos especiais e excepcionais, ou ao Município no tocante aos medicamentos essenciais.

Nesse sentido, importante citar as seguintes decisões:

"APELAÇÕES CÍVEIS. ECA. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO E DO MUNICÍPIO DE NOVA PRATA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DOS PODERES. DIREITO À SAÚDE ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE. 1) Inexiste nulidade da sentença por cerceamento de defesa quando os documentos juntados suprem a necessidade da realização de perícia. 2) Constitui-se em dever do Estado in abstrato o fornecimento do medicamento adequado a menor portadora de epilepsia (CF, art. 23, II), considerando-se a importância dos interesses protegidos (art. 196, CF). Diante da competência compartilhada dos entes federados para assegurar tal direito, não se pode falar em ilegitimidade passiva ad causam do Estado do Rio Grande do Sul e do Município de Nova Prata. 3) A asseguração do direito à saúde é da competência comum de todos os entes da federação, representando, a discussão acerca da divisão de responsabilidades, questão a ser apreciada somente na esfera administrativa, já que a parte pode escolher contra quem ofertar a demanda. 4) Comprovada, cabalmente, a necessidade de recebimento do tratamento pleiteado para a moléstia de que é portadora à autora ¿ epilepsia, e que seus responsáveis não apresentam condições financeiras de custeio, é devido o fornecimento, solidariamente, pelo Estado do Rio Grande do Sul e pelo Município de Nova Prata, visto que a assistência à saúde é responsabilidade decorrente do art. 196 da Constituição Federal. 5) Não há falar em violação ao princípio da separação dos poderes, porquanto ao Judiciário compete fazer cumprir as leis. Apelação do Estado parcialmente provida. Recurso do Município desprovido. (Apelação Cível Nº 70028281913, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 25/02/2009)

"DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. CONSTITUCIONAL. FORNECIMENTO DE REMÉDIOS A NECESSITADO PELO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. O direito à saúde é assegurado a todos, devendo os necessitados receberem do ente público os medicamentos necessários, detendo o Estado do Rio Grande do Sul legitimidade para o respectivo fornecimento. Aplicação do artigo 196 da Constituição Federal. Precedentes do TJRGS e STJ. Apelação a que se nega seguimento. (Apelação Cível Nº 70028585271, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 19/02/2009)

"DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. LEGITIMIDADE PASSIVA. Patente o dever de os entes públicos fornecerem, gratuitamente, medicamentos, insumos e demais serviços de saúde para o resguardo dos administrados, direito que tem sua matriz na Constituição Federal, tendo sido objeto de regulamentação na legislação infraconstitucional (arts. 196 e 198 da CF). Essas ações e serviços públicos de saúde devem ser desenvolvidos de forma integrada, embora descentralizada, através de um sistema único (art. 198) do qual fazem parte a União, os Estados e os Municípios. Regime de responsabilidade solidária estabelecido entre a União, os Estados e os Municípios na gestão da saúde como um todo, inclusive no fornecimento de medicamentos a pacientes necessitados, não havendo excluir qualquer dos coobrigados da decisão que antecipa os efeitos da sentença final. Compete aos demandados comprovar, quando do momento oportuno, a suficiência de condições financeiras da autora para de arcar o tratamento. Neste momento processual, estampa-se a verossimilhança de sua necessidade. DECISÃO DEFERITÓRIA MANTIDA. AGRAVO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70027808419, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Julgado em 05/12/2008)

"APELAÇÃO CÍVEL. REMOÇÃO PARA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO AFASTADA. Tratando-se de saúde pública, existe solidariedade entre a União, os Estados e os Municípios, cabendo ao necessitado escolher quem deverá lhe fornecer o tratamento pleiteado. Demonstrada a necessidade de remoção para internação compulsória de doente mental, deve ser determinada a medida, às custas dos entes estatais, a fim de garantir a sua segurança e de seus familiares. A saúde é direito de todos e dever do Estado e dos Municípios, conforme previsto nos arts. 196 e 241 da Constituição Federal. Não é necessário o prévio esgotamento da via administrativa ou a provocação da administração pública para que sejam fornecidos os medicamentos diretamente ao Poder Judiciário, sob pena de violação ao princípio do livre acesso ao judiciário pelo cidadão, previsto no inciso XXXV, do artigo 5º, da Constituição Federal. RECURSOS IMPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70026783241, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 04/12/2008)

