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quinta-feira, 28 de maio de 2009

JURID - RSE. Aborto. Art. 126, CP. Formação de quadrilha. Ameaça. [28/05/09] - Jurisprudência


Recurso em Sentido Estrito. Aborto. Art. 126, CP. Formação de quadrilha. Art. 288, CP. Ameaça.

Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul - TJMS.

Segunda Turma Criminal

Recurso em Sentido Estrito - N. 2008.036317-1/0000-00 - Campo Grande.

Relator - Exmo. Sr. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte.

Recntes - Rosângela de Almeida e outros.

Advogados - Miguel Antunes de Miranda Sá e outro.

Recorrente - Simone Aparecida Cantagessi de Souza.

Advogados - Rene Siufi e outro.

Recntes - Neide Mota Machado e outro.

Advogados - Ruy Luiz Falcão Novaes e outro.

Recorrido - Ministério Público Estadual.

Prom. Just - Paulo Cezar dos Passos e outro.

Outro - Maria Lúcia Cornellas França.

Outro - Daniela Martins Athia.

Outro - Elaine Maria de Souza.

E M E N T A - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - ABORTO - ART. 126, CP - FORMAÇÃO DE QUADRILHA - ART. 288, CP - AMEAÇA - ART. 147, CP- DECISÃO DE PRONÚNCIA - CONCESSÃO DE PERDÃO JUDICIAL - ART. 13, LEI N 9.807/99 - IMPOSSIBILIDADE - MATÉRIA LIGADA AO JUÍZO DE CONDENAÇÃO - COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DELITIVA - DESNECESSIDADE DE EXAMES DE GRAVIDEZ E LAUDO PERICIAL DE EXAME DE CORPO DE DELITO - ART. 167, CPP - INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ILICITUDE DOS ABORTOS - MATÉRIA LIGADA AO MÉRITO DA AÇÃO - IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO JUÍZO SINGULAR - CERCEAMENTO DE DEFESA - AUSÊNCIA DAS GESTANTES NO POLO PASSIVO - INOCORRÊNCIA - POSSIBILIDADE DE SEPARAÇÃO DAS AÇÕES - PROVAS ILÍCITAS - GRAVAÇÃO CLANDESTINA E APREENSÃO DE FICHAS MÉDICAS - INOCORRÊNCIA - POSSIBILIDADE DE GRAVAÇÃO EFETUADA POR UM DOS INTERLOCUTORES - FICHAS MÉDICAS, CONTENDO INFORMAÇÕES RELEVANTES PARA A APURAÇÃO DE ILÍCITOS CRIMINAIS, APREENDIDAS MEDIANTE ORDEM JUDICIAL - CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA A COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA - MANUTENÇÃO DA PRONÚNCIA - PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA DE RÉU IMPRONUNCIADO - IMPOSSIBILIDADE - INSUFICIÊNCIA DE PROVAS - PRELIMINARES REJEITADAS - RECURSOS IMPROVIDOS.

O perdão judicial (art. 13 da Lei n. 9.807/99) deve ser avaliado no momento da decisão condenatória. A pretensão de que seja concedido na decisão de pronúncia é inviável, diante da impossibilidade de condenação deste decisum.

Em se tratando da acusação de diversos crimes de aborto, envolvendo diversas vítimas, praticado às escondidas, em lapso temporal diversificado, os exames de gravidez e laudos periciais de exame de corpo de delito não são imprescindíveis para a comprovação da materialidade delitiva. Ainda que o abortamento seja crime que, em regra, deixa vestígios, é possível a dispensa de exame pericial quando estiver evidente que eles já desapareceram, conforme art. 167 do Código Penal.

Para que ocorra a pronúncia são necessários somente a comprovação da materialidade e os indícios de autoria. Neste momento, não se discute a ilicitude da conduta, por se tratar de matéria ligada ao mérito da ação, que deve ser decidida pelos jurados.

Não há falar em cerceamento de defesa por ausência das gestantes no polo passivo da ação penal. O Ministério Público é titular da ação penal pública incondicionada e, nesta condição, tem apenas a indisponibilidade sobre a propositura da ação. A separação de processos é plenamente possível, para garantir a eficácia da prestação da tutela jurisdicional.

A gravação clandestina, efetuada por um dos interlocutores, não se caracteriza como prova ilícita, por não se enquadrar na proteção constitucional dedicada ao sigilo das comunicações (art. 5º, XII, CF). Precedentes no Supremo Tribunal Federal. A apreensão de fichas médicas, que contêm informações de alta relevância para a apuração de ilícitos, mediante determinação judicial, não constitui prova ilícita.

Havendo comprovação de materialidade e indícios de autoria, mostra-se acertada a decisão judicial que pronunciou os réus, não se falando em insuficiência de provas.

Sendo o réu impronunciado, por ausência de elementos probatórios que o liguem à conduta delitiva, não há falar em absolvição sumária. A hipótese de absolvição sumária é medida processual excepcional não admitida quando se tratar de insuficiência de provas.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Segunda Turma Criminal do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, afastar as preliminares e, no mérito, negar provimento aos recursos, com o parecer.

Campo Grande, 11 de maio de 2009.

Des. Claudionor Miguel Abss Duarte - Relator

RELATÓRIO

O Sr. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte

Rosângela de Almeida, Maria Nelma de Souza, Libertina de Jesus Centurion, Simone Aparecida Cantagessi de Souza, Neide Mota Machado e Lucas Mota Lorenz interpõem Recurso em Sentido Estrito contra a decisão de pronúncia (f. 2.104-2.151), que impronunciou o último recorrente e pronunciou todos os demais pela prática dos crimes previstos no art. 126 (aborto provocado com consentimento da gestante) c.c. 62, I, (por 25 vezes), art. 288 (formação de quadrilha) e art. 147 (ameaça), todos do Código Penal.

As recorrentes Rosângela de Almeida, Maria Nelma de Souza e Libertina de Jesus Centurion, em suas Razões Recursais (f. 2.180-2.183), em apertada síntese, alegam que devem ser despronunciadas, com fulcro no art. 386, VI, do Código de Processo Penal.

A recorrente Simone Aparecida Cantagessi de Souza, em suas Razões Recursais (f. 2.184-2.238), em apertada síntese, alega que: 1) Preliminarmente, deve ser beneficiada com o perdão judicial; 2) No mérito, deve ser despronunciada, ante a ausência de indícios de autoria e materialidade.

O recorrente Lucas Mota Lorenz, em suas Razões Recursais (f. 2.242-2.253), em apertada síntese, alega que deve ser absolvido sumariamente, com fulcro no art. 386, III e IV, do Código de Processo Penal.

A recorrente Neide Mota Machado, em suas Razões Recursais (f. 2.254-2.284), em apertada síntese, alega que: 1) preliminarmente, deve ser reconhecida a nulidade processual; 2) no mérito, deve ser despronunciada, com fulcro no art. 409 do Código de Processo Penal.

O Ministério Público Estadual, em suas Contrarrazões Recursais (f. 2.303-2.316, 2.317-2.341, 2.342-2.346 e 2.347-2.351), em apertada síntese, pugna o improvimento de todos os recursos.

A Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer (f. 2.415-2.451), opina pelo improvimento de todos os recursos.

VOTO

O Sr. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte (Relator)

Trata-se de Recursos em Sentido Estrito interpostos por Rosângela de Almeida, Maria Nelma de Souza, Libertina de Jesus Centurion, Simone Aparecida Cantagessi de Souza, Neide Mota Machado e Lucas Mota Lorenz contra a decisão de pronúncia (f. 2.104-2.151), que impronunciou o último recorrente e pronunciou todos os demais pela prática dos crimes previstos no art. 126 (aborto provocado com consentimento da gestante) c.c. 62, I, (por 25 vezes), art. 288 (formação de quadrilha) e art. 147 (ameaça), todos do Código Penal.

Consta na denúncia que, no dia 10 de março de 2007, foi realizada uma reportagem jornalística, com uma câmera de vídeo oculta, em que se constatou, mediante consulta com a recorrente Simone Aparecida Cantagessi de Souza, que a "Clínica de Planejamento Familiar" situada à Rua Dom Aquino, n. 323, nesta capital, era local em que se praticavam abortos constantemente, com ou sem autorização judicial.

No dia seguinte, a recorrente Neide Mota Machado foi entrevistada, com câmera aberta, e admitiu a prática de abortamentos em sua clínica, com a finalidade de que as mulheres não se submetessem a procedimentos que colocassem a vida delas em risco.

Posteriormente, diante da repercussão do caso na imprensa nacional, a recorrente Neide Mota Machado teria efetuado ligação telefônica e remetido diversas mensagens, todas em tom ameaçador, para o celular de Ana Raquel Copetti da Rocha, responsável pela primeira gravação.

Diante desta notitia criminis, foi instaurado Inquérito Policial e, posteriormente, oferecida denúncia em que se imputava a todos os acusados a prática dos crimes de aborto, por 26 (vinte e seis) vezes, e de formação de quadrilha; e, somente à Neide Mota Machado, também a prática do crime de ameaça.

Ao final da 1ª fase do procedimento, houve a pronúncia de Rosângela de Almeida, Maria Nelma de Souza, Libertina de Jesus Centurion, Simone Aparecida Cantagessi de Souza e Neide Mota Machado pela prática de aborto, por 25 (vinte e cinco) vezes, e de formação de quadrilha; e, somente à Neide Mota Machado, também pela prática do crime de ameaça. Já Lucas Mota Lorenz, Daniela Martins Athia, Maria Lúcia Cornellas França e Elaine Maria de Souza foram impronunciados, conforme art. 409 do CPP.

Inicialmente, deve-se salientar que a decisão de pronúncia questionada é datada de 7 de agosto de 2008, portanto, antes da vigência da Lei n. 11.689, vigente desde 10 de agosto de 2008. Desse modo, a decisão de pronúncia menciona alguns dispositivos de lei que já foram alterados ou revogados, entretanto, são válidos, em aplicação ao princípio do tempus regit actum.

Por questão de praticidade, ainda que existam diversos recursos, as matérias preliminares, suscitadas por Simone Aparecida Cantagessi de Souza e Neide Mota Machado, serão apreciadas, de imediato, e o mérito de todos os recursos será analisado em conjunto.