"AGRAVO INTERNO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO (FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS). AÇÃO ORDINÁRIA. BLOQUEIO DE VALORES. LEGITIMIDADE PASSIVA. 1. A promoção da saúde constitui-se em dever do Estado, em todas as suas esferas de Poder, caracterizando-se a solidariedade entre União, Estados e Municípios. Exegese do artigo 196, da Constituição Federal. Precedentes desta Corte. 2. Mostra-se possível, nos termos do artigo 461, § 5º, do CPC, a determinação de bloqueio de valores correspondentes aos custos dos medicamentos, não se caracterizando malferimento à regra inscrita no artigo 100, da Constituição Federal, em face da garantia de constitucional do direito à vida (CF. art. 196). No caso concreto, não houve determinação da ordem, mas mera advertência, não configurando, também por este motivo, o cabimento do recurso AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (Agravo Nº 70027274836, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 27/11/2008)

Da mesma forma, decidi em feito similar em que o Estado se dizia parte ilegítima, processo de nº. 70020784088, embargos infringentes, 11º Grupo Cível, julgado em 28/03/2008 e processo de nº. 70022695423, agravo de instrumento, 21ª Câmara Cível, julgado em 05/03/2008.

Registro que o fato de procedimento postulada não pertencer à relação de medicamentos de atenção básica não retira a legitimidade passiva do Ente Público, em face da solidariedade que ocorre entre os entes federados em relação ao fornecimento de medicamentos.

Cumpre salientar que, pela primeira vez em nossa história, uma Constituição trata expressamente dos objetivos do Estado brasileiro. E, ao fazê-lo, erigiu a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos como objetivos republicanos (art. 3°, I e III). De outra banda, ficou plasmado que a dignidade da pessoa humana é fundamento da República. E, mais, o direito à vida (art. 5°, caput) é direito fundamental do cidadão.

A proteção à inviolabilidade do direito à vida deve prevalecer em relação a qualquer outro interesse estatal, já que sem ela os demais interesses socialmente reconhecidos não possuem o menor significado ou proveito.

Na lição de Alexandre de Moraes(1), a Constituição da República consagra ser a Saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou por meio de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado (CF, art. 197).

Não é difícil ver-se que não haverá sociedade justa e solidária, tampouco bem comum, se desassistidos restarem aqueles que necessitam da proteção concreta e efetiva do Poder Público.

No artigo 196, a Constituição reza que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Esta norma não há de ser vislumbrada como apenas mais uma regra jurídica inócua e sem efetividade. A saúde é direito de todos, direito inalienável e subjetivo, sendo que, em paralelo, é dever do Estado; se este não age no amparo da diretriz traçada pela regra, o direito à saúde do cidadão não será, por isto, afetado.

Noutras palavras, é preciso que se aja visando a evitar que os princípios e fundamentos da república virem letra morta.

Com precisão, o eminente Des. Genaro José Baroni Borges assim afirmou, quando do julgamento do agravo de instrumento número 70023094410, julgado em 19/03/2008:

"Como se vê, os serviços de saúde são de relevância pública e de responsabilidade do Poder Público, integrado em uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços federais, estaduais e municipais, o chamado Sistema Único de Saúde, que tem no pólo ativo qualquer pessoa e por objeto o ATENDIMENTO INTEGRAL. De tal sorte, o Poder Público - federal, estadual ou municipal - é responsável pelas ações e serviços de saúde, não podendo, cada um e todos, esquivar-se do dever de prestá-los de forma integral e incondicional. A compensação que ocorrerá internamente entre os entes é questão que somente a eles diz respeito, não podendo atingir a pessoa que necessita do serviço de saúde, devendo o ente, acionado judicialmente prestar o serviço e após, resolver essa inter-regulação.

O acesso às ações e serviços de saúde é universal e igualitário (CF - art. 196), do que deriva a responsabilidade solidária e linear dos entes federativos, como já assentou o Supremo Tribunal Federal (RE 195.192/RS- Rel. Min. Marco Aurélio) e ainda mais recentemente, o AgR RE 393175, sob a Relatoria do Min. Celso de Mello, cuja ementa transcrevo:

"PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA MANÍACO-DEPRESSIVA CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE SUICÍDIO - PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196) - PRECEDENTES (STF) - ABUSO DO DIREITO DE RECORRER - IMPOSIÇÃO DE MULTA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. MULTA E EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER. - O abuso do direito de recorrer - por qualificar-se como prática incompatível com o postulado ético-jurídico da lealdade processual - constitui ato de litigância maliciosa repelido pelo ordenamento positivo, especialmente nos casos em que a parte interpõe recurso com intuito evidentemente protelatório, hipótese em que se legitima a imposição de multa. A multa a que se refere o art. 557, § 2º, do CPC possui função inibitória, pois visa a impedir o exercício abusivo do direito de recorrer e a obstar a indevida utilização do processo como instrumento de retardamento da solução jurisdicional do conflito de interesses. Precedentes. (Segunda Turma. Julgado em 12/12/2006)."