MATÉRIAS PREJUDICIAIS AO MÉRITO:

Preliminar suscitada por Simone Aparecida Cantagessi de Souza:

Inicialmente, a recorrente sustenta merecer o benefício do perdão judicial, conforme Lei n. 9.807/99. O art. 13 da Lei n. 9.807/99 dispõe que:

"Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:

I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;

II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso."

A argumentação ministerial é de que a recorrente não faz jus ao benefício penal, por não preencher os requisitos para a sua concessão. Entretanto, a despeito disso, este pleito já foi apreciado pela decisão objurgada e os fundamentos alinhavados persistem, ou seja, o perdão judicial só deve ser apreciado por seu juiz natural: no caso do Tribunal do Júri, os jurados.

Este Sodalício já se manifestou neste sentido:

"(...) RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO - RECURSO MINISTERIAL - PRELIMINARES DA DEFESA - OFENSA AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL, FALTA DE INTERESSE E PRECLUSÃO - REJEITADAS - CONHECIMENTO - CONCESSÃO DO PERDÃO JUDICIAL EM RETRATAÇÃO DA PRONÚNCIA - BENEFÍCIO QUE DEVE SER SUBMETIDO À ANÁLISE DOS JURADOS - PRETENDIDA PRONÚNCIA E RECONHECIMENTO DAS QUALIFICADORAS DO MOTIVO FÚTIL E DA DISSIMULAÇÃO - PROVIDO.

(...) Havendo indícios de autoria e materialidade, devem as agentes ser pronunciadas e submetidas a julgamento pelo Tribunal do Júri, cabendo aos jurados a concessão ou não do benefício do perdão judicial." (TJMS. Recurso em Sentido Estrito 2007.023406-6. Rel.ª Des.ª Marilza Lúcia Fortes. 1.ª Turma Criminal. j. 11/3/2008. DJ 4/4/2008)

Desta forma, nota-se que o momento da verificação do perdão judicial é aquele em que o mérito, em si, da ação penal deve ser analisado, isto é, no Plenário do Tribunal do Júri. Aliás, o perdão judicial é decorrência lógica de uma sentença condenatória, tornando-se absolutamente inviável sua concessão num momento em que a condenação é impossível - decisão de pronúncia.

Sobre a natureza jurídica do perdão judicial, o jurista Guilherme de Souza Nucci(1) ensina que:

"Perdão judicial: é a clemência do Estado para determinadas situações expressamente previstas em lei, quando não se aplica a pena prevista para determinados crimes, ao serem preenchidos certos requisitos objetivos e subjetivos que envolvem a infração penal.

(...)

Regula o tema a Súmula 18 do Superior Tribunal de Justiça: 'A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório'. Parece-nos ser uma decisão condenatória, pois ninguém perdoa um inocente. Ao contrário, é imperioso reconhecer a culpa do réu para, depois, verificando não ser necessária a sanção penal perdoá-lo. (...) Por que ser perdoado pelo Judiciário se não se é culpado? (...) Ora, não fosse decisão condenatória, seria dispensável tal preceito na lei processual penal. Como ensina Sérgio de Oliveira Médici, 'chamada de absolvição anômala por vários autores, a sentença concessiva de perdão judicial apresenta conteúdo condenatório, pois o juiz somente perdoa o imputado nas hipóteses expressamente previstas em lei, após a valoração da prova e verificação da procedência da acusação. Caso contrário, não haveria o que perdoar'."

O Supremo Tribunal Federal já decidiu, há tempos, que a concessão do perdão judicial pressupõe a condenação: "Penal. Perdão Judicial. Efeitos. O perdão judicial pressupõe condenação, pelo que não se estende aos efeitos secundários proprios da sentença condenatória. Precedentes." (STF. RE 104679. Rel. Min. Aldir Passarinho. 2.ª Turma. j. 22/10/1985. DJ 6-12-1985).

Desta forma, a preliminar de nulidade da pronúncia, por entender ser merecedora do perdão judicial, deve ser rejeitada.

Preliminar suscitada por Neide Mota Machado:

A recorrente Neide Mota Machado suscita, em síntese, a nulidade processual, apontando diversos fundamentos, que devem ser analisados separadamente, para melhor compreensão.

Inépcia da denúncia por ausência de exames de gravidez e de laudo pericial de comprovação de abortos:

Inicialmente, a recorrente sustenta que a denúncia seria inepta, por falta de exame de gravidez, em relação a algumas das mulheres envolvidas. Esta questão é umbilicalmente ligada à preliminar suscitada na sequência, na qual se alega a inexistência de laudo pericial que confirme a realização de prática abortiva, em relação a outras mulheres envolvidas. Nesta vertente, afirma que a realização de exame de corpo de delito direto é indispensável, visto que o delito em comento é daqueles que deixa vestígios.

Observa-se que as duas preliminares tratam do mesmo tema, qual seja, a materialidade delitiva. Assim sendo, devem ser analisadas em conjunto.

É certo que a decisão de pronúncia é um juízo de cognição limitada. O julgador não pode extrapolar os limites expressamente previstos em lei, sob pena de invadir a seara de competência dos jurados, assegurada pela Carta Magna.

Isso propiciou a criação de algumas situações inusitadas no meio jurídico, como o ensinamento de que a decisão de pronúncia deve se orientar, sem limitações, pelo princípio do in dubio pro societatis.

Na realidade, o Código de Processo Penal (antes e depois da Lei n. 11.689/08) sempre previu que a decisão de pronúncia do juiz togado fosse pautada num juízo de certeza - ainda que íntima -, em relação à materialidade, e de verossimilhança, em relação à autoria.

Assim dispunha a redação anterior do art. 408 do CPP "se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento" (grifo nosso).

Após a Lei n. 11.689/08, a pronúncia passou a ser regulada pelo art. 413, da seguinte forma "o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação" (grifo nosso).

Desta forma, para haver pronúncia, é indiscutível a necessidade de comprovação de que o fato delituoso ocorreu. Contudo, por si só, a ausência de exame pericial não possui o condão de impossibilitar a continuidade da ação penal.

De fato, a legislação processual exige a elaboração de laudo de exame de corpo de delito para aqueles crimes que deixam vestígios, entretanto, há também a possibilidade de suprir a sua ausência por outros meios de prova.

No caso dos autos, constata-se que os supostos abortamentos vinham sendo praticados há bastante tempo, às escondidas, não se admitindo o argumento de que os vestígios ainda existem. Neste particular, merece transcrição o trecho da decisão de pronúncia que afastou a preliminar de ausência de materialidade delitiva (f. 2.135-2.136):

"Nesse particular, insubsistente tal argumento, porquanto embora certo que sempre que deixar vestígio é inarredável a confecção do laudo pericial.

Entretanto, 'in casu' as circunstâncias fáticas, ou seja, o delito de aborto normalmente é realizado, em tese, às escondidas, havendo elementos nos autos que os restos eram eliminados junto à sala de expurgo e posteriormente despejados os restos orgânicos no lixo hospitalar, sendo recolhido pelo serviço público.

Logo, devido à prática dessa espécie de delito 'as escondidas', deduz-se que dificilmente seria possível encontrar vestígios do abortamento nas mulheres que o fizeram depois de algum tempo.

Dessa forma, infere-se a impossibilidade do exame de corpo de delito. Então, para isso a lei processual faculta que a prova testemunhal aliada com outros documentos, aliás, esses pródigos nos autos, poderão suprir a falta do laudo.

Acresce-se que o princípio do livre convencimento motivado do juiz orienta o julgador singular que, sem qualquer critério de valoração prévia da prova, pode optar livremente por aquela que lhe parecer mais convincente, desde que argumente racionalmente. Leia-se: há elementos nos autos, depoimentos, documentos, etc., que levam aos indícios de materialidade.

Agregado a isso, vale lembrar que o juiz natural, no caso, o Conselho de Sentença, poderá considerar suprida a falta do exame de corpo de delito pela prova testemunhal, desde que os vestígios tenham desaparecido. Assim, como essa questão é íntima ao mérito, deve ser avaliada pelos Jurados que diante das provas poderão julgar, conforme sua íntima convicção.

Destaco que o art. 167 do CPP cuida de hipótese diversa, qual seja, a do desaparecimento de todos os vestígios, principais e periféricos. Neste caso, não tem sentido falar-se em perícia, podendo a prova testemunhal suprir-lhe a falta.

Em reforço, pelo contrário, o art. 564, inciso III, alínea 'b' do CPP, ao prever a nulidade ante a falta de exame de corpo de delito direto ou indireto, ressalva expressamente a hipótese do art. 167, dizendo que neste caso a ausência do exame direto ou indireto não gera nulidade."

Desta forma, verifica-se que o laudo pericial, ainda que desejável, não é imprescindível para a pronúncia, sendo possível o convencimento por meio de outras provas. Guilherme de Souza Nucci(2) ensina que:

"Atinge-se essa certeza, no contexto dos delitos contra a vida, em regra, através do laudo pericial, demonstrando a ocorrência de morte (homicídio, aborto, infanticídio, participação em suicídio). Entretanto, é possível formar a materialidade também com o auxílio de outras provas, especialmente a testemunhal (art. 167, CPP)."

Sobre o caso específico do abortamento, o Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu:

"A prova da gravidez e de que o aborto foi provocado é assunto médico-legal, normalmente esclarecido no laudo pericial, cuja eventual deficiência não impedirá a pronúncia e até mesmo a condenação do acusado, desde que apoiada noutros elementos persuasivos da materialidade do crime" (TJSP. HC 280.904-3, Cafelândia, 4.ª C., Rel. Haroldo Luz, 27.04.1999)

Desta forma, a preliminar de nulidade processual, fundamentada na ausência de exames de gravidez e de laudos de exames de corpo de delito, deve ser rejeitada.

Inexistência de comprovação da ilicitude dos abortos:

Aduz que não há demonstração da materialidade delitiva, já que, ainda que se admita a ocorrência de abortos, não haveria provas de que foram criminosos, e não espontâneos.Assim como a preliminar anterior, esta trata da materialidade. E, da mesma forma, deve ser rejeitada.

A matéria é simples. Para a pronúncia, não é necessária a caracterização plena da ilicitude do fato. A legislação processual estabelece como requisito para a pronúncia o convencimento da existência do fato (aborto), que está presente nos autos.