Permito-me citar, ainda, o eminente Desembargador Arnaldo Rizzardo, que, com maestria, em feito análogo, capturou bem esta necessidade de se dar efetividade a tais noções. Assim:

"O direito mais elementar é o da preservação da vida. Por conseguinte, o dever também mais elementar é o de preservar a vida. Decorre deste postulado fundamental a obrigação do Estado em não se omitir em situações de possibilidade de preservação da vida. Frustrar um cidadão do acesso aos medicamentos que preservam a vida é privá-lo da perspectiva de viver".

Perfeito.

Aliás, o Primeiro Grupo já firmou há tempos, pelo menos desde 1996, posição no mesmo sentido da presente decisão, o que o fez com total acerto, diga-se. A questão, portanto, não é nova.

Rui Portanova (Motivações, p. 111) lembra-nos que "do Estado (e Poder Judiciário como órgão dele) espera-se a implementação de resultados a que se propôs, influenciando favoravelmente a vida do grupo social e de cada um dos seus componentes. A jurisdição é o momento de implementação, caso a caso, do clima social de justiça que o Estado se propôs a produzir em sociedade". A preciosa lição obriga-se a fazer remissão ao art. 3º, I e III da Magna Carta.

Por seu turno, JOSÉ AFONSO DA SILVA ensina:

"A saúde é concebida como direito de todos e dever do Estado, que a deve garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos. O direito à saúde rege-se pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços que a promovem, protegem e recuperam" (Curso de Direito Constitucional Positivo - Malheiros - nona ed. pág. 707).

A saúde, friso, é um direito de todos e dever do Poder Público. Assim, não há falar em normas meramente programáticas, até porque, à luz dos arts. 5º, § 1º; 6º e 196, de nossa Constituição Federal, o direito à saúde, como espécie dos direitos sociais, resta incluído entre os direitos e garantias fundamentais e, portanto, tem aplicação imediata.

Desde há muito, este Colegiado vem entendendo que é direito do cidadão e dever inarredável do Estado (Estado, Município e União) o fornecimento de medicamento de difícil acesso ou tratamento a doentes que dele necessitem para o uso permanente ou por tempo indeterminado. Não podendo fornecê-los, necessário que repasse os recursos financeiros necessários para a aquisição, conforme dispõe a Lei Estadual n.° 9.908/93.

Compete, portanto, aos referidos entes públicos (União, Estados e Município, solidariamente), dentro dos limites que lhe são impostos, a obrigação de assegurar aos cidadãos o recebimento de medicamentos excepcionais e necessários que não possam ser adquiridos sem que haja comprometimento do sustento próprio e dos dependentes, na forma dos arts. 5º, caput, 6º, 196 e 203 da Constituição Federal e da Lei Estadual n.º 9.808/93. Não há falar, pois, em ilegitimidade passiva.

A obrigação é solidária entre União, Estados e Município. A urgência do tratamento pleiteado não poderia aguardar uma solução demorada e burocrática sob pena de mal ferir o texto constitucional.

Diz a Lei 9.908/93, em seu art. 1º, verbis:

"Art. 1º- O Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento e de sua família.

Parágrafo único - Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem ser usados com freqüência e de forma permanente, sendo indispensáveis à vida do paciente."

Nesse sentido, deve ser prioridade do Estado (lato sensu) a garantia da vida de seus cidadãos, sendo, portanto, incontestável, nos termos do art. 6º da Constituição Federal e da Lei 8.080/90, o seu dever de fornecer aos mesmos condições de sobrevivência, jamais podendo desamparar o enfermo, mormente quando em risco de vida por falta de medicamento ou retardamento no tratamento.

Com efeito, o acesso à saúde preconizado na Carta Magna pressupõe direito ao tratamento correto e adequado. Nesse sentido, a Constituição Federal, cuidando dos direitos e garantias fundamentais da pessoa, assegura o direito à vida, à saúde, à previdência social, entre outros. Em seu art. 196 preceitua, ao falar sobre a ordem social, que a saúde é direito de todos e dever do Estado, sem que se aponte qualquer ressalva. Ainda, afirma que a assistência social será prestada a quem necessitar, independentemente de vínculo com o sistema de seguro social.