A incumbência de definir se o fato é criminoso ou não é do Tribunal do Júri. Se a pronúncia se manifestasse sobre a ilicitude dos abortos constantes da denúncia, estaria invadindo a competência constitucional dos jurados.

Desta forma, a preliminar de nulidade processual fundamentada na inexistência de comprovação da ilicitude dos abortos deve ser rejeitada.

Cerceamento de defesa por ausência das gestantes na denúncia:

Afirma, também, que a ausência das mulheres, nas quais foram praticados os supostos crimes de aborto, no polo passivo da relação processual causa nulidade processual, por cerceamento de defesa. Esta matéria preliminar também já foi analisada na decisão de pronúncia e não merece acolhimento, por vários motivos.

Primeiro, porque a doutrina e a jurisprudência são tranquilas em afirmar que o crime de aborto constitui uma emblemática exceção pluralista à teoria Monista. Não há nenhuma dúvida de que as mulheres grávidas que permitiram a prática de aborto devem ser processadas pelo crime previsto no art. 124(3) e não pelo 126(4) do Código Penal.

Segundo, porque a propositura de ações penais separadas para as mulheres grávidas e para os terceiros que praticaram o abortamento não viola nenhum princípio processual e/ou constitucional. A ação penal, nestes casos, é pública incondicionada. Assim sendo, o Parquet tem apenas a obrigação de propô-la, não há a limitação de que todos os acusados constem na mesma ação.

Terceiro, porque, se a pretensão da recorrente fizesse sentido, a separação e o desmembramento de processos seria impossível, mesmo em casos de processos com vários réus ou naqueles em que um deles fosse foragido.

Quarto, não há nenhum cerceamento de defesa na ausência de um réu em ação penal. Poder-se-ia imaginar o cerceamento de defesa em casos de ausência de testemunhas, jamais de réus. Afinal, cabe à defesa arrolar suas testemunhas (e o indeferimento injustificado pode acarretar cerceamento de defesa), mas nunca estabelecer quais são os acusados do processo.

Desta forma, a preliminar de nulidade processual, fundamentada no cerceamento de defesa ocasionado por não constarem na denúncia as mulheres que consentiram na prática abortiva, deve ser rejeitada.

Provas ilícitas:

Alega que a apreensão das fichas médicas das pacientes da Clínica e a gravação realizada por repórteres de TV, utilizando-se de câmera escondida, são provas ilícitas.

Inicialmente, deve-se destacar a existência de 2 (duas) gravações bastante distintas. A primeira, realizada mediante utilização de câmera escondida, mostra a conversa da repórter Ana Raquel com a psicóloga Simone Aparecida, ora recorrente. Já a segunda, realizada mediante utilização de câmera aberta, mostra a entrevista consensual com a médica Neide Mota Machado.

Esses esclarecimentos se fazem necessários para que se possa delimitar com clareza qual é o objeto da preliminar suscitada. Afinal, nem sequer há como se questionar a legitimidade e licitude da segunda gravação.

Quanto à primeira, não assiste nenhuma razão à recorrente. Seja porque a gravação não é a única prova existente no conjunto probatório. Ou porque foi uma das pessoas envolvidas na conversa que efetuou a gravação. Ou, finalmente, porque a gravação foi apenas parte de uma matéria jornalística da qual se originou uma notitia criminis, dando ensejo à persecução penal, que buscou diversos meios de prova.

O Supremo Tribunal Federal já pacificou o tema, há tempos:

PROVA. Criminal. Conversa telefônica. Gravação clandestina, feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro. Juntada da transcrição em inquérito policial, onde o interlocutor requerente era investigado ou tido por suspeito. Admissibilidade. Fonte lícita de prova. Inexistência de interceptação, objeto de vedação constitucional. Ausência de causa legal de sigilo ou de reserva da conversação. Meio, ademais, de prova da alegada inocência de quem a gravou. Improvimento ao recurso. Inexistência de ofensa ao art. 5.º, incs. X, XII e LVI, da CF. Precedentes. Como gravação meramente clandestina, que se não confunde com interceptação, objeto de vedação constitucional, é lícita a prova consistente no teor de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sobretudo quando se predestine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou. (Grifo nosso) (STF. RE 402717/PR. Rel. Min. Cezar Peluso. 2.ª Turma. j. 2/12/2008. DJ 12-2-2009)

DIREITO PROCESSUAL PENAL E ELEITORAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. JUSTA CAUSA E PROVA ILÍCITA. GRAVAÇÃO. IMPROVIMENTO.

1. O recurso ordinário abrange, fundamentalmente, duas questões de direito relacionadas à ação penal instaurada por supostos crimes eleitorais praticados pelos pacientes: a) falta de justa causa para a deflagração da ação penal; b) denúncia nula, eis que baseada em prova ilícita.

2. No contexto da narrativa dos fatos, há justa causa para a deflagração e prosseguimento da ação penal contra os pacientes, não se tratando de denúncia inepta, seja formal ou materialmente.

3. A denúncia apresenta um conjunto de fatos conhecidos e minimamente provados com base nos elementos colhidos durante o inquérito.

4. É clara a narrativa quanto à existência de fatos aparentemente delituosos na seara eleitoral, supostamente praticados pelos pacientes que eram candidatos nas eleições municipais de 2004.

5. Observo que as condutas dos pacientes foram suficientemente individualizadas, ao menos para o fim de se concluir no sentido do juízo positivo de admissibilidade da imputação feita na denúncia. Houve, pois, atendimento às exigências formais e materiais contidas no art. 41, do Código de Processo Penal.

6. Há substrato fático-probatório suficiente para o início e desenvolvimento da ação penal pública de forma legítima. Não há dúvida de que a justa causa corresponde à uma das condições de procedibilidade para o legítimo exercício do direito de ação penal.

7. Houve produção de prova testemunhal, além de interrogatórios de co-réus, na fase policial, que não se relacionam à gravação de conversas havidas entre uma das pessoas supostamente contatadas pelos pacientes. Ainda que se considere ilícita a gravação realizada, consigno que a denúncia não se encontra embasada apenas neste meio de prova. Ademais, tal gravação se refere a apenas um dos fatos narrados na denúncia. (grifo nosso)

8. Recurso ordinário improvido. (STF. RHC 91306/SP, Rel.ª Min. Ellen Gracie. 2.ª Turma. j. 9/9/2008. DJ 25-9-2008)

HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA. INTERCEPTAÇÃO AMBIENTAL POR UM DOS INTERLOCUTORES. ILICITUDE DA PROVA. INOCORRÊNCIA. REPORTAGEM LEVADA AO AR POR EMISSORA DE TELEVISÃO. NOTITIA CRIMINIS. DEVER-PODER DE INVESTIGAR.

1. Paciente denunciado por falsidade ideológica, consubstanciada em exigir quantia em dinheiro para inserir falsa informação de excesso de contingente em certificado de dispensa de incorporação. Gravação clandestina realizada pelo alistando, a pedido de emissora de televisão, que levou as imagens ao ar em todo o território nacional por meio de conhecido programa jornalístico. O conteúdo da reportagem representou notitia criminis, compelindo as autoridades ao exercício do dever-poder de investigar, sob pena de prevaricação.

2. A ordem cronológica dos fatos evidencia que as provas, consistentes nos depoimentos das testemunhas e no interrogatório do paciente, foram produzidas em decorrência da notitia criminis e antes da juntada da fita nos autos do processo de sindicância que embasou o Inquérito Policial Militar.

3. A questão posta não é de inviolabilidade das comunicações e sim da proteção da privacidade e da própria honra, que não constitui direito absoluto, devendo ceder em prol do interesse público. (Precedentes).

Ordem denegada. (Grifo nosso) (STF. HC 87341/PR. Rel. Min. Eros Grau. 1.ª Turma. j. 7/2/2006, DJ 3-3-2006)

CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF.

I. - A gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa.

II. - Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário.

III. - A questão relativa às provas ilícitas por derivação - "the fruits of the poisonous tree" - não foi objeto de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF.

IV. - A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279-STF.

V. - Agravo não provido. Grifo nosso) (STF. AI 503617/PR. Rel. Min. Carlos Velloso. 2.ª Turma. j. 1/2/2005. DJ 4-3-2005)

Quanto às fichas médicas das pacientes, merece destaque o fato de que a Busca e Apreensão se deu em cumprimento de ordem judicial direta. Sobre a necessidade de que há sigilo profissional preservado nas fichas, a argumentação do parecer ministerial demonstrou grande acerto:

"Com relação às fichas médicas apreendidas, a alegação de que não houve uma busca e apreensão especial para o seu recolhimento não merece guarida. A justificativa de que essas fichas médicas fazem parte de um compromisso sigiloso entre paciente e médica não deve prosperar, haja vista que se trata de procedimento ilícito, ou seja, a prática do aborto (conduta expressamente expurgada pelo ordenamento jurídico pátrio).

Destarte, não merece guarida a pretensão da recorrente em constituir as provas carreadas aos autos em nulas por serem ilícitas, uma vez que a sua apreensão não foi realizada em desacordo com a lei material e os mandamentos constitucionais."

Desta forma, a preliminar de nulidade processual, fundamentada na existência de provas ilícitas nos autos, deve ser rejeitada.

Assim sendo, a preliminar de nulidade processual, por todos os fundamentos suscitados, deve ser rejeitada, pelos argumentos acima expostos.

MÉRITO RECURSAL:

Recurso de Neide Mota Machado:

A recorrente é apontada como principal articuladora da "Clínica de Planejamento Familiar", sendo médica e proprietária da clínica. O Parquet imputa a ela, diretamente, a conduta de conduzir os procedimentos abortivos nas mulheres que se dirigiam àquela clínica.

No tocante ao mérito, em apertada síntese, afirma que só pode ocorrer a pronúncia quando os indícios forem de tal monta que levariam o juiz a condenar o réu e que, a despeito da previsão legal, a impronúncia deve ter os mesmos efeitos da sentença absolutória.

Em que pese a extensa argumentação e fundamentação, jurisprudencial e doutrinária, o recurso não merece provimento.

A principal irresignação defensiva, na parte do mérito, é de que a recorrente teria sido acusada de cometer milhares de abortos, o que tornaria a denúncia genérica e, consequentemente, inepta.