Também, não é demais lembrar que o direito à vida - e conseqüentemente à saúde - é o maior e o primeiro dos direitos assegurados pela Constituição Federal. Trata-se de direito inviolável que pressupõe vida digna, saudável, amparada, física e moralmente íntegra e com assistência médico-hospitalar. Com efeito, tais normas constitucionais protetoras têm eficácia plena e aplicação imediata.

Do chamamento da União e do Município:

O chamamento ao processo da União e do Município constitui medida incabível, porquanto a urgência do tratamento pleiteado não poderia aguardar uma solução demorada e burocrática, sob pena de malferir o texto constitucional. O caso em tela não autoriza a procrastinação que adviria do deferimento da intervenção de terceiros. O Estado é parte legítima para figurar sozinho no pólo passivo de demanda em que alguém pleiteia o fornecimento de medicamentos, ainda que se considere a obrigação solidária entre a União, Estados e Municípios.

Nesse sentido:

"APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE. CHAMAMENTO AO PROCESSO. DESCABIMENTO. ACESSO À SAÚDE. DIREITO QUE EXIGE PROTEÇÃO SUFICIENTE. 1. As normas de organização, funcionamento e gestão do Sistema Único de Saúde são internas, de natureza administrativa, não alterando a legitimidade para responder ao direito exercido, sendo solidariamente responsáveis no dever de fornecer medicamentos os entes federativos acionados. 2. O acesso ao Poder Judiciário não se condiciona ao prévio exaurimento da via administrativa. Pretensão resistida que se mostra presente, tendo em vista as alegações acerca da ilegitimidade passiva e da divisão de competência no âmbito interno do SUS para o fornecimento de medicamentos. 3. Impossibilidade de acolhimento do pedido de chamamento da União ao processo. A solidariedade visa ao benefício do credor, que pode exercer sua pretensão contra qualquer um dos devedores. Chamamento da União ao processo que teria efeitos meramente protelatórios, mostrando-se contrário ao interesse do autor. 4. O acesso à saúde é direito fundamental e as políticas publicas que o implementam, embora vinculem o Estado e os cidadãos, devem gerar proteção suficiente ao direito garantido, sendo assim passíveis de correção, sem ofensa aos princípios da divisão de poderes, da reserva do possível ou da isonomia e impessoalidade. APELAÇÃO DESPROVIDA. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70026251835, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, Julgado em 26/11/2008)

"APELAÇÃO CÍVEL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. DIREITO À SAÚDE. DEVER CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, DOS ESTADOS E DOS MUNICÍPIOS. CHAMAMENTO AO PROCESSO. DESCABIMENTO. I. O fornecimento gratuito de medicamentos e demais serviços de saúde constitui responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, derivada do artigo 196 da Constituição Federal c/c o art. 241 da Constituição Estadual. Precedentes do STF e STJ. II. Não há falar em chamamento ao processo do Município, pois compete à parte autora escolher contra quem irá propor a demanda. Apelo desprovido. Sentença mantida em reexame necessário. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70026361659, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 29/10/2008)

Da falta de provas:

A alegação do Estado de que não há provas suficientes, não merece prosperar. Cumpre ressaltar que o feito versa sobre matéria exclusivamente de direito, permitindo o julgamento antecipado do feito, inclusive, nos termos do art. 330, inc. I, do CPC.

Ademais, é dado ao juiz da causa, analisando a inicial da ação, indeferir as provas que entender desnecessárias, quando a causa versar apenas matéria de direito, como no caso.

Veja-se o que dispõe o art. 130 do CPC:

"Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias."

Do falta de interesse de agir:

A alegação do Estado de falta de interesse de agir não merece prosperar. Tenho o entendimento de que a satisfação do objeto da ação, através da liminar, não tem o condão de impedir ao autor o pleito judicial, sendo garantia individual prevista na Constituição Federal de 1988 o acesso ao Poder Judiciário.

Ante o exposto, confirmo a sentença em reexame necessário.

É o voto.

Des. Marco Aurélio Heinz (REVISOR) - De acordo.

Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro - De acordo.

DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH - Presidente - Reexame Necessário nº 70029186525, Comarca de Uruguaiana: "À UNANIMIDADE, CONFIRMARAM A SENTENÇA EM REEXAME NECESSÁRIO."

Julgador(a) de 1º Grau: SILVIA MURADAS FIORI



Notas:

1 - MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2 ed. São Paulo: Atlas, p. 1926. [Voltar]




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