Neste aspecto, não se pode confundir as coisas. Ainda que se mencione, an passant, que milhares de abortos devam ter sido praticados naquela clínica, o Parquet foi bastante técnico ao elaborar a peça inicial, narrando, especificamente, a prática de 26 (vinte e seis) abortos, por diversos réus.

Continuando o trabalho de boa técnica processual, o juízo a quo, efetuando o cotejo probatório preliminar que a lei determina, decidiu excluir 1 (um) dos abortos da acusação, pronunciar os primeiros recorrentes acima nominados e impronunciar o último, além de outros réus denunciados (Daniela Martins Athia, Maria Lúcia Cornellas França e Elaine Maria de Souza).

Destarte, apesar das inúmeras notícias veiculadas na imprensa, observa-se que o contexto processual está bastante definido. Assim, a impronúncia não pode ser aplicada a este caso, uma vez que existem provas suficientes para demonstrar a materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria.

Diante disso, deve ser negado provimento ao recurso de Neide Mota Machado.

Recurso de Simone Aparecida Cantagessi de Souza:

A recorrente é apontada como peça fundamental para o funcionamento da "Clínica de Planejamento Familiar", sendo a psicóloga do local. Sua função seria conversar com as paciente antes que fossem encaminhadas para o procedimento abortivo. Durante a conversa incentivaria as pacientes a praticarem o aborto, mostrando quanto representaria o custo de um filho e como ele poderia atrapalhar sua vida naquele momento.

No mérito, em apertada síntese, a recorrente alega que deve ser despronunciada, ante a ausência de indícios de autoria e materialidade.

Deve-se consignar, prefacialmente, que a própria recorrente, em seu interrogatório judicial, reconheceu ter plena consciência de que trabalhava numa clínica que realizava abortos ilegais. Portanto, não há nenhum problema para o reconhecimento de indícios de autoria suficientes para a pronúncia.

Quanto à materialidade, a recorrente afirma que inexistiria, em relação a algumas das vítimas, porque não haveria juízo de certeza acerca do aborto ou mesmo da gravidez.

Inicialmente, ela menciona que a vítima Ana Cleia Batista Ferreira Umaki, em seu depoimento policial, afirma que não tinha certeza de sua gravidez quando foi até a clínica. Contudo, o convencimento da materialidade se deu por outros elementos de prova, como sua ficha médica, a declaração de ciência do procedimento abortivo (f. 205) e o alto valor que foi pago pelo procedimento.

O mesmo ocorre em relação à vítima Daniele Silva Freitas. Ela teria negado a prática abortiva, mas os documentos constantes dos autos, como a sua declaração (f. 666) e a sua ficha médica, informam que ela teria pago R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), pelo atendimento, quando existem informações nos autos de que a simples consulta naquela clínica custava R$ 120,00 (cento e vinte reais).

Ela afirma, também, que não teve nenhuma participação na prática abortiva realizada em Danielle Augusto Miranda. Assevera que a prova existente neste sentido é apenas indiciária, visto que produzida na fase inquisitorial e não comprovada em juízo. Contudo, deve-se salientar que as declarações firmadas no Inquérito Policial são firmes em apontar a participação da recorrente.

Aliás, como bem ressaltado pelo Parquet, em suas Contrarrazões Recursais, o número de testemunhas arroladas pela acusação é limitado, sendo impossível ouvir todas as pessoas da fase inquisitorial. Ademais, a identidade da vítima era conhecida desde o Inquérito Policial, possibilitando que a recorrente a arrolasse como testemunha, caso tivesse interesse.

Quanto à vítima Joise Rodrigues da Cruz, afirma não ter conversado com ela na data dos supostos fatos. Entretanto, existem informações suficientes de que o atendimento teria ocorrido em data anterior. Não há dizer que o contato entre a recorrente e a vítima teria, necessariamente, que ocorrer no mesmo dia que o aborto para a caracterização da materialidade.

Quanto à vítima Lorena Larissa Peixoto, apesar de negar a prática abortiva, existem a sua declaração de ciência dos riscos do procedimento abortivo (f. 309) e, ainda, a informação de que teria pago R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) pelo atendimento na clínica. Portanto, verifica-se um convencimento mínimo suficiente para a pronúncia.

Quanto à vítima Maria de Lourdes da Nóbrega Albino, afirma que não realizou o procedimento abortivo, porque trabalhava como diarista e não tinha condições financeiras para tanto. Entretanto, verifica-se que a condição financeira não foi óbice suficiente para impedir a prática abortiva, já que o valor do procedimento foi reduzido de R$ 8.000,00 (oito mil reais) para R$ 1.000,00 (mil reais), quando a recorrente foi informada da condição financeira da vítima.

Na sequência, a recorrente alega que seus atos devem ser considerados meramente preparatórios da prática abortiva e, consequentemente, seriam impuníveis. Todavia, a denúncia é clara em descrever que a conduta da recorrente era incentivar as mulheres grávidas que chegavam àquela clínica a praticar o aborto. Assim sendo, neste momento processual existem elementos suficientes para a pronúncia; cabendo aos jurados a decisão sobre a punibilidade da conduta da recorrente.

Finalmente, alega que a realização de gravação da conversa com câmera escondida foi flagrante preparado, portanto, nulo. Contudo, a reportagem jornalística não foi nenhum flagrante. Não havia nenhuma movimentação estatal para a persecução penal. Ocorreu apenas a notitia criminis do fato delituoso.

Destarte, além da comprovação da materialidade, existem indícios suficientes de autoria para a manutenção da decisão de pronúncia pelo crime de aborto.

Quanto ao crime de formação de quadrilha, observa-se que existem indícios suficientes de que a atividade criminosa era empreendida por grupo organizado de pessoas, com animus associativo de permanência. Desta forma, não há maneira de se afastar a imputação penal neste momento.

Diante disso, deve ser negado provimento ao recurso de Simone Aparecida Cantagessi de Souza.

Recurso de Rosângela de Almeida, Maria Nelma de Souza e Libertina de Jesus Centurion:

As recorrentes Rosângela de Almeida, Maria Nelma de Souza e Libertina de Jesus Centurion são apontadas como auxiliares da médica Neide Mota Machado para o funcionamento da "Clínica de Planejamento Familiar", na função de enfermeiras. Tinham a função de auxiliar a proprietária da clínica de realização dos procedimentos abortivos.

Alegam que devem ser despronunciadas, com fulcro no art. 386, VI, do CPP, já que não tinham nenhum poder decisório sobre a conduta médica praticada pela acusada Neide Mota Machado.

O pleito não merece acolhimento, uma vez que os estudos técnicos que um enfermeiro possui são suficientes para compreender qual a natureza da atividade desempenhada na clínica, bem como a sua ilicitude.

Cientes da ilicitude da conduta, a adesão das recorrentes não pode ser considerada excludente de punibilidade, visto que eram funcionárias de empresa, pessoa jurídica de direito privado. Guilherme de Souza Nucci(5) esclarece:

"Elementos da obediência hierárquica: (...) relação de subordinação hierárquica entre o mandante e o executor, em direito público. Não há possibilidade de se sustentar a excludente na esfera do direito privado, tendo em vista que somente a hierarquia no setor público pode trazer graves consequências para o subordinado que desrespeita seu superior" (Grifo nosso)

Diante disso, deve ser negado provimento ao recurso de Rosângela de Almeida, Maria Nelma de Souza e Libertina de Jesus Centurion:

Recurso de Lucas Mota Lorenz:

O recorrente Lucas Mota Lorenz foi apontado como auxiliar da médica Neida Mota Machado para o funcionamento da "Clínica de Planejamento Familiar", na função de administrador. Entretanto, não havendo elementos que comprovassem sua ligação com as vítimas, foi impronunciado.

Sustenta que deve ser absolvido sumariamente. Entretanto, o pedido não merece provimento.

Destaca-se que a absolvição sumária é hipótese excepcional em que a legislação processual penal permite se afastar a jurisdição do Tribunal do Júri, seu juízo competente. Eugênio Pacelli de Oliveira(6) ensina:

"Como a regra deve ser a manutenção da competência do Tribunal do Júri, as hipóteses de absolvição sumária reclamam expressa previsão em lei e firme convencimento do julgador, pois a aludida decisão terá de se arrimar no grau de certeza demonstrado pelo juiz, seja quanto à matéria de fato, seja quanto às questões de direito envolvidas. A absolvição sumária é, pois, uma decisão excepcional, daí porque exija ampla fundamentação."

O que se observa nos autos é que o juízo a quo não encontrou um conjunto probatório suficiente para a pronúncia. Isso não se confunde com a alegação do recorrente, que pretende sua absolvição por insuficiência de provas.

De fato, a insuficiência de provas, nos crimes sujeitos a decisão do juiz singular, acarreta a absolvição. Entretanto, nos crimes sujeitos ao Tribunal do Júri, a insuficiência de provas acarreta a impronúncia. Para que ocorra a absolvição, nesta fase processual, é necessária a comprovação, indene de dúvidas, de que não tenha sido autor ou partícipe do fato delituoso, o que não ocorre nos autos.

Diante disso, deve ser negado provimento ao recurso de Lucas Mota Lorenz.

Diante do exposto, acompanhando o parecer, rejeito todas as preliminares suscitadas e nego provimento a todos os recursos interpostos.

DECISÃO

Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:

POR UNANIMIDADE, AFASTARAM AS PRELIMINARES E, NO MÉRITO, NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS, COM O PARECER.

Presidência do Exmo. Sr. Des. Romero Osme Dias Lopes.

Relator, o Exmo. Sr. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte.

Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Claudionor Miguel Abss Duarte, Romero Osme Dias Lopes e Carlos Eduardo Contar.

Campo Grande, 11 de maio de 2009.

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Publicado 15/05/09




Notas:

1 - Código penal comentado. 9.ª ed. São Paulo : RT, 2008, p. 552-554. [Voltar]

2 - Código de processo penal comentado. 8.ª ed. São Paulo : RT, 2008, p.743. [Voltar]

3 - Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de um a três anos. [Voltar]

4 - Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos. [Voltar]

5 - Código penal comentado. 9.ª ed. São Paulo : RT, 2008, p. 235. [Voltar]

6 - Curso de processo penal. 10.ª ed. Rio de Janeiro : Ed. Lumen Juris, 2008, p.569-570. [Voltar]




JURID - RSE. Aborto. Art. 126, CP. Formação de quadrilha. Ameaça. [28/05/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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